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17/09/2016

DIREITO PENAL. NATUREZA DA LESÃO CORPORAL QUE RESULTA EM PERDA DE DENTES.



A lesão corporal que provoca na vítima a perda de dois dentes tem natureza grave (art. 129, § 1º, III, do CP), e não gravíssima (art. 129, § 2º, IV, do CP). Com efeito, deformidade, no sentido médico-legal, ensina doutrina, "é o prejuízo estético adquirido, visível, indelével, oriundo da deformação de uma parte do corpo". Assim, a perda de dois dentes, muito embora possa reduzir a capacidade funcional da mastigação, não enseja a deformidade permanente prevista no art. 129, § 2º, IV, do CP e, sim, debilidade permanente (configuradora de lesão corporal grave). De fato, a perda da dentição pode implicar redução da capacidade mastigatória e até, eventualmente, dano estético, o qual, apesar de manter o seu caráter definitivo - se não reparado em procedimento interventivo -, não pode ser, na hipótese, de tal monta a qualificar a vítima como uma pessoa deformada. Dessa forma, entende-se que o resultado provocado pela lesão causada à vítima (perda de dois dentes) subsume-se à lesão corporal grave, e não à gravíssima. Precedente citado: REsp 1.220.094-MG, Quinta Turma, DJe 9/3/2011. REsp 1.620.158-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/9/2016, DJe 20/9/2016.

DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR EM HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO.



Em homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB), ainda que realizada composição civil entre o autor do crime e a família da vítima, é inaplicável o arrependimento posterior (art. 16 do CP). O STJ possui entendimento de que, para que seja possível aplicar a causa de diminuição de pena prevista no art. 16 do Código Penal, faz-se necessário que o crime praticado seja patrimonial ou possua efeitos patrimoniais (HC 47.922-PR, Quinta Turma, DJ 10/12/2007; e REsp 1.242.294-PR, Sexta Turma, DJe 3/2/2015). Na hipótese em análise, a tutela penal abrange o bem jurídico, o direito fundamental mais importante do ordenamento jurídico, a vida, que, uma vez ceifada, jamais poderá ser restituída, reparada. Não se pode, assim, falar que o delito do art. 302 do CTB é um crime patrimonial ou de efeito patrimonial. Além disso, não se pode reconhecer o arrependimento posterior pela impossibilidade de reparação do dano cometido contra o bem jurídico vida e, por conseguinte, pela impossibilidade de aproveitamento pela vítima da composição financeira entre a agente e a sua família. Sendo assim, inviável o reconhecimento do arrependimento posterior na hipótese de homicídio culposo na direção de veículo automotor. REsp 1.561.276-BA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/6/2016, DJe 15/9/2016.

DIREITO PENAL. HIPÓTESE DE CONSUNÇÃO DO CRIME DO ART. 33 DA LEI DE DROGAS PELO CRIME DO ART. 273 DO CP.



Ainda que alguns dos medicamentos e substâncias ilegais manipulados, prescritos, alterados ou comercializados contenham substâncias psicotrópicas capazes de causar dependência elencadas na Portaria n. 344/1998 da SVS/MS - o que, em princípio, caracterizaria o tráfico de drogas -, a conduta criminosa dirigida, desde o início da empreitada, numa sucessão de eventos e sob a fachada de uma farmácia, para a única finalidade de manter em depósito e vender ilegalmente produtos falsificados destinados a fins terapêuticos ou medicinais enseja condenação unicamente pelo crime descrito no art. 273 do CP - e não por este delito em concurso com o tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei de Drogas). Por um lado, os tipos penais previstos no art. 273 do CP - cujo bem jurídico tutelado é a saúde pública - visam a punir a conduta do agente que, entre outros, importa, vende, expõe a venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto "falsificado, corrompido, adulterado ou alterado", "sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente" ou "de procedência ignorada". Por outro lado, o art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 apresenta-se como norma penal em branco, porque define o crime de tráfico a partir da prática de dezoito condutas relacionadas a drogas - importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer -, sem, no entanto, trazer a definição do elemento do tipo "drogas". A partir daí, emerge a necessidade de se analisar o conteúdo do preceito contido no parágrafo único do art. 1º da Lei n. 11.343/2006, segundo o qual "consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União". Em acréscimo, estabelece o art. 66 da referida lei que, "para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998". Diante disso, conclui-se que a definição do que sejam "drogas", capazes de caracterizar os delitos previstos na Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), advém da Portaria n. 344/1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (daí a classificação doutrinária, em relação ao art. 33 da Lei n. 11.343/2006, de que se está diante de uma norma penal em branco heterogênea). Em verdade, o caso em análise retrata típica hipótese de conflito aparente de normas penais, a ser resolvido pelo critério da absorção (ou princípio da consunção). Nesse contexto, mister destacar que um dos requisitos do concurso aparente de normas penais e do princípio da consunção consiste, justamente, na pluralidade de normas aparentemente aplicáveis a uma mesma hipótese. Isso acarreta a necessidade de que o caso concreto preencha, aparente e completamente, a estrutura essencial de todas as normas incriminadoras. Na espécie, não obstante, à primeira vista, a valoração dos fatos postos em discussão aponte, em tese, para o possível cometimento, em concurso, dos crimes de tráfico de drogas e de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, certo é que o fato rendeu a prática de um único crime. Com efeito, há de se analisar o contexto fático em uma perspectiva axiológica da realidade, de modo a se admitir serem várias as interpretações possíveis dessa realidade em confronto com as condutas que venham a ensejar a intervenção penal. Em uma análise global (conjunta) dos fatos criminosos, um deles se mostra valorativamente insignificante - embora não insignificante, se isoladamente considerado - diante de outro (ou de outros), de modo a perder seu significado autônomo. Nesse contexto, não se mostra plausível sustentar a prática de dois crimes distintos e em concurso material quando, em um mesmo cenário fático, se observa que a intenção criminosa era dirigida para uma única finalidade, visto que, no caso em apreço, a conduta criminosa, desde o início da empreitada, era orientada para, numa sucessão de eventos e sob a fachada de uma farmácia, falsificar e vender produtos falsificados destinados a fins terapêuticos ou medicinais. Essa unidade de valor jurídico da situação de fato justifica, no caso concreto, a aplicação de uma só norma penal. Perfeitamente factível, portanto, a consunção, aplicável quando a intenção criminosa una é alcançada pelo cometimento de mais de um crime, devendo o agente, no entanto, ser punido por apenas um delito, de forma a, também e principalmente, obviar a sobrecarga punitiva, incompatível com a proporcionalidade da sanção, princípio regente no processo de individualização da pena. Inequívoco, assim, que o fato aparentemente compreendido na norma incriminadora afastada (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006) encontra-se, na inteireza da sua estrutura e do seu significado valorativo, na estrutura do crime regulado pela norma que, no caso, será prevalecente (art. 273 do CP). REsp 1.537.773-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 16/8/2016, DJe 19/9/2016.

DIREITO PENAL. INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO § 1º DO ART. 158 DO CP SOBRE A EXTORSÃO QUALIFICADA PREVISTA NO § 3º DO MESMO DISPOSITIVO LEGAL.



Em extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, sendo essa condição necessária para a obtenção da vantagem econômica (art. 158, § 3º, do CP), é possível a incidência da causa de aumento prevista no § 1º do art. 158 do CP (crime cometido por duas ou mais pessoas ou com emprego de arma). A Lei n. 11.923/2009 não cria um novo delito autônomo chamado de "sequestro relâmpago", sendo apenas um desdobramento do tipo do crime de extorsão, uma vez que o legislador apenas definiu um modus operandi do referido delito. É pressuposto para o reconhecimento da extorsão qualificada a prática da ação prevista no caput do art. 158 do CP, razão pela qual não é possível dissociar o crime qualificado das circunstâncias a serem sopesadas na figura típica do art. 158. Assim, tendo em vista que o texto legal é dotado de unidade e que as normas se harmonizam, conclui-se, a partir de uma interpretação sistemática do art. 158 do CP, que o seu § 1º não foi absorvido pelo § 3º, pois, como visto, o § 3º constitui-se qualificadora, estabelecendo outro mínimo e outro máximo da pena abstratamente cominada ao crime; já o § 1º prevê uma causa especial de aumento de pena. Dessa forma, ainda que topologicamente a qualificadora esteja situada após a causa especial de aumento de pena, com esta não se funde, uma vez que tal fato configura mera ausência de técnica legislativa, que se explica pela inserção posterior da qualificadora do § 3º no tipo do art. 158 do CP, que surgiu após uma necessidade de reprimir essa modalidade criminosa. Ademais, não há qualquer impedimento do crime de extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima ser praticado por uma só pessoa sem o emprego de arma, o que configuraria o crime do § 3º do art. 158 do CP sem a causa de aumento do § 1º do art. 158. Em circunstância análoga, na qual foi utilizada majorante prevista topologicamente em parágrafo anterior à forma qualificada, tal como na hipótese, o STJ decidiu que, sendo compatível o privilégio do art. 155, § 2º, do CP com as hipóteses objetivas de furto qualificado (REsp 1.193.194-MG, Terceira Seção, recurso representativo de controvérsia, DJe 28/8/2012), mutatis mutandis, não há incompatibilidade entre o furto qualificado e a causa de aumento relativa ao seu cometimento no período noturno (AgRg no AREsp 741.482-MG, Quinta Turma, DJe 14/9/2015; e HC 306.450-SP, Sexta Turma, DJe 17/12/2014). REsp 1.353.693-RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/9/2016, DJe 21/9/2016.

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. INDENIZAÇÃO EM RAZÃO DE EQUÍVOCO NO RECONHECIMENTO DE REINCIDÊNCIA.



No caso em que o reconhecimento da reincidência tenha origem em infração anterior cuja pena tenha sido cumprida ou extinta há mais de 5 anos, deferido o pedido revisional para diminuir a pena equivocadamente fixada, será devida a indenização ao condenado que tenha sofrido prejuízos em virtude do erro judiciário. É que tendo sido reconhecido que o acusado foi considerado indevidamente reincidente, há clara contrariedade ao disposto no art. 64, I, do CP. Sobre o assunto, pondera doutrina: "o conceito de erro judiciário deve transcender as barreiras limitativas da sentença condenatória impositiva de pena privativa de liberdade, para envolver toda e qualquer decisão judicial errônea, que tenha provocado evidente prejuízo à liberdade individual ou mesmo à imagem e à honra do acusado [...]". E, nessa perspectiva, outra doutrina arremata: "é importante notar que, tal como a sentença condenatória - que serve como título judicial para a execução do dano praticado pelo agente em favor do ofendido (art. 63, CPP) -, também o acórdão rescindido em que se tenha reconhecido o direito à indenização servirá unicamente como título executivo para o réu condenado injustamente demandar o Estado, cujo quantum deverá ser apurado na esfera cível." REsp 1.243.516-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 22/9/2016, DJe 30/9/2016.

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. ACESSO A DADOS ARMAZENADOS EM TELEFONE CELULAR APREENDIDO COM BASE EM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.



Determinada judicialmente a busca e apreensão de telefone celular ou smartphone, é lícito o acesso aos dados armazenados no aparelho apreendido, notadamente quando a referida decisão o tenha expressamente autorizado. A Lei n. 9.296/1996 foi enfática, em seu art. 1º, parágrafo único, ao dispor especificamente sobre a proteção ao fluxo das comunicações em sistemas de informática e telemática. Nessa ordem de ideias, depreende-se da mencionada norma, ao regulamentar o art. 5º, XII, da Carta Magna, que houve uma preocupação do legislador em distinguir o que é a fluência da comunicação em andamento, daquilo que corresponde aos dados obtidos como consequência desse diálogo. Optou-se, em relação aos sistemas de informática e telemática, pela proteção à integridade do curso da conversa desenvolvida pelos interlocutores. Não há, portanto, vedação ao conhecimento do conteúdo dessa interação, já que cada interlocutor poderia excluir a informação a qualquer momento e de acordo com sua vontade. Logo, a obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos ditames da Lei n. 9.296/1996. Necessário dizer, ainda, que a Lei n. 12.965/2014, que regulamenta os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, dispõe, em seu art. 7º, III, o seguinte: "Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial". Na espécie, contudo, existe a autorização judicial a que se remete a legislação, inclusive com a alusão de que poderiam as autoridades responsáveis pela busca e apreensão acessar dados armazenados em eventuais computadores, arquivos eletrônicos de qualquer natureza, smartphones que forem encontrados. E mais, na pressuposição do comando de apreensão de aparelho celular ou smartphone está o acesso aos dados que neles estejam armazenados, sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade de ser utilizado como prova criminal. Assim, se se procedeu à busca e apreensão da base física de aparelhos de telefone celular, a fortiori, não há óbice para se adentrar ao seu conteúdo, o qual, repise-se, já está armazenado. RHC 75.800-PR, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 15/9/2016, DJe 26/9/2016.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRANSFERÊNCIA DE GUARDA NO CURSO DE AÇÃO DE EXECUÇÃO DE DÉBITOS ALIMENTARES.



A genitora que, ao tempo em que exercia a guarda judicial dos filhos, representou-os em ação de execução de débitos alimentares possui legitimidade para prosseguir no processo executivo com intuito de ser ressarcida, ainda que, no curso da cobrança judicial, a guarda tenha sido transferida ao genitor (executado). De fato, a partir da modificação da guarda ocorrida no curso da ação de execução de alimentos, a genitora, representante judicial dos seus filhos, deixou de pedir, por si, a proteção a direito alheio, pois a tutela pretendida, antes protegida à guisa de alimentos, passou a sê-lo a título ressarcitório, de um direito dela próprio. A respeito, doutrina consigna o seguinte: "Para evitar prejuízo enorme, como o genitor que detém a guarda é quem acaba sozinho provendo ao sustento da prole, indispensável reconhecer a ocorrência de sub-rogação. Ou seja, resta ele como titular do crédito vencido e não pago enquanto o filho era menor, ainda que relativamente capaz. Se ele está sob sua guarda, como o dever de lhe prover o sustento é de ambos os genitores, quando tal encargo é desempenhado somente por um deles, pode reembolsar-se com relação ao omisso. [...] O mesmo ocorre quando o filho passa para a guarda do outro genitor. Se existe um crédito alimentar, quem arcou sozinho com o sustento do filho pode reembolsar-se do que despendeu. Dispõe ele de legitimidade para cobrar os alimentos. Age em nome próprio, como credor sub-rogado." A legislação processual civil, inclusive, permite expressamente ao sub-rogado que não receber o crédito do devedor, prosseguir na execução, nos mesmos autos, conforme dispunha o art. 673, § 2º, do CPC/1973, cujo comando fora mantido pelo art. 857, § 2º, do CPC/2015. No caso, há uma dívida que foi paga, pouco importando a sua natureza e, portanto, àquele que arcou com o compromisso assiste agora o direito de se ver pago. O diferencial, contudo, é que na hipótese a modificação da guarda dos filhos (alimentados) ocorreu no curso de ação de execução de alimentos já em trâmite. Ou seja, ao tempo da extinção da ação, a relação material existente entre as partes não era nem de gestão de negócios, tampouco de sub-rogação de créditos, mas apenas e, tão somente, de cobrança de alimentos que não estavam sendo pagos pelo alimentante. Assim, a modificação dos credores e do estado das partes verificado no curso da lide já aforada não pode ser imposta à representante dos alimentados que, por sua vez, bancou as prestações alimentícias de responsabilidade exclusiva do executado, e agora, sob a égide do princípio da economia processual, do agrupamento dos atos processuais e tendo em vista a nova orientação do CPC/2015, pretende se ver ressarcida dos valores dispendidos para o sustento de seus filhos, cuja obrigação - à época - cabia ao genitor (executado). Logo, sendo iniludível que o crédito executado é referente ao período em que os filhos estavam sob os cuidados exclusivos da genitora, época em que essa suportou sozinha a obrigação de sustentá-los, não há como afastar a sua legitimidade para prosseguir na execução, ainda que no curso da demanda executiva o genitor tenha passado a exercer a guarda deles. Isso porque o montante da quantia devida advém de período anterior à modificação da guarda. Por fim, ressalta-se que entendimento contrário prestigiaria o inadimplemento alimentar, indo de encontro aos interesses das crianças, o que, evidentemente, não pode ser incentivado pelo STJ. Ademais, a medida extintiva possivelmente ensejaria a propositura de nova demanda executiva pela genitora, circunstância que confrontaria com os princípios da celeridade e da economia processual, norteadores do sistema processual civil vigente. REsp 1.410.815-SC, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 9/8/2016, DJe 23/9/2016.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE DEDUÇÕES E PRESUNÇÕES NA APURAÇÃO DE LUCROS CESSANTES.


É possível ao julgador, na fase de liquidação de sentença por arbitramento, acolher as conclusões periciais fundadas em presunções e deduções para a quantificação do prejuízo sofrido pelo credor a título de lucros cessantes. Inicialmente, destaca-se que, para a tutela dos lucros cessantes, impõe-se ter em mente que essa espécie de dano material existe quando o prejudicado não teria de desenvolver nenhuma atividade excepcional para obtenção do ganho que deixou de realizar, ou seja, quando esse ganho seria resultado natural da atividade comum. Nessa trilha, alerta doutrina: "[n]a apreciação dos danos que devem ser ressarcidos a título de lucros cessantes, o juiz há de, entretanto, ter em conta, não só os atuais, consequência direta e imediata da lesão, mas também a alteração de condições habitualmente existentes e das quais seja lícito deduzir com certa segurança a presunção de que criariam a favor do lesado uma situação que lhe traria benefícios patrimoniais legítimos." Vê-se, portanto, na apuração dos lucros cessantes, um campo fértil à utilização de deduções e presunções, as quais, na maioria dos casos, serão imprescindíveis à prestação adequada da tutela jurisdicional devida. Com efeito, pretender-se chegar a uma conta exata do quanto se deixou de lucrar com uma atividade que não foi realizada por culpa do devedor, é o mesmo que se exigir a prova de fatos não ocorridos - prova diabólica e impossível. Essa exigência resulta assim, por via transversa, na negativa de reparação integral do dano judicialmente reconhecido em fase de cumprimento de sentença. Nesse contexto, a utilização de presunções não pode ser afastada de plano, uma vez que sua observância no direito processual nacional é exigida como forma de facilitação de provas difíceis. REsp 1.549.467-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/9/2016, DJe 19/9/2016.

16/09/2016

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO POR PARTICULARES DE DEMANDA POSSESSÓRIA RELACIONADA A BEM PÚBLICO DE USO COMUM DO POVO.

Particulares podem ajuizar ação possessória para resguardar o livre exercício do uso de via municipal (bem público de uso comum do povo) instituída como servidão de passagem. A doutrina define os bens públicos de uso comum do povo como aqueles destinados por natureza ou por lei ao uso coletivo. Nesse sentido, a afetação ao uso comum coletivo deve ser entendida como a que se exerce, em igualdade de condições, por todos os membros da coletividade. No tocante à posse, importa ressaltar que o CC adotou o conceito doutrinário de Ihering, segundo o qual "considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade", distinguindo-se da detenção, por sua vez, pela circunstância de a lei, por determinação expressa, excluir "a proteção possessória, atendendo às circunstâncias peculiares da causa detentionis, do motivo que provocou a situação material". A importância da distinção entre posse e detenção, para o deslinde da controvérsia, refere-se ao fato de que a mera detenção não confere a seu titular o direito de proteção jurídica. Nessa linha de entendimento, frise-se que a jurisprudência do STJ adotou orientação no sentido de que o ordenamento jurídico excluiu a possibilidade de proteção possessória à situação de fato exercida por particulares sobre bens públicos dominicais, classificando o exercício dessa situação de fato como mera detenção. Essa proposição, não obstante, não se estende à situação de fato exercida por particulares sobre bens públicos de uso comum do povo, razão pela qual há possibilidade jurídica na proteção possessória do exercício do direito de uso de determinada via pública. A posse consiste numa situação de fato criadora de um dever de abstenção oponível erga omnes. Outrossim, o instituto pode ser exercido em comum, na convergência de direitos possessórios sobre determinada coisa. Nessa hipótese, incide o disposto no art. 1.199 do CC, segundo o qual "se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores". Na posse de bens públicos de uso comum do povo, portanto, o compossuidor prejudicado pelo ato de terceiro ou mesmo de outro compossuidor poderá "lançar mão do interdito adequado para reprimir o ato turbativo ou esbulhiativo", já que "pode intentar ação possessória não só contra o terceiro que o moleste, como contra o próprio consorte que manifeste propósito de tolhê-lo no gozo de seu direito". REsp 1.582.176-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/9/2016, DJe 30/9/2016.

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. ABRANGÊNCIA DE COBERTURA CONTRATUAL DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE RELATIVAMENTE A TRATAMENTO DISPONIBILIZADO POR HOSPITAL CREDENCIADO EM PARCERIA COM INSTITUIÇÃO NÃO CREDENCIADA.



No caso em que, nas informações divulgadas por plano de saúde aos seus usuários, determinado hospital particular figure como instituição credenciada sem ressalvas, se o usuário optar pela realização de tratamento contratado e disponibilizado pelo aludido hospital, a operadora do plano será obrigada a custeá-lo, ainda que o serviço seja prestado em parceria com instituição não credenciada, cuja unidade de atendimento funcione nas dependências do hospital, sendo irrelevante o fato de haver, na mesma localidade, outras instituições credenciadas para o mesmo tipo de tratamento de saúde. Por determinação legal, as operadoras de planos de saúde devem ajustar com as entidades conveniadas, contratadas, referenciadas ou credenciadas, mediante instrumentos formais, as condições de prestação de serviços de assistência à saúde. Conforme o art. 17-A da Lei n. 9.656/1998, devem ser estabelecidos com clareza, em tais contratos, os direitos, as obrigações e as responsabilidades das partes, bem como todas as condições para a sua execução. Devem conter, assim, o objeto, a natureza do ajuste, o regime de atendimento e a descrição de todos os serviços contratados. Infere-se, desse modo, que a operadora, ao divulgar e disponibilizar ao usuário a lista de prestadores conveniados, deve também providenciar a descrição dos serviços que cada um está apto a executar - pessoalmente ou por meio de terceiros -, segundo o contrato de credenciamento formalizado. Logo, quando a prestação do serviço não for integral, deve ser indicada a restrição e quais especialidades oferecidas pela entidade não estão cobertas, sob pena de se considerar todas incluídas no credenciamento, sobretudo em se tratando de hospitais, já que são estabelecimentos de saúde vocacionados a prestar assistência sanitária em regime de internação e de não internação, nas mais diversas especialidades médicas. O credenciamento, sem restrições, de hospital por operadora abrange, para fins de cobertura de plano de assistência à saúde, todas as especialidades médicas oferecidas pela instituição, ainda que prestadas sob o sistema de parceria com instituição não credenciada. Eventual divergência de índole administrativa entre operadora e prestador quanto aos serviços de atenção à saúde efetivamente cobertos no instrumento jurídico de credenciamento não pode servir de subterfúgio para prejudicar o consumidor de boa-fé, que confiou na rede conveniada e nas informações divulgadas pelo plano de saúde. As partes, nas relações contratuais, devem manter posturas de cooperação, transparência e lealdade recíprocas, de modo a respeitar as legítimas expectativas geradas no outro, sobretudo em contratos de longa duração, em que a confiança é elemento essencial e fonte de responsabilização civil. Além do mais, mesmo havendo outras instituições credenciadas para o mesmo tipo de tratamento de saúde na mesma localidade, pode o usuário eleger, segundo as recomendações médicas e sua própria comodidade, qual o prestador de serviço credenciado mais apto a tratar sua moléstia, dentre aqueles constantes no rol oferecido pela operadora. REsp 1.613.644-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/9/2016, DJe 30/9/2016.

DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA E ATRASO NA COMUNICAÇÃO DO SINISTRO.



O segurado que, devido às ameaças de morte feitas pelo criminoso a ele e à sua família, deixou de comunicar prontamente o roubo do seu veículo à seguradora não perde o direito à indenização securitária (art. 771 do CC).De acordo com o art. 771 do CC, é ônus do segurado comunicar prontamente ao ente segurador a ocorrência do sinistro, já que possibilita a este tomar medidas que possam amenizar os prejuízos da realização do risco bem como a sua propagação. Todavia, não é em qualquer hipótese que a ausência da pronta notificação do sinistro acarretará a perda da indenização securitária; isto é, a sanção não incide de forma automática. Com efeito, para tanto, deve ser imputada ao segurado uma omissão dolosa, que beire a má-fé ou a culpa grave, que prejudique, de forma desproporcional, a atuação da seguradora, que não poderá beneficiar-se, concretamente, da redução dos prejuízos indenizáveis com possíveis medidas de salvamento, de preservação e de minimização das consequências. Assim, se não houver medidas a serem tomadas de imediato que possam minorar os efeitos do sinistro, ou se existirem fatos relevantes que impeçam o segurado de promover a comunicação de sinistro e o acautelamento de eventuais consequências indesejadas - a exemplo de providências que lhe possam causar efeitos lesivos ou a outrem -, não há como penalizá-lo com a drástica sanção de perda do direito à indenização, especialmente considerando a presença da boa-fé objetiva, princípio-chave que permeia todas as relações contratuais, incluídas as de natureza securitária. Nesse contexto, a pena de perda do direito à indenização securitária, inscrita no art. 771 do CC, ao fundamento de que o segurado não participou o sinistro ao segurador logo que teve ciência deve ser interpretada de forma sistemática com as cláusulas gerais da função social do contrato e de probidade, lealdade e boa-fé previstas nos arts. 113, 421, 422 e 765 do CC, devendo a punição recair primordialmente em posturas de má-fé ou culpa grave, que lesionem legítimos interesses da seguradora. Na hipótese, não houve má-fé ou omissão injustificada do segurado quanto ao atraso na comunicação do aviso de sinistro, de modo que não merece ser sancionado com a perda do direito à indenização securitária. REsp 1.546.178-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/9/2016, DJe 19/9/2016.

DIREITO CIVIL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 340 DO STJ EM PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA.



A norma de regulamento de plano de previdência privada aplicável à concessão de complementação de pensão por morte é aquela vigente na data do óbito do participante, ainda que seja editada norma superveniente mais vantajosa ao beneficiário. Inicialmente, destaca-se que a pensão por morte complementar consiste na renda a ser paga ao beneficiário indicado no plano previdenciário em decorrência do óbito do participante ocorrido durante o período de cobertura, depois de cumprida a carência. Salientado isso, tem-se que, na Previdência Pública, já restou cristalizado o entendimento de que: "A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado" (Súmula n. 340/STJ). De fato, apesar de a concessão de benefícios oferecidos pelas entidades abertas ou fechadas de previdência complementar não depender da concessão de benefício oriundo da Previdência Social, haja vista as especificidades de cada regime e a autonomia existente entre eles, o mesmo raciocínio quanto à norma incidente para, agora, regular a complementação da pensão por morte deve ser aplicado, a fim de harmonizar os sistemas. Com efeito, não só os benefícios da Previdência Pública, mas também os da Previdência Privada, devem regular-se pela lei ou pelo estatuto vigentes ao tempo em que foram implementados os requisitos necessários à consecução do direito. Desse modo, ante a incidência do princípio do tempus regit actum, normas editadas após a concessão do benefício previdenciário (oficial ou complementar) não podem retroagir, ainda que mais favoráveis ao beneficiário. Nesse sentido, ressalta-se o entendimento proferido pelo STF, em RE com repercussão geral (RE 597.389 QO-RG/SP, Tribunal Pleno, DJe 21/8/2009), no qual se negou a possibilidade de revisão do valor de pensão por morte paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), fundada em lei posterior a qual havia instituído coeficiente de cálculo mais vantajoso ao pensionista. Logo, a lei nova, ainda que mais benéfica, não pode ser aplicada aos benefícios previdenciários já concedidos, pois, além de incorrer em indevida retroatividade, irá contrariar o ato jurídico perfeito. Cumpre assinalar que essa exegese de impedir a aplicação retroativa de norma de regulamento que amplie a manutenção de benefícios previdenciários é a que melhor se coaduna com o regime financeiro de capitalização, que rege a Previdência Complementar, sobretudo quando estiver ausente a respectiva fonte de custeio, já que o aumento inesperado de despesas poderá comprometer o equilíbrio econômico-atuarial do fundo mútuo, prejudicando os demais participantes, que terão que cobrir os prejuízos daí advindos. Dessa forma, o novo regulamento somente pode ser aplicado para regular os benefícios a serem adquiridos durante a sua vigência, e não de modo a ferir o ato jurídico perfeito. Conclui-se, portanto, que a Súmula n. 340/STJ também deve ser aplicada na Previdência Complementar, de forma que a norma do regulamento de ente de previdência privada aplicável à concessão de complementação de pensão por morte é aquela vigente na data do óbito do participante. REsp 1.404.908-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 2/8/2016, DJe 22/9/2016.

DIREITO TRIBUTÁRIO. INEXISTÊNCIA DE ALVARÁ DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO E INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL.



A ausência de alvará de localização e funcionamento não impede que a Empresa de Pequeno Porte ou a Microempresa ingressem ou permaneçam no regime do Simples Nacional. De fato, as hipóteses de vedação de ingresso no regime do Simples Nacional foram disciplinadas no art. 17 da LC n. 123/2006 (Lei do Simples Nacional), dentre as quais figura a "ausência de inscrição ou irregularidade em cadastro fiscal federal, municipal ou estadual, quando exigível", nos termos do inciso XVI do referido dispositivo legal. Nesse contexto, o que se deve examinar é se a expressão "cadastro fiscal", contida na lei federal, abrange ou não o registro do alvará de funcionamento. A expressão "irregularidade em cadastro fiscal federal, municipal ou estadual" poderia significar uma infinidade de irregularidades em quaisquer cadastros utilizados para fins de fiscalização pela União, Estados ou Municípios, não sendo possível identificar, a priori, de forma ontológica, quais cadastros teriam natureza meramente administrativa ou natureza fiscal para que, no último caso, a irregularidade impossibilite a inclusão ou a manutenção da empresa no regime do Simples Nacional. Contudo, não se pode entender que qualquer irregularidade cadastral seja apta a ensejar a aplicação do inciso XVI do art. 17 da LC n. 123/2006. A respeito, entende-se que o significado da expressão "cadastro fiscal" deve ser buscado dentro da própria LC n. 123/2006. Do que se extrai da lei, o "cadastro fiscal" não se identifica com a abertura, registro, alteração e baixa da empresa (art. 4º, § 1º). Outrossim, também não guarda identidade com a inscrição, o funcionamento, o alvará e a licença (art. 4º, § 3º). Trata-se de outra coisa, que tem sua exigência postergada justamente para facilitar o registro comercial da empresa e que tem relação com "a emissão de documentos fiscais de compra, venda ou prestação de serviços", pois, não fosse a lei, tais documentos não poderiam ser emitidos sem a regularidade no cadastro fiscal (art. 4º, § 1º, II). Ademais, a LC n. 123/2006 assim explicita: "Art. 17. Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou a empresa de pequeno porte: [...] V - que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa; [...] XVI - com ausência de inscrição ou com irregularidade em cadastro fiscal federal, municipal ou estadual, quando exigível". Nesse ponto, se a lei diferencia a regularização do débito da regularização do cadastro fiscal, então, esse cadastro fiscal tem que ter conteúdo outro que não seja o mero registro da inadimplência com o Poder Público. O campo que resta, portanto, são os cadastros específicos para o recolhimento dos tributos que exigem "a emissão de documentos fiscais de compra, venda ou prestação de serviços" (art. 4º, § 1º, II)Ou seja, os cadastros fiscais utilizados para o controle do IPI, PIS/PASEP e Cofins pela União, do ICMS pelos Estados e do ISSQN pelos Municípios. Nada mais que isso. Não se trata, portanto, de cadastro referente ao alvará de funcionamento da empresa. Esse alvará para funcionamento tem cunho eminentemente administrativo e não fiscal e está mencionado no art. 4º, § 3º, ao lado do cadastro fiscal, a evidenciar que são coisas distintas. Aliás, é o próprio Comitê Gestor do Simples Nacional - CGSN quem interpreta o tal "cadastro fiscal" como sendo o cadastro do CNPJ e assemelhados nos âmbitos estadual e municipal, nos termos do previsto no art. 6º da Resolução CGSN n. 94/2011. Nessa ordem de ideias, no âmbito federal, a expressão "cadastro fiscal federal" prevista no inciso XVI do art. 17 da LC n. 123/2006 refere-se à relação de pessoas em situação de suspensão, cancelamento ou inaptidão nos cadastros indicados do Ministério da Fazenda (CPF e CGC/CNPJ), informações constantes do cadastro informativo de créditos não quitados do setor público federal (CADIN), instituído pela Lei n. 10.522/2002, que contém também o rol de pessoas físicas e jurídicas responsáveis por obrigações pecuniárias vencidas e não pagas, correspondendo também ao disposto no inciso V do art. 17 da LC n. 123/2006. Mutatis mutandis, a inexistência de alvará de funcionamento não é irregularidade enquadrável no conceito de "irregularidade em cadastro fiscal" para efeito da aplicação do art. 17, XVI, da LC n. 123/2006, pois o "cadastro fiscal" a que se refere é aquele que diz respeito ao recolhimento do ICMS, no âmbito estadual, e do ISSQN, no âmbito municipal, podendo albergar também as versões estaduais e municipais do CADIN que contenham tais informações, correspondendo também ao disposto no inciso V do art. 17 da LC n. 123/2006. Por fim, não parece razoável que a ausência de alvará de localização e funcionamento trate de irregularidade cadastral fiscal, sobretudo quando a empresa se encontre devidamente inscrita e adimplente com os tributos que lhe são devidos, de forma que sua exclusão do Simples Nacional, por ausência do referido alvará, milita contra a necessidade de tratamento jurídico diferenciado que lhe é devido em razão de ser empresa de pequeno porte, bem como contra os benefícios que tanto a empresa quanto os entes da Federação usufruem em razão da opção da empresa pelo Simples Nacional. REsp 1.512.925-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 2/6/2016, DJe 12/9/2016.

DIREITO TRIBUTÁRIO. HIPÓTESE DE NÃO CONCESSÃO DO REGIME DE DRAWBACK.



Não se concede o regime tributário de drawback na modalidade suspensão à importação de cantoneiras de plástico rígido, filtros de etileno e termógrafos elétricos destinados a conferir maior segurança ao transporte exportador de frutas, já devidamente acondicionas em caixas e caixotes e envoltas por folhas de papel alveolado. Dispõe o art. 78, II, do DL n. 37/1966: "Art. 78 - Poderá ser concedida, nos termos e condições estabelecidas no regulamento: [...] II - suspensão do pagamento dos tributos sobre a importação de mercadoria a ser exportada após beneficiamento, ou destinada à fabricação, complementação ou acondicionamento de outra a ser exportada." A norma expressamente prevê a complementação infralegal do tema ("nos termos e condições estabelecidas no regulamento"), de modo que se torna imprescindível o exame da norma regulamentar vigente ao tempo dos fatos (Regulamento Aduaneiro aprovado pelo Decreto n. 4.543/2002). O art. 336 do citado regulamento pressupõe, no que interessa à hipótese, que a concessão do drawback estaria condicionada à presença cumulativa dos seguintes requisitos: a) a mercadoria importada seja destinada ao acondicionamento do produto exportado ou a exportar; e b) haja comprovadamente agregação de valor ao produto final. O primeiro requisito constitui repetição dos termos previstos em lei, ao passo que o segundo constitui mero desdobramento lógico da finalidade do drawback, que é de incentivo à exportação de mercadorias produzidas, integral ou parcialmente, pela indústria nacional. Observa-se que a suspensão dos tributos é relacionada não apenas à importação de mercadoria utilizada no beneficiamento do produto a ser exportado, como também à mercadoria utilizada para efeito de acondicionamento, jamais tendo o legislador incluído em sua previsão as mercadorias destinadas ao transporte, pela simples razão de que a segurança vinculada ao transporte diz respeito à preservação de valor do bem a ser exportado, ou seja, ao impedimento de que haja diminuição parcial ou integral de sua expressão econômica, situação evidentemente inconfundível com a agregação de valor. REsp 1.404.148-PE, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. para acórdão Herman Benjamin, julgado em 17/5/2016, DJe 13/9/2016.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA AO CONTRATANTE DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS AD EXITUM.

É possível o deferimento de assistência judiciária gratuita a jurisdicionado que tenha firmado com seu advogado contrato de honorários com cláusula ad exitumEssa solução é consentânea com o propósito da Lei n. 1.060/1950, pois garante ao cidadão de poucos recursos a escolha do causídico que, aceitando o risco de não auferir remuneração no caso de indeferimento do pedido, melhor represente seus interesses em juízo. Ademais, eventual exigência de declaração de patrocínio gratuito incondicional não encontra assento em qualquer dispositivo da Lei n. 1.060/1950, tratando-se de requisito não previsto, em afronta ao princípio plasmado no art. 5º, II, da CF. A propósito, a Quarta Turma do STJ, no julgamento do RMS 7.914-RJ (DJ 28/6/1999), registrou: "não se pode aplaudir a exigência de que o advogado declare que exercerá o patrocínio gratuito, pois tal não está na lei, a qual se contenta com a aceitação, pelo profissional indicado pela parte, da escolha feita (art. 5º, § 4º, da Lei n. 1.060/50)." Precedentes citados: REsp 1.153.163-RS, Terceira Turma, DJe 2/8/2012; REsp 1.404.556-RS, Terceira Turma, DJe 1º/8/2014; e REsp 1.065.782-RS, Quarta Turma, DJe 22/3/2013. REsp 1.504.432-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 13/9/2016, DJe 21/9/2016.

DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.



O Ministério Público, no exercício do controle externo da atividade policial, pode ter acesso a ordens de missão policial. Inicialmente, cabe destacar que a ordem de missão policial (OMP) é um documento de natureza policial e obrigatório em qualquer missão de policiais federais e tem por objetivo, entre outros, legitimar as ações dos integrantes da Polícia Federal em caráter oficial. As denominadas OMPs, ainda que relacionadas à atividade de investigação policial, representam direta intervenção no cotidiano dos cidadãos, a qual deve estar sujeita ao controle de eventuais abusos ou irregularidades praticadas por seus agentes, ainda que realizadas em momento posterior, respeitada a necessidade de eventual sigilo ou urgência da missão. Por outro lado, a realização de qualquer investigação policial, ainda que fora do âmbito do inquérito policial, em regra, deve estar sujeita ao controle do Ministério Público. O Conselho Nacional do Ministério Público, com o objetivo de disciplinar o controle externo da atividade policial, editou a Resolução n. 20/2007, da qual destaca-se os seguintes trechos: "Art. 2º - O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como objetivo manter a regularidade e a adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltada para a persecução penal e o interesse público, atentando, especialmente, para: [...] V - a prevenção ou a correção de irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder relacionados à atividade de investigação criminal; [...] Art. 5º - Aos órgãos do Ministério Público, no exercício das funções de controle externo da atividade policial caberá: [...] II - ter acesso a quaisquer documentos, informatizados ou não, relativos à atividade-fim policial civil e militar, incluindo as de polícia técnica desempenhadas por outros órgãos [...]." Portanto, é manifesto que a pasta com OMPs deve estar compreendida no conceito de atividade-fim e, consequentemente, sujeita ao controle externo do Ministério Público, nos exatos termos previstos na CF e regulados na LC n. 73/1993, o que impõe à Polícia Federal o fornecimento ao MPF de todos os documentos relativos às ordens de missão policial. Ressalve-se que, no que se refere às OMPs lançadas em face de atuação como polícia investigativa, decorrente de cooperação internacional exclusiva da Polícia Federal, e sobre a qual haja acordo de sigilo, o acesso do Ministério Público não será vedado, mas realizado a posterioriREsp 1.365.910-RS, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 5/4/2016, DJe 28/9/2016.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA EM JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO.


Admite-se a aplicação da teoria da causa madura (art. 515, § 3º, do CPC/1973) em julgamento de agravo de instrumento. De fato, há precedentes do STJ que pugnam pela não aplicação da teoria da causa madura em agravo de instrumento. Analisando-os, nota-se que a decisão monocrática proferida no REsp 1.150.812-ES (DJe 16/12/2009) tem amparo em outros dois julgados: o REsp 530.053-PR (Segunda Turma, DJ 16/11/2004) e o REsp 445.470-DF (Segunda Turma, DJ 1º/9/2003). De ambos, o último pode ser considerado como o paradigma a respeito da matéria e, após leitura atenta do voto condutor, extrai-se a seguinte fundamentação: "No que se refere à alegação de ofensa ao art. 515 do CPC, deixo de analisá-la porquanto o dispositivo somente é aplicável no julgamento da apelação e não de agravo de instrumento, como na hipótese dos autos." Propõem-se, entretanto, um debate mais aprofundado sobre o tema. Para tanto, parte-se da decisão proferida no AgRg no Ag 867.885-MG (Quarta Turma, DJ 22/10/2007), a qual examinou conceitualmente o art. 515, § 3º, do CPC/1973, com profundidade. Na ocasião, consignou-se: "A novidade representada pelo § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil nada mais é do que um atalho, legitimado pela aptidão a acelerar os resultados do processo e desejável sempre que isso for feito sem prejuízo a qualquer das partes; ela constituiu mais um lance da luta do legislador contra os males do tempo e representa a ruptura com um velho dogma, o do duplo grau de jurisdição, que por sua vez só se legitima quando for capaz de trazer benefícios, não demoras desnecessárias. Por outro lado, se agora as regras são essas e são conhecidas de todo operador do direito, o autor que apelar contra a sentença terminativa fá-lo-á com a consciência do risco que corre; não há infração à garantia constitucional do due process porque as regras do jogo são claras e isso é fator de segurança das partes, capaz de evitar surpresas." Traçadas as premissas, não se pode descurar que, em sua concepção literal, a aplicação do art. 515, § 3º, do CPC/1973 pressuporia extinção de processo sem julgamento de mérito por sentença e existência de questão de direito em condições de imediato julgamento. Porém, doutrina processual relevante já superou o dogma da incidência do dispositivo apenas nas hipóteses de sentença/apelação e considera a disposição como relacionada à teoria geral dos recursos. Isso com base em algumas premissas: a) a norma propõe um atalho para acelerar julgamentos baseados na ruptura com o dogma do duplo grau de jurisdição, assumido como princípio, mas não como garantia; b) a disposição não pode acarretar prejuízo às partes, especialmente no que se refere ao contraditório e à ampla defesa; c) a teoria da causa madura não está adstrita ao recurso de apelação, porquanto inserida em dispositivo que contém regras gerais aplicáveis a todos os recursos; e d) admite-se o exame do mérito da causa com base em recursos tirados de interlocutórias sobre aspectos antecipatórios ou instrutórios. Dessa forma, parece razoável entender que: "quem pode o mais, pode o menos." Se a teoria da causa madura pode ser aplicada em casos de agravos de decisões interlocutórias que nem sequer tangenciaram o mérito, resultando no julgamento final da pretensão da parte, é possível supor que não há impedimento à aplicação da teoria para a solução de uma questão efetivamente interlocutória, desde que não configure efetivo prejuízo à parte. REsp 1.215.368-ES, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 1/6/2016, DJe 19/9/2016.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRAZO MÍNIMO ENTRE SAÍDAS TEMPORÁRIAS. RECURSO REPETITIVO.



As autorizações de saída temporária para visita à família e para participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social, se limitadas a cinco vezes durante o ano, deverão observar o prazo mínimo de 45 dias de intervalo entre uma e outra. Na hipótese de maior número de saídas temporárias de curta duração, já intercaladas durante os doze meses do ano e muitas vezes sem pernoite, não se exige o intervalo previsto no art. 124, § 3°, da LEP. A redação literal do art. 124, § 3º, da LEP estabelece que as autorizações de saídas temporárias fora dos casos de estudo (frequência a cursos profissionalizantes, de instrução de ensino médio ou superior) somente poderão ser concedidas com prazo mínimo de 45 dias de intervalo entre uma e outra saída. Contudo, para demonstrar, de forma coerente, o alcance da norma legal, a disposição do § 3° deve ser interpretada não de forma restritiva e isolada, mas em conjunto com o comando do art. 124 da LEP e com a diretriz máxima do art. 1º do mesmo diploma legal, para concretizar o objetivo da saída temporária. De fato, prevaleceu o entendimento consagrado pela Terceira Seção do STJ nos REsps 1.166.251-RJ (DJe 4/9/2012) e 1.176.264-RJ (DJe 3/9/2012) julgados sob o rito dos recursos repetitivos, de que é possível à autoridade judicial, atenta às peculiaridades da execução penal, conceder maior número de saídas temporárias (mais de 5 vezes durante o ano), de menor duração (inferior a 7 dias), desde que respeitado o limite de 35 dias no ano. Realmente, nas hipóteses de visita à família ou de participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social, fracionadas em até 5 vezes de até 7 dias, deve-se aplicar o prazo mínimo de 45 dias de intervalo entre um benefício e outro. O longo período extramuros, o maior contato com a sociedade sem fiscalização e a necessidade de estímulos ressocializadores ao longo do ano, de forma intervalada e proporcional ao número de meses, justificam o intervalo exigido pela norma legal. O intervalo não pode, entretanto, ser estendido, de maneira literal, aos casos de benefícios de curta duração, na medida em que impediria a renovação das autorizações por mais de 5 períodos - providência já admitida pelo STJ - e criaria verdadeira dificuldade à fruição dos 35 dias de saídas temporárias anuais, além de ir de encontro ao objetivo de solidificação dos laços familiares, essencial para a recuperação do reeducando, razão pela qual a interpretação do § 3° deve ser compatibilizada com a cabeça do art. 124 e com o art. 1º, ambos da LEP. Portanto, na hipótese de maior número de saídas temporárias de curta duração, já intercaladas durante os 12 meses do ano e muitas vezes sem pernoite, não se exige o intervalo previsto no art. 124, § 3°, da LEP. REsp 1.544.036-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 14/9/2016, DJe 19/9/2016.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE MAIS DE CINCO SAÍDAS TEMPORÁRIAS POR ANO. RECURSO REPETITIVO.



Respeitado o limite anual de 35 dias, estabelecido pelo art. 124 da LEP, é cabível a concessão de maior número de autorizações de curta duração. Prevaleceu o entendimento consagrado pela Terceira Seção do STJ nos REsps 1.166.251-RJ (DJe 4/9/2012) e 1.176.264-RJ (DJe 3/9/2012), julgados sob o rito dos recursos repetitivos, de que é possível à autoridade judicial, atenta às peculiaridades da execução penal, conceder maior número de saídas temporárias (mais de 5 vezes durante o ano), de menor duração (inferior a 7 dias), desde que respeitado o limite de 35 dias no ano, porquanto o fracionamento do benefício é coerente com o processo reeducativo e com a reinserção gradativa do apenado ao convívio social. REsp 1.544.036-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 14/9/2016, DJe 19/9/2016.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PARA FIXAÇÃO DE CALENDÁRIO PRÉVIO DE SAÍDAS TEMPORÁRIAS. RECURSO REPETITIVO.



O calendário prévio das saídas temporárias deverá ser fixado, obrigatoriamente, pelo Juízo das execuções, não se lhe permitindo delegar à autoridade prisional a escolha das datas específicas nas quais o apenado irá usufruir os benefícios. Inteligência da Súmula n. 520 do STJ. A teor da Súmula n. 520 do STJ, "O benefício de saída temporária no âmbito da execução penal é ato jurisdicional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do estabelecimento prisional". Decerto que a administração penitenciária será ouvida e poderá subsidiar o órgão julgador com informações relacionadas à rotina carcerária, a fim de melhor escolher as datas que serão ideais para a fiscalização do cumprimento dos horários e das condições do benefício. Todavia, o diretor do presídio não detém atribuição legal, ou mesmo as garantias constitucionais da magistratura, para escolha, por discricionariedade, da data em que, por conveniência do presídio ou por pedido particular do reeducando, deverá ser usufruída a saída temporária do art. 122 da LEP. Apesar de haver entendimentos em contrário, a execução penal não constitui mera atividade administrativa, mas implica tutela jurisdicional. Em análise crítica, escolher a data das saídas temporárias acaba por conferir indevido poder decisório ao diretor do estabelecimento, com inegável acúmulo de atribuições não previstas na legislação específica. A LEP é expressa ao estabelecer as hipóteses nas quais é possível a interferência da autoridade administrativa, sempre em situações pontuais, mediante comunicação do Poder Judiciário e do Ministério Público, tais como a permissão de saída do art. 120 da LEP, a regressão cautelar de regime etc. Não há obstáculos relevantes que impeçam o juiz de indicar as datas das saídas temporárias, de sorte que não se justifica e não se mostra legítima a pretensão de transferir ao diretor do presídio tal competência (opção que, afastada da lei, traria também o acúmulo de atribuições no âmbito administrativo, com inexorável incremento da demora na análise de pedidos particulares de reclusos). Por tais motivos, deve permanecer incólume o entendimento consagrado na Súmula n. 520 do STJ. REsp 1.544.036-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 14/9/2016, DJe 19/9/2016.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE CALENDÁRIO ANUAL DE SAÍDAS TEMPORÁRIAS POR ATO JUDICIAL ÚNICO. RECURSO REPETITIVO.



É recomendável que cada autorização de saída temporária do preso seja precedida de decisão judicial motivada. Entretanto, se a apreciação individual do pedido estiver, por deficiência exclusiva do aparato estatal, a interferir no direito subjetivo do apenado e no escopo ressocializador da pena, deve ser reconhecida, excepcionalmente, a possibilidade de fixação de calendário anual de saídas temporárias por ato judicial único, observadas as hipóteses de revogação automática do art. 125 da LEP. A Terceira Seção do STJ, no julgamento dos REsps 1.166.251-RJ (DJe 4/9/2012) e 1.176.264-RJ (DJe 3/9/2012), em análise de matéria repetitiva, fixou a interpretação do art. 122 e seguintes da LEP, relacionados à saída temporária. Os precedentes deram ensejo à tese firmada sob o Tema 445: "A autorização das saídas temporárias é ato jurisdicional da competência do Juízo das Execuções Penais. Não é possível delegar ao administrador do presídio a fiscalização sobre diversas saídas temporárias, por se tratar de atribuição exclusiva do magistrado das execuções penais, sujeita à ação fiscalizadora do Ministério Público." Também ensejaram esses precedentes a edição da Súmula n. 520 do STJ, verbis: "O benefício de saída temporária no âmbito da execução penal é ato jurisdicional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do estabelecimento prisional." Vê-se que a jurisprudência majoritária do STJ repudia as denominadas saídas temporárias em bloco ou automatizadas, por meio de ato judicial único, na medida em que cada saída temporária deve ser precedida de decisão motivada do Juízo da execução, com a intervenção do Ministério Público, sem a possibilidade de delegar ao administrador do presídio a escolha da data em que o reeducando usufruirá do benefício. Contudo, insta destacar que o respeito aos precedentes também envolve o dever de aperfeiçoá-los, adaptá-los ou mesmo revogá-los, quando não mais correspondam aos padrões de congruência social e de consistência sistêmica, conforme doutrina. Com efeito, a deficiência do aparato estatal e a exigência de decisão isolada para cada saída temporária - dada a necessidade de cumprimento de diversas diligências para instrução e posterior decisão do pleito - estão a ocasionar excessiva demora na análise do direito dos apenados, com inexorável e intolerável prejuízo ao seu processo de progressiva ressocialização, objetivo-mor da execução das sanções criminais, conforme deixa claro o art. 1º da Lei n. 7.210/1984 ("Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado"). Inclusive, o STF, em diversas oportunidades, ao analisar acórdãos do STJ apoiados nos recursos repetitivos já referidos, concedeu habeas corpus para reconhecer a possibilidade de renovação periódica da saída temporária, que "permite ao juízo das execuções penais programar, observados os restritos limites legais, as saídas subsequentes à da concessão do benefício, a fim de inibir eventual delonga ou até mesmo impossibilidade no usufruto da saída não vigiada" (HC 129.167-RJ, Segunda Turma, DJe 11/12/2015). Nesse contexto, as autorizações de saída temporária não podem, na sua concreta aplicação, negligenciar a natureza desse instituto, concebido como instrumento integrativo voltado para o restabelecimento do vínculo familiar e para a reaproximação do recluso com a sociedade. É, por conseguinte, inoportuno e atentatório à dignidade que o condenado permaneça no regime semiaberto e, por mera e exclusiva deficiência estrutural e funcional do aparato estatal, não tenha condições de usufruir o benefício em questão, apesar de preencher os requisitos legais. A situação de carência do aparato judicial reforça a necessidade de modificação da Tese 445 do STJ, para o fim de concretizar o benefício das saídas temporárias, sem retirar, por certo, da autoridade judiciária a competência para a análise dos requisitos objetivo e subjetivo do benefício, sob a fiscalização do Ministério Público. Pela estabilidade e pela coerência da interpretação do art. 123 da LEP, deve ser reconhecida, excepcionalmente, a possibilidade de a autoridade judicial, em única decisão motivada, autorizar saídas temporárias anuais previamente programadas, observadas as hipóteses de revogação automática do art. 125 da LEP. Ressalte-se que a autorização continuará a ser deferida por ato do Juízo da execução, ouvidos previamente o Ministério Público e a administração penitenciária, e dependerá da satisfação dos requisitos legais, idênticos para os benefícios futuros. A meta continua a ser a análise individual e célere de cada saída temporária, de modo a proporcionar aos reeducandos a almejada jurisdição e a gradativa reinserção no meio familiar e social. Entretanto, se a tramitação individual de cada pedido estiver, por questões locais, a interferir no direito subjetivo do apenado e a ocasionar demora excessiva do Judiciário para proferir decisões sobre o benefício, por carência exclusiva do aparato estatal, deve ser reconhecida, excepcionalmente, a possibilidade de o juiz estabelecer calendário prévio de saídas temporárias anuais em ato judicial único, respeitadas as hipóteses de revogação automática do benefício. REsp 1.544.036-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 14/9/2016, DJe 19/9/2016.

DIREITO CIVIL. PRAZO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO CONDENATÓRIA DECORRENTE DE NULIDADE DE CLÁUSULA DE REAJUSTE DE PLANO OU SEGURO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. RECURSO REPETITIVO.



Na vigência dos contratos de plano ou de seguro de assistência à saúde, a pretensão condenatória decorrente da declaração de nulidade de cláusula de reajuste nele prevista prescreve em 20 anos (art. 177 do CC/1916) ou em 3 anos (art. 206, § 3º, IV, do CC/2002), observada a regra de transição do art. 2.028 do CC/2002. Inicialmente, afasta-se a prescrição anual para pretensões deduzidas em contratos de seguro saúde, por se enquadrar como plano privado de assistência à saúde, nos termos do art. 2º da Lei n. 10.185/2001, bem como a aplicação do prazo prescricional disposto no art. 27 do CDC, haja vista não se tratar, na espécie, de acidente de consumo. Pois bem, a locução "indevidamente auferido", constante do art. 884 do CC/2002, admite interpretação ampla, no sentido de albergar não só o termo causa como atribuição patrimonial (simples deslocamento patrimonial), mas também no sentido de causa negocial (de origem contratual, por exemplo), cuja ausência, na modalidade de enriquecimento por prestação, demandaria um exame subjetivo, a partir da não obtenção da finalidade almejada com a prestação, hipótese que parece mais adequada à prestação decorrente de cláusula indigitada nula (ausência de causa jurídica lícita). Sob esse prisma, nota-se que o exame de pretensões fundadas no enriquecimento sem causa não é novidade no âmbito da Segunda Seção, conforme se verifica em alguns julgados, proferidos em âmbito de recurso especial repetitivo (REsp 1.220.934-RS, DJe 12/6/2013; REsp 1.249.321-RS, DJe 16/4/2013), nos quais a relação jurídica base estabelecida entre as partes também possuía natureza contratual e a demanda visava exatamente a declaração de nulidade de cláusula tida por abusiva, casos em que foi aplicado o prazo prescricional trienal previsto no art. 206, § 3º, IV, do CC/2002. Acrescente-se, por oportuno, que, havendo pretensão de reconhecimento do caráter abusivo de cláusula contratual, sua invalidação tem como consequência o desaparecimento da causa lícita do pagamento que foi efetuado a tal título, caracterizando, assim, o enriquecimento indevido daquele que o recebeu. Estar-se-á, nessas hipóteses, diante de enriquecimento sem causa derivado de pagamento indevido, tendo em vista que, por invalidação, no todo ou em parte, do negócio jurídico que o embasava, o pagamento perdeu a causa que o autorizava. Provavelmente em razão dessa lógica jurídica, é que os arts. 182 e 876 do CC/2002 disciplinam, respectivamente: "Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente [...] Art. 876. Todo aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição". A respeito do tema, há julgados do STJ que, levando em consideração o enriquecimento sem causa até mais como princípio do que como instituto, entendem que, diante da declaração judicial de ilegalidade de cláusula contratual, torna-se cabível a devolução ou compensação dos valores pagos a tal título, independentemente da comprovação de erro no pagamento. Diante de todas essas ponderações, conclui-se que, em se tratando de pretensão de nulidade de cláusula de reajuste prevista em contrato de plano ou seguro de assistência à saúde, com a consequente repetição do indébito, a ação ajuizada está fundada no enriquecimento sem causa e, por isso, o prazo prescricional aplicável é o trienal, previsto no art. 206, § 3º, IV, do CC/2002. REsp 1.361.182-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 10/8/2016, DJe 19/9/2016.

06/09/2016

INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL E OBRIGATORIEDADE


O incidente de insanidade mental é prova pericial constituída em favor da defesa. Logo, não é possível determiná-lo compulsoriamente na hipótese em que a defesa se oponha à sua realização.

Essa é a conclusão da Segunda Turma ao conceder a ordem em “habeas corpus” que discutiu a legitimidade de decisão judicial que deferira pedido formulado pelo Ministério Público Militar determinando a instauração de incidente de insanidade mental, com fundamento no art. 156 do Código de Processo Penal Militar (CPPM), a ser realizado por peritos médicos de hospital castrense.

A Segunda Turma afirmou que o Código Penal Militar (CPM) e o Código Penal (CP) teriam adotado o critério biopsicológico para a análise da inimputabilidade do acusado. Assim, a circunstância de o agente ter doença mental provisória ou definitiva, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (critério biológico), não seria suficiente para ele ser considerado penalmente inimputável, sem análise específica dessa condição para aplicação da legislação penal.

Havendo dúvida sobre a imputabilidade, seria indispensável que, por meio de procedimento médico, se verificasse que, ao tempo da ação ou da omissão, o agente era totalmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (critério psicológico).

Contudo, no caso em comento, a defesa não solicitara a realização do mencionado exame. Tendo isso em conta, o Colegiado asseverou que o paciente não estaria obrigado a se submeter a esse exame.

CUMPRIMENTO DE PENA EM PENITENCIÁRIA FEDERAL DE SEGURANÇA MÁXIMA E PROGRESSÃO DE REGIME


O cumprimento de pena em penitenciária federal de segurança máxima por motivo de segurança pública não é compatível com a progressão de regime prisional.

Com base nesse entendimento, a Segunda Turma, por maioria, não conheceu de “habeas corpus” em que se discutia a possibilidade da concessão do benefício em face de seu deferimento por juiz federal sem que houvesse a impugnação da decisão pela via recursal.

No caso, o juízo da execução penal suscitou conflito de competência ao ser comunicado de que a benesse da progressão de regime fora concedida ao paciente. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao resolver o conflito, cassou a progressão.

A Segunda Turma afirmou que a transferência do apenado para o sistema federal tem, em regra, como fundamento razões que atestam que, naquele momento, o condenado não tem mérito para progredir de regime. Observou que a transferência seria cabível no interesse da segurança pública ou do próprio preso (Lei 11.671/2008, art. 3º).

Frisou que o paciente seria líder de organização criminosa. Ademais, mesmo sem cometer infrações disciplinares, o preso que pertencesse à associação criminosa não satisfaria aos requisitos subjetivos para a progressão de regime. A pertinência à sociedade criminosa seria crime e também circunstância reveladora da falta de condições de progredir a regime prisional mais brando. A Segunda Turma ainda registrou que a manutenção do condenado em regime fechado, com base na falta de mérito do apenado, não seria incompatível com a jurisprudência do STF.

Vencida a ministra Cármen Lúcia, que concedia a ordem para que fosse assegurado ao condenado o regime semiaberto. Pontuava configurar constrangimento ilegal o afastamento pelo STJ, em conflito de competência, da decisão transitada em julgado que deferira ao paciente a progressão de regime.

EXTRADIÇÃO E CAUSAS DE INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO - 2


Por reconhecer a prescrição da pretensão executória quanto a um dos crimes, a Segunda Turma, em conclusão de julgamento, acolheu embargos de declaração com efeitos modificativos e indeferiu pedido de extradição.

Os embargos declaratórios foram opostos em face de acórdão que deferira pedido de extradição de nacional espanhol condenado pela prática dos crimes de “estafa” e de “falsificação de documento comercial”. No Brasil, tais delitos encontram correspondência aos crimes de estelionato e de falsificação de documento particular (CP/1940, arts. 171 e 298).

No recurso, sustentou-se a ocorrência de omissão e contradição no acórdão embargado na medida em que a data do protocolo do pedido de extensão da extradição foi considerada como marco interruptivo da prescrição. Segundo alegado, essa baliza não teria amparo legal. Tendo isso em conta, a prescrição da pretensão executória quanto ao crime de “estafa” (estelionato) estaria configurada (v. Informativo 837).

Preliminarmente, por decisão majoritária, o Colegiado não conheceu da proposta de desistência formulada pelo Estado requerente. Registrou que, apenas na hipótese de negativa da extradição, não seria admitido novo pedido baseado no mesmo fato (Lei 6.815/1980, art. 88). Diante da eventual possibilidade de reiteração do pedido extradicional, haveria que se enfrentar os embargos declaratórios em questão.

Vencidos, quanto à preliminar, os ministros Teori Zavascki e Cármen Lúcia, que entendiam caber ao STF homologar o pedido, independentemente da eventual concordância do extraditando.

No mérito, a Segunda Turma registrou que, no acórdão embargado, ficara consignado que não se teria operado a prescrição da pretensão executória quanto à pena mínima de 1 ano de reclusão cominada ao crime de estelionato, cujo prazo prescricional é de 4 anos, nos termos do art. 109, V, do CP/1940.

Esse lapso temporal não teria decorrido entre a data do trânsito em julgado e a data do protocolo, no STF, do pedido de extensão da extradição. Não teria sido indicado no julgado, todavia, o fundamento legal para se considerar a data do protocolo do pedido de extradição como marco interruptivo da prescrição, e nisso residiria a omissão.

O Código Penal e a Lei 6.815/1980 não preveem, como causa interruptiva da prescrição, a apresentação do pedido de extradição. Ademais, à míngua de previsão em tratado específico, por força do princípio da legalidade estrita, não haveria como se criar um marco interruptivo em desfavor do extraditando.

Considerando-se que a condenação do extraditando pelo crime de estelionato (“estafa”) transitou em julgado em 16-3-2011 e que, por falta de disposição expressa em tratado específico, o recebimento do pedido de extensão da extradição não constituiria causa interruptiva da prescrição, haveria que se reconhecer a prescrição da pretensão executória. Em face da pena mínima cominada ao delito em questão (1 ano de reclusão), a aludida causa extintiva de punibilidade ocorreria em 4 anos, nos termos do art. 109, V, do CP.

Ademais, nos termos do art. 117, V, do CP, o início ou a continuação do cumprimento da pena interrompem a prescrição. Caso se entendesse que, por se tratar de extradição executória, o cumprimento do mandado de prisão preventiva para extradição significaria início de cumprimento de pena, a prescrição teria se interrompido em 7-7-2014 e, portanto, não haveria que se falar em prescrição da pretensão executória.

Ocorre que, mesmo em extradição executória, a prisão preventiva não perderia sua natureza cautelar. Essa espécie de prisão seria condição de procedibilidade para o processo de extradição, destinada, em sua precípua função instrumental, a assegurar a execução de eventual ordem de extradição (Ext 579 QO/Governo da República Federal da Alemanha, DJ de 10-9-1993).