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03/07/2020

MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. LANÇAMENTO FISCAL. AUTORIDADE COATORA. SECRETÁRIO DE ESTADO DA RECEITA. ILEGITIMIDADE.

O Secretário de Estado da Fazenda não está legitimado a figurar, como autoridade coatora, em mandados de segurança que visam evitar a prática de lançamento fiscal.
Em se tratando de obrigação acessória (aposição de selos de controle), a autoridade coatora para figurar no mandado de segurança é aquela que tem competência para exigir a observância da norma ou autuar o contribuinte pelo descumprimento.
Nesse sentido, a Primeira Seção do STJ deixou anotado que "a autoridade coatora, no mandado de segurança, é aquela que pratica o ato, não a que genericamente orienta os órgãos subordinados a respeito da aplicação da lei no âmbito administrativo; mal endereçado o writ, o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito".
Por sua vez, a Primeira Turma do STJ decidiu que, no regime do lançamento por homologação, a iminência de sofrer o lançamento fiscal, caso não cumpra a legislação de regência, autoriza o sujeito passivo da obrigação tributária a impetrar mandado de segurança contra a exigência que considera indevida. Nesse caso, porém, autoridade coatora é aquela que tem competência para o lançamento ex officio, que, certamente, não é o Secretário de Estado da Receita.
Posteriormente, a Primeira Turma do STJ reafirmou que o respectivo Secretário de Estado da Fazenda não está legitimado a figurar, como autoridade coatora, em mandados de segurança que visam evitar a prática de lançamento fiscal.
Consoante ficou assentado nos precedentes da Primeira Turma do STJ, "a autoridade coatora desempenha duas funções no mandado de segurança: a) uma, internamente, de natureza processual, consistente em defender o ato impugnado pela impetração; trata-se de hipótese excepcional de legitimidade ad processum, em que o órgão da pessoa jurídica, não o representante judicial desta, responde ao pedido inicial; b) outra, externamente, de natureza executiva, vinculada à sua competência administrativa; ela é quem cumpre a ordem judicial. A legitimação da autoridade coatora deve ser aferida à base das duas funções acima descritas; só o órgão capaz de as cumprir pode ser a autoridade coatora. A pessoa jurídica sujeita aos efeitos da sentença no mandado de segurança só estará bem presentada no processo se houver correlação material entre as atribuições funcionais da autoridade coatora e o objeto litigioso; essa identificação depende de saber, à luz do direito administrativo, qual o órgão encarregado de defender o ato atacado pela impetração."
A recente jurisprudência da Segunda Turma do STJ orienta-se no sentido de que o Secretário de Estado da Fazenda não possui legitimidade para figurar, como autoridade coatora, em mandado de segurança que visa afastar exigência fiscal supostamente ilegítima. RMS 54.823-PB, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 26/05/2020, DJe 05/06/2020.

HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. ARBITRAMENTO FEITO PELO JUÍZO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE. EXECUÇÃO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESPECIALIZADA.

O juízo especializado da Justiça da Infância e da Juventude é competente para o cumprimento e a efetivação do montante sucumbencial por ele arbitrado.
Cinge-se a controvérsia a definir de quem é a competência para executar a verba honorária sucumbencial arbitrada pelo Juízo da Infância e da Juventude.
Da combinada leitura dos arts. 148 e 152 do ECA, 24, § 1º, do Estatuto da Advocacia e 516, II, do CPC/2015, depreende-se que, como regra, o cumprimento da sentença, aí abarcada a imposição sucumbencial, deve ocorrer nos mesmos autos em que se formou o correspondente título exequendo e, por conseguinte, perante o juízo prolator do título.
Ressalte-se que tal solução longe está de inquinar ou contrariar as estritas hipóteses de competência da Vara da Infância e Juventude (art. 148 do ECA), porquanto a postulada verba honorária decorreu de discussão travada em causa cível que tramitou no próprio juízo menorista, razão pela qual não há falar, no caso, em desvirtuamento de sua competência executória.
Por fim, impende realçar que a mesma Lei n. 8.069/1990 (ECA), por seu art. 152, assinala que "Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente", autorizando, no ponto, a supletiva aplicação do referido art. 516, II, do vigente CPC, segundo o qual "O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante [...] o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição". REsp 1.859.295-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 26/05/2020, DJe 29/05/2020.

RESERVA LEGAL. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. TEMPUS REGICT ACTUM. ART. 15. IRRETROATIVIDADE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - APP. CÔMPUTO. IMPOSSIBILIDADE.

O art. 15 da Lei n. 12.651/2012, que admite o cômputo da área de preservação permanente no cálculo do percentual de instituição da reserva legal do imóvel, não retroage para alcançar situações consolidadas antes de sua vigência.
O STF pronunciou a constitucionalidade do art. 15 da Lei n. 12.651/2012, por entender que "o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no percentual de Reserva Legal resulta de legítimo exercício, pelo legislador, da função que lhe assegura o art. 225, § 1º, III, da Constituição, cabendo-lhe fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos, inclusive o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB) e o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB)".
Tais proposições não embaraçam a compreensão de que as novas disposições normativas são irretroativas.
Isto porque a Suprema Corte, ao assegurar a adequação da lei com a Carta Constitucional, não inibiu a análise da aplicação temporal do texto legal, no plano infraconstitucional, tarefa conferida ao STJ. Com efeito, o próprio STF considerou que a discussão sobre a retroatividade do art. 15 da Lei n. 12.651/2012 demanda exame de matéria cognoscível no plano infraconstitucional.
Aqui convém anotar que a Corte Especial do STJ, espelhada no STF, entende que os conceitos de direito adquirido, de ato jurídico perfeito e de coisa julgada não são fixados pela Constituição Federal, mas pela legislação infraconstitucional. Desse modo, a declaração de constitucionalidade do art. 15 da Lei n. 12.651/2012 não desqualifica a aferição da aplicação imediata desse dispositivo aos casos ocorridos antes de sua vigência.
Afastar a aplicação do princípio da vedação do retrocesso para prestigiar o princípio democrático, em face das "opções validamente eleitas pelo legislador", que atuou mediante a "faculdade" conferida pelo art. 225, § 1º, III, da Constituição, como fez o Supremo Tribunal Federal, não inibe a aplicação do princípio tempus regit actum, que "orienta a aplicabilidade da lei no tempo, considerando que o regime jurídico incidente sobre determinada situação deve ser aquele em vigor no momento da materialização do fato" (AgInt no REsp 1726737/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/12/2019, DJe 11/12/2019).
Assim, sob o prisma de que as normas do novo Código Florestal não retroagem para alcançar situações pretéritas, dado o prestígio ao princípio do tempus regit actum e à proibição do retrocesso em matéria ambiental, a instituição da área de reserva legal se impõe à luz da legislação vigente ao tempo da infração ambiental, afastadas as disposições do art. 15 da Lei n. 12.651/2012. REsp 1.646.193-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por maioria, julgado em 12/05/2020, DJe 04/06/2020.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. HABEAS CORPUS DE PREVENTIVO PARA CULTIVO, USO, PORTE E PRODUÇÃO ARTESANAL DA CANNABIS (MACONHA) PARA FINS MEDICINAIS. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE SALVO CONDUTO PARA IMPORTAÇÃO DA PLANTA OU DE QUALQUER OUTRA CONDUTA TRANSNACIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

Compete à Justiça Estadual o pedido de habeas corpus preventivo para viabilizar, para fins medicinais, o cultivo, uso, porte e produção artesanal da Cannabis (maconha), bem como porte em outra unidade da federação, quando não demonstrada a internacionalidade da conduta.
O núcleo da controvérsia consiste em definir a competência para prestar jurisdição na hipótese de habeas corpus preventivo para viabilizar o plantio de maconha para fins medicinais. Os impetrantes objetivam ordem de salvo conduto para que os pacientes possam cultivar artesanalmente a planta Canabis Sativa L, bem como usá-la e portá-la dentro do território nacional com fins terapêuticos.
No caso dos autos, em que os impetrantes objetivam impedir possível constrangimento de autoridades estaduais, quais sejam, o Delegado Geral da Polícia Civil e o Comandante Geral da Polícia Militar, está configurada a competência do juízo estadual de primeiro grau.
Ademais, o pedido em sede de habeas corpus evidencia que os impetrantes não intentam obter ordem judicial para viabilizar conduta transnacional pelos pacientes. Constata-se que o pedido do habeas corpus fala em cultivo, uso, porte e produção artesanal da Cannabis, bem como porte, ainda que em outra unidade da federação, e em nenhum momento indica a intenção de importar a Cannabis.
Não há pedido de importação a justificar a competência da justiça federal. Consequentemente, não há motivo para supor que o juízo estadual teria que se pronunciar acerca de autorização para a importação da planta, invadindo competência da justiça federal. Ademais, o uso medicinal da Cannabis no território pátrio de forma legal, em razão de salvos-condutos concedidos pelo poder judiciário, demonstra a possibilidade de aquisição da planta dentro do território nacional, sem necessidade de recorrer à importação.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme quanto à necessidade de demonstração de internacionalidade da conduta do agente para reconhecimento da competência da justiça federal. Frise-se ainda que o tráfico interestadual não tem o condão de deslocar a competência para a justiça federal. CC 171.206-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 10/06/2020, DJe 16/06/2020.

TRANSPORTE DE FOLHAS DE COCA ADQUIRIDAS NA BOLÍVIA. PLANTA PROSCRITA QUE PODE ORIGINAR SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES E/OU PSICOTRÓPICAS. ENQUADRAMENTO NO TIPO DO § 1º, I, DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

A conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a definição de competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, que criminaliza o transporte de matéria-prima destinada à preparação de drogas.
Questiona-se, nos autos, se o transporte de folhas de coca amolda-se melhor ao tráfico internacional de entorpecentes (art. 33 c/c 40, I e VII, da Lei n. 11.343/2006) ou ao uso de droga para consumo pessoal (art. 28 da Lei n. 11.343/2006), cuja resposta permite definir se a competência para o julgamento da ação é da Justiça Federal, ou do Juizado Especial criminal estadual.
No caso, a substância (4,4 kg de folhas de coca), adquirida na Bolívia, foi localizada no estepe do veículo e seria transportada até Uberlândia/MG para rituais de mascar, fazer infusão de chá e até mesmo bolo, rituais esses associados à prática religiosa indígena de Instituto ao qual pertenceria o acusado. Conforme o Laudo de Perícia Criminal Federal, o material apreendido teria o potencial de produzir, aproximadamente, de 4,4g (quatro gramas e quatro decigramas) a 23,53g (vinte e três gramas e cinquenta e três centigramas) de cocaína, a depender da técnica de refino utilizada.
Não se questiona, portanto, a origem transnacional do entorpecente. A definição da competência depende, assim, na hipótese em exame, da tipificação da conduta como tráfico ou como posse de droga para consumo próprio.
O crime de uso de entorpecente para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, é de menor potencial ofensivo, o que determina a competência do Juizado Especial estadual, já que ele não está previsto em tratado internacional, e o art. 70 da Lei n. 11.343/2006 não o inclui dentre os que devem ser julgados pela Justiça Federal.
Já o tráfico de drogas é delito de tipo misto alternativo de conteúdo variado, que pune, também, a conduta de quem importa ou adquire substância entorpecente ou matéria-prima destinada à sua fabricação.
Veja-se que o tipo do art. 28 da Lei de Drogas, em seu caput, prevê vários núcleos, dentre os quais o verbo "transportar", que corresponde à conduta do investigado. Contudo, ele também vincula o transporte a "drogas", ou seja, a substância entorpecente de uso proibido no país.
Ocorre que a folha de coca ("erythroxylum coca lam") é classificada no Anexo I – Lista E – da Portaria/SVS n. 344, de 12/5/1988 – que aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial como uma das plantas proscritas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. Seja dizer, ela não é, em si, considerada droga. Com isso em mente, a conduta do investigado não se enquadra no caput do art. 28 da Lei n. 11.343/2006.
Tampouco se amoldaria ao delito equiparado descrito no parágrafo 1º do art. 28, uma vez que o investigado não semeou, nem cultivou, nem colheu as folhas de coca que transportava, já que admitiu tê-las comprado de uma índia do Acre.
Assim sendo, por mais que sua intenção confessada fosse a de consumir as folhas de coca, mascando-as, fazendo chás ou preparando bolos em rituais indígenas de sua crença religiosa, não se trataria de consumo de drogas e a conduta não se amolda ao tipo do art. 28 da Lei n. 11.3434/2006.
Por sua vez, o caput do art. 33 criminaliza, entre outras condutas, a de transportar drogas. Mas, como se viu anteriormente, a folha de coca não é droga. Porém pode ser classificada como matéria-prima ou insumo para sua fabricação.
Nesse sentido, a conduta se amoldaria ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 se, e apenas se, ficar demonstrado, ao final do inquérito ou da ação penal que o intuito do investigado era o de, com as folhas de coca, preparar drogas.
Desse modo, a conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a definição de a competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, que criminaliza o transporte de matéria-prima destinada à preparação de drogas. CC 172.464-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 10/06/2020, DJe 16/06/2020.

INVESTIMENTO DE GRUPO EM CRIPTOMOEDA. PIRÂMIDE FINANCEIRA. CRIME CONTRA ECONOMIA POPULAR. EVASÃO DE DIVISAS OU LAVAGEM DE DINHEIRO EM DETRIMENTO DE INTERESSES DA UNIÃO. INOCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

Ausentes os elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento de interesses da União, compete à Justiça Estadual processar e julgar crimes relacionados a pirâmide financeira em investimento de grupo em criptomoeda.
A Terceira Seção do STJ já se pronunciou no sentido de que a captação de recursos decorrente de "pirâmide financeira" não se enquadra no conceito de atividade financeira, razão pela qual o deslocamento do feito para a Justiça Federal se justifica apenas se demonstrada a prática de evasão de divisas ou de lavagem de dinheiro em detrimento de bens e serviços ou interesse da União.
Registre-se que o entendimento da Terceira Seção harmoniza-se com julgados da Quinta e da Sexta Turmas do STJ que tipificaram condutas análogas às descritas no presente conflito como crime contra a economia popular.
No caso analisado, o juízo estadual declinou de sua competência para a Justiça Federal, entendendo que se trataria de um crime contra o Sistema Financeiro Nacional, uma vez que se investiga um grupo de investimentos em criptomoedas ('bitcoin') e que, na verdade, se trataria de pirâmide financeira.
No entanto, ao declinar da competência, o Juízo Estadual deixou de verificar a prática, em tese, de crime contra a economia popular, cuja apuração compete à Justiça Estadual, nos termos da Súmula n. 498/STF, bem como não demonstrou especificidades do caso que revelassem conduta típica praticada em prejuízo a bens, serviços ou interesse da União.
Assim, ausentes elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento de interesses da União, os autos devem permanecer na Justiça Estadual. CC 170.392-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 10/06/2020, DJe 16/06/2020.

RECUSA TÁCITA AO FORNECIMENTO DE MATERIAL GENÉTICO PELO HERDEIRO E POR TERCEIROS. ADOÇÃO DE MEDIDAS INDUTIVAS, COERCITIVAS E MANDAMENTAIS CONTRA O HERDEIRO. ART. 139, IV, CPC. POSSIBILIDADE.

O juiz deve adotar todas as medidas indutivas, mandamentais e coercitivas, como autoriza o art. 139, IV, do CPC, com vistas a refrear a renitência de quem deve fornecer o material para exame de DNA, especialmente quando a presunção contida na Súmula 301/STJ se revelar insuficiente para resolver a controvérsia.
O propósito da presente reclamação é definir se a sentença que extinguiu o processo sem resolução de mérito, sob fundamento de que deveria ser respeitada a coisa julgada formada em anterior ação investigatória de paternidade, afrontou a autoridade de decisão proferida por esta Corte na ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP. Na referida decisão, determinou-se a apuração de eventual fraude no exame de DNA realizado na primeira ação investigatória e a realização de novo exame para a apuração de eventual existência de vínculo biológico entre as partes.
O acórdão desta Corte concluiu que o documento apresentado pela parte configurava prova indiciária da alegada fraude ocorrida em anterior exame de DNA e, em razão disso, determinou a reabertura da fase instrutória. Dessa forma, não pode a sentença, valendo-se apenas daquele documento, extrair conclusão diversa, no sentido de não ser ele suficiente para a comprovação da fraude, sob pena de afronta à autoridade da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça.
Determinado pelo STJ que fosse realizado novo exame de DNA para apuração da existência de vínculo biológico entre as partes, não pode a sentença, somente com base na ausência das pessoas que deveriam fornecer o material biológico, concluir pelo restabelecimento da coisa julgada que se formou na primeira ação investigatória (e que foi afastada por esta Corte), tampouco concluir pela inaplicabilidade da presunção contida na Súmula 301/STJ, sem que sejam empreendidas todas as providências necessárias para a adequada e exauriente elucidação da matéria fática.
A impossibilidade de condução do investigado "debaixo de vara" para a coleta de material genético necessário ao exame de DNA não implica a impossibilidade de adoção das medidas indutivas, coercitivas e mandamentais autorizadas pelo art. 139, IV, do CPC/2015, com o propósito de dobrar a sua renitência, que deverão ser adotadas, sobretudo, nas hipóteses em que não se possa desde logo aplicar a presunção contida na Súmula 301/STJ, ou quando se observar postura anticooperativa de que resulte o non liquet instrutório em desfavor de quem adota postura cooperativa.
Por fim, aplicam-se aos terceiros que possam fornecer material genético para a realização do novo exame de DNA as mesmas diretrizes anteriormente formuladas, pois, a despeito de não serem legitimados passivos para responder à ação investigatória (legitimação ad processum), são eles legitimados para a prática de determinados e específicos atos processuais (legitimação ad actum), observando-se, por analogia, o procedimento em contraditório delineado nos arts. 401 a 404, do CPC/2015, que, inclusive, preveem a possibilidade de adoção de medidas indutivas, coercitivas, sub-rogatórias ou mandamentais ao terceiro que se encontra na posse de documento ou coisa que deva ser exibida. Rcl 37.521-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 13/05/2020, DJe 05/06/2020.

PLANO DE SAÚDE OU SEGURO SAÚDE. REEMBOLSO DE DESPESAS MÉDICO-HOSPITALARES PREVISTAS EM CLÁUSULA CONTRATUAL. PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL.

É decenal o prazo prescricional aplicável ao exercício da pretensão de reembolso de despesas médico-hospitalares alegadamente cobertas pelo contrato de plano de saúde (ou de seguro saúde), mas que não foram adimplidas pela operadora.
Inicialmente, ressalta-se que, consoante a jurisprudência do STJ, não incide a prescrição ânua própria das relações securitárias nas demandas em que se discutem direitos oriundos de planos de saúde ou de seguros saúde, dada a natureza sui generis desses contratos.
A presente pretensão reparatória também não se confunde com aquela voltada à repetição do indébito decorrente da declaração de nulidade de cláusula contratual (estipuladora de reajuste por faixa etária), que foi debatida pela Segunda Seção, por ocasião do julgamento dos Recursos Especiais 1.361.182/RS e 1.360.969/RS, que observaram o rito dos repetitivos. Destaca-se que a ratio decidendi dos recursos especiais citados teve como parâmetros: (a) a revisão de cláusula contratual de plano ou de seguro de assistência à saúde tida por abusiva, com a repetição do indébito dos valores pagos (fatos relevantes da causa); e (b) a consequência lógica do reconhecimento do caráter ilegal ou abusivo do contrato é a perda da causa que legitimava o seu pagamento, dando ensejo ao enriquecimento sem causa e direito à restituição dos valores pagos indevidamente, e, como resultado, atrai a incidência do prazo prescricional trienal previsto no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil de 2002 (motivos jurídicos determinantes que conduziram à conclusão).
Assim, em havendo pontos de fato e de direito que diferenciam o presente caso da hipótese de incidência delineada nos recursos piloto, não há falar em tipificação do comando normativo posto, devendo-se afastar, por conseguinte, o prazo trienal com fundamento no enriquecimento sem causa.
De outro lado, revela-se evidente que a hipótese dos autos encontra-se mesmo compreendida pela exegese adotada pela Segunda Seção e na Corte Especial, quando dos julgamentos dos EREsp 1.280.825/RJ e EResp 1.281.594/SP respectivamente, no sentido de que, nas controvérsias relacionadas à responsabilidade contratual, aplica-se a regra geral (art. 205 do Código Civil de 2002) que prevê dez anos de prazo prescricional.
Assim, diante da inexistência de norma prescricional específica que abranja o exercício da pretensão de reembolso de despesas médico-hospitalares supostamente cobertas pelo contrato de plano de saúde (que não se confunde com a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa), deve incidir a regra da prescrição decenal estabelecida no art. 205 do Código Civil de 2002. REsp 1.756.283-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 11/03/2020, DJe 03/06/2020.

ALIENAÇÃO JUDICIAL ELETRÔNICA. BENS EM COMARCA DIVERSA. CARTA PRECATÓRIA PARA REALIZAÇÃO DOS ATOS. DESNECESSIDADE. SIMPLES ACESSO À INTERNET. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO.

Compete ao juízo da execução realizar a alienação judicial eletrônica, ainda que o bem esteja situado em comarca diversa.
Os procedimentos relativos à alienação judicial por meio eletrônico, na forma preconizada pelo art. 882, § 1º, do Código Fux (CPC/2015), têm por finalidade facilitar a participação dos licitantes, reduzir custos e agilizar processos de execução, primando pelo atendimento dos princípios da publicidade, da celeridade e da segurança.
Tal modelo de leilão revela maior eficácia diante da inexistência de fronteiras no ambiente virtual, permitindo que o leilão judicial alcance um número incontável de participantes em qualquer lugar do País, além de propiciar maior divulgação, baratear o processo licitatório e ser infinitamente mais célere em relação ao leilão presencial, rompendo trâmites burocráticos e agilizando o processo de venda do bem objeto de execução.
Aliás, destaca-se que o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n. 236/2016, regulamentando os procedimentos relativos à alienação judicial por meio eletrônico, dispondo, em seu art. 16, que os bens penhorados serão oferecidos em site designado pelo juízo da execução (art. 887, § 2º), com descrição detalhada e preferencialmente por meio de recursos multimídia, para melhor aferição de suas características e de seu estado de conservação.
Logo, cabe ao magistrado atentar para essa relevante alteração trazida pelo novel estatuto processual, utilizando-se desse poderoso instrumento de alienação judicial do bem penhorado em processo executivo, que tornou inútil e obsoleto deprecar os atos de alienação dos bens para satisfação do crédito, já que a alienação pela rede mundial dispensa o comparecimento dos interessados no local da hasta pública.
Portanto, considerando que a alienação eletrônica permite ao interessado participar do procedimento mediante um acesso simples à internet, sem necessidade de sua presença no local da hasta, tem-se por justificada a recusa do cumprimento da carta precatória pelo Juízo deprecado, visto que não há motivos para que a realização do ato de alienação judicial eletrônica seja praticada em comarca diversa daquela do Juízo da Execução. CC 147.746-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 27/05/2020, DJe 04/06/2020.

CONVÊNIO OAB E DEFENSORIA PÚBLICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXECUÇÃO NOS PRÓPRIOS AUTOS. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE CONHECIMENTO. PARTICIPAÇÃO DO ESTADO. IRRELEVÂNCIA.

Havendo convênio entre a Defensoria Pública e a OAB possibilitando a atuação dos causídicos quando não houver defensor público para a causa, os honorários advocatícios podem ser executados nos próprios autos, mesmo se o Estado não tiver participado da ação de conhecimento.
A questão controvertida cinge-se a saber se é, ou não, possível a execução, nos próprios autos de ação de alimentos, de honorários advocatícios a serem suportados pelo Estado, porque arbitrados em favor de advogado atuante na ação como defensor dativo da pessoa menor de idade promovente, ainda que o Estado, na condição de responsável pelo pagamento, não tenha participado da lide na fase de conhecimento.
O advogado, quando atua como defensor dativo, o faz porque na localidade não há Defensoria Pública. Vale dizer, nessas hipóteses, existe um convênio entre a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil, que possibilita a atuação dos causídicos quando não houver defensor público para a causa, mediante remuneração previamente estipulada em tabela.
Na espécie, ao sentenciar, o magistrado arbitrou a verba honorária conforme disposto na tabela do convênio. Porém, o Estado pagou só uma parte e não se permitiu a execução do montante restante nos autos da ação de alimentos, obrigando o advogado a ajuizar ação ordinária para tanto.
Se o advogado atuou como defensor dativo, fazendo as vezes da Defensoria Pública, tem o direito de receber e executar o valor que lhe foi fixado pelo juiz na sentença proferida na causa. Caso contrário, se houver a necessidade de ajuizamento de ação ordinária para recebimento dos honorários, não vai ter advogado para assumir esse papel da defensoria.
Com efeito, se tiver de promover uma ação específica contra a Fazenda Pública, os advogados serão muito resistentes em aceitar a função de advogado dativo, porque terão de trabalhar não só na ação para a qual foram designados, mas também numa outra ação que terão de propor contra a Fazenda Pública.
Assim, o fato de o Estado não ter participado da lide na ação de conhecimento não impede que ele seja intimado a pagar os honorários, que são de sua responsabilidade em razão de convênio celebrado entre a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil, em cumprimento de sentença. EREsp 1.698.526-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Rel. Acd. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, por maioria, julgado em 05/02/2020, DJe 22/05/2020.