Translate

26/02/2015

DIREITO PROCESSUAL PENAL. EFEITOS DO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL PELO RECONHECIMENTO DE LEGÍTIMA DEFESA.



Promovido o arquivamento do inquérito policial pelo reconhecimento de legítima defesa, a coisa julgada material impede a rediscussão do caso penal em qualquer novo feito criminal, descabendo perquirir a existência de novas provas. Isso porque a decisão judicial que define o mérito do caso penal, mesmo no arquivamento do inquérito policial, gera efeitos de coisa julgada material. Ademais, a decisão judicial que examina o mérito e reconhece a atipia ou a excludente da ilicitude é prolatada somente em caso de convencimento com grau de certeza jurídica pelo magistrado. Assim, na dúvida se o fato deu-se em legítima defesa, a previsão legal de presença de suporte probatório de autoria e materialidade exigiria o desenvolvimento da persecução criminal. Ressalte-se que a permissão de desarquivamento do inquérito pelo surgimento de provas novas contida no art. 18 do CPP e na Súmula 524/STF somente tem incidência quando o fundamento do arquivamento for a insuficiência probatória - indícios de autoria e prova do crime. Pensar o contrário permitiria a reabertura de inquéritos por revaloração jurídica e afastaria a segurança jurídica das soluções judiciais de mérito, como no reconhecimento da extinção da punibilidade, da atipia ou de excludentes da ilicitude. Precedente citado do STJ: RHC 17.389-SE, Quinta Turma, DJe 7/4/2008. Precedente citado do STF: HC 80.560-GO, Primeira Turma, DJe 30/3/2001.REsp 791.471-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 25/11/2014, DJe 16/12/2014.

DIREITO PENAL. CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE CAMBISMO.



Para a configuração do crime de cambismo (Vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete), previsto no art. 41-F da Lei 10.671/2003, não há necessidade de comprovação de que, no momento da oferta, não havia ingressos disponíveis na bilheteria. Trata-se de comportamento dotado de reprovabilidade penal, pela simples razão de envolver a exploração, artificiosa, de um bem finito: a quantidade de lugares nos estádios. Dessa maneira, abusando de certo privilégio decorrente de se chegar antes ao guichê, adquirem-se mais unidades, que são vendidas com ágio. É desinfluente a circunstância, eventual, de ainda existirem ingressos à venda nas bilheterias. A uma porque o tipo penal, expressamente, a tal não se refere. A duas porque, pela simples conduta enunciada no modelo incriminador, o bem jurídico já é afetado, porquanto se materializa exploração do preço, em mercado de bem finito, operado por um único fornecedor. Gera-se indevida especulação, promovendo a daninha quebra da isonomia, que seria assegurada pela exclusividade nas vendas. RHC 47.835-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 9/12/2014, DJe 19/12/2014.

DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR AO CRIME DE MOEDA FALSA.



Não se aplica o instituto do arrependimento posterior ao crime de moeda falsa. No crime de moeda falsa - cuja consumação se dá com a falsificação da moeda, sendo irrelevante eventual dano patrimonial imposto a terceiros -, a vítima é a coletividade como um todo, e o bem jurídico tutelado é a fé pública, que não é passível de reparação. Desse modo, os crimes contra a fé pública, semelhantes aos demais crimes não patrimoniais em geral, são incompatíveis com o instituto do arrependimento posterior, dada a impossibilidade material de haver reparação do dano causado ou a restituição da coisa subtraída. REsp 1.242.294-PR, Rel. originário Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/11/2014, DJe 3/2/2015.

DIREITO PENAL. FURTO QUALIFICADO PRATICADO DURANTE O REPOUSO NOTURNO.



A causa de aumento de pena prevista no § 1° do art. 155 do CP - que se refere à prática do crime durante o repouso noturno - é aplicável tanto na forma simples (caput) quanto na forma qualificada (§ 4°) do delito de furto. Isso porque esse entendimento está em consonância, mutatis mutandis, com a posição firmada pelo STJ no julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.193.194-MG, no qual se afigurou possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de furto qualificado (art. 155, § 4º, do CP), máxime se presentes os requisitos. Dessarte, nessa linha de raciocínio, não haveria justificativa plausível para se aplicar o § 2° do art. 155 do CP e deixar de impor o § 1° do referido artigo, que, a propósito, compatibiliza-se com as qualificadoras previstas no § 4° do dispositivo. Ademais, cumpre salientar que o § 1° do art. 155 do CP refere-se à causa de aumento, tendo aplicação apenas na terceira fase da dosimetria, o que não revela qualquer prejuízo na realização da dosimetria da pena com arrimo no método trifásico. Cabe registrar que não se desconhece o entendimento da Quinta Turma do STJ segundo o qual somente será cabível aplicação da mencionada causa de aumento quando o crime for perpetrado na sua forma simples (caput do art. 155). Todavia, o fato é que, após o entendimento exarado em 2011 no julgamento do EREsp 842.425-RS, no qual se evidenciou a possibilidade de aplicação do privilégio (§ 2°) no furto qualificado, não há razoabilidade em negar a incidência da causa de aumento (delito cometido durante o repouso noturno) na mesma situação em que presente a forma qualificada do crime de furto. Em outras palavras, uma vez que não mais se observa a ordem dos parágrafos para a aplicação da causa de diminuição (§ 2º), também não se considera essa ordem para imposição da causa de aumento (§ 1º). HC 306.450-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/12/2014, DJe 17/12/2014.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. INEXISTÊNCIA DE CASA DE ALBERGADO E CUMPRIMENTO DA PENA EM LOCAL COMPATÍVEL.


A inexistência de casa de albergado na localidade da execução da pena não gera o reconhecimento de direito ao benefício da prisão domiciliar quando o paciente estiver cumprindo a reprimenda em local compatível com as regras do regime aberto. O STJ tem admitido, excepcionalmente, a concessão da prisão domiciliar quando não houver local adequado ao regime prisional imposto. Todavia, na hipótese em que o paciente, em face da inexistência de casa de albergado, esteja cumprindo pena em local compatível com as regras do regime aberto - tendo o juízo da execução providenciado a infraestrutura necessária, atento ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade -, não se vislumbra o necessário enquadramento nas hipóteses excepcionais de concessão do regime prisional domiciliar. HC 299.315-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 18/12/2014, DJe 2/2/2015.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO DE ATOS INFRACIONAIS PARA JUSTIFICAR PRISÃO PREVENTIVA PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.



A anterior prática de atos infracionais, apesar de não poder ser considerada para fins de reincidência ou maus antecedentes, pode servir para justificar a manutenção da prisão preventiva como garantia da ordem pública.Precedentes citados: RHC 44.207-DF, Quinta Turma, DJe 23/5/2014; e RHC 43.350-MS, Sexta Turma, DJe 17/9/2014. RHC 47.671-MS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 18/12/2014, DJe 2/2/2015.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. INCOMPATIBILIDADE ENTRE PRISÃO PREVENTIVA E REGIME ABERTO OU SEMIABERTO.



Caso o réu seja condenado a pena que deva ser cumprida em regime inicial diverso do fechado, não será admissível a decretação ou manutenção de prisão preventiva na sentença condenatória. Inicialmente, insta consignar que a prisão cautelar deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-se o réu de seu jus libertatis antes do pronunciamento condenatório definitivo, consubstanciado na sentença transitada em julgado. Nesse passo, a prisão preventiva, enquanto medida de natureza cautelar, não pode ser utilizada como instrumento de punição antecipada do réu (STF: HC 93.498-MS, Segunda Turma, DJe de 18/10/2012; STJ: AgRg no RHC 47.220-MG, Quinta Turma, DJe de 29/8/2014; e RHC 36.642-RJ, Sexta Turma, DJe de 29/8/2014). Dessa forma, estabelecido o regime aberto ou semiaberto como o inicial para o cumprimento de pena, a decretação da prisão preventiva inviabiliza o direito de recorrer em liberdade, na medida em que impõe a segregação cautelar ao recorrente, até o trânsito em julgado, sob o fundamento de estarem presentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva insertos no art. 312 do CPP. Ao admitir essa possibilidade, chegar-se-ia ao absurdo de ser mais benéfico ao réu renunciar ao direito de recorrer e iniciar imediatamente o cumprimento da pena no regime estipulado do que exercer seu direito de impugnar a decisão perante o segundo grau. Nessa medida, a manutenção ou a imposição da prisão cautelar consistiria flagrante vulneração do princípio da proporcionalidade. Além disso, a prevalecer o referido entendimento, dar-se-á maior efetividade e relevância à medida de natureza precária (manutenção da segregação cautelar) em detrimento da sentença condenatória (título judicial que, por sua natureza, realiza o exame exauriente da quaestio). Por conseguinte, a individualização da pena cederá espaço, indevidamente, à providência de cunho nitidamente provisório e instrumental, subvertendo a natureza e finalidade do processo e de suas medidas cautelares. É bem verdade que a jurisprudência ora dominante no âmbito do STJ tem se orientado pela compatibilidade entre o regime diverso do fechado imposto na sentença e a negativa do apelo em liberdade, desde que adequadas as condições da prisão provisória às regras do regime imposto. Entretanto, esse posicionamento implica, na prática, o restabelecimento da orientação jurisprudencial antes prevalente na jurisprudência STF, que admitia a execução provisória da pena, atualmente rechaçada, ao entendimento de que ela vulnera o princípio da presunção de não culpabilidade inserto no art. 5º, LVII, da CF. Isso porque, se a sentença condenatória ainda não transitou em julgado, só se permite a segregação em decorrência da imposição de prisão cautelar, cuja principal característica, como já ressaltado, significa segregação total do réu. Em outras palavras, a prisão cautelar não admite temperamento para ajustar-se a regime imposto na sentença diverso do fechado. Imposto regime mais brando, significa que o Estado-Juiz, ao aplicar as normas ao caso concreto, concluiu pela possibilidade de o réu poder iniciar o desconto da reprimenda em circunstâncias que não se compatibilizam com a imposição/manutenção de prisão provisória. Caso seja necessário, poderá se valer, quando muito, de medidas alternativas diversas à prisão, previstas no art. 319 do CPP, inquestionavelmente mais adequadas à hipótese. Precedentes citados do STF: HC 118.257-PI, Segunda Turma, DJe 6/3/2014; HC 115.786-MG, Segunda Turma, DJe 20/8/2013; e HC 114.288-RS, Primeira Turma, DJe 7/6/2013. RHC 52.407-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 10/12/2014, DJe 18/12/2014.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME DO REINCIDENTE CONDENADO PELO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS.



A progressão de regime para os condenados por tráfico de entorpecentes e drogas afins dar-se-á, se o sentenciado for reincidente, após o cumprimento de 3/5 da pena, ainda que a reincidência não seja específica em crime hediondo ou equiparado. O § 2º do art. 2º da Lei 8.072/1990 determina que a transferência de regime para os condenados por delito hediondo ou equiparado dar-se-á após o resgate de 2/5 da pena, se o sentenciado for primário, e 3/5, se reincidente. O STJ, interpretando especificamente esse dispositivo legal, firmou o entendimento de que o legislador não fez menção à necessidade de a reincidência - que impõe o cumprimento de prazo maior da pena - ser específica em crime hediondo ou equiparado para que incida o prazo de 3/5 para fins de progressão de regime. Em outras palavras, ao exigir que os condenados por delitos hediondos ou assemelhados, se reincidentes, cumpram lapso maior para serem progredidos de regime, a lei não diferenciou as modalidades de reincidência, de modo que deve ser exigido do apenado reincidente, em qualquer caso, independentemente da natureza do delitos antes cometido, o lapso de 3/5. Precedentes citados: HC 273.774-RS, Quinta Turma, DJe 10/10/2014; e HC 238.592-RJ, Sexta Turma, DJe 18/2/2014. REsp 1.491.421-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/12/2014, DJe 15/12/2014.

DIREITO PENAL. QUALIFICADORA DA DESTREZA NO CRIME DE FURTO.



No crime de furto, não deve ser reconhecida a qualificadora da "destreza" (art. 155, § 4º, II, do CP) caso inexista comprovação de que o agente tenha se valido de excepcional - incomum - habilidade para subtrair a coisa que se encontrava na posse da vítima sem despertar-lhe a atenção. Efetivamente, não configuram essa qualificadora os atos dissimulados comuns aos crimes contra o patrimônio - que, por óbvio, não são praticados às escancaras. A propósito, preleciona a doutrina que essa qualificadora significa uma "especial habilidade capaz de impedir que a vítima perceba a subtração realizada em sua presença. É a subtração que se convencionou chamar de punga. A destreza pressupõe uma atividade dissimulada, que exige habilidade incomum, aumentando o risco de dano ao patrimônio e dificultando sua proteção". Nesse passo, "a destreza constitui a habilidade física ou manual empregada pelo agente na subtração, fazendo com que a vítima não perceba o seu ato. É o meio empregado pelos batedores de carteira, pick-pocketsou punguistas, na gíria criminal brasileira. O agente adestra-se, treina, especializa-se, adquirindo habilidade tal com as mãos e dedos que a subtração ocorre como um passe de mágica, dissimuladamente. Por isso, a prisão em flagrante (próprio) do punguista afasta a qualificadora, devendo responder por tentativa de furto simples; na verdade, a realidade prática comprovou exatamente a inabilidade do incauto". Dispõe ainda a doutrina que "Destreza: é a agilidade ímpar dos movimentos de alguém, configurando uma especial habilidade. O batedor de carteira (figura praticamente extinta diante da ousadia dos criminosos atuais) era o melhor exemplo. Por conta da agilidade de suas mãos, conseguia retirar a carteira de alguém, sem que a vítima percebesse. Não se trata do 'trombadinha', que investe contra a vítima, arrancando-lhe, com violência, os pertences". REsp 1.478.648-PR, Rel. Min. Newton Trisotto (desembargador convocado do TJ/SC), julgado em 16/12/2014, DJe 2/2/2015.

DIREITO PENAL. ESTELIONATO JUDICIAL E USO DE DOCUMENTO FALSO.



Não se adequa ao tipo penal de estelionato (art. 171, § 3º, do CP) - podendo, contudo, caracterizar o crime de uso de documento falso (art. 304 do CP) - a conduta do advogado que, utilizando-se de procurações com assinatura falsa e comprovantes de residência adulterados, propôs ações indenizatórias em nome de terceiros com objetivo de obter para si vantagens indevidas, tendo as irregularidades sido constadas por meio de perícia determinada na própria demanda indenizatória. De fato, não se configura o crime de estelionato judiciário (art. 171, § 3º, do CP) quando é possível ao magistrado, durante o curso do processo, ter acesso às informações que caracterizam a fraude. Não se desconhece a existência de posicionamento doutrinário e jurisprudencial, inclusive do STJ, no sentido de que não se admite a prática do delito de estelionato por meio do ajuizamento de ações judiciais (RHC 31.344-PR, Quinta Turma, DJe 26/3/2012; e HC 136.038-RS, Sexta Turma, DJe 30/11/2009). Contudo, em recente julgado, a Quinta Turma do STJ firmou o entendimento de que quando não é possível ao magistrado, durante o curso do processo, ter acesso às informações que caracterizam a fraude, é viável a configuração do crime de estelionato (AgRg no HC 248.211-RS, Quinta Turma, DJe 25/4/2013). No caso em análise, constata-se que fora determinada a realização de perícia na documentação acostada pelo advogado, o que revela que a suposta fraude perpetrada era passível de ser descoberta pelas vias ordinárias no curso do processo, o que afasta o crime de estelionato. Todavia, observa-se que o agente teria se utilizado de procurações e comprovantes de residência falsos para ingressar com ações cíveis, sendo certo que tais documentos são hábeis a caracterizar o delito previsto no artigo 304 do CP, conforme entendimento da doutrina e da jurisprudência. RHC 53.471-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/12/2014, DJe 15/12/2014.

DIREITO PENAL. MORTE INSTANTÂNEA DA VÍTIMA E OMISSÃO DE SOCORRO COMO CAUSA DE AUMENTO DE PENA.



No homicídio culposo, a morte instantânea da vítima não afasta a causa de aumento de pena prevista no art. 121, § 4°, do CP - deixar de prestar imediato socorro à vítima -, a não ser que o óbito seja evidente, isto é, perceptível por qualquer pessoa. Com efeito, o aumento imposto à pena decorre do total desinteresse pela sorte da vítima. Isso é evidenciado por estar a majorante inserida no § 4° do art. 121 do CP, cujo móvel é a observância do dever de solidariedade que deve reger as relações na sociedade brasileira (art. 3º, I, da CF). Em suma, o que pretende a regra em destaque é realçar a importância da alteridade. Assim, o interesse pela integridade da vítima deve ser demonstrado, a despeito da possibilidade de êxito, ou não, do socorro que possa vir a ser prestado. Tanto é que não só a omissão de socorro majora a pena no caso de homicídio culposo, como também se o agente "não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar a prisão em flagrante". Cumpre destacar, ainda, que o dever imposto ao autor do homicídio remanesce, a não ser que seja evidente a morte instantânea, perceptível por qualquer pessoa. Em outras palavras, havendo dúvida sobre a ocorrência do óbito imediato, compete ao autor da conduta imprimir os esforços necessários para minimizar as consequências do fato. Isso porque "ao agressor, não cabe, no momento do fato, presumir as condições físicas da vítima, medindo a gravidade das lesões que causou e as consequências de sua conduta. Tal responsabilidade é do especialista médico, autoridade científica e legalmente habilitada para, em tais circunstâncias, estabelecer o momento e a causa da morte" (REsp 277.403-MG, Quinta Turma, DJ 2/9/2002). Precedente citado do STF: HC 84.380-MG, Segunda Turma, DJ 3/6/2005. HC 269.038-RS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 2/12/2014, DJe 19/12/2014.

DIREITO PENAL. PORTE DE ARMA DE FOGO POR POLICIAL CIVIL APOSENTADO.



O porte de arma de fogo a que têm direito os policiais civis (arts. 6º da Lei 10.826/2003 e 33 do Decreto 5.123/2014) não se estende aos policiais aposentados. Isso porque, de acordo com o art. 33 do Decreto 5.123/2004, que regulamentou o art. 6º da Lei 10.826/2003, o porte de arma de fogo está condicionado ao efetivo exercício das funções institucionais por parte dos policiais, motivo pelo qual não se estende aos aposentados. Precedente citado: RMS 23.971-MT, Primeira Turma, DJe 16/4/2008. HC 267.058-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/12/2014, DJe 15/12/2014.

DIREITO EMPRESARIAL. ABUSIVIDADE DA VIGÊNCIA POR PRAZO INDETERMINADO DE CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA.



É abusiva a vigência, por prazo indeterminado, da cláusula de "não restabelecimento" (art. 1.147 do CC), também denominada "cláusula de não concorrência". O art. 1.147 do CC estabelece que "não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência". Relativamente ao referido artigo, foi aprovado o Enunciado 490 do CJF, segundo o qual "A ampliação do prazo de 5 (cinco) anos de proibição de concorrência pelo alienante ao adquirente do estabelecimento, ainda que convencionada no exercício da autonomia da vontade, pode ser revista judicialmente, se abusiva". Posto isso, cabe registrar que se mostra abusiva a vigência por prazo indeterminado da cláusula de "não restabelecimento", pois o ordenamento jurídico pátrio, salvo expressas exceções, não se coaduna com a ausência de limitações temporais em cláusulas restritivas ou de vedação do exercício de direitos. Assim, deve-se afastar a limitação por tempo indeterminado, fixando-se o limite temporal de vigência por cinco anos contados da data do contrato, critério razoável adotado no art. 1.147 do CC/2002. REsp 680.815-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 20/3/2014, DJe 3/2/2015.

DIREITO CIVIL. VÍCIO REDIBITÓRIO E PRAZO DECADENCIAL.



Quando o vício oculto, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde (art. 445, § 1°, CC), o adquirente de bem móvel terá o prazo de trinta dias (art. 445, caput, do CC), a partir da ciência desse defeito, para exercer o direito de obter a redibição ou abatimento no preço, desde que o conhecimento do vício ocorra dentro do prazo de cento e oitenta dias da aquisição do bem. O prazo decadencial para exercício do direito de obter a redibição ou abatimento no preço de bem móvel é o previsto no caput do art. 445 do CC, isto é, trinta dias. O § 1º do art. 445 do CC apenas delimita que, se o vício somente se revelar mais tarde, em razão de sua natureza, o prazo de 30 dias fluirá a partir do conhecimento desse defeito, desde que revelado até o prazo máximo de 180 dias, com relação aos bens móveis. Desse modo, no caso de vício oculto em coisa móvel, o adquirente tem o prazo máximo de cento e oitenta dias para perceber o vício e, se o notar neste período, tem o prazo de decadência de trinta dias, a partir da verificação do vício, para ajuizar a ação redibitória. Nesse sentido, o enunciado 174 do CJF dispõe que: "Em se tratando de vício oculto, o adquirente tem os prazos do caput do art. 445 para obter redibição ou abatimento do preço, desde que os vícios se revelem nos prazos estabelecidos no parágrafo primeiro, fluindo, entretanto, a partir do conhecimento do defeito". REsp 1.095.882-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 9/12/2014, DJe 19/12/2014.

DIREITO CIVIL. INAPLICABILIDADE DE PROTEÇÃO DO DIREITO AUTORAL A MODELO FOTOGRAFADO.



O modelo fotografado não é titular de direitos autorais oponíveis contra a editora da revista que divulga suas fotos. De fato, o ordenamento jurídico brasileiro, de forma ampla e genérica, confere à fotografia proteção própria de direito autoral (art. 7º, VII, da Lei 9.610/1998 - Lei de Direitos Autorais - e art. 2 da Convenção de Berna). Ocorre que, se o próprio conceito de direito autoral está ontologicamente relacionado com processo de criação - afora os direitos conexos dos executantes e outros -, a proteção deve incidir em benefício daquele que efetivamente criou a obra protegida. Quanto a esse aspecto, aliás, o art. 11 da Lei de Direitos Autorais prescreve que "Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica". Dessa maneira, em se tratando de fotografia, para efeitos de proteção do direito autoral das obras artísticas, o autor - e, portanto, o titular do direito autoral - é o fotógrafo (e não o fotografado). Isso porque é o fotógrafo, detentor da técnica e da inspiração, quem coordena os demais elementos complementares ao retrato do objeto - como iluminação - e capta a oportunidade do momento e o transforma em criação intelectual, digna, portanto, de tutela como manifestação de cunho artístico. O fotografado, conquanto seja titular de direitos da personalidade (como a imagem, a honra e a intimidade), nada cria. Dele não emana nenhuma criação do espírito exteriorizada como obra artística. Sua imagem compõe obra artística de terceiros. Nesse sentido, a Terceira Turma do STJ já decidiu que a "fotografia é obra protegida por direito do autor, e, ainda que produzida na constância de relação de trabalho, integra a propriedade imaterial do fotógrafo, não importando se valorada como obra de especial caráter artístico ou não" (REsp 1.034.103-RJ, DJe 21/9/2010). Ressalte-se, todavia, que o fotografado tem direito de imagem, cuja violação poderia, realmente, ensejar indenizações. REsp 1.322.704-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/10/2014, DJe 19/12/2014.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE DESISTÊNCIA DO RECURSO PRINCIPAL APÓS A CONCESSÃO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA EM SEDE DE RECURSO ADESIVO.



Concedida antecipação dos efeitos da tutela em recurso adesivo, não se admite a desistência do recurso principal de apelação, ainda que a petição de desistência tenha sido apresentada antes do julgamento dos recursos. De fato, a apresentação da petição de desistência na hipótese em análise demonstra pretensão incompatível com o princípio da boa-fé processual e com a própria regra que faculta ao recorrente não prosseguir com o recurso, a qual não deve ser utilizada como forma de obstaculizar a efetiva proteção ao direito lesionado. Isso porque, embora tecnicamente não se possa afirmar que a concessão da antecipação dos efeitos da tutela represente o início do julgamento da apelação, é evidente que a decisão proferida pelo relator, ao satisfazer o direito material reclamado, passa a produzir efeitos de imediato na esfera jurídica das partes, evidenciada a presença dos seus requisitos (prova inequívoca e verossimilhança da alegação). Além disso, deve-se considerar que os arts. 500, III, e 501 do CPC - que permitem a desistência do recurso sem a anuência da parte contrária - foram inseridos no Código de 1973, razão pela qual, em caso como o aqui analisado, a sua interpretação não pode prescindir de uma análise conjunta com o art. 273 do CPC - que introduziu a antecipação dos efeitos da tutela no ordenamento jurídico pátrio por meio da Lei 8.952, apenas no ano de 1994, como forma de propiciar uma prestação jurisdicional mais célere e justa -, bem como com o princípio da boa-fé processual, que deve nortear o comportamento das partes em juízo (de que são exemplos, entre outros, os arts. 14, II, e 600 do CPC, introduzidos, respectivamente, pelas Leis 10.358/2001 e 11.382/2006). Ante o exposto, a solução adequada para o caso em apreço desborda da aplicação literal dos arts. 500, III, e 501 do CPC, os quais têm função apenas instrumental, devendo ser adotada uma interpretação teleológica que, associada aos demais artigos mencionados, privilegie o escopo maior de efetividade do direito material buscado pelo sistema, que tem no processo um instrumento de realização da justiça. REsp 1.285.405-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014.

DIREITO DO CONSUMIDOR. RESCISÃO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL VINCULADO A CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE AUTOMÓVEL.



Na hipótese de rescisão de contrato de compra e venda de automóvel firmado entre consumidor e concessionária em razão de vício de qualidade do produto, deverá ser também rescindido o contrato de arrendamento mercantil do veículo defeituoso firmado com instituição financeira pertencente ao mesmo grupo econômico da montadora do veículo (banco de montadora). Inicialmente, esclareça-se que o microssistema normativo do CDC conferiu ao consumidor o direito de demandar contra quaisquer dos integrantes da cadeia produtiva com o objetivo de alcançar a plena reparação de prejuízos sofridos no curso da relação de consumo. Ademais, a regra do art. 18 do CDC, ao regular a responsabilidade por vício do produto, deixa expressa a responsabilidade solidária entre todos os fornecedores integrantes da cadeia de consumo. Nesse sentido, observe-se que as regras do art. 7º, § único, e do art. 25, § 1º, do CDC, estatuem claramente que, "havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores." Amplia-se, assim, o nexo de imputação para abranger pessoas que, no sistema tradicional do Código Civil, não seriam atingidas, como é o caso da instituição financeira integrante do mesmo grupo econômico da montadora. Na hipótese ora em análise, não se trata de instituição financeira que atua como "banco de varejo" - apenas concedendo financiamento ao consumidor para aquisição de um veículo novo ou usado sem vinculação direta com o fabricante -, mas sim de instituição financeira que atua como "banco de montadora", isto é, que integra o mesmo grupo econômico da montadora que se beneficia com a venda de seus automóveis, inclusive estipulando juros mais baixos que a média do mercado para esse segmento para atrair o público consumidor para os veículos da sua marca. É evidente, assim, que o banco da montadora faz parte da mesma cadeia de consumo, sendo também responsável pelos vícios ou defeitos do veículo objeto da negociação. REsp 1.379.839-SP, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para Acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/11/2014, DJe 15/12/2014.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO DA LEGALIDADE DE COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA EM AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS EM FACE DAS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO.



É cabível a cominação de multa diária - astreintes - em ação de exibição de documentos movida por usuário de serviço de telefonia celular para obtenção de informações acerca do endereço de IP (Internet Protocol) de onde teriam sido enviadas, para o seu celular, diversas mensagens anônimas agressivas, por meio do serviço de SMS disponibilizado no sítio eletrônico da empresa de telefonia. De fato, a Súmula 372 do STJ estabelece não ser cabível a aplicação de multa cominatória na ação de exibição de documentos, entendimento esse posteriormente ratificado em sede de recurso repetitivo (REsp 1.333.988-SP, Segunda Seção, DJe 11/4/2014). Essa orientação jurisprudencial, todavia, não se aplica ao caso em questão. Não se trata de uma ação de exibição de documentos propriamente dita, uma vez que não se busca a prova de fatos contra a demandada, mas a identificação do terceiro responsável pela autoria de atos ilícitos. Desse modo, não é igualmente aplicável a determinação contida no art. 359 do CPC (presunção de veracidade dos fatos afirmados pela parte requerente da exibição dos documentos), pois não se busca a prova de fatos contra a demandada, mas a identificação do terceiro responsável pela autoria de atos ilícitos. Em situações como a dos autos, em que a busca e apreensão de documentos e a confissão não surtiriam os efeitos esperados, a fixação de astreintes mostra-se a medida mais adequada para garantir a eficácia da decisão que determina o fornecimento de informações de dados de usuário em sítio eletrônico. Por fim, destaque-se que não se está aqui desconsiderando o entendimento sumular, mas apenas se estabelecendo uma distinção em face das peculiaridades do caso - técnica das distinções (distinguishing). REsp 1.359.976-PB, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 25/11/2014, DJe 2/12/2014.

DIREITO CIVIL. INSUBSISTÊNCIA DE CLÁUSULA DE IRREVOGABILIDADE E DE IRRETRATABILIDADE EM CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO.



Ainda que, na vigência do CC/1916, tenha sido estipulado, na convenção original de condomínio, ser irrevogável e irretratável cláusula que prevê a divisão das despesas do condomínio em partes iguais, admite-se ulterior alteração da forma de rateio, mediante aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos, para que as expensas sejam suportadas na proporção das frações ideais. De fato, não há como obrigar - sem que haja previsão legal - que os atuais condôminos ou os eventuais futuros adquirentes das unidades fiquem eternamente submetidos às regras impostas na convenção original. Basta imaginar a existência de condomínios centenários, cujas unidades imobiliárias já passaram por várias gerações de proprietários sem que remanescesse nenhum proprietário original. Nesse cenário, ao admitir a perpetuação de cláusula pétrea, estar-se-ia engessando de maneira desarrazoada a vontade dos condôminos e a soberania das deliberações assembleares, que nem mesmo pela unanimidade de votos poderiam alterar as cláusulas gravadas pela irrevogabilidade e pela irretratabilidade. Na hipótese em análise, reforça a legitimidade da alteração o fato de ser aprovada pela maioria dos condôminos e de obedecer ao quórum legal de 2/3 dos condôminos (art. 1.351 do CC/2002), observando-se a forma de rateio (na proporção da fração ideal) prevista no novo Código Civil (art. 1.336, I), o que afasta qualquer alegação, por parte de eventual condômino que não concorde com a modificação, de ofensa aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade ou da vedação ao enriquecimento ilícito. Além disso, tendo em vista a natureza estatutária da convenção de condomínio, que autoriza a aplicação imediata do regime jurídico previsto no novo Código Civil, não há espaço para falar em violação do direito adquirido e do ato jurídico perfeito (REsp 722.904-RS, Terceira Turma, DJ 1º/7/2005; e REsp 1.169.865-DF, Quarta Turma, DJe 2/9/2013). REsp 1.447.223-RS, Rel. originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/12/2014, DJe 5/2/2015.

DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO, SEM CONSENTIMENTO DO COMPANHEIRO, DE BEM IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL.



A invalidação da alienação de imóvel comum, fundada na falta de consentimento do companheiro, dependerá da publicidade conferida à união estável, mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência de união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, ou da demonstração de má-fé do adquirente. A Lei 9.278/1996, em seu art. 5º, ao dispor acerca dos bens adquiridos na constância da união estável, estabeleceu serem eles considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos os conviventes, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito. Dispôs, ainda, que a administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, questão também submetida ao poder de disposição dos conviventes. Nessa perspectiva, conforme entendimento doutrinário, a alienação de bem co-titularizado por ambos os conviventes, na esteira do citado artigo, sem a anuência de um dos condôminos, representaria alienação - pelo menos em parte - de coisa alheia, caracterizando uma venda "a non domino", ou seja, um ato ilícito. Por outro lado, inolvidável a aplicabilidade, em regra, da comunhão parcial de bens à união estável, consoante o disposto no caput do art. 1.725 do CC. E, especialmente acerca da disponibilidade dos bens, em se tratando de regime que não o da separação absoluta, consoante disciplinou o CC no seu art. 1.647, nenhum dos cônjuges poderá, sem autorização do outro, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis. A interpretação dessas normas, ou seja, do art. 5º da Lei 9.278/1996 e dos já referidos arts. 1.725 e 1.647 do CC, fazendo-as alcançar a união estável, não fosse pela subsunção mesma, esteia-se, ainda, no fato de que a mesma ratio - que indisfarçavelmente imbuiu o legislador a estabelecer a outorga uxória e marital em relação ao casamento - mostra-se presente em relação à união estável; ou seja, a proteção da família (com a qual, aliás, compromete-se o Estado, seja legal, seja constitucionalmente). Todavia, levando-se em consideração os interesses de terceiros de boa-fé, bem como a segurança jurídica necessária para o fomento do comércio jurídico, os efeitos da inobservância da autorização conjugal em sede de união estável dependerão, para a sua produção (ou seja, para a eventual anulação da alienação do imóvel que integra o patrimônio comum) da existência de uma prévia e ampla notoriedade dessa união estável. No casamento, ante a sua peculiar conformação registral, até mesmo porque dele decorre a automática alteração de estado de pessoa e, assim, dos documentos de identificação dos indivíduos, é ínsita essa ampla e irrestrita publicidade. Projetando-se tal publicidade à união estável, a anulação da alienação do imóvel dependerá da averbação do contrato de convivência ou do ato decisório que declara a união no Registro Imobiliário em que inscritos os imóveis adquiridos na constância da união. A necessidade de segurança jurídica, tão cara à dinâmica dos negócios na sociedade contemporânea, exige que os atos jurídicos celebrados de boa-fé sejam preservados. Em outras palavras, nas hipóteses em que os conviventes tornem pública e notória a sua relação, mediante averbação, no registro de imóveis em que cadastrados os bens comuns, do contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência da união estável, não se poderá considerar o terceiro adquirente do bem como de boa-fé, assim como não seria considerado caso se estivesse diante da venda de bem imóvel no curso do casamento. Contrariamente, não havendo o referido registro da relação na matrícula dos imóveis comuns, ou não se demonstrando a má-fé do adquirente, deve-se presumir a sua boa-fé, não sendo possível a invalidação do negócio que, à aparência, foi higidamente celebrado. Por fim, não se olvide que o direito do companheiro prejudicado pela alienação de bem que integrava o patrimônio comum remanesce sobre o valor obtido com a alienação, o que deverá ser objeto de análise em ação própria em que se discuta acerca da partilha do patrimônio do casal. REsp 1.424.275-MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4/12/2014, DJe 16/12/2014.

DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO.


Aplica-se subsidiariamente às sociedades em conta de participação o art. 1.034 do CC, o qual define de forma taxativa as hipóteses pelas quais se admite a dissolução judicial das sociedades. Apesar de despersonificadas e de os seus sócios possuírem graus de responsabilidade distintos, as sociedades em conta de participação decorrem da união de esforços, com compartilhamento de responsabilidades, comunhão de finalidade econômica e existência de um patrimônio especial garantidor das obrigações assumidas no exercício da empresa. Não há diferença ontológica entre as sociedades em conta de participação e os demais tipos societários personificados, distinguindo-se quanto aos efeitos jurídicos unicamente em razão da dispensa de formalidades legais para sua constituição. Sendo assim, admitindo-se a natureza societária dessa espécie empresarial, deve-se reconhecer a aplicação subsidiária do art. 1.034 do CC - o qual define de forma taxativa as hipóteses pelas quais se admite a dissolução judicial das sociedades - às sociedades em conta de participação, nos termos do art. 996 do CC, enquanto ato inicial que rompe o vínculo jurídico entre os sócios. Ora, as sociedades não personificadas, diversamente das universalidades despersonalizadas, decorrem de um vínculo jurídico negocial e, no mais das vezes, plurissubjetivo. São contratos relacionais multilaterais de longa duração, os quais podem ser rompidos pela vontade das partes, em consenso ou não, porquanto não se pode exigir a eternização do vínculo contratual. E é essa a finalidade do instituto jurídico denominado dissolução. Por fim, ressalte-se que, somente após esse ato inicial, que dissolve as amarras contratuais entre os sócios, inicia-se o procedimento de liquidação. E, nesta fase, sim, a ausência de personalidade jurídica terá clara relevância, impondo às sociedades em conta de participação um regime distinto dos demais tipos societários. Isso porque a especialização patrimonial das sociedades em conta de participação só tem efeitos entre os sócios, nos termos do § 1º do art. 994 do CC, de forma a existir, perante terceiros, verdadeira confusão patrimonial entre o sócio ostensivo e a sociedade. Assim, inexistindo possibilidade material de apuração de haveres, disciplinou o art. 996 do mesmo diploma legal que a liquidação dessas sociedades deveriam seguir o procedimento relativo às prestações de contas, solução que era adotada mesmo antes da vigência do novo Código Civil. Dessa forma, o procedimento especial de prestação de contas refere-se tão somente à forma de sua liquidação, momento posterior à dissolução do vínculo entre os sócios ostensivo e oculto. Contudo, essa disciplina da liquidação não afasta nem poderia atingir o ato inicial, antecedente lógico e necessário, qual seja, a extinção do vínculo contratual de natureza societária por meio da dissolução. REsp 1.230.981-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16/12/2014, DJe 5/2/2015.

DIREITO TRIBUTÁRIO. EMPRESAS OPTANTES PELO SIMPLES E SUSPENSÃO DO IPI.



O benefício da suspensão do IPI na saída do produto do estabelecimento industrial (art. 29 da Lei 10.637/2002) não se estende às empresas optantes pelo SIMPLES. O tratamento diferenciado instituído às microempresas e às empresas de pequeno porte, simplificando o cumprimento de suas obrigações administrativas, tributárias e previdenciárias, estabelece o recolhimento de tributos de forma unificada e, em relação ao IPI, prescreve que ele incide cumulado com outros impostos, por alíquota fixa sobre a receita bruta. Essa sistemática de arrecadação já institui forma de benefício fiscal que determina pagamento único e que, consequentemente, exclui qualquer outra vantagem estabelecida às demais empresas, até porque, contrario sensu, a extensão do benefício quanto à suspensão do IPI da saída do estabelecimento industrial (art. 29 da Lei 10.637/2002) conduziria à concessão de dupla vantagem - uma, decorrente do recolhimento mitigado do IPI pela opção ao SIMPLES, e outra, pela sua total exclusão - sem expressa previsão legal. Precedentes citados: AgRg no Ag 1.171.321-SC, Primeira Turma, DJe 9/4/2010; e AgRg no REsp 986.560-PR, DJe 11/5/2009. REsp 1.497.591-PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 9/12/2014, DJe 15/12/2014.

DIREITO TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE POR DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS NÃO PAGOS POR INCORPORADORA IMOBILIÁRIA FALIDA.



Na hipótese de paralisação de edificação de condomínio residencial, em razão da falência da incorporadora imobiliária, e tendo a obra sido retomada posteriormente pelos adquirentes das unidades imobiliárias comercializadas - condôminos -, estes não podem ser responsabilizados pelo pagamento de contribuições previdenciárias referentes à etapa da edificação que se encontrava sob a responsabilidade exclusiva da incorporadora falida. Nos termos do art. 30, II, da Lei 8.212/1991, "exclui-se da responsabilidade solidária perante a Seguridade Social o adquirente de prédio ou unidade imobiliária que realizar a operação com empresa de comercialização ou incorporador de imóveis, ficando estes solidariamente responsáveis com o construtor". Vale dizer, o construtor é responsável pelas dívidas previdenciárias, mas não o é o adquirente de unidade imobiliária que realizar a operação com empresa de comercialização ou incorporador de imóveis. Nota-se que a lei protege a boa-fé dos adquirentes que comercializam com empresas construtoras, não só como mecanismo de justiça, mas também como instrumento de garantia, de forma que as relações contratuais na área da construção civil se desenvolvam em um sistema de segurança. No caso, até o momento em que a obra estava sob a responsabilidade da pessoa jurídica, é inegável que os condôminos encontravam-se na condição de adquirentes das unidades comercializadas pela construtora, e não como construtores, não sendo possível, portanto, imputar aos condôminos a responsabilidade tributária, já que estariam acobertados pela exceção prevista no inciso VII do art. 30 da Lei 8.212/1991. Precedente citado: REsp 961.246-SC, Primeira Turma, DJe 10/12/2009. REsp 1.485.379-SC, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/12/2014, DJe 4/2/2015.

DIREITO ADMINISTRATIVO. NÃO INCIDÊNCIA DO FGTS SOBRE O AUXÍLIO-CRECHE.


A importância paga pelo empregador referente ao auxílio-creche não integra a base de cálculo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O FGTS é um direito autônomo dos trabalhadores urbanos e rurais de índole social e trabalhista, não possuindo caráter de imposto nem de contribuição previdenciária. Assim, o fato de o Estado fiscalizar e garantir esse direito, com vistas à efetivação regular dos depósitos, não transmuda em sujeito ativo do crédito dele proveniente. O Estado intervém para assegurar o cumprimento da obrigação por parte da empresa, em proteção ao direito social do trabalhador. Dessa forma, não é possível a sua equiparação com a sistemática utilizada para fins de incidência de contribuição previdenciária e imposto de renda, de modo que é irrelevante a natureza da verba trabalhista (remuneratória ou indenizatória/compensatória) para fins de incidência do FGTS. Consiste o FGTS, pois, em um depósito bancário vinculado, pecuniário, compulsório, realizado pelo empregador em favor do trabalhador, visando formar uma espécie de poupança para este, que poderá ser sacado nas hipóteses legalmente previstas. De mais a mais, a CF previu, no seu art. 7º, XXV, entre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, a assistência gratuita aos filhos e dependentes em creches e pré-escolas. O objetivo do instituto é ressarcir despesas efetuadas com o pagamento da creche de livre escolha da empregada-mãe, ou outra modalidade de prestação de serviço desta natureza. Nesse passo, verifica-se que o art. 28, § 9º, "s", da Lei 8.212/1990 expressamente exclui o reembolso creche da base de incidência do FGTS. Ademais, há muito, a Fazenda Nacional aponta uma distinção entre o reembolso-creche (que não integra o salário de contribuição em razão de expressa previsão legal) e o auxílio-creche, especialmente para fins de incidência de contribuição previdenciária. Contudo, essa argumentação não encontra amparo na jurisprudência desta Corte, que se firmou no sentido de que "O Auxílio-creche não integra o salário-de-contribuição" (Súmula 310 do STJ). Destarte, não obstante a maximização das hipóteses de incidência do FGTS constitua princípio que atende à sua finalidade precípua, não se justifica afastar a sua incidência em relação ao "reembolso-creche" e determinar a sua incidência sobre o "auxílio-creche", quando o pagamento da verba - independentemente da forma - ocorra em conformidade com a legislação trabalhista. Além disso, em que pese a distinção procedimental sustentada pela Fazenda, tanto o auxílio creche quanto o reembolso creche possuem a mesma finalidade, ressarcir a trabalhadora pelos gastos efetuados com a creche dos seus filhos menores de 6 anos, em virtude de a empresa não manter em funcionamento uma creche em seu próprio estabelecimento, conforme determina o art. 389 da CLT. Ressalte-se, por oportuno, que o FGTS destina-se a garantir o tempo de serviço do trabalhador e, no caso do auxílio-creche, esse requisito não está presente, na medida em que se destina a reembolsar o trabalhador das despesas que este teve que efetuar em virtude do não oferecimento da creche por parte do empregador. Assim, diante da análise da legislação de regência (art. 15, § 6º, da Lei 8.036/1990, c/c o art. 28, § 9º, "s", da Lei 8.212/1991), impõe-se a conclusão no sentido de que o auxílio-creche (da mesma forma que o reembolso-creche) não integra a base de cálculo do FGTS. REsp 1.448.294-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 9/12/2014, DJe 15/12/2014.

DIREITO ADMINISTRATIVO. INCIDÊNCIA DO FGTS SOBRE OS PRIMEIROS QUINZE DIAS QUE ANTECEDEM O AUXÍLIO-DOENÇA.


A importância paga pelo empregador durante os primeiros quinze dias que antecedem o afastamento por motivo de doença integra a base de cálculo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O FGTS é um direito autônomo dos trabalhadores urbanos e rurais de índole social e trabalhista, não possuindo caráter de imposto nem de contribuição previdenciária. Assim, o fato de o Estado fiscalizar e garantir esse direito, com vistas à efetivação regular dos depósitos, não transmuda em sujeito ativo do crédito dele proveniente. O Estado intervém para assegurar o cumprimento da obrigação por parte da empresa, em proteção ao direito social do trabalhador. Dessa forma, não é possível a sua equiparação com a sistemática utilizada para fins de incidência de contribuição previdenciária e imposto de renda, de modo que é irrelevante a natureza da verba trabalhista (remuneratória ou indenizatória/compensatória) para fins de incidência do FGTS. Consiste o FGTS, pois, em um depósito bancário vinculado, pecuniário, compulsório, realizado pelo empregador em favor do trabalhador, visando formar uma espécie de poupança para este, que poderá ser sacado nas hipóteses legalmente previstas. De mais a mais, nos termos do art. 60, caput, da Lei 8.213/1991, "o auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz". Nesse passo, no que se refere ao segurado empregado, durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbe ao empregador efetuar o pagamento do seu salário integral (art. 60, § 3º, da Lei 8.213/1991). No mesmo sentido, os arts. 28, II, do Decreto 99.684/1990 e 15, § 5º, da Lei 8.036/1990 impõem a obrigatoriedade de realização do depósito do FGTS na hipótese de interrupção do contrato de trabalho decorrente de licença para tratamento de saúde de até 15 dias. Ressalte-se, por fim, que entendimento em sentido contrário implica prejuízo ao empregado que é o destinatário das contribuições destinadas ao Fundo efetuadas pelo empregador. REsp 1.448.294-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 9/12/2014, DJe 15/12/2014.

25/02/2015

DIREITO ADMINISTRATIVO. INCIDÊNCIA DO FGTS SOBRE O TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS.


A importância paga pelo empregador a título de terço constitucional de férias gozadas integra a base de cálculo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O FGTS é um direito autônomo dos trabalhadores urbanos e rurais de índole social e trabalhista, não possuindo caráter de imposto nem de contribuição previdenciária. Assim, não é possível a sua equiparação com a sistemática utilizada para fins de incidência de contribuição previdenciária e imposto de renda, de modo que é irrelevante a natureza da verba trabalhista (remuneratória ou indenizatória/compensatória) para fins de incidência da contribuição ao FGTS. Nesse passo, o fato de o legislador optar por excluir da incidência do FGTS as mesmas parcelas de que trata o art. 28, § 9º, da Lei 8.212/1991 - apesar da aproximação dos conceitos - não significa que pretendeu igualar a contribuição previdenciária à mesma base de incidência do FGTS, tratando-se de técnica legislativa. Realizando uma interpretação sistemática da norma de regência, verifica-se que somente em relação às verbas expressamente excluídas pela lei é que não haverá a incidência do FGTS. Desse modo, impõe-se a incidência do FGTS sobre o terço constitucional de férias (gozadas), pois não há previsão legal específica acerca da sua exclusão, não podendo o intérprete ampliar as hipóteses legais de não incidência. Cumpre registrar que essa orientação é adotada no âmbito do TST, que "tem adotado o entendimento de que incide o FGTS sobre o terço constitucional, desde que não se trate de férias indenizadas". Ressalte-se que entendimento em sentido contrário implica prejuízo ao empregado que é o destinatário das contribuições destinadas ao Fundo efetuadas pelo empregador. A propósito, cumpre esclarecer que no caso nas férias indenizadas há expressa previsão legal de não incidência do FGTS, conforme se extrai da redação do art. 15, § 6º, da Lei 8.036/1990, c/c o art. 28, § 9º, "d", da Lei 8.212/1991. Por fim, vale destacar que o terço constitucional de férias diferencia-se do abono pecuniário previsto no art. 143 da CLT, haja vista que este representa uma opção do trabalhador de converter em dinheiro 1/3 dos dias de férias a que tem direito, enquanto o terço constitucional de férias representa um direito constitucionalmente previsto aos trabalhadores urbanos e rurais que tem por finalidade ampliar a capacidade financeira do trabalhador durante seu período de férias. Dessa forma, não há que se falar em bis in idem. Precedente citado do TST: (RR - 81300-05.2007.5.17.0013, 7ª Turma, DEJT 9/11/2012). REsp 1.436.897-ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 4/12/2014, DJe 19/12/2014.

DIREITO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE DE INSCRIÇÃO DE DETERMINADOS PROFISSIONAIS NO CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA.


Não é obrigatória a inscrição, nos Conselhos de Educação Física, dos professores e mestres de dança, ioga e artes marciais (karatê, judô, tae-kwon-do, kickboxing, jiu-jitsu, capoeira e outros) para o exercício de suas atividades profissionais. Isso porque o disposto nos arts. 2º e 3º da Lei 9.696/1998 estabelece quais são as competências do profissional de educação física e definem, expressa e restritivamente, quais serão aqueles obrigatoriamente inscritos nos Conselhos Regionais, quais sejam, os detentores de diploma em Educação Física e aqueles que, à época da edição da referida lei, exerciam atividades próprias dos profissionais de educação física. Assim, a Resolução 46/2002 do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), ao dispor que entre os profissionais de educação física estavam inseridos aqueles especializados em lutas, danças, ioga, entre outros, exigindo destes o registro no Conselho, extrapolou o previsto no normativo federal. Portanto, não pode a mencionada resolução modificar o rol de profissionais a serem inscritos no Conselho, violando expressa disposição legal. Precedente citado: REsp 1.012.692-RS, Primeira Turma, DJe 16/5/2011. REsp 1.450.564-SE, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/12/2014, DJe 4/2/2015.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ATUAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL (PGFN) EM CAUSA DE COMPETÊNCIA DA PROCURADORIA-GERAL DA UNIÃO (PGU).


O fato de a PGFN ter atuado em defesa da União em causa não fiscal de atribuição da PGU não justifica, por si só, a invalidação de todos os atos de processo no qual não se evidenciou - e sequer se alegou - qualquer prejuízo ao ente federado, que exercitou plenamente o seu direito ao contraditório e à ampla defesa, mediante oportuna apresentação de diversas teses jurídicas eloquentes e bem articuladas, desde a primeira instância e em todos os momentos processuais apropriados. Ainda que se reconheça, na hipótese em análise, o erro consistente na atuação da PGFN em causa de natureza não fiscal de competência da PGU, deve prevalecer a consideração de que a parte representada pelos dois órgãos é a mesma, a União, e teve ela a oportunidade de realizar o seu direito de defesa, o que efetivamente fez de modo pleno, mediante arguições competentes e oportunas, deduzindo diversas teses defensivas, todas eloquentes e bem articuladas, desde a primeira instância e em todos os momentos processuais. Assim, não resta espaço algum para enxergar nódoa no direito constitucional que assegura o contraditório e a ampla defesa. A propósito, se não houve prejuízo - e, a rigor, não houve sequer alegação de prejuízo -, não é viável que sejam simples e sumariamente descartados todos os atos processuais, como se não vigorassem os princípios da economicidade, da instrumentalidade das formas, da razoável duração do processo, e como se não tivesse relevância o brocardo segundo o qual ne pas de nullité sans griefREsp 1.037.563-SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 25/11/2014, DJe 3/2/2015.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. TERMO INICIAL DO PRAZO PARA O MP RECORRER.


Quando o Ministério Público for intimado pessoalmente em cartório, dando ciência nos autos, o seu prazo recursal se iniciará nessa data, e não no dia da remessa dos autos ao seu departamento administrativo. Isso porque o prazo recursal para o MP inicia-se na data da sua intimação pessoal. Trata-se de entendimento extraído da leitura dos dispositivos legais que regem a matéria (arts. 798, § 5º, e 800, § 2º, do CPP), que visa garantir a igualdade de condições entre as partes no processo penal. Precedentes citados: AgRg nos EREsp 310.417-PB, Terceira Seção, DJe 27/3/2008; REsp 258.826-TO, Sexta Turma, DJe 7/12/2009; e AgRg no REsp 1.102.059-MA, Quinta Turma, DJe 13/10/2009. EREsp 1.347.303-GO, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 10/12/2014, DJe 17/12/2014.

DIREITO PENAL. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR CRIME PREVISTO NO ART. 297, § 4º, DO CP.


Compete à Justiça Federal - e não à Justiça Estadual - processar e julgar o crime caracterizado pela omissão de anotação de vínculo empregatício na CTPS (art. 297, § 4º, do CP). A Terceira Seção do STJ modificou o entendimento a respeito da matéria, posicionando-se no sentido de que, no delito tipificado no art. 297, § 4º, do CP - figura típica equiparada à falsificação de documento público -, o sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, de forma secundária, o particular - terceiro prejudicado com a omissão das informações -, circunstância que atrai a competência da Justiça Federal, conforme o disposto no art. 109, IV, da CF (CC 127.706-RS, Terceira Seção, DJe 3/9/2014). Precedente citado: AgRg no CC 131.442-RS, Terceira Seção, DJe 19/12/2014. CC 135.200-SP, Rel. originário Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 22/10/2014, DJe 2/2/2015.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LIMITES DA IMPENHORABILIDADE DE QUANTIA TRANSFERIDA PARA APLICAÇÃO FINANCEIRA.


É impenhorável a quantia oriunda do recebimento, pelo devedor, de verba rescisória trabalhista posteriormente poupada em mais de um fundo de investimento, desde que a soma dos valores não seja superior a quarenta salários mínimos. De fato, a jurisprudência do STJ vem interpretando a expressão salário, prevista no inciso IV do art. 649 do CPC, de forma ampla, de modo que todos os créditos decorrentes da atividade profissional estão abrangidos pela impenhorabilidade. Cabe registrar, entretanto, que a Segunda Seção do STJ definiu que a remuneração protegida é apenas a última percebida - a do último mês vencido - e, mesmo assim, sem poder ultrapassar o teto constitucional referente à remuneração de ministro do STF (REsp 1.230.060-PR, DJe 29/8/2014). Após esse período, eventuais sobras perdem a proteção. Todavia, conforme esse mesmo precedente do STJ, a norma do inciso X do art. 649 do CPC merece interpretação extensiva, de modo a permitir a impenhorabilidade, até o limite de quarenta salários mínimos, de quantia depositada não só em caderneta de poupança, mas também em conta corrente ou em fundos de investimento, ou guardada em papel-moeda. Dessa maneira, a Segunda Seção admitiu que é possível ao devedor poupar, nesses referidos meios, valores que correspondam a até quarenta salários mínimos sob a regra da impenhorabilidade. Por fim, cumpre esclarecer que, de acordo com a Terceira Turma do STJ (REsp 1.231.123-SP, DJe 30/8/2012), deve-se admitir, para alcançar esse patamar de valor, que esse limite incida em mais de uma aplicação financeira, na medida em que, de qualquer modo, o que se deve proteger é a quantia equivalente a, no máximo, quarenta salários mínimos. EREsp 1.330.567-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/12/2014, DJe 19/12/2014.

DIREITO CIVIL. LIMITES À APLICABILIDADE DO ART. 50 DO CC.



O encerramento das atividades da sociedade ou sua dissolução, ainda que irregulares, não são causas, por si sós, para a desconsideração da personalidade jurídica a que se refere o art. 50 do CC. Para a aplicação da teoria maior da desconsideração da personalidade social - adotada pelo CC -, exige-se o dolo das pessoas naturais que estão por trás da sociedade, desvirtuando-lhe os fins institucionais e servindo-se os sócios ou administradores desta para lesar credores ou terceiros. É a intenção ilícita e fraudulenta, portanto, que autoriza, nos termos da teoria adotada pelo CC, a aplicação do instituto em comento. Especificamente em relação à hipótese a que se refere o art. 50 do CC, tratando-se de regra de exceção, de restrição ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, deve-se restringir a aplicação desse disposto legal a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial. Dessa forma, a ausência de intuito fraudulento afasta o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica, ao menos quando se tem o CC como o microssistema legislativo norteador do instituto, a afastar a simples hipótese de encerramento ou dissolução irregular da sociedade como causa bastante para a aplicação do disregard doctrine. Ressalte-se que não se quer dizer com isso que o encerramento da sociedade jamais será causa de desconsideração de sua personalidade, mas que somente o será quando sua dissolução ou inatividade irregulares tenham o fim de fraudar a lei, com o desvirtuamento da finalidade institucional ou confusão patrimonial. Assim é que o enunciado 146, da III Jornada de Direito Civil, orienta o intérprete a adotar exegese restritiva no exame do artigo 50 do CC, haja vista que o instituto da desconsideração, embora não determine a despersonalização da sociedade - visto que aplicável a certo ou determinado negócio e que impõe apenas a ineficácia da pessoa jurídica frente ao lesado -, constitui restrição ao princípio da autonomia patrimonial. Ademais, evidenciando a interpretação restritiva que se deve dar ao dispositivo em exame, a IV Jornada de Direito Civil firmou o enunciado 282, que expressamente afasta o encerramento irregular da pessoa jurídica como causa para desconsideração de sua personalidade: "O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica". Entendimento diverso conduziria, no limite, em termos práticos, ao fim da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, ou seja, regresso histórico incompatível com a segurança jurídica e com o vigor da atividade econômica. Precedentes citados: AgRg no REsp 762.555-SC, Quarta Turma, DJe 25/10/2012; e AgRg no REsp 1.173.067/RS, Terceira Turma, DJe 19/6/2012. EREsp 1.306.553-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/12/2014, DJe 12/12/2014.

DIREITO TRIBUTÁRIO. DESCONTO DE CRÉDITOS DO VALOR APURADO A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO AO PIS E DA COFINS.


É cabível o aproveitamento, na verificação do crédito dedutível da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, das despesas e custos inerentes à aquisição de combustíveis, lubrificantes e peças de reposição utilizados em veículos próprios dos quais faz uso a empresa para entregar as mercadorias que comercializa.Isso porque o creditamento pelos insumos previsto nos arts. 3º, II, da Lei 10.833/2003 e da Lei 10.637/2002 abrange os custos com peças, combustíveis e lubrificantes utilizados por empresa que, conjugada com a venda de mercadorias, exerce também a atividade de prestação de serviços de transporte da própria mercadoria que revende. De fato, o art. 3º, II, da Lei 10.833/2003 registra expressamente que a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação aos bens e serviços utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes. Dessa forma, importante ressaltar que é o próprio dispositivo legal que dá, expressamente, à pessoa jurídica o direito ao creditamento pelos bens utilizados como insumo na prestação de serviços, incluindo no conceito desses bens os combustíveis e lubrificantes. Ademais, fato incontroverso é o de que o valor do transporte da mercadoria vendida está embutido no preço de venda (faturamento), como custo que é da empresa, ingressando assim na base de cálculo das contribuições ao PIS/COFINS (receita bruta). Com o custo do transporte e o correspondente aumento do preço de venda, há evidente agregação de valor, pressuposto da tributação e também da aplicação da não cumulatividade. Por certo, a vedação do creditamento em casos como o presente teria por únicos efeitos (a) forçar a empresa vendedora/transportadora a registrar em cláusula contratual que as despesas da tradição (frete) estariam a cargo do comprador, fornecendo a ele o serviço, ou (b) terceirizar a atividade de transporte de suas mercadorias para uma outra empresa que possivelmente seria criada dentro de um mesmo grupo econômico apenas para se fazer planejamento tributário, com renovados custos burocráticos (custos de conformidade à legislação tributária, empresarial e trabalhista para a criação de uma nova empresa). Em suma, caracterizada a prestação de serviços de transporte, ainda que associada à venda de mercadorias que comercializa, há de ser reconhecido o direito ao creditamento pelo valor pago na aquisição das peças, combustíveis e lubrificantes necessários a esse serviço, tendo em vista que são insumos para a prestação do serviço.REsp 1.235.979-RS, Rel. originário Min. Herman Benjamin, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014.