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23/02/2018

MEDIDA CAUTELAR PENAL DIVERSA DA PRISÃO. DIPLOMATA. IMUNIDADE À JURISDIÇÃO EXECUTIVA. PROIBIÇÃO DE AUSENTAR-SE DO BRASIL SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ILEGALIDADE.

A cautelar fixada de proibição para que agente diplomático acusado de homicídio se ausente do país sem autorização judicial não é adequada na hipótese em que o Estado de origem do réu tenha renunciado à imunidade de jurisdição cognitiva, mas mantenha a competência para o cumprimento de eventual pena criminal a ele imposta. Na origem, trata-se de recurso em habeas corpus impetrado por agente diplomático por meio do qual se insurge contra a medida cautelar fixada em seu desfavor, que lhe proibiu de se ausentar do país sem autorização judicial. Sobre o tema, convém salientar que a imunidade dos integrantes de corpo diplomático dos Estados estrangeiros é pela via da imunidade de jurisdição cognitiva, isto é, imunidade ao processo de conhecimento, ou pela imunidade à jurisdição executiva, referente ao cumprimento da pena. Ambas as imunidades derivam, ordinariamente, do básico princípio "comitas gentium", consagrado pela prática consuetudinária internacional e assentado em premissas teóricas e em concepções políticas que, fundadas na essencial igualdade entre as soberanias estatais, legitima o reconhecimento de "par in parem non habet imperium vel judicium", conforme entende a doutrina do Direito Internacional Público. Na hipótese em exame, o Estado estrangeiro renunciou à imunidade de jurisdição, mas reservou-se a imunidade de execução, ou seja, o impetrante pode ser processado no Brasil e eventualmente condenado, mas a execução da pena se dará apenas no país de origem. Nesse contexto, o relevante fundamento esposado na fixação da cautelar no sentido de se assegurar a aplicação da lei penal carece de razoabilidade, porquanto ao Brasil não é cabível a execução de eventual pena. Ademais, embora tenha sido apontado o interesse na proteção à instrução criminal, o impedimento do acusado à saída do país em nada afeta a colheita de provas, cabendo ressaltar, ainda, que eventual intento de não comparecer a atos do processo é reserva de autodefesa a ele plenamente possível (nova redação do art. 475 do CPP). Falta à cautelar fixada, assim, adequação aos riscos que se pretendia com ela evitar, de modo que é de se reputar indevida a proibição do impetrante ausentar-se do país sem autorização judicial. RHC 87.825-ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, por unanimidade, julgado em 05/12/2017, DJe 14/12/2017.
Informativo STJ nº618

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. FUNDAMENTO. CPC/1973. DECISÃO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMISSÃO. ART. 1.015, III, DO NCPC. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.

É cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão relacionada à definição de competência, a despeito de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015. De início, ressalte-se que, diferentemente do Código de Processo Civil de 1973 – que possibilitava a interposição de agravo de instrumento contra toda e qualquer interlocutória –, a nova codificação definiu que tal recurso só será cabível em face de decisões expressamente apontadas pelo legislador; que procurou, assim, prestigiar a estruturação do procedimento comum a partir da oralidade e preservar os poderes de condução do processo pelo juiz de primeiro grau. Nessa ordem de ideias, apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015, a decisão interlocutória relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação lógico-sistemática do diploma, inclusive porque é o próprio Código que determina que "o juiz decidirá imediatamente a alegação de incompetência" (§ 3° do art. 64). Evitam-se, por essa perspectiva: a) as inarredáveis consequências de um processo que tramite perante um juízo incompetente; b) o risco da invalidação ou substituição das decisões; c) o malferimento do princípio da celeridade; d) tornar inócua a discussão sobre a (in)competência, já que os efeitos da decisão proferida poderão ser conservados pelo outro juízo, inclusive deixando de anular os atos praticados pelo juízo incompetente, havendo, por via transversa, indevida "perpetuação" da competência; e) a angústia da parte em ver seu processo dirimido por juízo que, talvez, não é o natural da causa. Trata-se de interpretação extensiva ou analógica do inciso III do art. 1.015 - "rejeição da alegação de convenção de arbitragem" -, já que ambas possuem a mesma ratio -, qual seja, afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda. REsp 1.679.909-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 14/11/2017, DJe 01/02/2018.
Informativo STJ nº618

HIPOTECA NAVAL. TRATADOS INTERNACIONAIS E LEGISLAÇÃO INTERNA. INEXISTÊNCIA DE PRIMAZIA HIERÁRQUICA. PLATAFORMA PETROLÍFERA ESTRANGEIRA. DISCIPLINA DO CÓDIGO DE BUSTAMANTE. REGISTRO DE HIPOTECA REALIZADO NO PORTO DE ORIGEM DO NAVIO. EFICÁCIA NO ÂMBITO NACIONAL.

A hipoteca de navio registrada no país de nacionalidade da embarcação tem eficácia extraterritorial, alcançando o âmbito interno nacional. Na execução de origem, ajuizada por instituição financeira, houve penhora de embarcação do devedor visando garantir o adimplemento da dívida, ao tempo em que terceiro peticionou nos autos alegando gozar de preferência sobre o produto da arrematação do bem penhorado em razão de hipoteca outorgada pela executada em seu favor, registrada no país de nacionalidade da embarcação. Nesse contexto, a principal questão controvertida consiste em saber se é possível ser reconhecida a eficácia, no Brasil, de hipoteca de navio registrada apenas em país de nacionalidade da embarcação que não consta como signatário das Convenções Internacionais sobre a matéria. De início, saliente-se que a doutrina especializada defende ser da tradição do direito brasileiro e de legislações estrangeiras a admissão da hipoteca a envolver embarcação de grande porte, em razão do vulto dos financiamentos a sua construção e manutenção. A instabilidade e o risco marítimo oriundos do constante deslocamento se compensa com a estabilidade dos registros em portos de origem. No tocante a navio de nacionalidade estrangeira, não bastasse a clareza do art. 278 do Código Bustamante ao estabelecer que a hipoteca marítima e os privilégios e garantias de caráter real, constituídos de acordo com a lei do pavilhão, têm efeitos extraterritoriais, até nos países cuja legislação não conheça ou não regule essa hipoteca ou esses privilégios, o art. 1º da Convenção de Bruxelas para a Unificação de Certas Regras Relativas aos Princípios e Hipotecas Marítimas, na mesma linha, também estabelece que as hipotecas sobre navios regularmente estabelecidas segundo as leis do Estado contratante a cuja jurisdição o navio pertencer, e inscritas em um registro público, tanto pertencente à jurisdição do porto de registro, como de um ofício central, serão consideradas válidas e acatadas em todos os outros países contratantes. Por seu turno, consigna-se que não cabe o registro, no Brasil, da hipoteca da embarcação de bandeira de outro país, pertencente à sociedade empresária estrangeira. Com efeito, na leitura da Lei n. 7.652/1988 e dos demais diplomas internos, nota-se um claro cuidado do legislador em não estabelecer disposição que testilhe com as convenções internacionais a que o Estado aderiu, respeitando-se a soberania dos países em que estão registrados os navios e respectivas hipotecas, de modo a fornecer segurança jurídica aos proprietários e detentores de direitos sobre embarcações. O registro hipotecário é ato de soberania do Estado da nacionalidade da embarcação, estando sob sua jurisdição as respectivas questões administrativas. Com essas considerações, a negativa de eficácia à hipoteca inobserva diversas convenções internacionais e causa insegurança jurídica, com possíveis restrições e aumento de custo para o afretamento de embarcações utilizadas no Brasil – razões pelas quais o ato analisado tem eficácia extraterritorial, alcançando o âmbito interno nacional. REsp 1.705.222-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 16/11/2017, DJe 01/02/2018.

CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO DE PESSOAS. TRECHOS DE IDA E VOLTA ADQUIRIDOS CONJUNTAMENTE. NÃO COMPARECIMENTO DO PASSAGEIRO PARA O TRECHO DE IDA (NO SHOW). CANCELAMENTO DE VIAGEM DE VOLTA. CONDUTA ABUSIVA.

É abusiva a prática comercial consistente no cancelamento unilateral e automático de um dos trechos da passagem aérea, sob a justificativa de não ter o passageiro se apresentado para embarque no voo antecedente. A adoção do cancelamento unilateral de um dos trechos da passagem adquirida por consumidor quando do não comparecimento no voo de ida é prática tarifária comumente utilizada pelas empresas do ramo de transporte aéreo de passageiros e parece ter por finalidade exclusiva, ou ao menos primordial, a viabilização da nova comercialização do assento da aeronave, atendendo a interesses essencialmente comerciais da empresa, promovendo a obtenção de maior de lucro, a partir da dupla venda. É imperioso que se diga que esse propósito, embora justificável do ponto de vista econômico e empresarial, não basta para legitimar a adoção de práticas que causem prejuízos à parte vulnerável da relação de consumo, cuja proteção é imposta pela Constituição Federal e concretizada pelo Código de Defesa do Consumidor. Considerando as linhas principiológicas do CDC, revela-se abusiva a prática comercial analisada por afrontar direitos básicos do consumidor, tais como a vedação ao enriquecimento ilícito, a falta de razoabilidade nas sanções impostas e, ainda, a deficiência na informação sobre os produtos e serviços prestados. De fato, no que respeita ao enriquecimento ilícito, ele se configura de forma evidente no momento em que o consumidor, ainda que em contratação única e utilizando-se de tarifa promocional, adquire o serviço de transporte materializado em dois bilhetes de embarque autônomos e vê-se impedido de fruir um dos serviços que contratou, o voo de volta. Deveras, o cancelamento da passagem de volta pela empresa aérea significa a frustração da utilização de um serviço pelo qual o consumidor pagou, a caracterizar, claramente, o cumprimento adequado do contrato por uma das partes e o inadimplemento desmotivado pela outra. Noutro ponto, constata-se falta de razoabilidade, principalmente no que respeita à aplicação de penalidades pela empresa aérea, nas hipóteses em que observada não apenas o abusivo cancelamento do voo subsequente, mas uma sucessão de penalidades para uma mesma falta cometida pelo consumidor. Por seu turno, é cediço que a ausência de qualquer destaque ou visibilidade, em contrato de adesão, sobre as cláusulas restritivas dos direitos do consumidor, configura afronta ao princípio da transparência (CDC, art. 4º, caput) – o que resulta a nulidade da respectiva cláusula contratual, com fundamento no art. 51, inciso XV, do CDC. Conclui-se, desse modo, que a conduta da companhia de cancelar o bilhete de volta, por não ter sido utilizado pela parte o bilhete de ida, configura ato ilícito, gerando para o consumidor o direito de ser ressarcido por eventuais danos morais que suportar, dependendo das circunstâncias de cada caso. REsp 1.595.731-RO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 14/11/2017, DJe 01/02/2018.
Informativo STJ nº618

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIGNIDADE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES OFENDIDA POR QUADROS DE PROGRAMA TELEVISIVO. DANO MORAL COLETIVO. EXISTÊNCIA.

A conduta de emissora de televisão que exibe quadro que, potencialmente, poderia criar situações discriminatórias, vexatórias, humilhantes às crianças e aos adolescentes configura lesão ao direito transindividual da coletividade e dá ensejo à indenização por dano moral coletivo. Inicialmente, registre-se que o dano moral coletivo é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral. A análise da configuração do dano moral coletivo, na espécie, não reside na identificação de seus telespectadores, mas sim nos prejuízos causados a toda sociedade, em virtude da vulnerabilização de crianças e adolescentes, notadamente daqueles que tiveram sua origem biológica devassada e tratada de forma jocosa, de modo a, potencialmente, torná-los alvos de humilhações e chacotas pontuais ou, ainda, da execrável violência conhecida por bullying. A citada conduta odiosa, que repercute de forma mais contundente e nociva na psique de crianças e adolescentes, apresenta tamanha relevância, que, atualmente, é objeto da Lei 13.185/2015. No caso dos autos, verifica-se que o quadro do programa televisivo analisado, ao expor a identidade (imagens e nomes) dos "genitores" das crianças e adolescentes, tornou-os vulneráveis a toda sorte de discriminações, ferindo o comando constitucional que impõe a todos (família, sociedade e Estado) o dever de lhes assegurar, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e ao respeito e de lhes colocar a salvo de toda forma de discriminação, violência, crueldade ou opressão (art. 227 da Constituição da República de 1988). No mesmo sentido, os artigos 17 e 18 do ECA consagram a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral das crianças e dos adolescentes, inibindo qualquer tratamento vexatório ou constrangedor. Nessa perspectiva, a conduta da emissora de televisão - ao exibir quadro que, potencialmente, poderia criar situações discriminatórias, vexatórias, humilhantes às crianças e aos adolescentes - traduz flagrante dissonância com a proteção universalmente conferida às pessoas em franco desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, donde se extrai a evidente intolerabilidade da lesão ao direito transindividual da coletividade, configurando-se, portanto, hipótese de dano moral coletivo indenizável. REsp 1.517.973-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 16/11/2017, DJe 01/02/2018.
Informativo STJ nº618

SENTENÇA TRABALHISTA CONDENATÓRIA. CRÉDITO PREVIDENCIÁRIO RECONHECIDO. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. FALÊNCIA DO EMPREGADOR. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DO CRÉDITO. POSSIBILIDADE. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. DISPENSABILIDADE.

É desnecessária a apresentação de Certidão de Dívida Ativa (CDA) para habilitação, em processo de falência, de crédito previdenciário resultante de decisão judicial trabalhista. Quanto à necessidade de apresentação da CDA, a Terceira Turma alinha-se ao entendimento já sedimentado pela Quarta Turma deste Tribunal, a qual, apreciando caso idêntico, (REsp 1.170.750-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/08/2013 - Informativo n. 530), entendeu que a constituição do crédito tributário pela via administrativa do lançamento, da qual resulta a CDA, título executivo extrajudicial conforme o art. 585, VII, do CPC, não se confunde com o crédito materializado no título executivo judicial no qual foi reconhecida uma obrigação tributária, nascida com o fato gerador, cuja ocorrência se dá "na data da prestação do serviço" (art. 43, § 2º, da Lei n. 8.212/1991). Efetivamente, a sentença da justiça laboral que condena o empregador a uma obrigação de caráter trabalhista e, por consequência, reconhece a existência do fato gerador da obrigação tributária, insere-se na categoria geral de sentença proferida no processo civil que reconhece a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia (art. 475-N, CPC). Desse modo, a sentença consubstancia, ela própria, título executivo judicial no qual subjaz o crédito para a Fazenda Pública. REsp 1.591.141-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 05/12/2017, DJe 18/12/2017.
Informativo STJ nº618

PARCERIA AGRÍCOLA. FALECIMENTO DO PARCEIRO OUTORGANTE. EXTINÇÃO DO CONTRATO. NÃO OCORRÊNCIA. SUCESSORES. SUB-ROGAÇÃO. DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO OUTORGANTE. RETOMADA. EXERCÍCIO. HIPÓTESES LEGAIS.

O falecimento do parceiro outorgante não extingue o contrato de parceria rural, podendo os herdeiros exercer o direito de retomada ao término do contrato, desde que obedeçam ao regramento legal quanto ao prazo para notificação e às causas para retomada. Conforme se verifica da redação do art. 23 do Decreto n. 59.566/66, o direito de retomada dos sucessores deve obedecer os preceitos estabelecidos no citado decreto, que disciplina as hipóteses de retomada em seu artigo 22, § 2º, dispondo que os direitos conferidos ao arrendatário de preferência do arrendamento, não prevalecerão se, até o prazo de 6 (seis meses) antes do vencimento do contrato, o arrendador por via de notificação, declarar sua intenção de retomar o imóvel para explorá-lo diretamente, ou para cultivo direto e pessoal, na forma dos artigos 7º e 8º deste Regulamento, ou através de descendente seu (art. 95, V, do Estatuto da Terra). Nesse contexto, o pedido de retomada deve ser manifestado até o prazo de 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato. Na data do vencimento, caso requerida a retomada com fundamento em uma das hipóteses legais, o contrato será extinto, não tendo o arrendatário, direito à renovação. Esse prazo deve ser observado também pelos sucessores, já que o artigo 23 fala em "obediência aos preceitos deste Decreto". Além disso, no caso de alienação do imóvel rural, o Estatuto da Terra em seu artigo 92, § 5º, e o Decreto n. 59.566/1966, no artigo 15, estabelecem que não há interrupção do contrato de parceria agrícola, ficando o adquirente sub-rogado nos direitos e obrigações do alienante. Essa orientação também se aplica à hipótese de transmissão do imóvel em virtude do falecimento do outorgante. Vale destacar, no ponto, que a proteção ao trabalhador rural é o vetor interpretativo do Estatuto da Terra. Assim, o direito de retomada somente poderá ser exercido no final do prazo contratual e não no momento da sucessão, ou quando encerrada a partilha. REsp 1.459.668-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 05/12/2017, DJe 18/12/2017.
Informativo STJ nº618

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MENSALIDADES ESCOLARES. DÍVIDAS CONTRAÍDAS EM NOME DOS FILHOS DA EXECUTADA. AUSÊNCIA DE BENS EM NOME DA MÃE PARA A SATISFAÇÃO DO DÉBITO. PRETENSÃO DE INCLUSÃO DO PAI NA RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL. POSSIBILIDADE. SUSTENTO E MANUTENÇÃO DO MENOR MATRICULADO EM ENSINO REGULAR. RESPONSÁVEL SOLIDÁRIO. LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA.

A execução de título extrajudicial por inadimplemento de mensalidades escolares de filhos do casal pode ser redirecionada ao outro consorte, ainda que não esteja nominado nos instrumentos contratuais que deram origem à dívida. A discussão está em saber se, no curso de execução extrajudicial, baseada em contrato de prestação de serviços educacionais firmados entre a escola e dois dos filhos da executada, representados nos instrumentos contratuais apenas por sua mãe, há a possibilidade de redirecionar-se a pretensão de pagamento para o pai, na hipótese em que não fora encontrado patrimônio suficiente em nome da genitora para a solvência da dívida. Inicialmente, importante anotar que, tanto no CPC de 1973 como no CPC de 2015, a legitimidade passiva ordinária para a execução é daquele que estiver nominado no título executivo. Já a legitimidade passiva extraordinária para a execução recai sobre aqueles que se obrigam, pela lei ou pelo contrato, solidariamente, à satisfação de determinadas dívidas. Note-se que o Código Civil de 2002 dispõe nos arts. 1.643 e 1.644 que, para a manutenção da economia doméstica, e, assim, notadamente, em proveito da entidade familiar, o casal responderá solidariamente, podendo-se postular a excussão dos bens do legitimado ordinário e do coobrigado, extraordinariamente legitimado. Além disso, do que se lê do art. 592 do CPC/1973, é de observar que o patrimônio do coobrigado se sujeitará à solvência do débito que, apesar de contraído pessoalmente por outrem, está vocacionado para a satisfação das necessidades comuns/familiares. Nessa linha de raciocínio, não importa se o pai do infante não está nominado no contrato de prestação de serviços, especialmente, na confissão de dívida assinada pela mãe, pois o Código Civil estabelece a solidariedade do casal na solvência, inclusive, de empréstimos contraídos para a satisfação das necessidades domésticas por apenas um deles – sendo incluído em tais necessidades o pagamento de despesas ordinárias e extraordinárias para o apoio emocional e material dos que integram a entidade familiar. Da mesma forma, a interpretação conjunta dos arts. 22, 55 do ECA e 229 da CF/88, denota que a imposição aos pais da obrigação solidária de somar esforços para fazer solvidas as despesas constitui uma das formas de bem cumprir o direito à educação e à proteção integral do menor ou adolescente. Conclui-se, dessa forma, pela legitimidade passiva extraordinária daquele pai que não se fez constar no título executivo de dívida cobrada pela instituição que prestou serviços ao seu filho, pois a obrigação tem gênese no próprio poder familiar. REsp 1.472.316-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 05/12/2017, DJe 18/12/2017.
Informativo STJ nº618

IMPOSTO SOBRE A RENDA. REMESSA DE JUROS AO EXTERIOR. ART. 11 DO DECRETO-LEI N. 401/1968. ERRO DE TÉCNICA LEGISLATIVA. RESPONSABILIDADE POR SUBSTITUIÇÃO. IMUNIDADE DO SUBSTITUTO. CONDIÇÃO QUE NÃO O EXONERA DO DEVER DE RETER O IMPOSTO NA FONTE.

A imunidade de entidade beneficente de assistência social não a exonera do dever de, na condição de responsável por substituição, reter o imposto de renda sobre juros remetidos ao exterior na compra de bens a prazo, na forma do art. 11 do Decreto-Lei n. 401/1968. Discute-se nos autos se o remetente dos juros ao exterior, obrigado a descontar o imposto de renda na fonte, nos termos do art. 11 do Decreto-Lei n. 401/68, o faz na qualidade de contribuinte ou de responsável tributário pelo recolhimento da exação, e se ele pode se valer de sua imunidade tributária para afastar a incidência da exação na hipótese. Em relação à primeira questão, cumpre salientar que, como o fato gerador do imposto sobre a renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda e de proventos de qualquer natureza (art. 43 do CTN), não resta dúvida de que, a despeito da literalidade do parágrafo único do art. 11 do Decreto-Lei 401/1968, contribuinte em tal hipótese é o beneficiário residente no exterior, por ser aquele que possui relação pessoal e direta com o fato gerador (art. 121, parágrafo único, I, do CTN). Especificamente para o imposto sobre a renda, conforme preceitua o parágrafo único do art. 45 do CTN, "a lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam". Desse modo, a fonte pagadora – o remetente dos juros – é responsável por substituição pelo recolhimento exigido pelo art. 11 do Decreto-Lei n. 401/1968, enquadrando-se nos conceitos previstos nos artigos 121, parágrafo único, I, e 128 do CTN. No tocante ao segundo questionamento é importante frisar que o pressuposto infraconstitucional sob controvérsia – se o remetente dos juros é contribuinte ou responsável – é o que, em última análise, determina se a imunidade afasta o dever de retenção do imposto previsto no art. 11 do Decreto-Lei n. 401/1968. Nesse ponto, a Primeira Turma do STF – à época em que detinha competência atualmente conferida ao STJ – no julgamento do RE 79.157, Rel. Min. Djaci Falcão, DJ 6/12/1974, entendeu que incide o imposto de renda na remessa de juros ao exterior, apesar de ser imune a pessoa jurídica de direito constitucional. Essa vertente encontra respaldo em nosso sistema tributário positivado, porquanto há expressa previsão normativa no art. 167 do RIR/1999 de que: a) "As imunidades, isenções e não incidências de que trata este Capítulo não eximem as pessoas jurídicas das demais obrigações previstas neste decreto, especialmente as relativas à retenção e recolhimento de impostos sobre rendimentos pagos ou creditados e à prestação de informações (Lei nº 4.506, de 1964, art. 33)"; b) "A imunidade, isenção ou não incidência concedida às pessoas jurídicas não aproveita aos que delas percebam rendimentos sob qualquer título e forma (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 31)". Quisesse o legislador beneficiar o substituído tributário pela imunidade do substituto, certamente teria se valido de disposição legal que excepcionasse a regra, e não do artifício de incorrer em erro de técnica legislativa. Sob a égide da Constituição de 1988, a Corte Suprema reforçou a orientação supracitada no momento da apreciação do RE 202.987, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe de 25/9/2009, segundo o qual "(...) a imunidade tributária não afeta, tão-somente por si, a relação de responsabilidade tributária ou de substituição e não exonera o responsável tributário ou o substituto". É certo que o referido precedente, firmado sob a égide do ordenamento jurídico atual, não é específico sobre o art. 11 do Decreto-Lei n. 401/1968. No entanto, a diretriz assentada é perfeitamente adequada a todo e qualquer caso que envolva o tema da responsabilidade do substituto tributário imune. REsp 1.480.918-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. Herman Benjamin, por maioria, julgado em 19/09/2017, DJe 01/02/2018.

PENSÃO POR MORTE. ACORDO EFETIVADO EM JUÍZO. DIVISÃO ENTRE COMPANHEIRA DO DE CUJUS E A GENITORA DESTE. EFEITOS PERANTE TERCEIROS. ALTERAÇÃO DA ORDEM LEGAL DE PENSIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

O acordo de partilha de pensão por morte, homologado judicialmente, não altera a ordem legal do pensionamento, podendo, todavia, impor ao órgão de previdência a obrigação de depositar parcela do benefício em favor do acordante que não figura como beneficiário perante a autarquia previdenciária. Na hipótese, foi homologado judicialmente acordo no qual se dividiu em partes iguais pensão por morte entre companheira do de cujus - beneficiária da pensão de acordo com as normas municipais - e a genitora do falecido. Nesse contexto, cinge-se a controvérsia, dentre outros pontos, a analisar os efeitos gerados por esse acordo, em especial, em relação à autarquia previdenciária municipal responsável pelo pagamento do benefício. De início, consigna-se que o ajuste formulado inter partes, pode produzir efeitos em face do Instituto de Previdência e Assistência de Servidores Municipais desde que a sua efetivação não acarrete ônus à autarquia, além daquele estritamente relativo à efetivação dos registros nos assentamentos e eventuais transferências de valores. Dito de outro modo: desde que se restrinja à mera esfera de interesses particulares dos acordantes. No entanto, o acordo homologado em juízo não pode alterar a ordem legal quanto aos beneficiários da pensão por morte. No caso analisado, a homologação feita pela autoridade judicial do ajuste formulado entre as partes "partilhou" o objeto da pensão, mas não pretendeu impor à autarquia determinação no sentido de implantar a pensão por morte para a genitora do segurado. Com isso, não tendo o ajuste homologado em juízo o condão – e nem o poderia – de alterar ordem legal de pensionamento, a conclusão que dele decorre é que houve o consentimento de uma parte, por expressa vontade, de pagar, em favor da outra, determinado valor mensal com natureza jurídica geral de "alimentos". Todavia, o desconto em favor da genitora não tem natureza de pensionamento, porque inexistente suporte legal para tanto, não podendo gerar, para o futuro, qualquer direito em favor de terceiros dependentes dessa beneficiária, bem como fica condicionado se e quando persistir a pensão por morte de que é titular a companheira do de cujus. Por fim, caso dito desconto seja suspenso, excluído ou diminuído, por qualquer motivo – morte ou revisão total ou parcial do ajuste em juízo –, a parcela respectiva retorna para a beneficiária titular. Por seu turno, a autarquia previdenciária tem a obrigação de, tão somente, implantar o benefício de pensão por morte em nome da dependente legal, mas do valor total a ser pago mensalmente à pensionista, por força de acordo inter partes, deve ser descontado o percentual acordado, a ser depositado, pelo Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores Municipais em favor da genitora do falecido. RMS 45.817-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, por maioria, julgado em 26/09/2017, DJe 05/02/2018.
Informativo STJ nº618

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR. DPVAT. INDENIZAÇÃO ÀS VÍTIMAS. AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DE ASSOCIAÇÃO. AUSÊNCIA.

Associação com fins específicos de proteção ao consumidor não possui legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública com a finalidade de tutelar interesses coletivos de beneficiários do seguro DPVAT. Na origem, trata-se de ação civil pública proposta por associação civil de defesa dos direitos de donas de casa e de consumidores por meio da qual pleiteia o recebimento das diferenças de indenização do seguro obrigatório (DPVAT) às vítimas de acidente de trânsito, com base nos montantes fixados pelo art. 3º da Lei n. 6.194/74. Nesse contexto discute-se, preliminarmente, a legitimidade e a própria existência de interesse processual da referida associação para o ajuizamento da demanda, fazendo-se necessário decidir, de início, se há correspondência entre a finalidade estatutária da entidade associativa e o objeto da lide. E, sob esse enfoque, tem-se que o seguro DPVAT, instituído e imposto por lei, não consubstancia sequer reflexamente uma relação consumerista, a revelar a ausência de pertinência temática da associação demandante com os interesses discutidos na presente ação. Em se tratando de uma obrigação imposta por lei, não há, por conseguinte, qualquer acordo de vontades e, principalmente, voluntariedade, entre o proprietário do veículo (a quem compete, providenciar o pagamento do "prêmio"), e as seguradoras componentes do consórcio seguro DPVAT (que devem efetivar o pagamento da indenização mínima pelos danos pessoais causados à vítima do acidente automobilístico), o que, por si, evidencia, de contrato, não se cuidar, mas sim de hipótese de responsabilidade legal objetiva, vinculada à teoria do risco, afigurando-se de todo desinfluente a demonstração, por parte do beneficiário, de culpa do causador do acidente. Evidenciado que o seguro DPVAT decorre de imposição legal e não de uma relação contratual, constata-se, de igual modo, a inexistência de uma relação consumerista, ainda que se valha das figuras equiparadas de consumidor dispostas na Lei n. 8.078/90. Nesse sentido, não há, por parte das seguradoras integrantes do consórcio do seguro DPVAT, responsáveis por lei a procederem ao pagamento, qualquer ingerência nas regras atinentes à indenização securitária, inexistindo, para esse propósito, a adoção de práticas comerciais abusivas de oferta, de contratos de adesão, de publicidade, de cobrança de dívidas, etc. Aliás, diversamente do que se dá no âmbito da contratação de seguro facultativo (esta sim, de inequívoca incidência da legislação protetiva do consumidor), a atuação das referidas seguradoras, adstrita à lei de regência, não é concorrencial, tampouco destinada à obtenção de lucro. Finalmente, seria impossível falar-se em vulnerabilidade, na acepção técnico-jurídica, das vítimas de acidente de trânsito — e muito menos do proprietário do veículo a quem é imposto o pagamento do "prêmio" do seguro DPVAT — perante a seguradoras, as quais não possuem qualquer margem discricionária para efetivação do pagamento da indenização securitária, sempre que presentes os requisitos estabelecidos na lei. Dessa forma, ausente, sequer tangencialmente, relação de consumo, não se afigura correto atribuir a uma associação, com fins específicos de proteção ao consumidor, legitimidade para tutelar interesses diversos, como é o caso dos que se referem ao seguro DPVAT, sob pena de desvirtuar a exigência da representatividade adequada, própria das ações coletivas. REsp 1.091.756-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, por maioria, julgado em 13/12/2017, DJe 05/02/2018.

MILITAR. DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. LIMITE DE 70% DAS REMUNERAÇÕES OU DOS PROVENTOS. MEDIDA PROVISÓRIA N. 2.215-10/2001. NORMA ESPECÍFICA.

Os descontos em folha, juntamente com os descontos obrigatórios, podem alcançar o percentual de 70% das remunerações ou dos proventos brutos dos servidores militares. A divergência traçada envolve a definição do percentual limite dos descontos em folha de pagamento de servidores públicos militares. No acórdão embargado, a Primeira Turma do STJ declarou a impossibilidade dos referidos descontos alcançarem valores superiores a 30% dos soldos. Já o julgado paradigma indicado pela União (REsp 1.521.393/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 12/5/2015) externou entendimento de que a limitação de descontos no patamar supra não se aplica aos militares das Forças Armadas. Com efeito, os descontos em folha de pagamento de servidores públicos militares não estão sujeitos à limitação de 30% prevista nos arts. 2º, § 2º e 6º, § 5º, ambos da Lei n. 10.820/2003 c/c art. 45 da Lei n. 8.112/1990. Isso porque os militares estão submetidos a um regramento específico capaz de afastar a limitação contida nas Leis n. 8.112/1990 e 10.820/2003 a partir do art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que assim dispõe: "a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior". Essa norma específica está no art. 14, § 3º, da Medida Provisória n. 2.215-10/2001, pois assevera que os militares não podem receber quantia inferior a 30% da remuneração ou proventos. Ou seja, enquanto os descontos em folha dos servidores públicos civis não podem ultrapassar o valor de 30% da remuneração ou do provento, os descontos em folha dos servidores militares devem respeitar o limite máximo de 70% da remuneração ou do provento. Finalmente, cabe salientar que não compete ao Poder Judiciário alterar esse quantum com base nos princípios da proporcionalidade ou razoabilidade, sob pena de incorrer em flagrante interpretação contra legem, a violar o princípio constitucional da legalidade e a invadir a esfera de competência do Poder Legislativo. EAREsp 272.665-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, por unanimidade, julgado em 13/12/2017, DJe 18/12/2017.
Informativo STJ nº618

ICMS. CRÉDITOS PRESUMIDOS CONCEDIDOS A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DA PESSOA JURÍDICA - IRPJ E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL. INVIABILIDADE. INTERFERÊNCIA DA UNIÃO NA POLÍTICA FISCAL ADOTADA POR ESTADO-MEMBRO. OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E À SEGURANÇA JURÍDICA.

Crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. O dissenso entre os acórdãos paradigma e o embargado repousa no fato de que o primeiro manifesta o entendimento de que o incentivo fiscal, por implicar redução da carga tributária, acarreta, indiretamente, aumento do lucro da empresa, insígnia essa passível de tributação pelo IRPJ e pela CSLL (AgInt no REsp 1.603.082/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11/10/2016); já o segundo, considera que o estímulo outorgado constitui incentivo fiscal, cujos valores auferidos não podem se expor à incidência do IRPJ e da CSLL, em virtude da vedação aos entes federativos de instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Inicialmente, cabe lembrar que a Constituição da República hospeda vários dispositivos dedicados a autorizar certos níveis de ingerência estatal na atividade produtiva com vista a reduzir desigualdades regionais, alavancar o desenvolvimento social e econômico do país, inclusive mediante desoneração ou diminuição da carga tributária. A outorga de crédito presumido de ICMS insere-se em contexto de envergadura constitucional, instituída por legislação local específica do ente federativo tributante. Revela-se importante anotar que ao considerar tal crédito como lucro, o entendimento manifestado pelo acórdão paradigma, da 2ª Turma, sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou e tal entendimento leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo, em especial porque fundamentado exclusivamente em atos infralegais. Remarque-se que, no Brasil, o veículo de atribuição de competências, inclusive tributárias, é a Constituição da República. Como corolário do fracionamento dessas competências, o art. 155, XII, g, da CF/88, atribuiu aos Estados-membros e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS – e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de lei complementar. A concessão de incentivo por Estado-membro, observados os requisitos legais, configura, portanto, instrumento legítimo de política fiscal para materialização dessa autonomia consagrada pelo modelo federativo. Nesse caminho, a tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação. Dessarte, é razoável que a exegese em torno do exercício de competência tributária federal, no contexto de estímulo fiscal legitimamente concedido por Estado-membro, tenha por vetor principal um juízo de ponderação dos valores federativos envolvidos. É induvidoso, ademais, o caráter extrafiscal conferido pelo legislador estadual à desoneração, consistindo a medida em instrumento tributário para o atingimento de finalidade não arrecadatória, mas, sim, incentivadora de comportamento, com vista à realização de valores constitucionalmente contemplados, conforme apontado. Outrossim, o abalo na credibilidade e na crença no programa estatal proposto pelo Estado-membro, a seu turno, acarreta desdobramentos deletérios no campo da segurança jurídica, os quais não podem ser desprezados. Cumpre destacar, ademais, em sintonia com as diretrizes constitucionais apontadas, o fato de a própria União ter reconhecido a importância da concessão de incentivo fiscal pelos Estados-membros e Municípios, prestigiando essa iniciativa precisamente com a isenção do IRPJ e da CSLL sobre as receitas decorrentes de valores em espécie pagos ou creditados por esses entes a título de ICMS e ISSQN, no âmbito de programas de outorga de crédito voltados ao estímulo à solicitação de documento fiscal na aquisição de mercadorias e serviços, nos termos da Lei n. 11.945/2009. Por fim, cumpre registrar, dada a estreita semelhança axiológica com o presente caso, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em regime de repercussão geral, o RE n. 574.706/PR, assentou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS. Entendeu o Plenário da Corte, por maioria, que o valor de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos. EREsp 1.517.492-PR, Rel. Min. Og Fernandes, Rel. Acd. Min. Regina Helena Costa, por maioria, julgado em 08/11/2017, DJe 01/02/2018.
Informativo STJ nº618

TRADE DRESS. PROTEÇÃO LEGAL. TEORIA DA CONCORRÊNCIA DESLEAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. REGISTRO DE MARCA. INPI. ATRIBUIÇÃO ADMINISTRATIVA. USO DA MARCA. ABSTENÇÃO. CONSECTÁRIO LÓGICO DO ATO ADMINISTRATIVO. JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA.

As questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal e outras demandas afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, são inequivocamente de competência da Justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. No entanto, compete à Justiça Federal, em ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória. A questão controvertida principal – único objeto da afetação ao rito dos recursos repetitivos – consiste em delimitar a competência da Justiça estadual para: a) em reconhecimento de concorrência desleal, determinar a privação de uso de elementos que não são registrados no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, caracterizados pelo "conjunto-imagem" (trade dress) de produtos e/ou serviços e b) impor abstenção de uso de marca registrada pelo INPI. Quanto ao primeiro questionamento, vale destacar que a Terceira Turma desta Corte, em recente precedente, entendeu – entre outros pontos – que o conjunto-imagem de bens e produtos é passível de proteção judicial quando a utilização de conjunto similar resulte em ato de concorrência desleal, em razão de confusão ou associação com bens e produtos concorrentes (REsp 1.353.451-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 28/9/2017). Com efeito, embora o sistema brasileiro não reconheça a proteção exclusiva do trade dress ou "conjunto-imagem" integral, com todos os seus elementos característicos, sua tutela tem origem na própria Constituição Federal, por meio do art. 5º, XXIX, ao afirmar que a lei assegurará a proteção às criações industriais, à propriedade de marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos. De fato, o que se efetiva, normalmente, é o registro da marca perante o INPI em sua apresentação nominativa (ou seja, somente o nome do produto, sem qualquer estilização), inexistindo especial atenção no sentido de se proteger os demais elementos do trade dress, a saber: o registro da embalagem como marca mista (seus logotipos, desenhos e demais caracteres gráficos), ou, ainda, como desenho industrial, nas hipóteses previstas na Lei de Propriedade Industrial. Destarte, cumpre observar que as questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos das recorrentes, por não envolver registro no INPI e se tratar de demanda entre particulares, é inequivocamente de competência da Justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. Situação diversa diz respeito a demanda referente à concorrência desleal, em que os litigantes são efetivamente proprietário das marcas que utilizam, devidamente registradas no INPI, embora tanto a marca como o conjunto-imagem sejam questionados por suposta confusão/associação entre produtos e o consequente desvio ilícito de clientela. Nesse contexto, importa destacar que os arts. 129 e 175 da Lei n. 9.279/1996 dispõe, respectivamente, que os registros de marca deferidos pela autarquia federal (INPI) conferem uso exclusivo ao seu titular em todo o território nacional, bem como que eventual ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da Justiça Federal. Sendo assim, quanto ao pedido de abstenção de uso da marca, dúvida não há quanto à competência da Justiça Federal – sob pena de ofensa aos referidos dispositivos de lei federal –, sendo a abstenção de uso da marca uma decorrência lógica da desconstituição do registro sob o fundamento de violação do direito de terceiros – consequência expressa, inclusive, no parágrafo único do art. 173 da Lei de Propriedade Industrial. Conclui-se, portanto, cumprir ao Juízo federal analisar o pedido de abstenção de uso tão somente nos estritos limites daquilo que compõe o registro marcário anulando, relegando para a Justiça Comum todo e qualquer aspecto relacionado ao conjunto-imagem (trade dress). REsp 1.527.232-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 13/12/2017, DJe 05/02/2018.

AUXÍLIO-RECLUSÃO. SEGURADO DESEMPREGADO OU SEM RENDA. CRITÉRIO ECONÔMICO. MOMENTO DE RECLUSÃO. AUSÊNCIA DE RENDA. ÚLTIMO SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO AFASTADO.

Para a concessão de auxílio-reclusão (art. 80 da Lei n. 8.213/1991), o critério de aferição de renda do segurado que não exerce atividade laboral remunerada no momento do recolhimento à prisão é a ausência de renda, e não o último salário de contribuição. A questão jurídica controvertida consiste em definir qual o critério de rendimentos ao segurado recluso que está em situação de desemprego ou sem renda no momento do recolhimento à prisão. O INSS defende que deve ser considerado o último salário de contribuição, enquanto que os segurados apontam que a ausência de renda deve ser ponderada. De início, consigna-se que o benefício auxílio-reclusão consiste na prestação pecuniária previdenciária de amparo aos dependentes do segurado de baixa renda que se encontra em regime de reclusão prisional e tem previsão no art. 201, IV da Constituição Federal e no art. 80 da Lei n. 8.213/1991. O Estado, através do Regime Geral de Previdência Social, no caso, entendeu por bem amparar os que dependem do segurado preso, e definiu como base para a concessão do benefício a "baixa renda". Indubitavelmente o critério econômico da renda deve ser constatado no momento da reclusão, pois nele é que os dependentes sofrem o baque da perda do provedor. Nesse aspecto, observa-se que o art. 80 da Lei n. 8.213/1991 é claro ao assentar que o auxílio-reclusão será devido quando o segurado recolhido à prisão "não receber remuneração da empresa", o que abarca a situação do segurado que está em período de graça pelo desemprego (art. 15, II, da Lei n. 8.213/1991). Da mesma forma, o § 1º do art. 116 do Decreto 3.048/1999 estipula que "é devido auxílio-reclusão aos dependentes do segurado quando não houver salário-de-contribuição na data do seu efetivo recolhimento à prisão, desde que mantida a qualidade de segurado". Esse dispositivo legal deixa evidente que a qualidade de segurado é imprescindível, até porque não se trata de benefício assistencial, mas previdenciário. Aliado a esses argumentos, ressalta-se que a jurisprudência do STJ assentou posição de que os requisitos para a concessão do benefício devem ser verificados no momento do recolhimento à prisão, em observância ao princípio tempus regit actum. REsp 1.485.417-MS, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/11/2017, DJe 02/02/2018.

09/02/2018

DADOS E CONVERSAS REGISTRADAS NO WHATSAPP. APARELHO DE PROPRIEDADE DA VÍTIMA FALECIDA. VALIDADE DA PROVA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DESNECESSIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA.

Não há ilegalidade na perícia de aparelho de telefonia celular pela polícia, sem prévia autorização judicial, na hipótese em que seu proprietário – a vítima – foi morto, tendo o referido telefone sido entregue à autoridade policial por sua esposa. Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus em que se discute, entre outras questões, a validade da quebra de sigilo de conversações via aplicativo whatsapp sem prévia autorização judicial. Sobre o tema, vale salientar que a Sexta Turma desta Corte Superior vem reconhecendo a ilicitude da referida prova nos casos em que dizem respeito à interceptação de celular do acusado, cujo conteúdo vem a ser devassado sem autorização judicial. Na hipótese em exame, todavia, a situação é oposta, visto que houve um homicídio em que o telefone – de propriedade da vítima – teria sido, inclusive, um veículo para a prática do crime; sendo entregue à polícia por sua esposa após o cometimento do ilícito. Portanto, se o detentor de eventual direito ao sigilo estava morto, não havia mais sigilo algum a proteger do titular daquele direito. Sendo assim, não há sequer necessidade de uma ordem judicial porque, frise-se, no processo penal, o que se protege são os interesses do acusado. Logo, soa como impróprio proteger-se a intimidade de quem foi vítima do homicídio, sendo que o objeto da apreensão e da investigação é esclarecer o homicídio e punir aquele que, teoricamente, foi o responsável pela morte. RHC 86.076-MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz, por maioria, julgado em 19/10/2017, DJe 12/12/2017.
Informativo STJ nº617

MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO DAS FUNÇÕES PÚBLICAS DE VEREADOR E PRESIDENTE DE CÂMARA MUNICIPAL. ADI N. 5.526/DF. PARLAMENTARES MUNICIPAIS. NÃO INCIDÊNCIA.

É possível que o Juiz de primeiro grau, fundamentadamente, imponha a parlamentares municipais as medidas cautelares de afastamento de suas funções legislativas sem necessidade de remessa à Casa respectiva para deliberação. A insurgência suscitada em questão de ordem limitou a examinar a legalidade de decisão tomada por Câmara de Vereadores pela revogação das medidas cautelares de afastamento das funções de vereador e de presidente da Casa em substituição à prisão preventiva impostas por juiz de primeiro grau. Ressalte-se que a situação jurídica dos autos permanece hígida, a despeito do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI 5.526-DF que fixou o entendimento de que compete ao Poder Judiciário impor, por autoridade própria, as medidas cautelares a que se refere o artigo 319 do CPP a parlamentares, devendo, contudo, ser encaminhada à Casa Legislativa respectiva a que pertencer o parlamentar para os fins do disposto no art. 53, § 2º, da Constituição Federal quando a medida cautelar aplicada impossibilite, direta ou indiretamente, o exercício regular do mandato parlamentar. O referido artigo dispõe acerca de imunidade formal conferida à deputados federais e senadores, sendo, pois, uma prerrogativa constitucional conferida aos parlamentares do Congresso Nacional e, justamente por se tratar de norma de exceção, deve ser interpretada restritivamente. A Corte Suprema, tendo por fundamento tal parâmetro, já sufragou, em julgados anteriores, entendimento no sentido de que a incoercibilidade pessoal relativa prevista no artigo 53, § 2º, da CF/88 é aplicável, conforme disposição expressa, aos deputados federais e senadores e, por incidência do princípio da simetria, aos deputados estaduais independentemente de previsão nas respectivas Constituições estaduais, previsão, todavia, não incidente sobre parlamentares municipais. Nesses termos, torna-se sem efeito a decisão tomada pela Câmara de Vereadores em sessão realizada no dia 25/10/2017, na qual os seus pares haviam, alegando incidência do entendimento externado pelo STF na ADI 5.526-DF, votado pelo retorno imediato do vereador aos cargos dos quais se encontra por ora afastado. RHC 88.804-RN, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, por unanimidade, julgado em 07/11/2017, DJe 14/11/2017.
Informativo STJ nº617

SERVIÇOS DE TV POR ASSINATURA. PONTO EXTRA E ALUGUEL DE EQUIPAMENTO ADICIONAL. CONTRATAÇÃO ANTERIOR À RESOLUÇÃO DA ANATEL N. 528/2009. COBRANÇA. POSSIBILIDADE.

É lícita a conduta da prestadora de serviço que em período anterior à Resolução da ANATEL n. 528, de 17 de abril de 2009, efetuava cobranças pelo aluguel de equipamento adicional e ponto extra de TV por assinatura. O ponto nodal da controvérsia consiste em definir sobre a possibilidade da cobrança de valores mensais decorrentes da instalação e utilização de equipamentos adicionais e de pontos extras em contrato de serviço de TV por assinatura, fornecido na residência ou outro local de escolha do consumidor. Inicialmente cumpre salientar que até o advento da Resolução da ANATEL n. 488, de 3/12/2007, não se vedava a cobrança de preço adicional pelos pontos extras, pois sua utilização demanda a disponibilização adicional de decodificadores pertencentes à fornecedora, em número correspondente ao de pontos extras, salvo nas hipóteses de o consumidor ter os próprios ou buscá-los perante terceiro (outro fornecedor), às suas próprias expensas. A vedação somente passou a existir a partir da entrada em vigor da Resolução n. 488 da ANATEL, alterada pela Resolução n. 528, de 17 de abril de 2009, quando a cobrança pela utilização do ponto extra foi substituída pela cobrança de aluguel do equipamento conversor/decodificador necessário ao uso de pontos, nos termos do entendimento expresso na Súmula da ANATEL n. 9, de 19 de março de 2010. Por isso mesmo, o que antes se denominava de "cobrança por ponto adicional" nada mais era, de fato, do que o que se passou a chamar, mais propriamente, de "cobrança pelo aluguel do equipamento", isto é, disponibilização do decodificador adicional. Tanto é assim que as sucessivas resoluções sobre o tema adiaram por muito tempo a aplicação das normas regentes, assegurando maior liberdade na contratação, até que encontrada uma mais clara forma de regular a prestação dos serviços de telecomunicações no regime privado, ganhando o consumidor em transparência. Nesses termos, e considerando que, nos serviços de telecomunicações prestados sob regime privado, a liberdade é a regra (Lei n. 9.472/97, art. 128, I), a imposição de qualquer restrição não prevista em lei representa interferência indevida. Ademais, caso o consumidor não pretenda pagar o aluguel pelos aparelhos disponibilizados pela própria fornecedora do serviço de TV por assinatura em razão direta dos pontos adicionais requeridos, pode optar por comprar ou alugar ou obter em comodato de terceiros os equipamentos necessários para a decodificação do sinal nos exatos termos da faculdade conferida pela normatização regente. Contudo, optando o cliente por adquirir o pacote de serviços da própria fornecedora do sinal da TV por assinatura contratada, ou seja, com a inclusão do conversor/decodificador, plenamente justificável a cobrança de valor adicional na mensalidade, não havendo falar em abuso. REsp 1.449.289-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Marco Buzzi, por maioria, julgado em 14/11/2017, DJe 13/12/2017.
Informativo STJ nº617

SUCESSÃO. BENS À COLAÇÃO. VALOR DOS BENS DOADOS. VALOR ATRIBUÍDO NO ATO DE LIBERALIDADE COM CORREÇÃO MONETÁRIA ATÉ A DATA DA SUCESSÃO. APLICAÇÃO DO ART. 2.004, CAPUT, DO CC/2002.

O valor de colação dos bens doados deverá ser aquele atribuído ao tempo da liberalidade, corrigido monetariamente até a data da abertura da sucessão. De início, verifica-se a ocorrência de antinomia entre o Código Civil de 2002 - visto que, no capítulo IV, "Da Colação", o art. 2.004, caput, estabelece que os bens doados serão trazidos à colação pelo valor atribuído no ato de liberalidade - e o Código de Processo Civil de 1973, no Capítulo IX, Seção VI, denominada "Das Colações" - em que o art. 1.014, parágrafo único, determina que os bens recebidos em doação deverão ser calculados pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão. Essa contradição deve ser solucionada com observância do princípio de direito intertemporal tempus regit actum. Assim, nas hipóteses de abertura da sucessão após o início da vigência do Código Civil de 2002, deve ser aplicada a regra prevista nesse diploma. Dessa forma, consoante se extrai do texto do art. 2.004 do CC/2002, o valor de colação dos bens deverá ser aquele atribuído ao tempo da doação. Todavia, apesar da ausência de previsão expressa, o valor dos bens doados deverá ser corrigido monetariamente até a data da abertura da sucessão para preservar a igualdade dos quinhões legitimários. Cabe ressaltar que, se o valor atribuído aos bens no ato de liberalidade não corresponder ao valor que efetivamente possuía à época, é cabível a realização de avaliação dos bens através de perícia técnica. Ademais, a interpretação do art. 2.004 do CC/2002 apresentada na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal (Enunciado 119), no sentido de que, "para evitar o enriquecimento sem causa, a colação será efetuada com base no valor da época da doação, nos termos do caput do art. 2004, exclusivamente na hipótese em que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário. Se, ao contrário, o bem ainda integrar seu patrimônio, a colação se fará com base no valor do bem na época da abertura da sucessão, nos termos do art. 1.014 do CPC, de modo a preservar a quantia que efetivamente integrar a legítima quando esta se constituiu, ou seja, na data do óbito (resultado da interpretação sistemática do art. 2004 e seus parágrafos, juntamente com os arts. 1.832 e 884 do Código Civil)", não se coaduna com as regras estabelecidas no Código Civil de 2002 sobre a matéria, bem como afronta o princípio de direito intertemporal tempus regit actumREsp 1.166.568-SP, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), por unanimidade, julgado em 12/12/2017, DJe 15/12/2017.
Informativo STJ nº617

PRISÃO CIVIL POR ALIMENTOS. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AVOENGA. NATUREZA COMPLEMENTAR E SUBSIDIÁRIA. EXISTÊNCIA DE MEIOS EXECUTIVOS E TÉCNICAS MAIS ADEQUADAS. DESNECESSIDADE DA MEDIDA COATIVA EXTREMA.

Havendo meios executivos mais adequados e igualmente eficazes para a satisfação da dívida alimentar dos avós, é admissível a conversão da execução para o rito da penhora e da expropriação, a fim de afastar o decreto prisional em desfavor dos executados. Trata-se de habeas corpus em que se discute a possibilidade de ser mantida ordem de prisão civil em virtude de dívida de natureza alimentar assumida espontaneamente pelos avós, relacionada ao custeio de mensalidades escolares e de cursos extracurriculares dos netos. Com efeito, não se pode olvidar que, na esteira da sólida jurisprudência desta Corte, a responsabilidade pela prestação de alimentos pelos avós possui, essencialmente, as características da complementariedade e da subsidiariedade, de modo que, para estender a obrigação alimentar aos ascendentes mais próximos, deve-se partir da constatação de que os genitores estão absolutamente impossibilitados de prestá-los de forma suficiente. O fato de os avós terem assumido uma obrigação de natureza complementar de forma espontânea não significa dizer que, em caso de inadimplemento, a execução deverá obrigatoriamente seguir o rito estabelecido para o cumprimento das obrigações alimentares devidas pelos genitores, que são, em última análise, os responsáveis originários pela prestação dos alimentos necessários aos menores. Não há dúvida de que o inadimplemento causou transtornos aos menores; todavia, sopesando-se os prejuízos que seriam causados na hipótese de manutenção do decreto prisional dos idosos, conclui-se que a solução mais adequada à espécie é autorizar a conversão da execução para o rito da penhora e da expropriação, o que, a um só tempo, homenageia o princípio da menor onerosidade da execução (art. 805 do CPC/15) e também o princípio da máxima utilidade da execução. Registre-se, por fim, que, a depender do grau de recalcitrância manifestado pelos pacientes, poderá o juízo de 1º grau empregar outros meios de coerção ou sub-rogação, tais como aqueles estabelecidos nos arts. 528, § 3º, 529, 831 e seguintes da novel legislação processual civil. 



HC 416.886-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017.

SUPRIMENTO DE AUTORIZAÇÃO PATERNA PARA VIAGEM DO INFANTE AO EXTERIOR. GUARDA UNILATERAL DE FILHO MENOR. PEDIDO INCIDENTAL. CAUSA DE PEDIR FUNDADA NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. VARA ESPECIALIZADA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. COMPETÊNCIA HÍBRIDA (CRIMINAL E CIVIL). JUÍZO COMPETENTE.

A Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher possui competência para o julgamento de pedido incidental de natureza civil, relacionado à autorização para viagem ao exterior e guarda unilateral do infante, na hipótese em que a causa de pedir de tal pretensão consistir na prática de violência doméstica e familiar contra a genitora. O propósito recursal consiste em definir a competência para julgamento de pedido incidental de suprimento judicial de autorização paterna para que o filho viaje com a genitora para o exterior e/ou guarda unilateral do filho – se da Vara da Criança e da Juventude ou da Vara Especializada de Violência Doméstica Contra a Mulher, que já expedira medida protetiva em favor da requerente. Inicialmente, observe-se que o art. 14 da Lei n. 11.340/2006 preceitua a competência híbrida (criminal e civil) da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, para o julgamento e execução das causas que nela tramitam. Constata-se, a partir do referido artigo, que o legislador, ao estabelecer a competência cível da Vara Especializada de Violência Doméstica Contra a Mulher, não especificou quais seriam as ações que deveriam ali tramitar. De modo bem abrangente, preconizou a competência desse "Juizado" para as ações de natureza civil que tenham por causa de pedir, necessariamente, a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. A despeito da divergência doutrinária acerca da amplitude da competência cível da Vara Especializada, ressalte-se que a melhor exegese está no equilíbrio dos entendimentos contrapostos. Nesse sentido, tem-se que o propósito conferido pela Lei n. 11.340/2006 foi, justamente, o de outorgar ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que a um só tempo facilita o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção. Assim, para o estabelecimento da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil (notadamente, as relacionadas ao Direito de Família), imprescindível que a causa de pedir da correlata ação consista justamente na prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher, não se limitando, assim, apenas às medidas protetivas de urgência previstas nos arts. 22, incisos II, IV e V; 23, incisos III e IV; e 24, que assumem natureza civil. Na hipótese dos autos, a competência para o exame da referida pretensão é da Vara Especializada, na medida em que o pedido relacionado ao interesse da criança deu-se em plena vigência de medida protetiva de urgência destinada a neutralizar a situação de violência doméstica. REsp 1.550.166-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por maioria, julgado em 21/11/2017, DJe 18/12/2017.
Informativo STJ nº617

EMBARGOS À EXECUÇÃO. EFEITO SUSPENSIVO. INDEFERIMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSIBILIDADE. ART. 1.015, X, DO CPC/2015. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. PARALELISMO COM O ART. 1.015, I, DO CPC/2015. NATUREZA DE TUTELA PROVISÓRIA.

É admissível a interposição de agravo de instrumento contra decisão que não concede efeito suspensivo aos embargos à execução. De início, verifica-se que em uma interpretação literal e isolada do art. 1.015, X, do CPC/2015, o legislador previu ser cabível o agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que concederem, modificarem ou revogarem o efeito suspensivo aos embargos à execução. Com isso, indaga-se: teria a parte que aguardar a prolação da sentença para poder discutir tal matéria no bojo da apelação? A resposta para esse questionamento deve ser negativa, uma vez que não se mostra plausível, quando do julgamento da apelação, a discussão sobre os efeitos em que deviam ter sido processados os embargos. A posterior constatação de que a execução realmente deveria ter sido suspensa não terá mais utilidade prática ao interessado. Trata-se de circunstância que reclama a utilização de interpretação extensiva do art. 1.015, X, do CPC/2015. Ora, não se nega que as hipóteses em que se admite a interposição do agravo de instrumento sejam numerus clausus. Ocorre que tal fato não obsta a utilização do mecanismo interpretativo supra. Ademais, o pedido de concessão de efeito suspensivo aos embargos à execução poderia perfeitamente ser subsumido ao que preconiza o inciso I do art. 1.015 do CPC/2015, por ter natureza de tutela provisória de urgência. Dessa forma, por paralelismo com o referido dispositivo legal, e preservando a isonomia entre os sujeitos do processo executivo, qualquer deliberação sobre efeito suspensivo dos embargos à execução é agravável. REsp 1.694.667-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 05/12/2017, DJe 18/12/2017.
Informativo STJ nº617

PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO. ART. 1º, § 2º, DA LEI N. 11.941/2009. INCLUSÃO DE PERCENTUAL DE DÉBITO ISOLADO. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AO PERÍODO DE APURAÇÃO OU COMPETÊNCIA DO TRIBUTO.

O contribuinte pode optar pelo parcelamento de débitos considerados isoladamente, nos termos do art. 1º, § 2º, da Lei n. 11.941/2009, ainda que relativos a uma mesma Certidão da Dívida Ativa, não sendo possível o parcelamento de uma fração de competência ou período de apuração. A Lei n. 11.941/2009, que trata do parcelamento ordinários de débitos tributários e outros temas, assim prevê: "Art. 1º (...) § 2º. Para os fins do disposto no caput deste artigo, poderão ser pagas ou parceladas as dívidas vencidas até 30 de novembro de 2008, de pessoas físicas ou jurídicas, consolidadas pelo sujeito passivo, com exigibilidade suspensa ou não, inscritas ou não em dívida ativa, consideradas isoladamente, mesmo em fase de execução fiscal já ajuizada, ou que tenham sido objeto de parcelamento anterior, não integralmente quitado, ainda que cancelado por falta de pagamento, assim considerados: (...)". Nesse contexto, a controvérsia gira em torno da interpretação que deve ser conferida à expressão "dívidas consideradas isoladamente" constante no dispositivo transcrito, na medida em que o devedor ingressou com mandado de segurança para assegurar o direito de ver parcelada fração de débito tributário, correspondente a 6% dos valores objeto de Certidão de Dívida Ativa (CDA). Em um primeiro momento, importante consignar que o Código Tributário Nacional determina que seja interpretada literalmente a legislação que disponha sobre a suspensão do crédito tributário (art. 111, I). Sendo o parcelamento uma das modalidades suspensivas de crédito tributário (art. 151, VI, do CTN), a legislação que o institui deve ser lida sem expansão ou restrição de seus termos. Com isso, quando a Lei se refere às "dívidas consideradas isoladamente" deve-se compreender o termo como a expressão monetária referente ao tributo ("tributo" como quantia em dinheiro). Ou seja, aqui o termo dívida se refere à quantia em dinheiro devida em virtude da subsunção de um fato da vida (fato gerador) a uma previsão normativa abstrata (hipótese de incidência). Uma fração da dívida desnatura a própria prestação pecuniária representada no tributo, pois incompleta a fenomenologia tributária. Em outras palavras, não há se falar em dívida de uma fração de tributo; só há dívida de tributo integralmente considerado. Outro elemento de relevo a ser considerado para a solução da lide diz respeito ao aspecto temporal da acepção doutrinária de tributo como norma jurídica tributária. Nessa linha de raciocínio, tampouco há de se falar em tributo ou em dívida quando incompleto o critério temporal. Desse modo, a interpretação que deve ser dada à expressão "dívidas consideradas isoladamente" deve respeitar, no mínimo, uma competência ou período de apuração tributária. Acrescenta-se ainda que, o art. 151, VI, do CTN, diz que o crédito tributário tem sua exigibilidade suspensa pelo parcelamento; de acordo com o art. 139 do CTN, o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta. Ou seja, compreender em um parcelamento tributário fração do aspecto temporal (período de formação do próprio tributo) implicaria em parcelar fração de um crédito tributário, o que se revela impossível. Com isso, salienta-se que a Lei não veda o parcelamento de uma fração de Certidão de Dívida ou de um auto de infração. Contudo, terá que ser respeitado cada período de apuração ou de competência do tributo. REsp 1.382.317-PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, por maioria, julgado em 21/11/2017, DJe 14/12/2017.
Informativo STJ nº617

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. DIREITO INTERTEMPORAL. REGIME JURÍDICO APLICÁVEL. SENTENÇA PROFERIDA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. APLICABILIDADE DO ART. 85 DA NOVEL LEGISLAÇÃO. ARBITRAMENTO PELO STJ. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.

Configura supressão de grau de jurisdição o arbitramento no STJ de honorários de sucumbência com base no CPC/2015, na hipótese em que as instâncias ordinárias utilizaram equivocadamente o CPC/1973 para a sua fixação. Na origem, trata-se de ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária ajuizada em desfavor da Fazenda Nacional cumulada com pedido de compensação por danos morais advindos de inscrição supostamente indevida na dívida ativa. Após sentença de parcial procedência, o Tribunal de origem, em sede de apelação, reconheceu a totalidade dos pedidos formulados pelo autor, fixando os honorários advocatícios com fundamento no art. 20, § 4º, do CPC/73. Nesse contexto, discute-se, entre outras questões, sobre a aplicabilidade na nova legislação processual civil em relação aos honorários sucumbenciais, bem como se estes poderiam ser diretamente fixados no âmbito desta Corte Superior. Inicialmente deve-se ressaltar que a jurisprudência do STJ pacificou orientação no sentido de que a sentença é o marco para delimitação do regime jurídico aplicável à fixação de honorários advocatícios, revelando-se incorreto seu arbitramento, com fundamento no CPC de 1973, posteriormente à 18.03.2016 (data da entrada em vigor da novel legislação). A despeito de se reconhecer o equívoco por parte das instâncias ordinárias quanto ao regime jurídico utilizado para o arbitramento dos honorários advocatícios, não se mostra correta a aplicação do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015 por este órgão julgador pois, além de configurar supressão de grau de jurisdição, desvirtua a competência precípua desta Corte em grau recursal, qual seja a de uniformizar a interpretação da legislação federal, mediante a fixação de honorários de sucumbência casuisticamente e não apenas nas hipóteses de irrisoriedade e exorbitância no seu arbitramento. Neste passo, reitera-se o entendimento no sentido de não caber a esta Corte a revisão do quantum arbitrado a título de honorários advocatícios de sucumbência, seja porque sua fixação leva em conta as peculiaridades de cada caso, o que tornaria quase inviável uma uniformização, seja em razão da impossibilidade de análise por este tribunal, em sede de recurso especial, dos fatos e provas, por cuidar-se de Corte de precedentes (Súmula n. 7/STJ). Sendo assim, o arbitramento dos honorários advocatícios com base em normatização errônea (CPC/73), resulta na devolução dos autos ao Tribunal de origem para que proceda a novo julgamento do recurso e analise a verba honorária de sucumbência à luz do novo estatuto de processo civil. 



REsp 1.647.246-PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Regina Helena Costa, por maioria, julgado em 21/11/2017, DJe 19/12/2017.