Não gera nulidade do processo
o fato de, em audiência de instrução, o magistrado, após o registro
da ausência do representante do MP (que, mesmo intimado, não
compareceu), complementar a inquirição das testemunhas realizada
pela defesa, sem que o defensor tenha se insurgido no momento
oportuno nem demonstrado efetivo prejuízo. Destaca-se,
inicialmente, que a ausência do representante do Ministério Público
ao ato, se prejuízo acarretasse, seria ao próprio órgão acusatório,
jamais à defesa, e, portanto, não poderia ser por esta invocado,
porquanto, segundo o que dispõe o art. 565 do CPP, "Nenhuma das
partes poderá arguir nulidade [...] referente a formalidade cuja
observância só à parte contrária interesse". De mais a mais, as
modificações introduzidas pela Lei n. 11.690/2008 ao art. 212 do CPP
não retiraram do juiz a possibilidade de formular perguntas às
testemunhas, a fim de complementar a inquirição, na medida em que a
própria legislação adjetiva lhe incumbe do dever de se aproximar o
máximo possível da realidade dos fatos (princípio da verdade real e
do impulso oficial), o que afasta o argumento de violação ao sistema
acusatório. Na hipótese em análise, a oitiva das testemunhas pelo
magistrado, de fato, obedeceu à exigência de complementaridade, nos
termos do que determina o art. 212 do CPP, pois somente ocorreu após
ter sido registrada a ausência do Parquet e dada a palavra
à defesa para a realização de seus questionamentos. Vale ressaltar,
ainda, que a jurisprudência do STJ se posiciona no sentido de que
eventual inobservância ao disposto no art. 212 do CPP gera nulidade
meramente relativa, sendo necessário, para seu reconhecimento, a
alegação no momento oportuno e a comprovação do efetivo prejuízo (HC
186.397-SP, Quinta Turma, DJe 28/6/2011; e HC 268.858-RS, Quinta
Turma, DJe 3/9/2013). Precedentes citados: AgRg no REsp
1.491.961-RS, Quinta Turma, DJe 14/9/2015; e HC 312.668-RS, Quinta
Turma, DJe 7/5/2015. REsp 1.348.978-SC, Rel. Min. Rogerio
Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min. Nefi Cordeiro, julgado em
17/12/2015, DJe 17/2/2016.
Tá Difícil? Quer por assunto?! 💡INFORMATIVOS STJ, POR ASSUNTO. Os informativos são divididos de forma a sistematizar os assuntos tratados na Constituição Federal, leis e doutrinas. Por: Karla Viviane Ribeiro Marques e Allan dos Anjos Moura Marques. *Observar atualizações no site do STJ
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20/02/2016
DIREITO PENAL. INDULTO E DETRAÇÃO.
O período compreendido entre
a publicação do decreto concessivo de indulto pleno e a decisão
judicial que reconheça o benefício não pode ser subtraído na conta
de liquidação das novas execuções penais, mesmo que estas se refiram
a condenações por fatos anteriores ao decreto indulgente. A
concessão do indulto, pleno ou parcial, atinge a pena. Será pleno
quando extinguir a pena por completo, resultando na extinção da
punibilidade. E será parcial, também chamado de comutação, quando o
afastamento da pena não se der por completo. No entanto, em ambos os
casos, os demais efeitos penais e civis do crime permanecem
inalterados. Assinale-se, ainda, que o indulto não é aplicado de
forma automática. Necessita, assim, de um procedimento judicial em
que o juiz da execução irá avaliar se o apenado preenche, ou não, os
requisitos insculpidos no decreto presidencial. Embora haja doutrina
que defenda ser meramente declaratória a decisão concessiva de
indulto, os decretos presidenciais, em geral, possuem condições
objetivas e subjetivas que necessitam de avaliação judicial. Nessa
medida, esse trâmite processual certamente levará um espaço de tempo
para ser cumprido, o que afasta a possibilidade de publicação do
decreto concessivo do benefício em um dia e, já no dia seguinte, a
sua aplicação no caso concreto. Assim, o indulto somente poderá
produzir os seus efeitos após essa avaliação. Além disso, em regra,
a concessão do indulto pressupõe a existência de uma sentença penal
condenatória com trânsito em julgado. Uma vez transitada em julgado
a sentença penal condenatória, surge a pretensão de execução da
pena. Se, posteriormente, o Estado desistir de prosseguir na
execução da pena, haverá, tão somente, uma interrupção do
cumprimento, mas não uma inidoneidade ou desnecessidade da pena.
Vale ressaltar que essa interrupção, no caso do indulto, é um ato de
clemência do Estado, que só será reconhecido ao apenado após regular
procedimento judicial. Portanto, até a prolação da decisão que
extinguir a punibilidade do agente, a sua custódia será decorrente
de uma prisão pena. A detração, por sua vez, é decorrência do
princípio constitucional da não culpabilidade. A CF estabelece que
"ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória". Ocorre que, mesmo antes do trânsito em
julgado, em algumas situações, faz-se necessária a constrição
provisória do acusado. Essa, no entanto, é uma prisão cautelar. E,
por vezes, ao final do julgamento, pode ocorrer a absolvição do
agente ou a prescrição da pretensão punitiva. Dessa forma, a
detração visa impedir que o Estado abuse do poder-dever de punir,
impondo ao agente uma fração desnecessária da pena quando houver a
perda da liberdade ou a internação em momento anterior à sentença
condenatória. Em razão desses casos, para amenizar a situação do
réu, o CP regulamentou que: "Art. 42 - Computam-se, na pena
privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão
provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa
e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no
artigo anterior'. Nessa linha intelectiva, a detração é uma operação
matemática em que se subtrai da pena privativa de liberdade (ou
medida de segurança) aplicada ao réu ao final do processo, o tempo
de prisão provisória, prisão administrativa ou internação em
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico que o sentenciado já
cumpriu anteriormente. Frise-se que, em razão da equidade, admite-se
a detração inclusive em processos que não guardem relação entre si,
desde que a segregação indevida seja posterior ao crime em que se
requer a incidência do instituto. Nestes casos, embora a prisão
processual fosse necessária no momento em que foi realizada, ao
final do julgamento do processo, a conduta do agente não resultou em
uma punição efetiva. Dessa forma, é possível utilizar esse período
para descontar a pena referente a crime praticado em data anterior.
Conclui-se, portanto, que a detração é um instituto que pretende
amenizar as consequências de uma custódia processual, abatendo-se da
pena efetivamente aplicada o período em que o réu esteve preso por
meio de medida cautelar, seja em razão de prisão provisória, prisão
administrativa ou internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico. Assim, o instituto da detração não pode tangenciar o
benefício do indulto porque, enquanto o período compreendido entre a
publicação do Decreto Presidencial e a decisão que reconhece o
indulto, decretando-se a extinção da punibilidade do agente,
refere-se a uma prisão pena, a detração somente se opera em relação
à medida cautelar, o que impede a sua aplicação no referido período.
REsp 1.557.408-DF, Rel. Min. Maria Thereza
de Assis Moura, julgado em 16/2/2016, DJe 24/2/2016.
DIREITO PENAL. CRIME DE CONTRABANDO E IMPORTAÇÃO DE COLETE À PROVA DE BALAS.
Configura crime de
contrabando a importação de colete à prova de balas sem prévia
autorização do Comando do Exército. A Portaria n. 18 do
DLOG, publicada em 19/12/2006, regulamenta as normas de avaliação
técnica, fabricação, aquisição, importação e destruição de coletes
balísticos e exige determinadas condições aos compradores e
importadores desse tipo de artefato, tais como, autorização prévia
do Comando do Exército e restrição a determinados órgãos e pessoas.
Desse modo, a importação de colete à prova de balas está sujeita à
proibição relativa e, por conseguinte, configura crime de
contrabando quando realizada fora dos moldes previstos nesse
regulamento. RHC 62.851-PR, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, julgado em 16/2/2016, DJe 26/2/2016.
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E PENAL. TIPIFICAÇÃO DAS CONDUTAS DE FOTOGRAFAR CENA PORNOGRÁFICA E ARMAZENAR FOTOGRAFIAS DE CONTEÚDO PORNOGRÁFICO ENVOLVENDO CRIANÇA OU ADOLESCENTE.
Fotografar cena e armazenar
fotografia de criança ou adolescente em poses nitidamente sensuais,
com enfoque em seus órgãos genitais, ainda que cobertos por peças de
roupas, e incontroversa finalidade sexual e libidinosa, adequam-se,
respectivamente, aos tipos do art. 240 e 241-B do ECA.
Configuram os crimes dos arts. 240 e 241-B do ECA quando
subsiste incontroversa a finalidade sexual e libidinosa de
fotografias produzidas e armazenadas pelo agente, com enfoque nos
órgãos genitais de adolescente - ainda que cobertos por peças de
roupas -, e de poses nitidamente sensuais, em que explorada sua
sexualidade com conotação obscena e pornográfica. O art. 241-E do
ECA ("Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão 'cena
de sexo explícito ou pornográfica' compreende qualquer situação que
envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas,
reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança
ou adolescente para fins primordialmente sexuais") trouxe norma
penal explicativa - porém não completa - que contribui para a
interpretação dos tipos penais abertos criados pela Lei n.
11.829/2008. Nessa linha de intelecção, a definição de material
pornográfico acrescentada por esse dispositivo legal não restringe a
abrangência do termo pornografia infanto-juvenil e, por conseguinte,
deve ser interpretada com vistas à proteção da criança e do
adolescente em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento (art.
6º do ECA). Desse modo, o conceito de pornografia infanto-juvenil
pode abarcar hipóteses em que não haja a exibição explícita do órgão
sexual da criança e do adolescente e, nesse sentido, há entendimento
doutrinário. Portanto, configuram os crimes dos arts. 240 e 241-B do
ECA quando subsiste incontroversa a finalidade sexual e libidinosa
de fotografias produzidas e armazenadas pelo agente, com enfoque nos
órgãos genitais de adolescente - ainda que cobertos por peças de
roupas -, e de poses nitidamente sensuais, em que explorada sua
sexualidade com conotação obscena e pornográfica. REsp 1.543.267-SC, Rel. Min. Maria Thereza
de Assis Moura, julgado em 3/12/2015, DJe 16/2/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPLEMENTAÇÃO DE DENÚNCIA COM ROL DE TESTEMUNHAS.
A intimação do Ministério
Público para que indique as provas que pretende produzir em Juízo e
a juntada do rol de testemunhas pela acusação, após a apresentação
da denúncia, mas antes da formação da relação processual, não são
causas, por si sós, de nulidade absoluta. Isso porque, a
despeito da previsão legal do momento processual adequado para o
arrolamento das testemunhas tanto para a acusação (art. 41 do CPP)
quanto para a defesa (arts. 396 e 396-A), aspectos procedimentais
devem ser observados pelas partes, devendo-se proceder a uma visão
global do todo previsto, interpretando sistematicamente o CPP. E,
nos termos do art. 284 do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo
penal, por força do art. 3º do Diploma Processual Penal,
"Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos
exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e
irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito,
determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10
dias" e, acaso se mantenha inerte a parte autora, deverá o
magistrado, aí sim, nos termos do parágrafo único do art. 284 do
CPC, indeferir a petição inicial. Referida previsão legal foi
aprimorada no Novo CPC, o qual dispõe no seu art. 319 que o juiz tem
o dever de, ao verificar que a petição inicial não preenche os
requisitos legais dos arts. 319 e 320 ou que apresente defeitos e
irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito,
determinar ao autor que emende a inicial ou a complemente, indicando
com precisão o que deve ser corrigido ou completado, quando, tão
somente após, estará legitimado a indeferir a petição inicial, caso
o vício não seja suprimido. Com efeito, o nosso sistema processual é
informado pelo princípio da cooperação, sendo pois, o processo, um
produto da atividade cooperativa triangular entre o juiz e as
partes, no qual todos devem buscar a justa aplicação do ordenamento
jurídico no caso concreto, não podendo o magistrado se limitar a ser
mero fiscal de regras, devendo, ao contrário, quando constatar
deficiências postulatórias das partes, indicá-las, precisamente, a
fim de evitar delongas desnecessárias e a extinção do processo sem a
análise de seu mérito. Assim, ainda que não observado o referido
momento processual adequado para a indicação das provas que
pretendia produzir, o que, em tese, pode levar ao reconhecimento da
preclusão na prática do referido ato processual, o certo é que o
magistrado, verificando a irregularidade na denúncia que pode levar
ao seu indeferimento por ser inepta, tem o poder-dever de determinar
a intimação da parte para que proceda à correção da petição inicial,
sob pena de não o fazendo, ter que reconhecer nulidade posterior,
ensejando o desnecessário ajuizamento de nova ação penal. Vale
observar, igualmente, que não se verifica violação do sistema
acusatório, pois, como já ressaltado anteriormente, o juiz, no caso,
verificando irregularidade na denúncia que poderia ensejar o
reconhecimento de sua inépcia por ausência de condição da ação,
intimou o Parquet para que este esclarecesse sua pretensão
de produzir provas em juízo, devendo indicá-las em caso positivo,
não tendo, em nenhum momento, indicado precisamente qual(is)
prova(s) seria(m) esta(s). Logo, sua atividade foi de prevenção de
extinção do processo sem julgamento de mérito e não de substituição
da atividade probatória das partes. Ademais, o art. 563 do CPP
determina que "Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não
resultar nenhum prejuízo para a acusação ou para a defesa". E, no
caso em análise, a determinação de correção da petição inicial
acusatória pelo magistrado, sem a indicação das provas que deveriam
ser requeridas pelo Ministério Público, não ensejou qualquer
prejuízo ao réu, pois, como já ressaltado, o juiz de primeiro grau
abriu vista ao Parquet antes mesmo da intimação e citação do acusado
para o oferecimento de resposta à acusação, tendo a defesa amplas
possibilidades de contraditar os elementos probatórios até então
requeridos, situação que demonstra a inexistência de violação dos
princípios do contraditório e da ampla defesa e de qualquer prejuízo
ao réu. Vale observar especificamente quanto ao rol de testemunhas
que, ainda que o Parquet não tivesse indicado nenhuma testemunha, o
juiz, nos termos do art. 209 do CPP, poderia determinar, a qualquer
momento do processo, a oitiva daquelas que julgasse necessárias.
Além do mais, no sistema processual penal brasileiro, o órgão
jurisdicional é o destinatário da prova produzida no processo, uma
vez que será o competente para o processo e o julgamento do delito,
nos termos preconizados pelo art. 155. Entendimento em sentido
diverso viola o próprio princípio do impulso oficial, pois o
magistrado, ainda que verifique alguma irregularidade em atos
processuais praticados pelas partes, estaria impedido de determinar
o seu saneamento, só lhe restando, ao final, reconhecer a nulidade
do ato e provocar o desnecessário e evitável ajuizamento de nova
ação penal. Por fim, ressalte-se que, de modo distinto, a Sexta
Turma entendeu, por maioria de votos, nos autos do RHC 45.921-SP
(DJe 29/5/2015), reconheceu a impossibilidade do Juiz determinar a
intimação do Parquet para que procedesse à inclusão das
testemunhas quando verificado a ausência de indicação do respectivo
rol e do protesto pela produção das provas na denúncia, sob pena de
violação do sistema acusatório e de subversão das fases
procedimentais previstas no Diploma Processual. Precedente citado do
STJ: HC 320.771-RS, Quinta Turma, DJe 30/9/2015. Precedente citado
do STF: RHC 86.793-CE, Primeira Turma, DJ 8/11/2005. RHC 37.587-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, julgado em 16/2/2016, DJe 23/2/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. REJEIÇÃO DE INICIAL ACUSATÓRIA DESACOMPANHADA DE DOCUMENTOS HÁBEIS A DEMONSTRAR, AINDA QUE DE MODO INDICIÁRIO, A AUTORIA E A MATERIALIDADE DO CRIME.
Deve ser rejeitada a
queixa-crime que, oferecida antes de qualquer procedimento prévio,
impute a prática de infração de menor potencial ofensivo com base
apenas na versão do autor e na indicação de rol de testemunhas,
desacompanhada de Termo Circunstanciado ou de qualquer outro
documento hábil a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a
autoria e a materialidade do crime. Isso porque a imputação
penal desacompanhada de documentos hábeis a demonstrar, ainda que de
modo indiciário, a autoria e a materialidade do crime, destituída,
desse modo, de base empírica idônea, implica ausência de "justa
causa", fato que, nos termos do art. 395, III, do CPP, desautoriza a
instauração da persecutio criminis in iudicio. De fato, a
despeito de o rito dos Juizados Especiais Criminais ser pautado
pelos critérios da oralidade, simplicidade e informalidade, a
inicial acusatória (queixa-crime ou denúncia), mesmo nas infrações
de menor potencial ofensivo, deve vir acompanhada com o mínimo
embasamento probatório, ou seja, com lastro probatório mínimo apto a
demonstrar, ainda que de modo indiciário, a efetiva realização do
ilícito penal. Dessa forma, mesmo nas infrações de menor potencial
ofensivo, é necessária análise da justa causa, seja na denúncia ou
na queixa-crime. Trata-se, portanto, de um pressuposto processual
que deve ser averiguado, de plano, pelo magistrado, sob pena de
rejeição da inicial acusatória. Além disso, como, no caso em
análise, a queixa-crime crime foi oferecida antes de qualquer
procedimento prévio, essa inicial acusatória não pode se eximir de
um controle jurisdicional acerca dos pressupostos processuais.
Diferentemente, seria a hipótese em que a persecução penal é
deflagrada por um Termo Circunstanciado enviado pela autoridade
policial, na qual haverá, imediatamente, uma fase preliminar, já
lastreada com um suporte probatório mínimo. E, ao final, na
impossibilidade de aplicação dos institutos despenalizadores, a
inicial acusatória (denúncia ou queixa-crime) seria ofertada,
conforme dispõe o art. 77 da Lei n. 9.099/1995. As partes terão a
oportunidade de compor civilmente os danos, ou, não havendo a
composição, será analisada a possibilidade de oferecimento de
transação penal. Caso não haja a aplicação dos institutos acima
referidos, a inicial acusatória será apresentada oralmente ou por
escrito. Nesse momento, o magistrado analisará o preenchimento das
condições da ação e dos pressupostos processuais, uma vez que a
apresentação da ação penal é postergada para o final da fase
preliminar. Todavia, no caso aqui analisado, há uma peculiaridade,
na medida em que a deflagração do procedimento criminal ocorreu com
o oferecimento, de imediato, da queixa-crime. Assim, imprescindível
uma análise, ainda que perfunctória, de seus pressupostos, dentre
estes a justa causa da ação penal privada. Nesse contexto, seria
temerário dar início à persecução penal, mesmo sob o rito da Lei n.
9.099/1995, com base apenas na versão do querelante acerca dos
fatos, sem qualquer lastro probatório mínimo a embasar a
queixa-crime. RHC 61.822-DF, Rel. Min. Felix Fischer,
julgado em 17/12/2015, DJe 25/2/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO NO PROCESSO PENAL DE PROVAS OBTIDAS PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA.
Os dados bancários entregues
à autoridade fiscal pela sociedade empresária fiscalizada, após
regular intimação e independentemente de prévia autorização
judicial, podem ser utilizados para subsidiar a instauração de
inquérito policial para apurar suposta prática de crime contra a
ordem tributária. De fato, a Primeira Seção do STJ, ao
apreciar o REsp 1.134.665-SP (DJe 18/12/2009), submetido ao rito do
art. 543-C do CPC, consolidou o entendimento de que a quebra do
sigilo bancário sem prévia autorização judicial para fins de
constituição de crédito tributário é autorizada pela Lei n.
8.021/1990 e pela LC n. 105/2001, normas procedimentais cuja
aplicação é imediata. Contudo, conquanto atualmente o STJ admita o
intercâmbio de informações entre as instituições financeiras e a
autoridade fiscal para fins de constituição de crédito tributário, o
certo é que tal entendimento não se estende à utilização de tais
dados para que seja deflagrada a persecução penal. Isso porque, como
é cediço, o sigilo bancário é garantido no art. 5º da CF, e para que
haja o seu afastamento exige-se ordem judicial que, também por
determinação constitucional, precisa ser fundamentada (art. 93, IX).
Na hipótese, todavia, consta do termo de constatação, retenção e
intimação, firmado por auditor fiscal da Receita Federal, que a
sociedade empresária apresentou diversas notas fiscais e cópias dos
extratos bancários das contas por ela movimentadas após ser
regularmente intimada. RHC
66.520-RJ, Rel. Min.
Jorge Mussi, julgado em 2/2/2016, DJe
15/2/2016.
DIREITO PENAL. USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA E AUMENTO DE PENA-BASE.
Representa circunstância
judicial idônea a exasperar a pena-base do condenado pelo crime de
uso indevido de informação privilegiada (art. 27-D da Lei n.
6.385/1976) o exercício de cargo de alta importância que
possibilitou o acesso à "informação relevante". Isso porque
o crime em questão não exige que o sujeito ativo seja ocupante de
determinado cargo. O referido tipo penal estabelece apenas que a
pessoa, relativamente à informação, "tenha conhecimento e da qual
deva manter sigilo". Desse modo, o exercício de cargo de alta
relevância que possibilitou o acesso à "informação privilegiada"
demonstra maior culpabilidade na ação perpetrada, situação que não
se traduz em dupla punição pelo mesmo fato (bis in
idem). REsp 1.569.171-SP, Rel. Min. Gurgel de
Faria, julgado em 16/2/2016, DJe 25/2/2016.
DIREITO PENAL. USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA.
Subsume-se à figura típica
prevista no art. 27-D da Lei n. 6.385/1976 a
conduta de quem, em função do cargo de alta relevância que exercia
em sociedade empresária, obteve informação sigilosa acerca da futura
aquisição do controle acionário de uma companhia por outra (operação
cujo estudo de viabilidade já se encontrava em estágio avançado) -
dado capaz de influir de modo ponderável nas decisões dos
investidores do mercado, gerando apetência pela compra dos ativos da
sociedade que seria adquirida - e, em razão dessa notícia, adquiriu,
no mesmo dia, antes da divulgação do referido dado no mercado de
capitais, ações desta sociedade, ainda que antes da conclusão da
operação de aquisição do controle acionário. O art. 27-D da
Lei n. 6.385/1976 ("Utilizar informação relevante ainda não
divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva
manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem
indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com
valores mobiliários") foi editado para assegurar a todos os
investidores o direito à equidade da informação, condição inerente à
garantia de confiabilidade do mercado de capitais, sem a qual ele
perde a sua essência, notadamente a de atrair recursos para as
grandes companhias. A legislação penal brasileira não explicitou,
entretanto, o que venha a ser "informação relevante", fazendo com
que o intérprete recorra a outras leis ou atos normativos para saber
o alcance da norma incriminadora. A par disso, convém destacar que,
segundo doutrina, "insider trading é, simplificadamente, a
utilização de informações relevantes sobre uma companhia, por parte
das pessoas que, por força do exercício profissional, estão 'por
dentro' de seus negócios, para transacionar com suas ações antes
que tais informações sejam de conhecimento do público". Assim,
"o insider compra ou vende no mercado a preços que ainda
não estão refletindo o impacto de determinadas informações sobre a
companhia, que são de seu conhecimento exclusivo". Cumpre esclarecer
que as "informações" apenas terão relevância para a configuração do
crime do art. 27-D da Lei n. 6.385/1976 se a sua utilização ocorrer
antes de serem divulgadas no mercado de capitais. Isso porque os
fatos com potencial de influência sobre as decisões dos investidores
devem ser comunicados publicamente, conforme determinam os arts. 3º
e 6º, parágrafo único, da Instrução Normativa n. 358/2002 da CVM,
bem como o art. 157, § 4º, da Lei n. 6.404/1976. Da leitura dos
referidos comandos normativos, conclui-se que, quando o insider
detiver informações relevantes sobre sua companhia, deverá
informá-las ao mercado tão logo seja possível (arts. 3º da Instrução
Normativa n. 358/2002 da CVM e 157, § 4º, da Lei n. 6.404/1976), ou,
no caso em que não puder fazê-lo, por entender que sua revelação
colocará em risco interesse da empresa (art. 6º da Instrução
Normativa), deverá abster-se de negociar com os valores mobiliários
referentes às informações privilegiadas, enquanto não forem
divulgadas. Em termos gerais, pode-se encontrar a definição de
"informação relevante" nos arts. 155, § 1º, da Lei n. 6.404/1976 e
2º da Instrução n. 358/2002 da CVM. Registre-se, nesse contexto, que
a Instrução Normativa n. 358/2002 da CVM, em seu art. 2º, elenca 22
(vinte e duas) hipóteses como exemplos de fatos potencialmente
relevantes, o que constitui, sem dúvida, importante fonte
hermenêutica para a seara criminal, assim como a Lei de Sociedade
Anônimas. Entretanto, compete ao aplicador da lei a valoração em
concreto da relevância da informação, conforme o momento e a
realidade em que ocorreram, até porque o rol mencionado não é
taxativo, mas exemplificativo. De mais a mais, conforme entendimento
doutrinário, "além desse critério de índole normativa, a informação
'deve ter em relação à realidade que descreve um mínimo de
materialidade ou objetividade ou, noutros termos, a consciência
mínima para permitir a sua utilização por um investidor médio', ou
seja, a informação deve estar dotada de potencialidade para
'influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado
de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia,
tal como prevê o artigo 157, § 4º, da Lei n. 6.404/1976'".
Acrescenta-se, ainda, que, "para que se possa fazer um juízo de
prognose relativamente à idoneidade da informação", sugere-se fazer
"uma comparação: 'se tal informação quando publicada fosse, num
juízo de previsibilidade reportado ao momento ex ante da
operação, suscetível de gerar apetência pela compra ou venda de
ativos, tal informação revelava idoneidade para influenciar a
evolução da cotação. Se as alterações que poderia induzir fossem
sensíveis, será informação privilegiada". Nessa linha intelectiva,
seguindo definição doutrinária, pode-se dizer que informação
relevante é aquela que: "a) não foi tornada pública; b) é capaz de
influir de modo ponderável na cotação de títulos ou valores
mobiliários (price sensitive); c) seja precisa ou
concreta". REsp 1.569.171-SP, Rel. Min. Gurgel de
Faria, julgado em 16/2/2016, DJe 25/2/2016.
DIREITO PENAL. COMPENSAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA COM A AGRAVANTE DA PROMESSA DE RECOMPENSA.
É possível compensar a
atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, "d", do CP) com a
agravante da promessa de recompensa (art. 62, IV).
O STJ pacificou o entendimento no sentido de ser possível,
na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da
confissão espontânea com a agravante da reincidência (REsp
1.341.370-MT, Terceira Seção, DJe 17/4/2013). Esse raciocínio,
mutatis mutandis, assemelha-se à presente hipótese, por se
tratar da possibilidade de compensação entre circunstâncias
igualmente preponderantes, a saber, a agravante de crime cometido
mediante paga com a atenuante da confissão espontânea. HC
318.594-SP, Rel. Min.
Felix Fischer, julgado em 16/2/2016, DJe
24/2/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VALIDADE DE CLÁUSULA ARBITRAL QUE RESERVE A SOLUÇÃO DE DETERMINADAS SITUAÇÕES PARA A VIA JUDICIAL.
É válida a cláusula
compromissória que excepcione do juízo arbitral certas situações
especiais a serem submetidas ao Poder Judiciário. Isso
porque a Lei n. 9.307/1996 não exige, como condição de existência da
cláusula compromissória, que a arbitragem seja a única via de
resolução admitida pelas partes, para todos os litígios e em relação
a todas as matérias. Cabe lembrar, ainda, que a liberdade de
contratar encontra respaldo no art. 425 do CC, que estabelece ser
"[...] lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as
normas gerais fixadas neste Código". Caso os contratantes pudessem o
mais, que seria afastar da jurisdição estatal todos os litígios
eventualmente decorrentes do contrato, remetendo-os à arbitragem,
certamente poderiam o menos, prevendo hipóteses especiais em que
determinadas divergências fossem submetidas ao Judiciário. Trata-se
de o contrato não ignorar o princípio da inafastabilidade da tutela
jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF), com o qual convive a Lei de
Arbitragem, aplicável apenas a direitos disponíveis. Determinadas
questões urgentes, especialmente as anteriores à instauração do
painel arbitral, não só podem como devem ser ajuizadas no
Judiciário, para que as partes não se vejam num "vazio
jurisdicional", em que não poderiam alcançar tutela judicial ou
arbitral (porque não instalada ainda a arbitragem). Nesse sentido, o
STJ possui relevantes precedentes: CC 111.230-DF, Segunda Seção, DJe
3/4/2014; REsp 1.277.725-AM, Terceira Turma, DJe 8/3/2013; e REsp
1.297.974-RJ, Terceira Turma, DJe 19/6/2012. Como se vê nos
precedentes, mesmo nas hipóteses em que as partes não estabeleceram
previamente a competência do Judiciário sobre determinados litígios
decorrentes do contrato, o STJ aplicou o princípio da
inafastabilidade da jurisdição, pela impossibilidade de ser exercida
a jurisdição arbitral antes de instaurada a arbitragem e constituído
o painel arbitral. Desse modo, não pode ser considerada nula a
cláusula compromissória constante de acordo que excepcione ou
reserve certas situações especiais a serem submetidas ao Judiciário,
mormente quando essas demandem tutelas de urgência. A
contrario sensu, nulidade haveria em previsão que vedasse
completamente toda e qualquer apreciação de litígio pelo Judiciário.
O convívio harmônico dos juízos arbitrais com os órgãos do
Judiciário constitui ponto fundamental ao prestígio da arbitragem.
Na escala de apoio do Judiciário à arbitragem, ressai como aspecto
essencial o da execução específica da cláusula compromissória, sem a
qual a convenção de arbitragem quedaria inócua. REsp 1.331.100-BA, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo,
julgado em 17/12/2015, DJe
22/2/2016.
DIREITO CIVIL. REQUISITOS DO INSTRUMENTO PROCURATÓRIO PARA A VALIDADE DA DOAÇÃO.
É inválida a doação realizada
por meio de procurador se o instrumento procuratório concedido pelo
proprietário do bem não mencionar o donatário, sendo insuficiente a
declaração de poderes gerais na procuração. Nos termos
legais (art. 538 do CC), objetivamente, "Considera-se doação o
contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu
patrimônio bens ou vantagens para o de outra". De forma subjetiva, a
doação representa um gesto de generosidade ou filantropia que
resulta da vontade desinteressada do doador de praticar uma
liberalidade. É contrato festejado na sociedade em virtude da
valorização que se dá às condutas animadas por solidariedade e
caridade. A despeito do caráter de liberalidade (animus
donandi), segundo doutrina, existe no âmbito jurídico uma dupla
preocupação relativamente a essa modalidade contratual: "de um lado,
a permissão da prática da liberalidade como legítima e espontânea
manifestação de vontade; de outra banda, o estabelecimento de uma
proteção fundamental à pessoa do doador, evitando prejuízos a quem
pratica um ato de generosidade". Assim, atento ao risco de o nobre
propósito de doar ser desvirtuado ou forjado, inclusive por mascarar
negócio jurídico distinto, existem institutos vocacionados a
controlar a sua regularidade, sendo que sua caracterização depende
da conjugação de elementos subjetivos e objetivos, quais sejam: a) o
sujeito (doador e donatário); b) o objeto a ser doado; c) o
animus donandi (intenção/vontade do doador de praticar a
liberalidade visando enriquecer o donatário); d) a transferência de
bens ou vantagens em favor do donatário; e) a aceitação de quem
recebe, afinal é com o consentimento de quem se beneficia que passa
o donatário a assumir deveres éticos, morais e jurídico para com o
benfeitor; e f) a forma pela qual se opera a doação. Ressalte-se que
o ordenamento jurídico permite a doação por procurador constituído
pelo doador, desde que ostente instrumento de mandato com poderes
especiais, nos termos do art. 661, §1º, do CC: "Para alienar,
hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que
exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de
poderes especiais e expressos". Assim, diante da solenidade que a
doação impõe, em razão da disposição de patrimônio que acarreta,
somente o mandatário munido de poderes especiais para o ato é que
pode representar o titular do bem a ser doado. Assinale-se que a
doutrina e a jurisprudência brasileiras têm admitido a doação por
procuração, desde que o doador cuide de especificar o objeto da
doação e o beneficiário do ato (donatário). A propósito, o STJ já
exarou o entendimento de que o animus donandi
materializa-se pela indicação expressa do bem e do beneficiário
da liberalidade, razão por que é insuficiente a cláusula que confere
poderes genéricos para a doação (REsp 503.675-SP, Terceira Turma, DJ
27/6/2005). REsp 1.575.048-SP, Rel. Min. Marco Buzzi,
julgado em 23/2/2016, DJe 26/2/2016.
DIREITO CIVIL. INAPLICABILIDADE DO DIREITO DE PREFERÊNCIA EM CONTRATO DE COMPRA E VENDA CELEBRADO ENTRE CONDÔMINOS.
O direito de preferência
previsto no art. 504 do CC aplica-se ao contrato de compra e venda
celebrado entre condômino e terceiro, e não àquele ajustado entre
condôminos. O art. 504 do CC enuncia que: "Não pode um
condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se
outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se
der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para
si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e
oitenta dias, sob pena de decadência. Parágrafo único. Sendo muitos
os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e,
na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem
iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem,
depositando previamente o preço". Partindo-se da literalidade do
previsto nesse artigo, infere-se que o direito de preferência deve
ser observado apenas nos casos em que a alienação se pactue entre
consorte e estranho, e não entre consortes. Efetivamente, o
caput do aludido dispositivo é bastante claro quanto à
incidência da preempção apenas nas hipóteses de negócio jurídico
envolvendo terceiro/estranho ao condomínio. Aliás, necessário
destacar que a ratio da positivação da referida norma sobre
o direito de prelação se cinge justamente à conciliação dos
objetivos particulares daquele que pretende alienar sua fração com a
(possível) manutenção da comunidade de coproprietários, até porque,
conforme entendimento doutrinário, "[...] a função social recomenda
ser mais cômodo manter a propriedade entre os titulares originários,
evitando desentendimento com a entrada de um estranho no grupo". A
referida preocupação está inserida, outrossim, no parágrafo único do
art. 1.314 do CC, segundo o qual: "Nenhum dos condôminos pode
alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela
a estranhos, sem o consenso dos outros". Com efeito, a alienação de
frações ideais entre condôminos refoge à finalidade intrínseca ao
direito de preferência, uma vez que não se tratará de hipótese de
ingresso de terceiro/estranho à comunhão. Pelo contrário, serão
mantidos os consortes, apenas com alterações no percentual da parte
ideal daquele que adquiriu a parcela de outrem. Esse entendimento,
aliás, já foi adotado por esta Corte, em antigo precedente da
Terceira Turma (REsp 19.538-SP, DJ 17/5/1993), no qual analisado o
art. 1.139 do CC/1916 - norma correspondente ao atual art. 504 do
CC. Além disso, não é cabível o argumento de que o parágrafo único
do art. 504 do CC, ao enunciar que: "Sendo muitos os condôminos,
preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de
benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão
a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando
previamente o preço", teria estendido o direito de preempção às
hipóteses de alienação entre consortes. Em verdade, o referido
parágrafo único apenas complementa a norma enunciada no
caput, estabelecendo o procedimento a ser adotado caso mais
de um condômino venha manifestar o seu direito de preferência, por
ocasião da alienação de fração ideal à terceiro alheio à comunhão.
Ademais, tratando-se de restrição à liberdade de contratar, o
instituto em comento - direito de preferência - deve ser
interpretado de forma restritiva. Assim, se a lei de regência (art.
504 do CC) apenas o institui em relação às alienações a estranhos,
não cabe ao intérprete, extensivamente, aplicar essa norma aos casos
de compra e venda entre consortes. REsp 1.137.176-PR, Rel. Min. Marco Buzzi,
julgado em 16/2/2016, DJe 24/2/2016.
DIREITO CIVIL. DIREITO AO RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE BIOLÓGICA.
O filho tem direito de
desconstituir a denominada "adoção à brasileira" para fazer constar
o nome de seu pai biológico em seu registro de nascimento, ainda que
preexista vínculo socioafetivo de filiação com o pai registral.
De fato, a jurisprudência do STJ entende que "Não há que se
falar em erro ou falsidade se o registro de nascimento de filho não
biológico efetivou-se em decorrência do reconhecimento de
paternidade, via escritura pública, de forma espontânea, quando
inteirado o pretenso pai de que o menor não era seu filho; porém,
materializa-se sua vontade, em condições normais de discernimento,
movido pelo vínculo socioafetivo e sentimento de nobreza" (REsp
709.608-MS, Quarta Turma, DJe 23/11/2009). Nada obstante, o
reconhecimento do estado biológico de filiação constitui direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível, consubstanciado no
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (REsp
1.215.189-RJ, Quarta Turma, DJe 1º/2/2011; e AgRg no REsp
1.203.874-PB, Terceira Turma, DJe 18/8/2011). Ademais, há
precedentes do STJ no sentido de que é possível o desfazimento da
"adoção à brasileira", mesmo no caso de vínculo socioafetivo, se
assim opta o interessado. Dessa forma, a paternidade socioafetiva em
face do pai registral não pode ser óbice à pretensão do filho de ver
alterado o seu registro para constar o nome de seu pai biológico,
sob pena de ofensa ao art. 1.596 do CC, segundo o qual "Os filhos,
havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação". Precedentes citados: REsp
1.352.529-SP, Quarta Turma, DJe 13/4/2015; e REsp 1.256.025-RS,
Terceira Turma, DJe 19/3/2014. REsp 1.417.598-CE, Rel. Min. Paulo de
Tarso Sanseverino, julgado em 17/12/2015, DJe
18/2/2016.
DIREITO CIVIL. DESPROPORÇÃO ENTRE A QUANTIA PAGA INICIALMENTE E O PREÇO AJUSTADO.
Se a proporção entre a
quantia paga inicialmente e o preço total ajustado evidenciar que o
pagamento inicial englobava mais do que o sinal, não se pode
declarar a perda integral daquela quantia inicial como se arras
confirmatórias fosse, sendo legítima a redução equitativa do valor a
ser retido. Quanto às arras, deve-se destacar que elas têm
duas funções: a) confirmatória (principal); e b) penitencial
(secundária). As arras confirmatórias podem significar princípio de
pagamento, na medida em que o negócio efetivamente se concretizar.
Marcam, portanto, o início da execução do negócio. Convém esclarecer
que o valor dado a título de arras confirmatórias deve ser
integralmente perdido, ou seja, quando a parte que deu as arras não
executar o contrato, não terá direito à devolução do "sinal" por ter
dado causa à rescisão. Mas, se o valor do pagamento inicial
englobava mais do que o sinal, o percentual de retenção deve ser
reduzido. Isso porque não é razoável o entendimento de que todo o
referido valor inicial pago seja enquadrado como sinal ou arras
confirmatórias e, em consequência, sujeite-se ao perdimento em prol
do vendedor. Entender de forma diversa implicaria onerar
excessivamente a parte que deu as arras, ainda que a ela tenha sido
atribuída culpa pela rescisão do contrato, e beneficiar a parte que
as recebeu. Em outras palavras, seria uma fonte de enriquecimento
desproporcional. Observe-se que a orientação jurisprudencial do STJ
é no sentido de que a fixação das arras confirmatórias se dá em
percentual inferior a 20% do valor do bem, variando, mais
precisamente, entre 10% e 20% (AgRg no REsp 1.013.249-PE, Quarta
Turma, DJe de 8/6/2010; e REsp 355.818-MG, Quarta Turma, DJ
13/10/2003). Nessa linha intelectiva, convém mencionar o Enunciado
n. 165 da III Jornada de Direito Civil do CJF: "Em caso de
penalidade, aplica-se a regra do art. 413 ao sinal, sejam as arras
confirmatórias ou penitenciais". Esclareça-se que o art. 413 do CC
estabelece que "a penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo
juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o
montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em
vista a natureza e a finalidade do negócio". REsp 1.513.259-MS, Rel. Min. João Otávio
de Noronha, julgado em 16/2/2016, DJe 22/2/2016.
DIREITO ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA DAS SANÇÕES E ENTIDADE INTEGRANTE DE CONSÓRCIO PÚBLICO COM PENDÊNCIA NO CAUC.
O fato de ente integrante de
consórcio público possuir pendência no Serviço Auxiliar de
Informações para Transferências Voluntárias (CAUC) não impede que o
consórcio faça jus, após a celebração de convênio, à
transferência voluntária a que se refere o art. 25 da LC n.
101/2000. Nos moldes da Lei n. 11.107/2005, é possível
conceituar consórcio público como o contrato administrativo
multilateral, firmado entre entidades federativas, para persecução
de objetivos comuns, resultando na criação de uma nova pessoa
jurídica. A grande novidade dos consórcios públicos regidos por essa
lei é que, atualmente, a celebração do contrato resulta na
instituição de uma nova pessoa jurídica, com personalidade distinta
da personalidade das entidades consorciadas (art. 1º, § 1º, da Lei
n. 11.107/2005). Nota-se, por oportuno, que o instrumento não
modifica a natureza dos entes federativos que dele participam. Nesse
passo, segundo o princípio da intranscendência das sanções, não
podem as penalidades e as restrições de ordem jurídica superar a
dimensão estritamente pessoal do infrator, não podendo prejudicar os
outros entes, sob pena de violação desse preceito normativo,
consoante entendimento já consolidado no STJ (AgRg no REsp
1.087.465-SC, Segunda Turma, DJe 16/9/2009) e no STF (ACO 1.631-GO
AgR, Tribunal Pleno, DJe 1º/7/2015; e ACO-MA 1.848 AgR, Tribunal
Pleno, DJe 6/2/2015). Em relação aos consórcios públicos, se não
adotada a tese da intranscendência, estar-se-á afirmando que a
irregularidade de uma pessoa jurídica de direito público, integrante
da administração pública direta, seria capaz de alcançar outra
pessoa jurídica, integrante da administração indireta (no caso, o
consórcio público de Direito Público). Ressalte-se, ainda, que os
consórcios públicos possuem autonomia administrativa, financeira e
orçamentária, não havendo falar em exceção ao princípio da
intranscendência, cujo escopo é o de impedir que sanções e
restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal
do infrator e atinjam outro ente federativo. A personalidade
jurídica própria dos consórcios permite razoável segurança jurídica
em relação ao cumprimento de suas obrigações. Além disso, não
prevalece a tese de que o respeito à autonomia dos consórcios
públicos incentivaria a inadimplência dos entes consorciados,
fraudando o sistema de normas que rege as transferências
voluntárias, uma vez que, na elaboração dos contratos de Direito
Público (assim como nos de Direito Comum), a boa-fé é presumida,
enquanto que a má-fé necessita ser provada. Ademais, a escolha das
propostas e a celebração do contrato de repasse são decisões
discricionárias do órgão do Poder Executivo competente, havendo um
procedimento de aprovação de plano de trabalho e de seleção da
proposta vencedora antes da formalização do contrato de repasse. Se
a administração pública decidisse por não selecionar a proposta em
razão da inadimplência de um dos entes consorciados, não haveria
óbice algum. No entanto, se aprovado o plano de trabalho do
consórcio público e selecionada a sua proposta, não há que se falar,
em razão da pendência de alguns dos entes consorciados, em
irregularidade por parte do consórcio público para firmar convênio,
visto que possui personalidade jurídica própria e relações jurídicas
próprias. REsp 1.463.921-PR, Rel. Min. Humberto
Martins, julgado em 10/11/2015, DJe 15/2/2016.
DIREITO ADMINISTRATIVO. ATRIBUIÇÃO PARA CLASSIFICAR COMO MEDICAMENTO PRODUTO IMPORTADO.
Se a ANVISA classificou
determinado produto importado como "cosmético", a autoridade
aduaneira não poderá alterar essa classificação para defini-lo como
"medicamento". Nos termos do art. 8º da Lei n. 9.782/1999,
incumbe à ANVISA regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e
serviços que envolvam a saúde pública. Logo, é da ANVISA a
atribuição de definir o que é medicamento e o que é cosmético.
Convém recordar que, quando se confere a certo e determinado órgão
administrativo alguma atribuição operacional, está-se, ipso
facto, excluindo os demais órgãos administrativos do desempenho
legítimo dessa mesma atribuição. Essa é uma das pilastras do sistema
organizativo e funcional estatal e abalá-la seria o mesmo que abrir
a porta da Administração para a confusão, a celeuma e mesmo o caos.
Assim, a distribuição de competências ou atribuições entre
diferentes órgãos ou agentes da Administração atende uma
recomendação garantista aos administrados, porquanto, na hipótese de
cumulação de funções no mesmo agente, atribuir-se-ia a esse uma
possível potestade incontrolável, a qual poderia determinar
situações arbitrárias e desrespeitosas a direitos subjetivos. Nesse
sentido, se a autoridade aduaneira pudesse classificar livremente os
produtos importados, é evidente que as alíquotas aplicadas seriam
sempre as mais elevadas. Ressalta-se, por fim, que a autoridade
aduaneira não é instância revisora da ANVISA. REsp 1.555.004-SC, Rel. Min. Napoleão
Nunes Maia Filho, julgado em 16/2/2016, DJe 25/2/2016.
DIREITO ADMINISTRATIVO. CARACTERIZAÇÃO DE TORTURA COMO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
A tortura de
preso custodiado em delegacia praticada por policial constitui ato
de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública. O legislador estabeleceu premissa
que deve orientar o agente público em toda a sua atividade, a saber:
"Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são
obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos
assuntos que lhe são afetos". Em reforço, o art. 11, I, da mesma
lei, reitera que configura improbidade a violação a quaisquer
princípios da administração, bem como a deslealdade às instituições,
notadamente a prática de ato visando a fim proibido em lei ou
regulamento. Tais disposições evidenciam que o legislador teve
preocupação redobrada em estabelecer que a grave desobediência - por
parte de agentes públicos - ao sistema normativo em vigor pode
significar ato de improbidade. Com base nessas premissas, a Segunda
Turma já teve oportunidade de decidir que "A Lei 8.429/1992 objetiva
coibir, punir e afastar da atividade pública todos os agentes que
demonstraram pouco apreço pelo princípio da juridicidade, denotando
uma degeneração de caráter incompatível com a natureza da atividade
desenvolvida" (REsp 1.297.021-PR, DJe 20/11/2013). É certo que o
STJ, em alguns momentos, mitiga a rigidez da interpretação literal
dos dispositivos acima, porque "não se pode confundir improbidade
com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e
qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso
mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a
caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa,
para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei
8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10"
(AIA 30-AM, Corte Especial, DJe 28/9/2011). A referida mitigação,
entretanto, ocorre apenas naqueles casos sem gravidade, sem
densidade jurídica relevante e sem demonstração do elemento
subjetivo. De qualquer maneira, a detida análise da Lei n.
8.429/1992 demonstra que o legislador, ao dispor sobre o assunto,
não determinou expressamente quais seriam as vítimas mediatas ou
imediatas da atividade desonesta para fins de configuração do ato
como ímprobo. Impôs, sim, que o agente público respeite o sistema
jurídico em vigor e o bem comum, que é o fim último da Administração
Pública. Essa ausência de menção explícita certamente decorre da
compreensão de que o ato ímprobo é, muitas vezes, um fenômeno
pluriofensivo, ou seja, ele pode atingir bens jurídicos diversos.
Ocorre que o ato que apenas atingir bem privado e individual jamais
terá a qualificação de ímprobo, nos termos do ordenamento em vigor.
O mesmo não ocorre, entretanto, com o ato que atingir bem/interesse
privado e público ao mesmo tempo. Aqui, sim, haverá potencial
ocorrência de ato de improbidade. Por isso, o primordial é verificar
se, dentre todos os bens atingidos pela postura do agente, existe
algum que seja vinculado ao interesse e ao bem público. Se assim
for, como consequência imediata, a Administração Pública será
vulnerada de forma concomitante. No caso em análise, trata-se de
discussão sobre séria arbitrariedade praticada por policial, que, em
tese, pode ter significado gravíssimo atentado contra direitos
humanos. Com efeito, o respeito aos direitos fundamentais, para além
de mera acepção individual, é fundamento da nossa República,
conforme o art. 1º, III, da CF, e é objeto de preocupação permanente
da Administração Pública, de maneira geral. De tão importante, a
prevalência dos direitos humanos, na forma em que disposta no inciso
II do art. 4º da CF, é vetor de regência da República Federativa do
Brasil nas suas relações internacionais. Não por outra razão,
inúmeros são os tratados e convenções assinados pelo nosso Estado a
respeito do tema. Dentre vários, lembra-se a Convenção Americana de
Direito Humanos (promulgada pelo Decreto n. 678/1992), que já no seu
art. 1º, dispõe explicitamente que os Estados signatários são
obrigados a respeitar as liberdades públicas. E, de forma mais
eloquente, os arts. 5º e 7º da referida convenção reforçam as suas
disposições introdutórias ao prever, respectivamente, o "Direito à
integridade pessoal" e o "Direito à liberdade pessoal". A essas
previsões, é oportuno ressaltar que o art. 144 da CF é taxativo
sobre as atribuições gerais das forças de segurança na missão de
proteger os direitos e garantias acima citados. Além do mais, é
injustificável pretender que os atos mais gravosos à dignidade da
pessoa humana e aos direitos humanos, entre os quais a tortura,
praticados por servidores públicos, mormente policiais armados,
sejam punidos apenas no âmbito disciplinar, civil e penal,
afastando-se a aplicação da Lei da Improbidade Administrativa. Essas
práticas ofendem diretamente a Administração Pública, porque o
Estado brasileiro tem a obrigação de garantir a integridade física,
psíquica e moral de todos, sob pena de inúmeros reflexos jurídicos,
inclusive na ordem internacional. Pondere-se que o agente público
incumbido da missão de garantir o respeito à ordem pública, como é o
caso do policial, ao descumprir com suas obrigações legais e
constitucionais de forma frontal, mais que atentar apenas contra um
indivíduo, atinge toda a coletividade e a própria corporação a que
pertence de forma imediata. Ademais, pertinente reforçar que o
legislador, ao prever que constitui ato de improbidade
administrativa que atenta contra os princípios da administração
pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de lealdade às
instituições, findou por tornar de interesse público, e da própria
Administração em si, a proteção da imagem e das atribuições dos
entes/entidades públicas. Disso resulta que qualquer atividade
atentatória a esse bem por parte de agentes públicos tem a
potencialidade de ser considerada como improbidade administrativa.
Afora isso, a tortura perpetrada por policiais contra presos
mantidos sob a sua custódia tem outro reflexo jurídico imediato. Ao
agir de tal forma, o agente público cria, de maneira praticamente
automática, obrigação ao Estado, que é o dever de indenizar, nos
termos do art. 37, § 6º, da CF. Na hipótese em análise, o ato
ímprobo caracteriza-se quando se constata que a vítima foi torturada
em instalação pública, ou melhor, em delegacia de polícia. Por fim,
violência policial arbitrária não é ato apenas contra o
particular-vítima, mas sim contra a própria Administração Pública,
ferindo suas bases de legitimidade e respeitabilidade. Tanto é assim
que essas condutas são tipificadas, entre outros estatutos, no art.
322 do CP, que integra o Capítulo I ("Dos Crimes Praticados por
Funcionário Público contra a Administração Pública"), que por sua
vez está inserido no Título XI ("Dos Crimes contra a Administração
Pública"), e também nos arts. 3º e 4º da Lei n. 4.898/1965, que
trata do abuso de autoridade. Em síntese, atentado à vida e à
liberdade individual de particulares, praticado por agentes públicos
armados - incluindo tortura, prisão ilegal e "justiciamento" -,
afora repercussões nas esferas penal, civil e disciplinar, pode
configurar improbidade administrativa, porque, além de atingir a
pessoa-vítima, alcança, simultaneamente, interesses caros à
Administração em geral, às instituições de segurança pública em
especial, e ao próprio Estado Democrático de Direito. Precedente
citado: REsp 1.081.743-MG, Segunda Turma, julgado em 24/3/2015.
REsp 1.177.910-SE, Rel. Ministro Herman
Benjamin, julgado em 26/8/2015, DJe 17/2/2016.
DIREITO TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE PIS E COFINS EM JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. STJ N. 8/2008).
Não são dedutíveis da base de
cálculo das contribuições ao PIS e COFINS o valor destinado aos
acionistas a título de juros sobre o capital próprio, na vigência da
Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003. Inicialmente,
destaca-se, para fins tributários, que a única semelhança entre
"juros sobre capital próprio" com "lucro" ou "dividendos" é o fato
deles serem destinações do lucro líquido. Isso porque o tratamento
legislativo que esses institutos recebem é distinto, o que evidencia
a diferença de natureza jurídica entre eles. Por um lado,
verifica-se que os lucros ou dividendos: (a) não estão sujeitos ao
imposto de renda na fonte pagadora nem integram a base de cálculo do
imposto de renda de beneficiário (art. 10 da Lei n. 9.249/1995); (b)
não são dedutíveis do lucro real (base de cálculo do imposto de
renda); (c) obedecem necessariamente ao disposto no art. 202 da Lei
n. 6.404/1976 (dividendo obrigatório); (d) têm limite máximo fixado
apenas no estatuto social ou, no silêncio deste, o limite dos lucros
não destinados, nos termos dos arts. 193 a 197 da Lei n. 6.404/1976;
e (e) estão condicionados apenas à existência de lucros (arts. 198 e
202 da Lei n. 6.404/1976). Por outro lado, observa-se que os juros
sobre capital próprio: (i) estão sujeitos à incidência do imposto de
renda na fonte na data do pagamento de crédito a beneficiário (art.
9º, §2º, da Lei n. 9.249/1995); (ii) quando pagos, são dedutíveis do
lucro real (art. 9º, caput, da Lei n. 9.249/1995); (iii)
podem, facultativamente, integrar o valor dos dividendos para efeito
de a sociedade obedecer à regra do dividendo obrigatório (art. 202
da Lei n. 6.404/1976); (iv) têm como limite máximo a variação da
Taxa de Juros de Longo Prazo (art. 9º, caput, da Lei n.
9.249/1995); e (v) estão condicionados à existência de lucros no
dobro do valor dos juros a serem pagos ou creditados (art. 9º, §1º,
da Lei n. 9.249/1995). Desse modo, ainda que se diga que os juros
sobre o capital próprio não constituam receitas financeiras, não é
possível simplesmente classificá-los, para fins tributários, como
"lucros e dividendos", de modo que não incidem o art. 1º, § 3º, V,
"b", da Lei n. 10.637/2002 e o mesmo dispositivo da Lei n.
10.833/2003. Ademais, não é possível invocar a analogia a fim de
alcançar eventual isenção de crédito tributário (art. 111 do CTN),
pois a exclusão dos juros sobre capital próprio (categoria nova e
autônoma) da base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS
dependeria de previsão explícita, a exemplo do que existe para o
imposto de renda (art. 9º da Lei n. 9.249/1995). Ocorre, aliás,
justamente o contrário, na medida em que não faltam exemplos na
legislação tributária de situações em que a inclusão desses valores
na base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS é reafirmada
(art. 1º da Lei n. 10.637/2002; art. 1º da Lei n. 10.833/2003; art.
1º do Decreto n. 5.164/2004; art. 1º, parágrafo único, I, do Decreto
n. 5.442/2005; art. 30, parágrafo único, da Instrução Normativa SRF
n. 11/1996). Inclusive, a esse respeito, é indiferente a
classificação contábil dada pela CVM (Deliberação CVM n. 207, de
13/12/1996), porquanto, além de não poder suplantar decreto do Chefe
do Poder Executivo, esse órgão não tem competência para expedir
normas complementares em matéria tributária, atribuição essa
exercida pela SRF. Registre-se, por oportuno, que essas conclusões
não estão de modo algum em conflito com as razões que fundamentaram
o REsp 1.373.438-RS (Segunda Seção, DJe 17/6/2014), julgado sob o
rito dos recursos repetitivos, no qual, após investigado o instituto
"juros sobre o capital próprio", concluiu-se pela sua natureza
jurídica sui generis. Na ocasião, foi afirmado que,
ontologicamente, os juros sobre capital próprio são parcela de lucro
a ser distribuída aos acionistas e, apenas por ficção jurídica, a
lei tributária passou a considerá-los juros. Pois bem, em que pese o
art. 110 do CTN vedar que legislação tributária altere a definição,
o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito
privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição
Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do
Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar
competências tributárias, tem-se que os juros sobre capital próprio
não são instituto utilizado pelas Constituições Federal ou
Estaduais, ou por Lei Orgânica. Além disso, não se trata de
instituto exclusivo de direito privado, porque teve origem na
própria legislação tributária, especificamente no art. 43, § 1º,
"e", do Decreto-Lei n. 5.844/1943 (Dispõe sobre a cobrança e
fiscalização do imposto de renda). Nessa ordem de ideias,
tratando-se de instituto híbrido de Direito Tributário e Direito
Empresarial, criado já no âmbito do imposto de renda como receita
tributável, a legislação tributária é apta a definir seu conteúdo e
alcance. Por fim, indubitavelmente, compõem o conceito maior de
receitas auferidas pela pessoa jurídica, base de cálculo das
contribuições ao PIS e COFINS, não havendo exclusão tributária
específica para essa rubrica. Precedentes citados: AgRg nos EDcl no
REsp 983.066-RS, Primeira Turma, DJe 11/3/2011; REsp 1.212.976-RS,
Segunda Turma, DJe 23/11/2010. REsp 1.200.492-RS, Rel. Min. Napoleão
Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques,
Primeira Seção, julgado em 14/10/2015, DJe 22/2/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPROVAÇÃO DA TEMPESTIVIDADE DO AGRAVO DE INSTRUMENTO MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE VISTA PESSOAL DA FAZENDA NACIONAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. STJ N. 8/2008).
O termo de abertura de vista
e remessa dos autos à Fazenda Nacional substitui, para efeito de
demonstração da tempestividade do agravo de instrumento (art. 522 do
CPC) por ela interposto, a apresentação de certidão de intimação da
decisão agravada (art. 525, I, do CPC). De fato, determina
o art. 525, I, do CPC que o agravo de instrumento deve ser
instruído, "obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da
certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos
advogados do agravante e do agravado". A literalidade do artigo em
testilha poderia levar à rápida conclusão de que a referida
certidão, como peça obrigatória na formação do instrumento do
recurso de agravo, seria requisito extrínseco sem o qual o recurso
não ultrapassaria, sequer, a barreira da admissibilidade.
Entretanto, a interpretação literal dos dispositivos legais não é,
em algumas ocasiões, a mais adequada, especialmente em se tratando
de leis processuais, as quais têm a finalidade precípua de
resguardar o regular exercício do direito das partes litigantes.
Efetivamente, a interpretação das regras processuais, na linha do
pensamento da moderna doutrina processualista a respeito da
necessidade de primazia da finalidade das normas de procedimento, na
busca por uma prestação jurisdicional mais breve e efetiva, deve
levar em conta não apenas o cumprimento da norma em si mesma, mas
seu escopo, seu objetivo, sob pena de se privilegiar o formalismo em
detrimento do próprio direito material buscado pelo jurisdicionado.
Assim, para que se decida a respeito da ocorrência ou não de excesso
de formalismo, é preciso, na linha de pensamento acima exposta,
atentar para a finalidade da exigência legal de apresentação da
aludida certidão de intimação que, frise-se, é a verificação da
tempestividade do agravo de instrumento. Dessa forma, sendo possível
verificar a referida tempestividade por outro meio, atingindo-se,
assim, a finalidade da exigência formal, deve-se, em atenção ao
princípio da instrumentalidade das formas, considerar atendido o
pressuposto e conhecer-se do agravo de instrumento. Ademais, os
arts. 38 da LC n. 73/1993, 6º, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.028/1995, 20
da Lei n. 11.033/2004 e 25 da Lei n. 6.830/1980 dispõem a respeito
das formas de intimação da União, inclusive, no tocante às execuções
fiscais, tendo a Fazenda Nacional a prerrogativa de ser intimada das
decisões, por meio da concessão de vista pessoal dos autos. Em razão
da mencionada prerrogativa, é certo que o prazo para apresentação de
recursos pela Fazenda Nacional tem início a partir da data em que há
a concessão da referida vista pessoal. Por tal motivo, entende-se
que, nos casos em que a Fazenda Nacional figura como agravante, pode
a certidão de concessão de vistas dos autos ser considerada como
elemento suficiente da demonstração da tempestividade do agravo de
instrumento, substituindo a certidão de intimação legalmente
prevista. Sob esse prisma, é preciso chamar a atenção para o fato de
que tal tratamento não pode, via de regra, ser automaticamente
conferido aos litigantes que não possuem a prerrogativa de intimação
pessoal, sob pena de se admitir que o início do prazo seja
determinado pelo próprio recorrente, a partir da data de vista dos
autos, a qual pode ser posterior ao efetivo termo inicial do prazo
recursal que, geralmente, é a data da publicação da mesma decisão
(EREsp 683.504-SC, Corte Especial, DJe 1º/7/2013). A propósito, no
precedente acima citado, afastou-se a aplicação do princípio da
instrumentalidade das formas, pois se considerou que a aposição
unilateral de ciente do advogado não goza de fé pública, sendo
insuficiente para aferição da tempestividade do recurso. REsp 1.383.500-SP, Rel. Min. Benedito
Gonçalves, Corte Especial, julgado em 17/2/2016, DJe
26/2/2016.
07/02/2016
DIREITO PROCESSUAL PENAL. REGISTRO DE ATOS INFRACIONAIS NÃO JUSTIFICA PRISÃO PREVENTIVA.
No processo penal, o fato de o suposto autor do crime já ter se envolvido em ato infracional não constitui fundamento idôneo à decretação de prisão preventiva. Isso porque a vida na época da menoridade não pode ser levada em consideração pelo Direito Penal para nenhum fim. Atos infracionais não configuram crimes e, por isso, não é possível considerá-los como maus antecedentes nem como reincidência, até porque fatos ocorridos ainda na adolescência estão acobertados por sigilo e estão sujeitos a medidas judiciais exclusivamente voltadas à proteção do jovem. Por conseguinte, a prática de atos infracionais não serve de lastro para a análise de uma pretensa personalidade voltada à prática de crimes hábil a justificar ameaça a garantia da ordem pública. Portanto, o cometimento de atos infracionais somente terão efeito na apuração de outros atos infracionais, amparando, v.g., a internação (art. 122, II, do ECA), e não a prisão preventiva em processo criminal. HC 338.936-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015, DJe 5/2/2016.
Informativo STJ nº576
Informativo STJ nº576
DIREITO PROCESSUAL PENAL. PROIBIÇÃO DE AGRAVAR A PENA EM RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA.
No âmbito de recurso exclusivo da defesa, o Tribunal não pode agravar a reprimenda imposta ao condenado, ainda que reconheça equívoco aritmético ocorrido no somatório das penas aplicadas. Isso porque, não tendo o Ministério Público se insurgido contra o referido erro material, o Tribunal não pode conhecê-lo de ofício, sob pena de configuração de reformatio in pejus. Precedentes citados: HC 115.501-MG, Sexta Turma, DJe 3/8/2015; e AgRg no HC 264.579-RS, Sexta Turma, DJe 1º/8/2013. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015, DJe 5/2/2016.
Informativo STJ nº576
Informativo STJ nº576
DIREITO PENAL. APLICAÇÃO DA MESMA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DA LEI DE DROGAS A MAIS DE UM CRIME.
A causa de aumento de pena do art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006 pode ser aplicada tanto para agravar o crime de tráfico de drogas (art. 33) quanto para agravar o de associação para o tráfico (art. 35) praticados no mesmo contexto. Isso porque a causa especial de aumento de pena incidiu sobre delitos diversos e totalmente autônomos, com motivação e finalidades distintas. Precedentes citados: HC 183.441-RJ, Quinta Turma, DJe 2/9/2011; e AgRg no REsp 1.412.950-MG, Sexta Turma, DJe 3/11/2014. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015, DJe 5/2/2016.
Informativo STJ nº576
Informativo STJ nº576
DIREITO PENAL. APLICAÇÃO DE CAUSA DE AUMENTO DE PENA DA LEI DE DROGAS ACIMA DO PATAMAR MÍNIMO.
O fato de o agente ter envolvido um menor na prática do tráfico e, ainda, tê-lo retribuído com drogas, para incentivá-lo à traficância ou ao consumo e dependência, justifica a aplicação, em patamar superior ao mínimo, da causa de aumento de pena do art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006, ainda que haja fixação de pena-base no mínimo legal. Isso porque a jurisprudência do STJ posiciona-se no sentido de que a aplicação da causa de aumento em patamar acima do mínimo é plenamente válida desde que fundamentada na gravidade concreta do delito. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015, DJe 5/2/2016.
Informativo STJ nº576
Informativo STJ nº576
DIREITO PENAL. APLICAÇÃO DE CAUSA DE AUMENTO DE PENA DA LEI DE DROGAS AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS COM CRIANÇA OU ADOLESCENTE.
A participação do menor pode ser considerada para configurar o crime de associação para o tráfico (art. 35) e, ao mesmo tempo, para agravar a pena como causa de aumento do art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006. De acordo com a Lei n. 11.343/2006: "Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: (...) VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação". Assim, é cabível a aplicação da majorante se o crime envolver ou visar a atingir criança ou adolescente em delito de associação para o tráfico de drogas configurado pela associação do agente com menor de idade. Precedentes citados: HC 237.782-SP, Quinta Turma, DJe 21/8/2014; e REsp 1.027.109-SC, Quinta Turma, DJe 16/2/2009. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015, DJe 5/2/2016.
Informativo STJ nº576
Informativo STJ nº576
DIREITO PENAL. AUMENTO DE PENA-BASE FUNDADO NA CONFIANÇA DA VÍTIMA NO AUTOR DE ESTELIONATO.
O cometimento de estelionato em detrimento de vítima que conhecia o autor do delito e lhe depositava total confiança justifica a exasperação da pena-base. De fato, tendo sido apontados argumentos idôneos e diversos do tipo penal violado que evidenciam como desfavoráveis as circunstâncias do crime, não há constrangimento ilegal na valoração negativa dessa circunstância judicial (HC 86.409-MS, Sexta Turma, DJe 23/10/2014). HC 332.676-PE, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), julgado em 17/12/2015, DJe 3/2/2016.
Informativo STJ nº576
Informativo STJ nº576
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA PREVISTA NO ART. 49, II, DO SINASE.
O simples fato de não haver vaga para o cumprimento de medida de privação da liberdade em unidade próxima da residência do adolescente infrator não impõe a sua inclusão em programa de meio aberto, devendo-se considerar o que foi verificado durante o processo de apuração da prática do ato infracional, bem como os relatórios técnicos profissionais. O art. 49, II, da Lei n. 12.594/2012 (Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE) dispõe que "São direitos do adolescente submetido ao cumprimento de medida socioeducativa, sem prejuízo de outros previstos em lei: II - ser incluído em programa de meio aberto quando inexistir vaga para o cumprimento de medida de privação da liberdade, exceto nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando o adolescente deverá ser internado em Unidade mais próxima de seu local de residência". No entanto, diante da necessidade de remanejamento para unidades que possuam vagas de grande quantidade de adolescentes infratores em cumprimento de medida de internação, percebe-se que a previsão contida no inciso II do art. 49 não pode ser aplicada indistintamente ou sem qualquer critério. Assim, não se mostra razoável colocar em programa de meio aberto adolescente ao qual foi aplicada corretamente a medida de internação, apenas pelo fato de não estar em unidade próxima a sua residência, deixando de lado tudo que foi verificado e colhido durante o processo de apuração, bem como os relatórios técnicos dos profissionais que estão próximos ao reeducando, identificando suas reais necessidades. Desse modo, entende-se que deve haver a relativização da regra ora em análise, devendo ser examinada caso a caso e verificada a imprescindibilidade da medida de internação, bem como a adequação da substituição da medida imposta por outra em meio aberto. A Quinta Turma do STJ, no julgamento do HC 316.435-MG (DJe 11/9/2015), por unanimidade, entendeu que, em casos excepcionais, deve-se relativizar a regra do art. 124, IV, do ECA, que dispõe que é direito do adolescente privado de liberdade "permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável". Vê-se que os dois dispositivos supracitados - art. 49, II, do SINASE e art. 124, VI, do ECA - tratam da mesma situação, qual seja, manter o adolescente em cumprimento de medida de internação em local próximo a sua residência. Conclui-se, portanto, que a regra prevista nos dois dispositivos deve ser aplicada de acordo com o caso concreto, observando-se as situações específicas do adolescente, do ato infracional praticado, bem como do relatório técnico e/ou plano individual de atendimento. HC 338.517-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015, DJe 5/2/2016.
Informativo STJ nº576
Informativo STJ nº576
DIREITO CIVIL. HERANÇA DE BEM GRAVADO COM CLÁUSULA DE INCOMUNICABILIDADE.
A cláusula de incomunicabilidade imposta a um bem transferido
por doação ou testamento só produz efeitos enquanto viver o beneficiário, sendo
que, após a morte deste, o cônjuge sobrevivente poderá se habilitar como
herdeiro do referido bem, observada a ordem de vocação hereditária. Isso porque a cláusula
de incomunicabilidade imposta a um bem não se relaciona com a vocação
hereditária. Assim, se o indivíduo recebeu por doação ou testamento bem imóvel
com a referida cláusula, sua morte não impede que seu herdeiro receba o mesmo
bem. São dois institutos distintos: cláusula de incomunicabilidade e vocação
hereditária. Diferenciam-se, ainda: meação e herança. Ressalte-se que o art.
1.829 do CC enumera os chamados a suceder e define a ordem em que a sucessão é deferida.
O dispositivo preceitua que o cônjuge é também herdeiro e nessa qualidade
concorre com descendentes (inciso I) e ascendentes (inciso II). Na falta de
descendentes e ascendentes, o cônjuge herda sozinho (inciso III). Só no inciso
IV é que são contemplados os colaterais. Pode-se imaginar, por exemplo, a
hipótese em que um bem é doado ao cônjuge (ou legado a ele) com cláusula de
inalienabilidade. Dá-se o divórcio e o bem, em virtude daquela cláusula, não
compõe o monte a ser partilhado. Outra hipótese, bem diferente, é a do cônjuge
que recebe a coisa gravada com aquela cláusula e falece. O bem, que era
exclusivo dele, passa a integrar o monte que será herdado por aqueles que a lei
determina. Monte, aliás, eventualmente composto por outros bens também exclusivos
que, nem por isso, deixam de fazer parte da herança. Não se desconhece a
existência de precedente da 4ª Turma, no qual se decidiu, por maioria, que
"estabelecida, pelo testador, cláusula restritiva sobre o quinhão da
herdeira, de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade, o
falecimento dela não afasta a eficácia da disposição testamentária, de sorte
que procede o pedido de habilitação, no inventário em questão, dos sobrinhos da
de cujus" (REsp 246.693-SP, DJ 17/5/2004). Ressalte-se, contudo, que a
jurisprudência mais recente do STJ, seguindo a doutrina e a jurisprudência do
STF, voltou a orientar-se no sentido de que "a cláusula de
inalienabilidade vitalícia tem vigência enquanto viver o beneficiário, passando
livres e desembaraçados aos seus herdeiros os bens objeto da restrição"
(REsp 1.101.702-RS, Terceira Turma, DJe 9/10/2009). Por outro lado, a linha
exegética segundo a qual a incomunicabilidade de bens inerente ao regime de
bens do matrimônio teria o efeito de alterar a ordem de vocação hereditária
prevista no CC/2002 não encontra apoio na jurisprudência atualmente consolidada
na Segunda Seção (REsp 1.472.945-RJ, Terceira Turma, DJe 19/11/2014; REsp
1.382.170-SP, Segunda Seção, DJe 26/5/2015; AgRg nos EREsp 1.472.945-RJ,
Segunda Seção, DJe 29/6/2015). REsp 1.552.553-RJ, Rel.
Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 24/11/2015, DJe 11/2/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REEMBOLSO PELO INPI DE DESPESAS JUDICIAIS.
Em ação de nulidade de registro de marca em que o INPI for sucumbente, cabe a ele reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte autora. Isso porque, ainda que o art. 4º da Lei n. 9.289/1996 estabeleça que a autarquia federal é isenta das custas, o parágrafo único estabelece que, quando sucumbente, deverá ressarcir o vencedor das despesas que tiver adiantado (AgRg no REsp 1.241.379-SP, Sexta Turma, DJe 18/6/2013). REsp 1.258.662-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 2/2/2016, DJe 5/2/2016.
Informativo STJ nº576
Informativo STJ nº576
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ISENÇÃO DE CUSTAS AO INPI.
Em ação de nulidade de registro de marca, o INPI é isento de pagamento de custas. Os arts. 4º da Lei n. 9.289/1996 e 24-A da Lei n. 9.028/1995 deixam clara a exoneração tributária da Fazenda Pública Federal quanto às custas processuais. Essa isenção tem sido amplamente observada no âmbito dos julgamentos desta Corte Superior, reconhecendo a natureza tributária (taxa) das custas processuais e diferenciando-as das meras despesas - as quais são caracterizadas por se destinarem à remuneração de terceiros. Foi nesse sentido que a Primeira Seção do STJ (REsp 1.144.687-RS, DJe 21/5/2010) consolidou seu entendimento por meio de julgamento submetido à sistemática do art. 543-C do CPC (REsp 1.144.687-RS, DJe 21/5/2010). A condenação, todavia, deve estar compatibilizada com a isenção tributária assegurada legalmente, nos termos da legislação mencionada, atraindo aí a incidência do art. 125, II, do CTN, segundo o qual: "Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade: [...] II - a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo". REsp 1.258.662-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 2/2/2016, DJe 5/2/2016.
Informativo STJ nº576
Informativo STJ nº576
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS EM DESFAVOR DO INPI EM AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA.
Na ação de nulidade de registro de marca em que o INPI foi indicado como réu ao lado de sociedade empresária em virtude da concessão indevida do registro e do não processamento do procedimento administrativo para anular o registro indevidamente concedido, a autarquia federal responde solidariamente pelos honorários advocatícios sucumbenciais, na hipótese em que se reconheceu a omissão do instituto quanto à citada inércia, ainda que o ente federal tenha reconhecido a procedência do pedido judicial. O art. 175 da Lei n. 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial - LPI) dispõe que "A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito". Com efeito, o tema acerca da natureza jurídica da intervenção do INPI, nas ações de nulidade de marcas e patentes, é controvertido na doutrina e na jurisprudência. Isso porque, de fato, a lei impõe a participação do INPI, presumindo a existência de um interesse jurídico que não se confunde com o interesse individual das partes. Em regra, enquanto os particulares disputam um direito patrimonial, calcado essencialmente em objetivos fático-econômicos, o INPI compromete-se com a defesa do interesse social difuso: o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Noutros termos, por não se comprometer com o interesse individual de quaisquer das partes, o INPI, ao menos em tese, tem posição processual própria e independente da vontade das partes litigantes, o que de fato distancia a intervenção da LPI das intervenções típicas previstas no CPC - o qual somente se aplica de forma subsidiária às demandas de nulidade de registro marcário. Assim, não haveria que se cogitar da aplicação do art. 50 do CPC, porquanto a assistência é instituto voluntário, ao passo que a intervenção da LPI é obrigatória. Todavia, na situação concreta, a solução se distingue da regra geral, pois a autora direcionou sua demanda de forma expressa contra o INPI justificada pela inércia do instituto em relação ao andamento de prévio requerimento administrativo para declarar a nulidade do registro marcário concedido à ré. Desse modo, a causa de pedir da recorrida não ficou limitada à concessão indevida do registro, mas incluiu o não processamento do procedimento administrativo, situação imputável exclusivamente à autarquia. Assim, a demanda foi corretamente direcionada ao INPI que, sim, compôs a lide como autêntico réu, devendo, portanto, suportar todos os ônus de sua sucumbência. REsp 1.258.662-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 2/2/2016, DJe 5/2/2016.
Informativo STJ nº576
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