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19/12/2018

SENTENÇA PROFERIDA DE FORMA ORAL. DEGRAVAÇÃO PARCIAL NA ATA DE AUDIÊNCIA. AUSÊNCIA DO REGISTRO DAS RAZÕES DE DECIDIR. NULIDADE ABSOLUTA POR VÍCIO FORMAL.

É nula a sentença proferida de forma oral e degravada parcialmente sem o registro das razões de decidir. De início, destaca-se que o art. 405 do Código de Processo Penal possibilita o registro dos termos da audiência de instrução em meio audiovisual. Tal regra, cuja redação foi conferida pela Lei n. 11.719/2008, não tem o escopo somente de abreviar o tempo de realização do ato – em razão da desnecessidade da redução, a termo, dos depoimentos do acusado, vítima e testemunhas –, mas também o de possibilitar registro fiel da íntegra do ato, com imagem e som, em vez da simples escrita. Na hipótese, foi proferida sentença oral, com a degravação tão somente da dosimetria das penas e do dispositivo. Essa situação, em um juízo preliminar, contraria o disposto no art. 388 do Código de Processo Penal, pois a busca da celeridade na prestação jurisdicional não dispensa a forma escrita da sentença, que deve vir acompanhada das razões de decidir. Anote-se, por fim, o prejuízo à defesa, com grave dano ao exercício do contraditório e ampla defesa, que acarreta nulidade absoluta do ato, por vício formal. HC 470.034-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, por maioria, julgado em 09/10/2018, DJe 19/11/2018. 
Informativo STJ nº638

(DESATUALIZADO) Ver Inf. 641 * A ausência de degravação completa da sentença penal condenatória não prejudica o contraditório ou a segurança do registro nos autos.

TRIBUNAL DO JÚRI. ART. 155 DO CPP. PRONÚNCIA FUNDADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS EXTRAJUDICIAIS. IMPOSSIBILIDADE.

Não se admite a pronúncia de acusado fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial. Cinge-se a controvérsia a saber sobre a possibilidade de o juízo de pronúncia admitir os elementos de prova colhidos no inquérito policial que demonstram indícios de autoria do crime doloso contra a vida, ainda que de maneira tênue, sob pena de contrariar as disposições do art. 413 do CPP, bem como o princípio do in dubio pro societate. Inicialmente, convém assinalar que não se descura que há no âmbito do STJ julgados no sentido de admitir a pronúncia do acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem que isso represente afronta ao art. 155 do CPP: AgRg no AREsp 978.285/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/06/2017, DJe 21/06/2017; e HC 435.977/RS, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 15/5/2018, DJe 24/5/2018. No caso dos autos, porém, o Tribunal local manteve a decisão que despronunciou o réu tendo em vista ser a prova dos autos um único depoimento extrajudicial, o qual não foi confirmado na fase processual, e a confissão qualificada em juízo do corréu. Desse modo, nota-se a ausência de indícios de autoria delitiva (art. 413 do CPP) submetidos ao devido processo legal. Portanto, carece de judicialização a prova a apontar os indícios de autoria delitiva. Importa registrar que a prova produzida extrajudicialmente é elemento cognitivo destituído do devido processo legal, princípio garantidor das liberdades públicas e limitador do arbítrio estatal. Assentir com entendimento contrário implicaria considerar suficiente a existência de prova inquisitorial para submeter o réu ao Tribunal do Júri sem que se precisasse, em última análise, de nenhum elemento de prova a ser produzido judicialmente. Ou seja, significaria inverter a ordem de relevância das fases da persecução penal, conferindo maior juridicidade a um procedimento administrativo realizado sem as garantias do devido processo legal em detrimento do processo penal, o qual é regido por princípios democráticos e por garantias fundamentais. Assim, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia sem qualquer lastro probatório colhido sob o contraditório judicial, fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial, mormente quando essa prova está isolada nos autos. (REsp 1591768/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 18/06/2018). AgRg no REsp 1.740.921-GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, por unanimidade, julgado em 06/11/2018, DJe 19/11/2018.
Informativo STJ nº638

PROTESTO LEGÍTIMO. QUITAÇÃO DA DÍVIDA. AUSÊNCIA DA ENTREGA DA CARTA DE ANUÊNCIA. DEVER DE ENVIAR O DOCUMENTO HÁBIL AO CANCELAMENTO DO PROTESTO. IMPOSIÇÃO TÁCITA AO CREDOR. IMPOSSIBILIDADE.

Não há como impor tacitamente ao credor o dever de enviar, sem provocação, o documento hábil ao cancelamento do legítimo protesto. De início, ressalta-se que o art. 26, § 1º, da Lei n. 9.492/1997 estabelece que o cancelamento do registro do protesto será solicitado diretamente no Tabelionato de Protesto de Títulos, por qualquer interessado, mediante apresentação do documento protestado, cuja cópia ficará arquivada, e que apenas na impossibilidade de apresentação do original do título ou documento de dívida protestado será exigida a declaração de anuência, com identificação e firma reconhecida, daquele que figurou no registro de protesto como credor, originário ou por endosso translativo. Outrossim, como o pagamento do título de crédito, em regra, implica o resgate da cártula, cogitar ser dever do credor enviar, sem qualquer provocação do interessado, o próprio título de crédito, seria providência inusual e claramente temerária para os interesses do próprio devedor e eventuais coobrigados. Ora, como o princípio da unitariedade do protesto esclarece que um título de crédito pode se submeter a apenas um protesto, e, como visto, a Lei do Protesto dispõe que qualquer interessado pode requerer o seu cancelamento - e, evidentemente, quitar a dívida, que pode envolver coobrigados -, nesses casos, o mais prudente seria mesmo o credor aguardar provocação daquele que quitou em nome próprio ou de comum acordo com os demais coobrigados para entregar-lhe o título protestado. Dessa forma há que se entender que é inequívoco dever do credor o fornecimento do documento hábil ao cancelamento do protesto, mas apenas tão logo seja provocado. REsp 1.346.584-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 09/10/2018, DJe 22/11/2018.
Informativo STJ nº638

TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. ART. 942 DO CPC/2015. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. NOVOS JULGADORES CONVOCADOS. POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DA INTEGRALIDADE DO RECURSO.

O colegiado formado com a convocação dos novos julgadores (art. 942 do CPC/2015) poderá analisar de forma ampla todo o conteúdo das razões recursais, não se limitando à matéria sobre a qual houve originalmente divergência. Cinge-se a controvérsia a definir se os desembargadores que chegam para ampliar o colegiado (art. 942 do CPC/2015) poderão rever as questões que haviam sido objeto de julgamento unânime ou se deverão restringir seus votos àquelas questões que haviam sido objeto de divergência. A doutrina enfatiza que a ausência de efeito devolutivo é consequência da natureza jurídica da técnica de ampliação do julgamento, haja vista não se tratar de recurso. Destaca, ainda, que o prosseguimento da deliberação não tem por objetivo a mera ampliação do quórum, mas, sim, proporcionar a ampliação do debate. Tal perspectiva interpretativa, que atribui à técnica em análise um caráter de elemento qualificador do julgamento colegiado, vai ao encontro do paradigma norteador da nova legislação processual, visto que privilegia os esforços para "uniformizar a jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente" (art. 926 do CPC/2015). Além disso, o art. 942 do CPC/2015 ostenta o relevante propósito de assegurar uma análise mais aprofundada das teses contrapostas, mitigando os riscos de que entendimentos minoritários prevaleçam em virtude de uma composição conjuntural de determinado órgão fracionário julgador e garantindo que sejam esmiuçadas questões fáticas eventualmente controvertidas. Reforça esse entendimento a parte final do caputdo referido artigo, que dispõe que serão convocados outros julgadores "em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores". O intuito da norma é manter em aberto o julgamento até ulterior deliberação pelo quórum qualificado, garantindo-se a expressa possibilidade de reversão do resultado inicial. Assim, o colegiado formado com a convocação dos novos julgadores (art. 942 do CPC/2015) poderá analisar de forma ampla todo o conteúdo das razões recursais, não se limitando à matéria sobre a qual houve originalmente divergência. REsp 1.771.815-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 13/11/2018, DJe 21/11/2018.
Informativo STJ nº638

AÇÃO DE ALIMENTOS. MECANISMO DE INTEGRAÇÃO POSTERIOR DO POLO PASSIVO. NATUREZA JURÍDICA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO ULTERIOR SIMPLES. ART. 1.698 DO CC/2002. AUTOR COM PLENA CAPACIDADE PROCESSUAL. EXCLUSIVIDADE.

Em ação de alimentos, quando se trata de credor com plena capacidade processual, cabe exclusivamente a ele provocar a integração posterior no polo passivo. A majoritária doutrina, ao interpretar o art. 1.698 do CC/2002, que trata do litisconsórcio facultativo ulterior simples, tem se posicionado no sentido de que a obrigação alimentar não é solidária, mas, sim, divisível, ao fundamento de que não há disposição legal que autorize a cobrança integral do valor de apenas um dos codevedores, que arcam apenas com a cota que puder prestar, no limite de suas possibilidades. A despeito da convergência acerca da divisibilidade da obrigação alimentar, remanesce amplo dissenso doutrinário acerca do mecanismo processual a ser adotado para que se promova a integração, ao polo passivo, dos demais devedores que não foram inicialmente demandados pelo credor, bem acerca da legitimidade para requerer essa posterior integração. É correto afirmar que a primeira definição da necessidade dos alimentos incumbe essencialmente ao autor, a quem caberá delinear, na causa de pedir de sua petição inicial, quais são os custos e as despesas necessárias à sua sobrevivência digna, cabendo-lhe ainda mensurar, a partir desse quadro, quais, entre os potenciais obrigados, possuiriam a capacidade financeira de arcar com os alimentos necessários, inserindo no polo passivo aqueles aptos a suportar integralmente a pretensão deduzida. Assim, quando se tratar de credor de alimentos que reúna plena capacidade processual, cabe a ele, exclusivamente, provocar a integração posterior do polo passivo, devendo a sua inércia ser interpretada como concordância tácita com os alimentos que puderem ser prestados pelo réu por ele indicado na petição inicial, sem prejuízo de eventual e futuro ajuizamento de ação autônoma de alimentos em face dos demais coobrigados. Contudo, nas hipóteses em que for necessária a representação processual do credor de alimentos incapaz, cabe também ao devedor provocar a integração posterior do polo passivo, a fim de que os demais coobrigados também componham a lide, inclusive aquele que atua como representante processual do credor dos alimentos, bem como cabe provocação do Ministério Público, quando a ausência de manifestação de quaisquer dos legitimados no sentido de chamar ao processo os demais coobrigados possa causar prejuízos aos interesses do incapaz. No que tange ao momento processual adequado para a integração do polo passivo pelos coobrigados, cabe ao autor requerê-lo em sua réplica à contestação; ao réu, em sua contestação; e ao Ministério Público, após a prática dos referidos atos processuais pelas partes, respeitada, em todas as hipóteses, a impossibilidade de ampliação objetiva ou subjetiva da lide após o saneamento e organização do processo, em homenagem ao contraditório, à ampla defesa e à razoável duração do processo. REsp 1.715.438-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 13/11/2018, DJe 21/11/2018.
Informativo STJ nº638

*Importante: para acrescentar, leiam as teses de jurisprudência nos comentários.

DESPESAS CONDOMINIAIS. IMÓVEL OBJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. RESPONSABILIDADE DO CREDOR FIDUCIÁRIO. CONSOLIDAÇÃO DE SUA PROPRIEDADE PLENA. NECESSIDADE.

A responsabilidade do credor fiduciário pelo pagamento das despesas condominiais dá-se quando da consolidação de sua propriedade plena quanto ao bem dado em garantia, ou seja, quando de sua imissão na posse do imóvel. A Lei n. 9.514/1997 deixou expressamente consignado, em seu art. 23, parágrafo único, que "com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel". Com o advento da Lei n. 10.931/2004 introduziu-se o § 8º ao art. 27 da Lei n. 9.514/1997, segundo o qual: "Responde o fiduciante pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse". Mais recentemente, essa divisão foi reafirmada com a edição da Lei n. 13.043/2014, que introduziu o art. 1.368-B ao CC/2002. Aparentemente, com a interpretação literal dos mencionados dispositivos legais, chega-se à conclusão de que o legislador procurou mesmo proteger os interesses do credor fiduciário, que tem a propriedade resolúvel como mero direito real de garantia voltado à satisfação de um crédito. Ocorre que a proteção indefinida do credor fiduciário contrasta-se com outro interesse digno de tutela: o interesse dos titulares de créditos gerados pelo próprio bem dado em garantia (a exemplo do IPTU, das despesas condominiais, etc.) que, se não puderem satisfazê-lo mediante a penhora ou excussão da coisa, ficarão desprotegidos. A fim de estancar eventuais choques de interesses porventura existentes, uma solução que se admite é a de que o devedor fiduciante, titular de direito real de aquisição – e que possui valor econômico –, tenha tal direito penhorado pelos demais credores em geral, em especial pelos credores de despesas geradas pelo próprio bem – a exemplo do condomínio quando da cobrança de despesas condominiais. Nessa hipótese o credor das despesas originadas pelo bem não adquire a propriedade plena, mas sub-roga-se na posição jurídica de titular de direito expectativo real de aquisição do devedor fiduciante. O credor fiduciário, por sua vez, mantêm íntegra a sua garantia. Dessume-se que, de fato, a responsabilidade do credor fiduciário pelo pagamento das despesas condominiais dá-se quando da consolidação de sua propriedade plena quanto ao bem dado em garantia, ou seja, quando de sua imissão na posse do imóvel. REsp 1.731.735-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 13/11/2018, DJe 22/11/2018.
Informativo STJ nº638

ATRASO EM VOO INTERNACIONAL. DANO MORAL PRESUMIDO (IN RE IPSA). INOCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO.

Na hipótese de atraso de voo, não se admite a configuração do dano moral in re ipsa. De início, revela-se importante anotar que esta Corte Superior tem perfilhado o entendimento de que "o dano moral decorrente de atraso de voo prescinde de prova, sendo que a responsabilidade de seu causador opera-se, in re ipsa, por força do simples fato da sua violação em virtude do desconforto, da aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro" (REsp 299.532/SP, 4ª Turma, DJe 23/11/2009). Contudo, a presunção de dano moral in re ipsa, independentemente da duração do atraso e das demais circunstâncias envolvidas, exige maiores reflexões sobre a controvérsia. É que vários outros fatores devem ser considerados a fim de que se possa investigar acerca da real ocorrência do dano moral, exigindo-se, por conseguinte, a prova, por parte do passageiro, da lesão extrapatrimonial sofrida. Dizer que é presumido o dano moral nas hipóteses de atraso de voo é dizer, inevitavelmente, que o passageiro, necessariamente, sofreu abalo que maculou a sua honra e dignidade pelo fato de a aeronave não ter partido na exata hora constante do bilhete , frisa-se, abalo este que não precisa sequer ser comprovado, porque decorreria do próprio atraso na saída da aeronave em si. Por oportuno, convém mencionar que as circunstâncias que envolvem o caso concreto servirão de baliza para a possível comprovação e a consequente constatação da ocorrência do dano moral. A exemplo, pode-se citar particularidades a serem observadas: I) a averiguação acerca do tempo que se levou para a solução do problema, isto é, a real duração do atraso; II) se a companhia aérea ofertou alternativas para melhor atender aos passageiros; III) se foram prestadas a tempo e modo informações claras e precisas por parte da companhia aérea a fim de amenizar os desconfortos inerentes à ocasião; IV) se foi oferecido suporte material (alimentação, hospedagem, etc.) quando o atraso for considerável; V) se o passageiro, devido ao atraso da aeronave, acabou por perder compromisso inadiável no destino, dentre outros. REsp 1.584.465-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 13/11/2018, DJe 21/11/2018.
Informativo STJ nº638

FASE DE EXECUÇÃO. ART. 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. DETERMINAÇÃO DE ELABORAÇÃO DOS CÁLCULOS JUDICIAIS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO CABIMENTO.

Não cabe agravo de instrumento contra decisão do juiz que determina a elaboração dos cálculos judiciais e estabelece os parâmetros de sua realização. Cuida-se a controvérsia de interpretar restritivamente o parágrafo único do art. 1.015 do CPC, no sentido de que o agravo de instrumento não pode ser utilizado como meio de impugnação de toda e qualquer decisão interlocutória proferida no processo de execução, especificamente, no que diz respeito a despacho de juiz que determina o envio dos autos a contador judicial para elaboração de cálculos. O novo CPC buscou dar maior efetividade e celeridade ao trâmite processual, restringindo as hipóteses de utilização do recurso de agravo de intrumento. Assim, é certo que as hipóteses trazidas pelo art. 1.015 do CPC de 2015 são taxativas, principalmente quando tratar do processo de conhecimento, localizado no livro I da parte especial, mas também é correto que o exegeta pode valer-se de interpretação extensiva em decorrência das especificidades de cada caso. Por sua vez, a interposição do agravo de instrumento no processo de execução é prevista expressamente no parágrafo único do art. 1.015 do CPC, portanto o seu cabimento foi delineado pelo legislador. Contudo, para a otimização do Código de Processo Civil, deve o exegeta interpretar restritivamente o dispositivo legal no sentido de que o agravo de instrumento não pode ser utilizado como meio de impugnação de toda e qualquer decisão interlocutória proferida no processo de execução, porquanto tal liberdade iria de encontro à celeridade que se espera do trâmite processual. Ademais, se, a cada decisão proferida pelo juiz a quo, o tribunal de revisão for instado a se manifestar imediatamente sobre o seu acerto ou desacerto, haverá drástica diminuição na efetividade do processo. Por fim, como consignado na Exposição de Motivos do CPC, "todas as decisões anteriores à sentença podem ser impugnadas na Apelação". Assim sendo, o novo diploma processual postergou o momento de sua impugnação. REsp 1.700.305-PB, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 25/09/2018, DJe 27/11/2018.
Informativo STJ nº638

IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA - ISSQN. SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. PRESTAÇÃO POR ENTIDADE SINDICAL. INCIDÊNCIA.

O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN - incide sobre os serviços de proteção ao crédito, ainda que prestados por entidade sindical a seus associados. De início, registra-se que a incidência do imposto sobre o serviço de proteção ao crédito encontra fundamento nos itens 22 e 24 da lista anexa ao DL n. 406, respectivamente: "22. Assessoria ou consultoria de qualquer natureza, não contida em outros incisos desta lista, organização, programação, planejamento, assessoria, processamento de dados, consultoria técnica, financeira ou administrativa"; e "24. Análises, inclusive de sistemas, exames, pesquisas e informações, coleta e processamento de dados de qualquer natureza". Embora não se ignore que a Segunda Turma, em maio de 2015, sob a relatoria do em. Min. Humberto Martins, no RESP 1.338.554/RS, tenha decidido pela não incidência do ISSQN sobre o serviço de consulta de proteção ao crédito prestado pela Câmara de Dirigentes Lojistas, compartilha-se do entendimento manifestado pelo em. Min. Ari Pargendler, no REsp 41.630/SP, Segunda Turma, DJ 14/04/1997. Na ocasião, o voto condutor apoiou-se nos seguintes fundamentos: "Fora de toda dúvida, há aí uma prestação de serviços mediante remuneração, suficiente para a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza. Pouco importa que a remuneração desse serviço seja dimensionada sem o propósito de lucro; a regra de tributação, no que se refere a o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, independe do resultado da atividade, interessando-lhe apenas o fato econômico da circulação de bens imateriais, na espécie caracterizada pelo preço pago, a cada consulta, pelas informações obtidas". Anota-se, por fim, que a imunidade prevista no art. 150, VI, "c", da Constituição Federal é restrita às "entidades sindicais dos trabalhadores", razão pela qual não se aplica à hipótese. AREsp 654.401-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 04/10/2018, DJe 16/11/2018.
Informativo STJ nº638

SEGREGAÇÃO DE FUNDOS E EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL – 2

Segregação de fundos e equilíbrio financeiro e atuarial – 2


A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, deu provimento ao agravo, com deferimento da medida liminar, nos autos da ação cível originária em que se discute a validade das limitações impostas pela União ao Distrito Federal (DF) e ao Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores do Distrito Federal (IPREV/DF), por alegação de comprometimento do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema próprio local.

No caso, o DF estabeleceu, para o sistema previdenciário do regime próprio, que, a partir de determinada data, haveria dois fundos: um por repartição simples e outro por capitalização. Diante do déficit do primeiro, foram utilizados recursos do segundo.

Preliminarmente, o ministro Marco Aurélio ficou vencido quanto à proposta de deslocamento dos autos para o Tribunal Pleno. Entendeu que a matéria exige o controle difuso de constitucionalidade da Lei 9.717/1998 e, diante da aplicação da cláusula de reserva de plenário, a Turma seria incompetente para apreciar o feito.

No mérito, o colegiado determinou a expedição do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) do DF para todos os fins, afastada a restrição imposta pela decisão agravada, que mantinha a vedação de recebimento de verbas e recursos de natureza previdenciária. Determinou ainda a retirada do ente federado do Cadastro Único de Exigências para Transferências Voluntárias (CAUC), até o julgamento definitivo da ação.

Vencidos os ministros Luís Roberto Barroso (relator) e Luiz Fux, que votaram pelo não provimento do agravo e pela consequente manutenção da vedação em matéria previdenciária. Para eles, o art. 40 da Constituição Federal (1) impõe a observância do equilíbrio financeiro e atuarial aos regimes próprios de previdência social. No mesmo sentido, o art. 69 da Lei de Responsabilidade Fiscal (2) exige que os entes públicos organizem seus fundos de previdência com base em normas de contabilidade que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

(1) CF/1988: “Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. ”
(2) LC 101/2000 (LRF): “Art. 69. O ente da Federação que mantiver ou vier a instituir regime próprio de previdência social para seus servidores conferir-lhe-á caráter contributivo e o organizará com base em normas de contabilidade e atuária que preservem seu equilíbrio financeiro e atuarial. ”



ACO 3134 TP-AgR/DF, rel. Min. Roberto Barroso, red. p/ ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.12.2018. (ACO-3134)

Informativo STF nº928

IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. SAÍDA FÍSICA DO PRODUTO DO ESTABELECIMENTO DO FABRICANTE. ROUBO DA MERCADORIA. OPERAÇÃO MERCANTIL NÃO CONCRETIZADA. FATO GERADOR. NÃO CONFIGURAÇÃO.

Na hipótese em que ocorrer roubo/furto da mercadoria após a sua saída do estabelecimento do fabricante não se configura o evento ensejador de incidência do IPI. Discute-se se a saída física do produto do estabelecimento industrial ou equiparado é suficiente para a configuração do fato gerador do IPI, sendo irrelevante a ausência de concretização do negócio jurídico subjacente em razão do furto e/ou roubo das mercadorias. Importante destacar que a controvérsia já se encontra superada em ambas as Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, restando consolidado o entendimento de que a operação passível de incidência da exação é aquela decorrente da saída do produto industrializado do estabelecimento do fabricante e que se aperfeiçoa com a transferência da propriedade do bem, porquanto somente quando há a efetiva entrega do produto ao adquirente a operação é dotada de relevância econômica capaz de ser oferecida à tributação. Portanto, na hipótese em que ocorre o roubo/furto da mercadoria após a sua saída do estabelecimento do fabricante, a operação mercantil não se concretiza, inexistindo proveito econômico para o fabricante sobre o qual deve incidir o tributo. Ou seja, não se configura o evento ensejador de incidência do IPI, não gerando, por conseguinte, a obrigação tributária respectiva. EREsp 734.403-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, por unanimidade, julgado em 14/11/2018, DJe 21/11/2018.
Informativo STJ nº638

DECISÃO QUE INADMITE O RECURSO ESPECIAL. DISPOSITIVO ÚNICO. AUSÊNCIA DE CAPÍTULOS AUTÔNOMOS. DECISÃO NÃO CINDÍVEL. NECESSIDADE DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA EM SUA INTEGRALIDADE. ART. 544, § 4º, I, DO CPC/1973. ENTENDIMENTO RENOVADO PELO ART. 932, III, DO CPC/2015.

A decisão de inadmissibilidade do recurso especial não é formada por capítulos autônomos, mas por um único dispositivo, o que exige sua impugnação total. A Corte Especial do STJ, em apreciação aos embargos de divergência, pacificou o entendimento que encontrava dissonância no âmbito do Tribunal sobre a necessidade de o recorrente, em agravo em recurso especial, impugnar especificamente todos os fundamentos constantes da decisão de inadmissibilidade do recurso especial. O acórdão embargado concluiu pela impossibilidade de conhecimento do agravo que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada, não obstante os fundamentos da decisão recorrida terem sido autônomos (violação do art. 535 do CPC/1973 e incidência da Súmula n. 7 do STJ). Ao revés, o aresto paradigma perfilhou o entendimento de que, "se a admissão parcial do recurso especial ou extraordinário devolve toda a matéria deduzida no recurso à instância superior, independentemente de agravo, desde que se trate de decisões com partes autônomas - e não fundamentos autônomos sobrepostos no mesmo capítulo -, é evidente que o agravo contra a não admissão também pode limitar-se a impugnar pontos autônomos da decisão, se tal impugnação se mostrar suficiente à reforma do acórdão recorrido". Inicialmente cumpre salientar que tanto o § 4º do art. 544 do CPC/1973 - precisamente em relação ao agravo -, quanto o inciso VIII do art. 932 do CPC/2015 - de forma geral -, remetem às disposições constantes do Regimento Interno do STJ. Quanto ao agravo em recurso especial, determina o art. 253, parágrafo único, I, do RISTJ, com redação conferida pela Emenda Regimental n. 22/2016, que é atribuição do relator "não conhecer do agravo inadmissível, prejudicado ou daquele que não tenha impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida". Ademais, pode-se afirmar que, no que tange à teoria da sentença, um provimento judicial, via de regra, comporta sua elaboração em capítulos, os quais são unidades elementares e autônomas do dispositivo da decisão, podendo ser homogêneos, se contiverem apenas pronunciamentos sobre o mérito do processo, ou heterogêneos, se também incluírem a resolução de questões preliminares do mérito. Ocorre que a decisão de inadmissibilidade tem, como peculiaridade, o escopo de apreciação exclusiva dos pressupostos de admissibilidade do apelo especial, concluindo pela presença de uma ou várias causas impeditivas do julgamento do mérito recursal, as quais em tudo se assemelham às questões preliminares extintivas da demanda. É forçoso concluir, portanto, pela completa ausência de diversos capítulos nesse decisum, que é formado por um único dispositivo, qual seja, a inadmissão do recurso. Com efeito, a decomposição do provimento judicial em unidades autônomas tem como parâmetro inafastável a sua parte dispositiva, e não a fundamentação como um elemento autônomo em si mesmo. Desse modo, a decisão de inadmissibilidade do recurso especial não é cindível e, portanto, deve ser impugnada em sua integralidade, nos exatos termos das disposições legais e regimentais já ressaltadas. EAREsp 831.326-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, por maioria, julgado em 19/09/2018, DJe 30/11/2018.
Informativo STJ nº638

PLANO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO REGISTRADO PELA ANVISA. OBRIGATORIEDADE. AUSÊNCIA.

As operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA. Inicialmente, cumpre destacar que a Lei n. 6.360/1976 estabelece que estão sujeitos às normas de vigilância sanitária os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos (art. 1º) e que nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde (art. 12). Além disso, o art. 16 desta lei prevê os requisitos específicos que devem ser efetivamente atendidos para o registro de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, dentre eles, que o produto, através de comprovação científica e de análise, seja reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se propõe e possua a identidade, atividade, qualidade, pureza e inocuidade necessárias (inciso II). Nessa mesma linha, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou na defesa da indispensabilidade do referido registro pela ANVISA, nos termos do voto condutor do acórdão proferido no julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada n. 175/CE, Relator o Ministro Gilmar Mendes, após colheita de elementos sobre o tema da saúde em audiência pública. Cumpre salientar que a obrigatoriedade do registro é essencial à garantia à saúde pública, tendo em conta que tal medida é fundamental para atestar a segurança e a eficácia do medicamento, dever este que recai sobre o Estado. Logo, não é possível o Judiciário impor às operadoras de plano de saúde que realizem ato tipificado como infração de natureza sanitária, pois isso implicaria manifesta vulneração do princípio da legalidade previsto constitucionalmente (REsp n. 874.976/MT, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe 14/12/2009). Dessa forma, é exigência legal ao fornecimento de medicamento a prévia existência de registro pela ANVISA ou autorização dela. 

REsp 1.712.163-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 08/11/2018, DJe 26/11/2018 (Tema 990).

CRIME DE ESTUPRO E “BEIJO LASCIVO” – 2

Crime de estupro e “beijo lascivo” – 2


A Primeira Turma retomou julgamento de habeas corpus em que se pretende a desclassificação do delito previsto no art. 217-A (1) do Código Penal (CP) — “estupro de vulnerável” —, para a conduta versada no art. 65 (2) da Lei das Contravenções Penais (LCP) (Informativo 870).

Na origem, o paciente foi condenado a oito anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, em razão da suposta prática de estupro de vulnerável. A ação consistiu em ato libidinoso (beijo lascivo) contra vítima de cinco anos de idade.

O impetrante afirma que a conduta do paciente não se enquadra no tipo penal do art. 217-A do CP, mas na contravenção penal tipificada no art. 65 da LCP. Além disso, sustenta a ausência de dano psicológico à vítima, bem como a desproporcionalidade entre os fatos ocorridos e a sanção aplicada.

Na assentada anterior, o ministro Marco Aurélio, ao deferir a ordem, entendeu correto o enquadramento da conduta do paciente na contravenção penal de molestamento. Já o ministro Alexandre de Moraes denegou o habeas corpus por considerar inadequada a desclassificação da conduta do paciente para a referida contravenção penal.

Em voto-vista, o ministro Roberto Barroso, em linha com a divergência iniciada pelo ministro Alexandre de Moraes, denegou o habeas corpus. No entanto, concedeu a ordem de ofício para que o juízo de origem aplique ao caso o tipo previsto no art. 215-A do CP (3), incluído pela Lei 13.718, de 24 de setembro de 2018.

O ministro Roberto Barroso ressaltou que os atos praticados pelo paciente não podem ser considerados simples perturbação à tranquilidade da criança ou mera importunação ofensiva ao pudor. Ao contrário, a conduta se revestiu de inequívoca conotação sexual, a configurar comportamento lascivo ou libidinoso em face de vítima de apenas cinco anos de idade.

Em 24 de setembro de 2018 foi editada a Lei 13.718/2018, a qual criou a figura típica prevista no art. 215-A do CP.

Partindo das premissas fixadas pelas instâncias de origem, registrou que o paciente praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal, com o objetivo de satisfazer a própria lascívia e contra a vontade da vítima. Assim, mostra-se possível a aplicação retroativa da Lei 13.718/2018. A pena prevista nessa nova figura típica mostra-se mais adequada e suficiente à reprovação e à prevenção da ação criminosa em comento.

Afirmou não se tratar, no caso, de fazer incidir retroativamente lei penal incriminadora, o que implica em violação ao princípio da irretroatividade da lei penal. Na realidade, o ato praticado pelo paciente – ato libidinoso diverso da conjunção carnal –, de início passível de enquadramento no art. 217-A do CP, com pena de oito a quinze anos de reclusão, passou a ser incriminado, para condutas menos invasivas, de forma mais branda pelo crime de “importunação sexual”, cuja pena varia de um a cinco anos.

O ministro Marco Aurélio reajustou o voto anteriormente proferido, tão somente para registrar que, caso vencido em sua proposta original, encaminharia seu voto no mesmo sentido do entendimento exposto pelo ministro Roberto Barroso.

O ministro Alexandre de Moraes reafirmou os termos do voto proferido na sessão anterior. Acrescentou, no entanto, que, na espécie, não haveria que se falar em retroatividade de lei benéfica. Isso porque os tipos penais previstos nos arts. 215-A e 217-A do CP são absolutamente diversos, o que se demonstra pelas próprias elementares dos tipos em questão. Ademais, com a criação da figura típica prevista no art. 217-A do CP, não se pretendeu transformar atos claros de pedofilia num tipo penal mais brando.

Em seguida, o ministro Luiz Fux pediu vista dos autos.

(1) CP: “Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. ”
(2) LCP: “Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis. ”
(3) CP: “Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. ”

HC 134591/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.12.2018. (HC-134591)

Informativo STF nº928

LIBERDADE DE REUNIÃO E AVISO PRÉVIO – 2

Liberdade de reunião e aviso prévio – 2


O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário ( Tema 855 da repercussão geral) em que se analisa a exigência de aviso prévio à autoridade competente como pressuposto para o legítimo exercício da liberdade de reunião, previsto no art. 5º, XVI (1), da Constituição Federal (CF) (Informativo 896).

Em voto-vista, o ministro Alexandre de Moraes acompanhou o entendimento do ministro Marco Aurélio (relator) e negou provimento ao recurso extraordinário. Sublinhou que, na situação dos autos, não houve aviso prévio à autoridade competente e ocorreu a obstrução total do fluxo de rodovia. O fato de ter sido colocado em rede social que haverá manifestação não substitui a necessidade do aviso.

Acentuou que a CF afastou qualquer exigência de autorização prévia do poder público para o exercício do direito de reunião. Entretanto, para o correto exercício do direito, o texto constitucional estabeleceu que deve ser sem armas, não frustrar outra reunião anteriormente convocada, deve haver aviso antecipado, dentre outros requisitos, ou condições.

O aviso é uma exigência razoável, que tem por finalidade possibilitar ao poder público a organização e realização das medidas necessárias para a segurança nacional, a segurança pública, a defesa da ordem, a prevenção do crime, a proteção da saúde ou moralidade, a proteção dos direitos de liberdade dos demais. Ao mesmo tempo que protege e garante o direito dos manifestantes, o poder público protege os direitos e liberdades dos não participantes, de maneira a preservar o bem-estar em uma sociedade democrática, conforme preveem vários pactos de direitos humanos. O direito de reunião não se reveste de caráter absoluto.

A comunicação antecipada possibilita a compatibilidade entre os direitos fundamentais, a harmonização do direito de reunião, da manifestação, da livre expressão dos grupos que queiram se manifestar com os direitos fundamentais daqueles que não participam da reunião, ou seja, do restante da sociedade. Nesse sentido, os movimentos reivindicatórios não podem impedir, de forma absoluta, o livre acesso das pessoas a aeroportos, rodovias e hospitais, em flagrante desrespeito à liberdade constitucional de locomoção, colocando em risco a harmonia, a segurança e a saúde pública. Ainda que, para o debate de ideias, seja preciso gerar incômodo, ele não pode obstruir de maneira absoluta os demais direitos. Desse modo, o bloqueio integral do tráfego em rodovias e vias públicas representa abuso do exercício do direito de reunião e livre manifestação.

De acordo com o ministro, a comunicação prévia em prazo razoável é requisito para o regular exercício do direito de reunião. O poder público não pode impedir a manifestação, mas a falta do aviso, eventualmente, possibilita a responsabilização civil dos organizadores por prejuízos gerados ao erário e a particulares, que poderiam ser evitados se houvesse uma organização anterior. Já nas situações em que há o surgimento de manifestações espontâneas – diferentemente do caso concreto –, essas não podem ser consideradas ilícitas em face da ausência de prévia notificação, pois o que não foi previamente organizado não pode ser previamente notificado.

De igual modo, o ministro Luiz Fux acompanhou o relator. Reiterou que a Constituição dispõe sobre o aviso prévio. A comunicação cumpre escopo de interesse público maior e visa a permitir a organização e evitar perturbações da ordem social. Isso, porque as liberdades não são absolutas e convivem com outras alheias. Destacou a ocorrência de reunião espontânea, que não pode ser avisada com antecedência.

Nesta assentada, o ministro Marco Aurélio (relator) enfatizou que, se ocorre a reunião ao arrepio do que imposto constitucionalmente, ela só pode ser enquadrada como ilícita, com consequências no campo jurídico. Não se trata de assentimento para reunir-se, mas simplesmente aviso. Quanto à interrupção da rodovia, frisou ser o valor estampado no coletivo muito mais importante do que o representado pelos interesses de um segmento econômico ou profissional.

Em divergência, o ministro Edson Fachin deu provimento ao recurso extraordinário para afastar a condenação ao pagamento de multa e dos honorários fixados, invertendo-se a sucumbência. Interpretou o inciso XVI à luz do § 2º (2) do art. 5º da CF e, assim, recorreu aos tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é parte.

A seu ver, os votos que negaram provimento ao recurso alçaram o “prévio aviso à autoridade competente” à condição de legalidade da manifestação. Nesse tocante, o ministro sublinhou ser estreita a vinculação que existe entre direito de reunião e direito de expressão. Colheu a lição de que o exercício de um direito não pode implicar a supressão de outros. De todo modo, no momento do balanceamento do peso atribuído a cada direito, deve-se ter em conta ser o direito à liberdade de expressão um dos primeiros e mais importantes fundamentos de toda a estrutura democrática. A liberdade de expressão não apenas merece ser tomada em conta, como qualquer outro direito afetado, mas requer atenção privilegiada, pois o socavar da liberdade de expressão afeta diretamente o nervo principal do sistema democrático. Dada a primazia do direito de expressão, não é possível interpretar a exigência de aviso prévio como condicionante ao seu exercício.

Segundo o ministro, a regulamentação do direito de reunião não pode ter por finalidade criar uma base para proibir a reunião ou manifestação, consoante consignado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O único sentido possível para essa exigência é precisamente o de permitir que o poder público zele para que o exercício do direito se dê de forma pacífica e não frustre outra reunião no mesmo local, sendo suficiente, para tanto, notificação efetiva. Essa interpretação exige das autoridades públicas uma postura ativa. Afinal, manifestações espontâneas não estão proibidas nem pelo texto constitucional nem pelos tratados de direitos humanos. A inexistência de notificação não torna “ipso facto” ilegal a própria reunião.

O ministro assinalou que a exegese do tribunal de origem de considerar ilegal a reunião não precedida de aviso afronta o direito constitucionalmente assegurado. Afirmou que a concessão do interdito proibitório pelo tribunal “a quo” também não obedece ao teste da estrita necessidade e proporcionalidade.

Destacou que, em uma sociedade democrática, o espaço público não é apenas um lugar de circulação, mas também de participação. Não por acaso, a Comissão Interamericana assentou que, conquanto o exercício do direito de reunião possa causar distúrbios na rotina normal da vida, ou ainda que afete a liberdade de circulação, tais distúrbios são parte da mecânica de uma sociedade plural em que interesses divergentes e às vezes conflitantes coexistem e encontram os fóruns em que podem se expressar. Noutras palavras, há um custo na convivência democrática e é em relação a ele que eventual restrição deve ser estimada.

Os ministros Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski alinharam-se ao dissenso.

O ministro Roberto Barroso salientou que, embora não tenha havido prévio aviso formal às autoridades, existiu o conhecimento notório do evento por parte delas, tanto que a União ingressou com interdito proibitório para impedi-lo. Dessa forma, houve ciência suficiente do poder público quanto a sua realização. Afirmou que a principal questão a ser tratada é saber qual o efeito da não apresentação do prévio aviso à autoridade competente. No caso em apreço, a premissa jurídica da decisão impugnada foi a de que a manifestação se tornou ilícita pela falta da comunicação.

A seu ver, a eventual ausência de prévio aviso para o exercício do direito de reunião não transforma a manifestação em ato ilícito, ainda quando possa gerar algum tipo de responsabilização. A apresentação do prévio aviso é, eventualmente, obrigação que, analogicamente, seria acessória. A comunicação não é requisito para a existência do direito. Além disso, o poder público pode, legitimamente, impedir o bloqueio integral de via pública para assegurar o direito de locomoção de todos. O direito de reunião e de manifestação de qualquer pessoa ou grupo não é absoluto e precisa conviver harmonicamente com o direito das demais pessoas.

Por sua vez, a ministra Rosa Weber deu provimento ao recurso extraordinário para absolver as recorrentes das penalidades a elas impostas. Destarte, certificou o caráter fundamental da liberdade de reunião, um dos alicerces das sociedades democráticas. Por essa razão, quaisquer exceções ou limitações eventualmente admitidas a seu livre exercício devem ser interpretadas restritivamente. Ademais, afronta o direito assegurado na Constituição a imposição de formalidades para o exercício da liberdade de reunião que não se mostrem estritamente necessárias, ainda que não sejam particularmente excessivas. É o que ocorre quando se exige que o aviso prévio obedeça a formalidades não expressas na CF.

A ministra reportou-se a decisões sobre o tema proferidas em tribunal europeu e de outros países. Nelas assentou-se que, desde que os manifestantes não se envolvam em atos de violência, as autoridades públicas devem mostrar sensível grau de tolerância relativamente às manifestações pacíficas, sob pena de se privar de qualquer substância a garantia de liberdade de reunião. A ausência de prévia autorização, mesmo quando exigida pela legislação doméstica, não justifica interferência no livre exercício da liberdade fundamental. Além disso, a inobservância de exigência formal de notificação prévia da realização de ato público em hipótese alguma constitui motivo relevante ou suficiente para justificar a imposição de qualquer sanção ou responsabilização de seus participantes ou organizadores. Qualquer demonstração em espaços públicos inevitavelmente causa algum nível de perturbação da vida ordinária, até mesmo perturbação do tráfego.

A seu ver, na espécie, houve inequívoca ciência da autoridade competente, uma vez que foi registrada no acórdão recorrido a afirmação de que o superintendente da polícia federal sabia do fato e o comunicou à Advocacia-Geral da União. No lugar de tomarem providências para assegurar a segurança e o mínimo de interferências nas atividades cotidianas de terceiros, as autoridades públicas buscaram frustrar a realização da manifestação em evidente subversão da finalidade da exigência constitucional. Situa-se fora do escopo da prévia comunicação facultar à autoridade estatal qualquer consideração sobre a conveniência da reunião. Demais disso, a manutenção do acórdão recorrido evidenciaria a negativa de efetiva proteção contra a violação da liberdade de reunião dos recorrentes, com potencial de expor o Estado brasileiro aos mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos.

A ministra Cármen Lúcia acentuou que houve interdito proibitório ajuizado pela União, com requerimento de medida liminar, para que se proibisse a manifestação. Segundo a ministra, a comunicação prévia não pode ser condicionante do direito, para que se tenha a liberdade expressa na reunião. O poder público deve adotar todas as providências com o intuito de que os direitos dos outros cidadãos possam ser exercidos, mas não pode, em nome desse dever, anular outro direito. A ausência do aviso não pode causar a proibição de que seja realizada a reunião planejada, a sua dissolução, a declaração de sua ilicitude. Não é válido o entendimento do acórdão recorrido, que se fundamentou na circunstância da falta de aviso para considerar ilícita a reunião.

O ministro Ricardo Lewandowski assinalou que a Constituição exige a prévia notificação e não se pode admitir a interrupção do trânsito. Na situação dos autos, o poder público tinha o dever de intervir e de tomar medidas judiciais cabíveis, para permitir o direito de ir e vir de outras pessoas e garantir o livre fluxo de mercadorias. É legítima a intervenção da autoridade, caso haja abusos no direito de manifestação, mas sempre por meio dos instrumentos legais. O direito de reunião constitui instrumento de liberdade dentro do Estado moderno, e o aviso prévio seria obrigação acessória, que não pode frustrar o direito de expressão e de reunião. A seu ver, se for negado provimento ao recurso, o colegiado estará placitando o acordão recorrido, que exige, como condição para o exercício do direito, o prévio aviso.

Em seguida, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do ministro Dias Toffoli (presidente).

(1) CF: “Art. 5º (...) XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; ”
(2) CF: “Art. 5º (...) § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. ”

RE 806339/SE, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19.12.2018. (RE-806339)


CORTE DE SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUA E LUZ E DIREITO DO CONSUMIDOR

O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta para declarar a constitucionalidade da Lei 14.040/2003 do estado do Paraná (1), que veda o corte do fornecimento de água e luz, em determinados dias, pelas empresas concessionárias, por falta de pagamento.

O Plenário entendeu que a referida lei dispõe sobre direito do consumidor, de modo que não há vício formal.

Vencidos os ministros Alexandre Moraes e Dias Toffoli, que julgaram o pedido procedente. Pontuaram que a norma questionada padece de inconstitucionalidade formal por regulamentar questão de direito civil de contratos na prestação de serviços públicos.

(1) Lei 14.040/2003 do estado do Paraná: “Art. 1º Ficam, as empresas de concessão de serviços públicos de água e luz, proibidas de cortar o fornecimento residencial de seus serviços, por falta de pagamento de suas respectivas contas, às sextas-feiras, sábados, domingos, feriados e no último dia útil anterior a feriado. Art. 2º Ao consumidor que tiver suspenso o fornecimento nos dias específicos no artigo anterior, fica assegurado o direito de acionar juridicamente a empresa concessionária por perdas e danos, além de ficar desobrigado do pagamento do débito que originou o referido corte. ”

ADI 5961/PR, rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19.12.2018. (ADI-5961)
Informativo STF nº928

IPTU. PRAZO PRESCRICIONAL DA COBRANÇA JUDICIAL. TERMO INICIAL. DIA SEGUINTE À DATA ESTIPULADA PARA O VENCIMENTO DA EXAÇÃO.

O termo inicial do prazo prescricional da cobrança judicial do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU – inicia-se no dia seguinte à data estipulada para o vencimento da exação. Em matéria tributária, a Fazenda Pública dispõe de prazo quinquenal para constituição do crédito tributário, que na hipótese do IPTU pode ocorrer pelo mero envio do carnê ao endereço do contribuinte (Súmula n. 397/STJ), hipótese válida de notificação do lançamento de ofício. Referido prazo, se não observado, sujeita o crédito tributário à decadência. Por se tratar de lançamento de ofício, o prazo prescricional de cinco anos para que a Fazenda Pública realize a cobrança judicial de seu crédito tributário (art. 174, caput do CTN), começa a fluir somente após o vencimento do prazo estabelecido pela lei local para o vencimento da exação (pagamento voluntário pelo contribuinte), não dispondo a Fazenda Pública, até o vencimento estipulado, de pretensão executória legítima para ajuizar execução fiscal objetivando a cobrança judicial do crédito do IPTU, embora já constituído desde o momento no qual houve o envio do carnê para o endereço do contribuinte. A pretensão executória surge, portanto, somente a partir do dia seguinte ao vencimento estabelecido no carnê encaminhado ao endereço do contribuinte ou da data de vencimento fixada em lei local e amplamente divulgada através de calendário de pagamento. Na hipótese na qual o contribuinte dispõe de duas (ou mais) datas diferentes para pagamento em parcela única, cada qual contando com um percentual de desconto diferente, considera-se como marco inicial do prazo prescricional o dia seguinte ao vencimento da 2ª cota única, data a partir da qual efetivamente haverá mora por parte do contribuinte, caso não recolha o tributo lançado, surgindo para o fisco, a partir desse momento, a pretensão legítima de executar o crédito tributário. É que o instituto da prescrição é regido pelo princípio da actio nata, ou seja, o curso do prazo prescricional tem início com a efetiva lesão ou ameaça do direito tutelado, momento em que nasce a pretensão a ser deduzida em juízo. Nesse mesmo sentido, ao apreciar controvérsia relativa ao crédito tributário do IPVA em julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos, com o escopo de fixar o termo inicial do prazo prescricional para a cobrança do crédito respectivo, concernente ao momento em que verificado o lançamento e a sua notificação, (Tema 903/STJ), esta Corte Superior de Justiça fixou a tese de que a notificação do contribuinte para o recolhimento do IPVA perfectibiliza a constituição definitiva do crédito tributário, iniciando-se o prazo prescricional para a execução fiscal no dia seguinte à data estipulada para o vencimento da exação (REsp. 1.320.825/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 17.8.2016). Tratando-se, pois, do IPTU, tributo sujeito a lançamento de ofício, com amplo tratamento dado por este STJ de maneira similar ao dado ao IPVA, tem-se que o entendimento fixado no julgamento supramencionado deve ser igualmente conferido ao tema em exame, no que toca ao termo inicial do prazo prescricional para ajuizamento de executivo fiscal visando à cobrança de IPTU, primando-se, assim, pela integridade e coerência dos precedentes já assentados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, fixando-se o entendimento de que o termo inicial do prazo prescricional da cobrança judicial do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU – inicia-se no dia seguinte à data estipulada para o vencimento da exação.

REsp 1.658.517-PA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 14/11/2018, DJe 21/11/2018 (Tema 980).

DÍVIDA TRIBUTÁRIA. PARCELAMENTO DE OFÍCIO. CONCESSÃO INDEPENDENTE DA VONTADE OU ANUÊNCIA DO CONTRIBUINTE. MERO FAVOR FISCAL. CAUSA SUSPENSIVA DA PRESCRIÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. NECESSÁRIA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO CONTRIBUINTE.

O parcelamento de ofício da dívida tributária não configura causa interruptiva da contagem da prescrição, uma vez que o contribuinte não anuiu. Inicialmente, cumpre salientar que a liberalidade do Fisco em conceder ao contribuinte a opção de pagamento à vista (cota única) ou parcelado independente de sua anuência prévia, não configura as hipóteses de suspensão do crédito tributário previstas no art. 151, I e VI do CTN (moratória ou parcelamento), tampouco causa de interrupção da prescrição, a qual exige o reconhecimento da dívida por parte do contribuinte (art. 174, parágrafo único, IV do CTN). Não havendo adesão a qualquer hipótese de parcelamento por parte do contribuinte ou reconhecimento de débito, sua inércia não pode ser interpretada como adesão automática à moratória ou parcelamento, passível de suspender a exigibilidade do crédito tributário. O contribuinte não pode ser despido da autonomia de sua vontade, em decorrência de uma opção unilateral do Estado, que resolve lhe conceder a opção de efetuar o pagamento em cotas parceladas. Como modalidade de moratória, o parcelamento previsto no art. 151, VI do CTN, é ato que não prescinde da manifestação de vontade do devedor. Entender de forma diversa, ou seja, no sentido de que o parcelamento de ofício, independentemente da vontade ou anuência do contribuinte, por meio de mera autorização legal (lei municipal), tem o condão de modificar a data a partir da qual tem início o prazo prescricional, resultaria em inconstitucional modificação, ainda que por via oblíqua, do prazo de prescrição do crédito tributário, matéria reservada à lei complementar, conforme preceitua o art. 146, III, da CF. Dessa forma, a oferta de pagamento por meio de cotas parceladas (parcelamento de ofício) não tem o condão de modificar a data a partir da qual tem início o prazo prescricional. REsp 1.658.517-PA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 14/11/2018, DJe 21/11/2018 (Tema 980).

Informativo STJ nº638

13/12/2018

EXECUÇÃO DE MULTA DECORRENTE DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA E LEGITIMIDADE ATIVA

O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face do art. 51 do Código Penal (CP) (1) e, em conclusão de julgamento e por maioria, resolveu questão de ordem em ação penal no sentido de assentar a legitimidade do Ministério Público (MP) para propor a cobrança de multa decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, com a possibilidade subsidiária de cobrança pela Fazenda Pública (Informativo 848).

O colegiado assentou que a Lei 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal que lhe é inerente, por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal (CF) 

(2).Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do MP, perante a vara de execuções penais. Entretanto, caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de noventa dias, o juiz da execução criminal deverá dar ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (federal ou estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria vara de execução fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980.

O Plenário registrou que o art. 51 do CP, na redação que lhe havia sido dada pela Lei 7.209/1984, previa a possibilidade de conversão da multa em pena de detenção, quando o condenado, deliberadamente, deixasse de honrá-la. Posteriormente, a Lei 9.268/1996 deu nova redação ao dispositivo, referindo-se à multa como dívida de valor. Assim, a nova redação do referido dispositivo implicou duas consequências: i) não mais permite a conversão da pena de multa em detenção; e ii) a multa passou a ser considerada dívida de valor.

Contudo, dizer que a multa penal se trata de dívida de valor não significa dizer que tenha perdido o caráter de sanção criminal. A natureza de sanção penal dessa espécie de multa é prevista na própria CF, razão pela qual o legislador ordinário não poderia retirar-lhe essa qualidade.

Diante de tal constatação, não há como retirar do MP a competência para a execução da multa penal, considerado o teor do art. 129 da CF (3), segundo o qual é função institucional do MP promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei. Promover a ação penal significa conduzi-la ao longo do processo de conhecimento e de execução, ou seja, buscar a condenação e, uma vez obtida esta, executá-la. Caso contrário, haveria uma interrupção na função do titular da ação penal.

Ademais, o art. 164 da Lei de Execução Penal (LEP) (4) é expresso ao reconhecer essa competência do MP. Esse dispositivo não foi revogado expressamente pela Lei 9.268/1996.

Vencidos os ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, que reconheceram a legitimidade exclusiva da Fazenda Pública para promover a execução da multa decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado referida no art. 51 do CP.

O ministro Marco Aurélio afirmou que, ante a transformação legal em dívida de valor, consoante o dispositivo impugnado, a multa em questão deixou de ter conotação penal. Já o ministro Edson Fachin, apesar de assentar o caráter de sanção criminal da pena de multa em referência, reconheceu a atribuição da advocacia pública para iniciar sua cobrança perante o juízo de execução fiscal.

(1) CP: “Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.”
(2) CF: “Art. 5º (...) XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: (...) c) multa;”
(3) CF: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;”
(4) LEP: “Art. 164. Extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora.”