Translate

28/11/2015

DIREITO PENAL. VENDA DE MEDICAMENTOS VENCIDOS COMO CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 12, III, DA LEI 8.137/1990.


Quando o produto vendido for medicamento vencido, será possível aplicar a causa de aumento prevista no art. 12, III, da Lei n. 8.137/1990 na dosimetria da pena do crime previsto no art. 7º, IX, da mesma Lei ("vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo"). Salienta-se, inicialmente, que a melhor hermenêutica do art. 12, III, da Lei n. 8.137/1990 ("Art. 12. São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas previstas nos arts. 1°, 2° e 4° a 7°: [...] III - ser o crime praticado em relação à prestação de serviços ou ao comércio de bens essenciais à vida ou à saúde") não se resolve com a mera contraposição dos conceitos de "reserva legal" e "lei penal em branco". A hipótese, a toda evidência, é de norma penal em aberto. Assim, ao prever que merece maior censura penal aquele que pratica o crime contra a economia popular por meio de bens ou serviços "essenciais à saúde ou à vida", a Lei n. 8.137/1990, sem perder a taxatividade, propositalmente convocou o intérprete a dar o alcance da referida expressão, cabendo ao julgador, caso a caso, fundamentar eventual recrudescimento da pena. Afinal, em vista da crescente multiplicidade de produtos e serviços em uma economia de mercado, seria de todo inconveniente a utilização de qualquer expressão que limitasse a abrangência da majorante a determinadas situações ou produtos, ou, ainda, que a sua incidência dependesse de norma penal complementar a versar sobre quais seriam os bens ou serviços essenciais à saúde ou à vida. Nesse contexto, não há esforço exegético capaz de infirmar que medicamento seja bem essencial, no mínimo, à saúde. Basta dizer, por exemplo, que o Estado exerce forte atividade regulatória sobre esse setor, justamente por conta de sua relação direta com a saúde e o bem-estar da população. Portanto, a venda de medicamentos vencidos pode ensejar a causa de aumento de pena prevista no art. 12, III, da Lei n. 8.037/1990, porquanto medicamentos, primo ictu oculi, são bens essenciais à vida e à saúde. REsp 1.207.442-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 1º/12/2015, DJe 11/12/2015.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. REEXAME NECESSÁRIO DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA SUMÁRIA EM PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI APÓS ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 11.689/2008.


Após a entrada em vigor da Lei n. 11.689/2008, em 8 de agosto de 2008, o reexame necessário de decisão absolutória sumária proferida em procedimento do Tribunal do Júri que estiver pendente de apreciação não deve ser examinado pelo Tribunal ad quem, mesmo que o encaminhamento da decisão absolutória à instância superior tenha ocorrido antes da entrada em vigor da referida Lei. Por força do que dispõe o art. 2º do CPP, as normas processuais possuem aplicação imediata quando de sua entrada em vigor. Assim, as remessas necessárias não remetidas aos Tribunais ou não julgadas por estes até 8 de agosto de 2008, data em que a Lei n. 11.689/2008 - que provocou a eliminação do recurso de ofício nos casos de absolvição sumária - passou a ser exigida, em virtude da vacatio legis de 60 dias, não podem mais ser apreciadas, uma vez que tal procedimento, necessário apenas para dar eficácia à sentença de absolvição sumária no procedimento do Tribunal do Júri, já não mais está em vigor, por força do princípio tempus regit actum. Vale dizer, a norma adjetiva que simplesmente altera o rito procedimental, sem qualquer desdobramento de direito material, tem aplicação imediata. Além disso, não obstante a sentença de absolvição sumária e o encaminhamento da remessa necessária ao Tribunal ocorrer sob a égide da antiga redação do CPP e o julgamento do recurso de ofício ser posterior à reforma promovida pela Lei n. 11.689/2008, nessas circunstâncias, a condição de eficácia da sentença de absolvição sumária não se encontra praticada a tempo, sendo atingida pela nova legislação, tornando-se despicienda. Em outras palavras, o ato processual que serve de parâmetro para verificação da incidência do princípio tempus regit actum é o julgamento do recurso de ofício e não o simples encaminhamento do procedimento para o Tribunal. Caso houvesse ocorrido o julgamento antes de 8 de agosto de 2008, não haveria dúvidas acerca da validade do ato, ex vi da parte final do art. 2º do CPP. Ademais, convém apontar elucidativo entendimento doutrinário de que "a remessa necessária não é recurso, mas condição de eficácia da sentença. Sendo figura processual distinta da do recurso, a ela não se aplicam as regras de direito intertemporal processual vigentes para eles: a) o cabimento do recurso rege-se pela lei vigente à época da prolação da decisão; b) o procedimento do recurso rege-se pela lei vigente à época da prolação da decisão". Por essa razão, não é possível estender o raciocínio empregado para o cabimento do protesto por novo júri em processos sentenciados antes da Lei n. 11.689/2008 para a remessa necessária ou recurso de ofício, uma vez que estaríamos a comparar institutos com diferentes naturezas jurídicas. Isso porque o protesto por novo júri era recurso, cujo pressuposto básico de interposição, dentre outros, é a voluntariedade, ou seja, "a sua interposição depende, exclusivamente, do desejo da parte de contrariar a decisão proferida". Por sua vez, a remessa necessária ou recurso de ofício, "trata-se de terminologia equivocada do Código de Processo Penal, uma vez que recurso é demonstração do inconformismo, visando à reforma do julgado, motivo pelo qual não tem cabimento sustentar que o juiz, ao decidir qualquer questão, 'recorre' de ofício de seu próprio julgado". Nessa linha intelectiva, reconhecer o cabimento do protesto por novo júri para processos já sentenciados ao tempo da edição da Lei n. 11.689/2008 é dar primazia ao postulado constitucional do devido processo legal, garantindo ao réu condenado a pena igual ou superior a 20 anos de reclusão antes de 8 de agosto de 2008 o direito a um novo julgamento. Em contrapartida, o reexame necessário para as sentenças de absolvição sumária não é direito, mas sim procedimento de perfectibilização da coisa julgada, sem o qual, nos termos da Súmula n. 423 do STF, ela não ocorreria. HC 278.124-PI, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE), Rel. para acórdão Min. Felix Fischer, julgado em 9/6/2015, DJe 30/11/2015.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. TRAMITAÇÃO DIRETA DE INQUÉRITO POLICIAL ENTRE A POLÍCIA FEDERAL E O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.



Não é ilegal a portaria editada por Juiz Federal que, fundada na Res. CJF n. 63/2009, estabelece a tramitação direta de inquérito policial entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. De fato, o inquérito policial "qualifica-se como procedimento administrativo, de caráter pré-processual, ordinariamente vocacionado a subsidiar, nos casos de infrações perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública, a atuação persecutória do Ministério Público, que é o verdadeiro destinatário dos elementos que compõem a 'informatio delicti'" (STF, HC 89.837-DF, Segunda Turma, DJe 20/11/2009). Nesse desiderato, a tramitação direta de inquéritos entre a Polícia Judiciária e o órgão de persecução criminal traduz expediente que, longe de violar preceitos constitucionais, atende à garantia da duração razoável do processo - pois lhe assegura célere tramitação -, bem como aos postulados da economia processual e da eficiência. Ressalte-se que tal constatação não afasta a necessidade de observância, no bojo de feitos investigativos, da chamada cláusula de reserva de jurisdição, qual seja, a necessidade de prévio pronunciamento judicial quando for necessária a adoção de medidas que possam irradiar efeitos sobre as garantias individuais. Ademais, não se pode alegar que haveria violação do princípio do contraditório e do princípio da ampla defesa ao se impedir o acesso dos autos de inquérito pelos advogados, o que também desrespeitaria o exercício da advocacia como função indispensável à administração da Justiça e o próprio Estatuto da Advocacia, que garante o amplo acesso dos autos pelos causídicos. Isso porque o art. 5º da Res. CJF n. 63/2009 prevê expressamente que "os advogados e os estagiários de Direito regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil terão direito de examinar os autos do inquérito, devendo, no caso de extração de cópias, apresentar o seu requerimento por escrito à autoridade competente". Faz-se mister destacar que, não obstante a referida Resolução do CJF ser objeto, no STF, de ação direta de inconstitucionalidade - ADI 4.305 -, o feito, proposto em 2009 pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, ainda está concluso ao relator, não havendo notícia de concessão de pedido liminar. Assim, enquanto não existir manifestação da Corte Suprema quanto ao tema, deve ser mantida a validade da Resolução. Registre-se, ademais, que não se olvida a existência de julgado do STF, nos autos da ADI 2.886, em que se reconhece a inconstitucionalidade de lei estadual que determinava a tramitação direta do inquérito policial entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária, por entender padecer a legislação de vício formal. Apesar de o referido julgamento ter sido finalizado em abril de 2014, convém destacar que se iniciou em junho de 2005, sendo certo que, dos onze Ministros integrantes da Corte (que votaram ao longo desses nove anos), quatro ficaram vencidos, e que, dos votos vencedores, três ministros não mais integram o Tribunal. Assim, não há como afirmar como certa a possível declaração da inconstitucionalidade da Resolução do CJF objeto da ADI 4.305. RMS 46.165-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 19/11/2015, DJe 4/12/2015.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. MOMENTO DA APRESENTAÇÃO DE EXCEÇÃO DA VERDADE.


Nas demandas que seguem o rito dos processos de competência originária dos Tribunais Superiores (Lei n. 8.038/1990), é tempestiva a exceção da verdade apresentada no prazo da defesa prévia (art. 8º), ainda que o acusado tenha apresentado defesa preliminar (art. 4º). Como é cediço, a exceção da verdade é meio processual de defesa indireta do réu, podendo ser apresentada nos processos em que se apuram crimes de calúnia (art. 138, § 3º, do CP) e de difamação, quando praticados em detrimento de funcionário público no exercício de suas funções (art. 139, parágrafo único, do CP). Nesse contexto, o art. 523 do CPP, que cuida do rito relativo aos crimes contra a honra, prevê a possibilidade de contestação à exceção da verdade, no prazo de 2 dias, porém não dispõe sobre o prazo para sua apresentação, que é a celeuma trazida na presente discussão. Diante disso, tem-se entendido, por meio de uma interpretação sistemática, que o referido instituto defensivo deve ser apresentado na primeira oportunidade em que a defesa se manifestar nos autos, portanto, no momento da apresentação da resposta à acusação, no prazo de 10 dias, previsto no art. 396 do CPP. No entanto, o rito dos processos que tramitam em Tribunais Superiores prevê a apresentação de defesa preliminar antes mesmo do recebimento da denúncia, no prazo de 15 dias, conforme dispõe o art. 4º da Lei n. 8.038/1990. Prevê, ademais, após o recebimento da denúncia, o prazo de 5 dias para a defesa prévia, contado do interrogatório ou da intimação do defensor dativo, nos termos do art. 8º da referida Lei. Nessa conjuntura, com base na Lei n. 8.038/1990, há quem defenda que a exceção da verdade deve ser apresentada no prazo do art. 4º e há quem entenda que o prazo deve ser contado nos termos do art. 8º. Um exame superficial poderia levar a crer que a primeira oportunidade para a defesa se manifestar nos autos, de fato, é no prazo de 15 dias, antes mesmo do recebimento da denúncia. Contudo, sem o recebimento da inicial acusatória, nem ao menos é possível processar a exceção da verdade, que tramita simultaneamente com a ação penal, devendo ser resolvida antes da sentença de mérito. Note-se que a exceção da verdade, em virtude da necessidade de se fazer prova do alegado, até mesmo por meio de instrução processual, não pode de plano impedir o recebimento da denúncia, porquanto demanda dilação probatória, inviável nesta sede. De fato, no momento da defesa preliminar (art. 4º), nem ao menos se iniciou a ação penal, razão pela qual não seria apropriado apresentar referida defesa antes do recebimento da denúncia. Ademais, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário, a exceção da verdade possui natureza jurídica de ação declaratória incidental, o que, igualmente, pressupõe a prévia instauração da ação penal. Assim, cuidando-se a exceção da verdade de instrumento que veicula matéria de defesa indireta de mérito, formalizada por meio de verdadeira ação declaratória incidental, mostra-se imprescindível a prévia instauração da ação penal, por meio do efetivo recebimento da denúncia. Dessarte, o prazo para apresentação da exceção da verdade, independentemente do rito procedimental adotado, deve ser o primeiro momento para a defesa se manifestar nos autos, após o efetivo início da ação penal. Portanto, o prazo para a defesa apresentar a exceção da verdade, nos processos da competência de Tribunal, deve ser o previsto no art. 8º da Lei n. 8.038/1990. HC 202.548-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/11/2015, DJe 1º/12/2015.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HIPÓTESE DE DEFERIMENTO DE ASSISTÊNCIA À ACUSAÇÃO.

 
É possível a intervenção dos pais como assistentes da acusação na hipótese em que o seu filho tenha sido morto, mas, em razão do reconhecimento de legítima defesa, a denúncia tenha imputado ao réu apenas o crime de porte ilegal de arma de fogo. Inicialmente, verifica-se que existe controvérsia acerca da natureza jurídica da assistência à acusação, pois enquanto parte da doutrina acentua que esse instituto justifica-se pela necessidade de proteção de interesses de natureza privada no curso da ação penal pública, outro segmento doutrinário entende que existe interesse do assistente na própria justiça da sanção imposta ao condenado, ressaltando a harmonia do instituto com a visão democrática do Estado e do processo e com a capacidade dele ser um instrumento hábil a viabilizar o controle, em caráter complementar àquele exercido pelo Poder Judiciário, da atividade acusatória do Ministério Público. Delineado isso, quanto à análise da legitimidade para o exercício da assistência à acusação, tem-se que o art. 268 do CPP autoriza a intervenção na ação penal pública, como assistente do Ministério Público, do ofendido ou de seu representante legal, ou, na falta destes, de qualquer das pessoas mencionadas no art. 31 do mesmo diploma processual (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão). A realização de interpretação literal desse dispositivo poderia levar à conclusão de que, no caso em que for afastada a ilicitude em relação à morte do filho dos habilitandos, pelo reconhecimento da legítima defesa, e restringindo-se a denúncia ao crime de porte ilegal de arma de fogo - que tem por vítima a própria sociedade -, desapareceria a figura do ofendido prevista no art. 268 do CPP e, consequentemente, o próprio interesse jurídico da intervenção na ação penal. Entretanto, entende-se que a interpretação do mencionado artigo, no concernente à delimitação dos legitimados para o exercício da assistência à acusação, deve tomar em consideração principalmente a finalidade da intervenção. Sob esse aspecto, é salutar tratar o instituto processual como expressão do Estado Democrático de Direito e até mesmo como modalidade de controle da função acusatória atribuída privativamente ao Ministério Público. Assim, deve ser mitigado o rigor da análise acerca da presença do interesse jurídico que autorize a assistência, afastando-se a exigência consistente na absoluta vinculação entre a pretensão do interveniente e o objeto jurídico do tipo penal imputado na denúncia. Isso porque, por vezes, diante de peculiaridades do caso concreto, interesses jurídicos podem assumir caráter metaindividual e, pulverizados sobre as relações que permeiam o núcleo da demanda, podem merecer proteção jurídica igualmente legítima. RMS 43.227-PE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 3/11/2015, DJe 7/12/2015.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HC E MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA LEI MARIA DA PENHA.




Cabe habeas corpus para apurar eventual ilegalidade na fixação de medida protetiva de urgência consistente na proibição de aproximar-se de vítima de violência doméstica e familiar. O eventual descumprimento de medidas protetivas arroladas na Lei Maria da Penha pode gerar sanções de natureza civil (art. 22, § 4º, da n. Lei 11.340/2006, c/c art. 461, §§ 5º e 6º do CPC), bem como a decretação de prisão preventiva, de acordo com o art. 313, III, do CPP (HC 271.267-MS, Quinta Turma, DJe 18/11/2015). Ademais, prevê o CPP o seguinte: "Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar". Se o paciente não pode aproximar-se da vítima ou de seus familiares, decerto que se encontra limitada a sua liberdade de ir e vir. Assim, afigura-se cabível a impetração do habeas corpus. HC 298.499-AL, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 1º/12/2015, DJe 9/12/2015.

DIREITO CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO DE REEMBOLSO DE DESPESAS DE CARÁTER ALIMENTAR.






Se a mãe, ante o inadimplemento do pai obrigado a prestar alimentos a seu filho, assume essas despesas, o prazo prescricional da pretensão de cobrança do reembolso é de 10 anos, e não de 2 anos. Realmente, se, na hipótese em análise, houvesse sub-rogação da pessoa que assumiu as despesas de caráter alimentar, essa pessoa, na qualidade de terceira interessada, substituiria, na condição de credor, o alimentado com todas as suas características e atributos (art. 349 do CC), e, apesar de propiciar a satisfação do credor originário, remanesceria o vínculo obrigacional anterior (agora, entre o terceiro adimplente e o devedor). Dessa maneira, havendo sub-rogação, o prazo prescricional a incidir na espécie seria o previsto no art. 206, § 2º, do CC: 2 anos para a pretensão de cobrança de prestações alimentares. Contudo, na situação aqui analisada, o credor não pode ser considerado terceiro interessado, não podendo ser futuramente obrigado na quitação do débito. Desse modo, não há falar em sub-rogação, porquanto não existe enquadramento a nenhuma das hipóteses previstas no art. 346 do CC e, principalmente, porque o direito a alimentos é pessoal, não podendo sua titularidade ser transferida a outrem, tampouco os seus atributos. Nessa hipótese, está caracterizada a gestão de negócios, que ocorre quando uma pessoa, "sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio", dirigindo-o "segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável a este e às pessoas com que tratar" (art. 861 do CC). Inclusive, no capítulo específico da gestão de negócios, há previsão especial atinente ao dever legal de alimentos àquele que os presta no lugar daquele que era realmente obrigado: "Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o ato" (art. 871 do CC). Nesse contexto, observa-se que a razão de ser do instituto, notadamente por afastar eventual necessidade de concordância do devedor, é conferir a máxima proteção ao alimentado e, ao mesmo tempo, garantir àqueles que prestam socorro o direito de reembolso pelas despesas despendidas, evitando o enriquecimento sem causa do devedor de alimentos. Dessa forma, reconhecida a ocorrência de gestão de negócios, deve-se ter, com relação ao reembolso de valores, o tratamento conferido ao terceiro não interessado, notadamente por não haver sub-rogação, nos termos do art. 305, caput, do CC, segundo o qual o "terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor". Nesse sentido, aliás, a Terceira Turma do STJ (REsp 1.197.778-SP, DJe 1º/4/2014) já afirmou que "equipara-se à gestão de negócios a prestação de alimentos feita por outrem na ausência do alimentante. Assim, a pretensão creditícia ao reembolso exercitada por terceiro é de direito comum, e não de direito de família". Em razão disso, inclusive, é o entendimento do STJ pelo não cabimento da execução de alimentos e de seu rito especialíssimo por quem prestou alimentos no lugar do verdadeiro devedor (REsp 859.970-SP, Terceira Turma, DJ 26/3/2007). Apesar disso, não se pode deixar de destacar que há precedente antigo desta Quarta Turma do STJ que, aparentemente, está em sentido diverso, tendo-se pela ocorrência da sub-rogação: "Solvidas as prestações alimentícias (mensalidades e transporte escolares dos filhos menores) pela mãe (ex-mulher) e não pelo originariamente obrigado (o pai), o reconhecimento da sub-rogação em favor da primeira torna impróprio para a execução o rito do art. 733 do CPC, com o modo de coerção que lhe é inerente, a prisão, em face da inexistência de atualidade dos alimentos" (REsp 110.241-SP, DJ 19/12/2003). No entanto, no caso de um terceiro alheio à obrigação alimentar e que vem a pagar o débito, é o próprio legislador que assevera se tratar de gestão de negócios. Sendo assim, a prescrição a incidir na espécie não é a prevista no § 2º do art. 206 do CC, mas a regra geral prevista no art. 205 do CC, segundo o qual a "prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor". REsp 1.453.838-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/11/2015, DJe 7/12/2015.

27/11/2015

DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIZAÇÃO DE CONSUMIDOR POR PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EXTRAJUDICIAIS.


Não é abusiva a cláusula prevista em contrato de adesão que impõe ao consumidor em mora a obrigação de pagar honorários advocatícios decorrentes de cobrança extrajudicial. A cobrança, em favor do credor, de honorários advocatícios extrajudiciais é prática muito comum e, em nada, mostra-se abusiva. Isso porque, além de não causar prejuízo indevido para o devedor em atraso e representar importante segmento no mercado de trabalho dos advogados, ela tem apoio nas normas dos arts. 389, 395 e 404 do CC, as quais atribuem ao devedor a responsabilidade pelas despesas e prejuízos causados em razão de sua mora ou inadimplemento, neles incluindo expressamente os honorários advocatícios. Portanto, não há dúvidas acerca da responsabilidade do devedor inadimplente pelos honorários advocatícios do profissional contratado pelo credor para a cobrança extrajudicial de débito em atraso, obrigação essa que decorre da lei, e independe, pois, de previsão contratual. Estabelecido isso, tem-se que, no caso de existir cláusula expressa em contrato de adesão acerca da incidência de honorários advocatícios extrajudiciais na hipótese de cobrança de consumidor em mora, é necessário compatibilizar as referidas disposições da legislação civil com o disposto no art. 51, XII, do CDC ("Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor"), de modo a assegurar ao consumidor, independentemente de previsão contratual, o mesmo direito a cobrança de honorários advocatícios extrajudiciais conferido ao credor. De fato, o efeito direto do descumprimento da obrigação, que no caso se caracteriza pela mora, é o dever de reparar integralmente o prejuízo injustamente causado ao credor. Ademais, afasta-se o argumento de que os honorários decorrentes de cobrança extrajudicial, embora integrando as verbas indenizáveis ope legis, só podem ser reavidos pelo credor mediante procedimento judicial próprio, porquanto essa exigência iria na contramão do contexto moderno em que se pretende desafogar o Judiciário. Por fim, havendo expressa previsão contratual, não se pode afirmar que a cobrança de honorários advocatícios extrajudiciais em caso de mora ou inadimplemento, ainda que em contrato de adesão, seja indevida. REsp 1.002.445-DF, Rel. originário Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 26/8/2015, DJe 14/12/2015.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LIMITES DOS EFEITOS DA REVELIA.


Reconhecida a revelia, a presunção de veracidade quanto aos danos narrados na petição inicial não alcança a definição do quantum indenizatório indicado pelo autor. Como assentado na doutrina, a revelia não viola o processo justo, o devido processo legal, porque não significa a formação de um contraditório virtual ou presumido, muito menos a existência de uma confissão ficta. A própria existência da ação atesta a inconformação entre a pretensão do autor e a resistência do réu. Por isso, os efeitos da revelia não são absolutos, conduzindo à automática procedência dos pedidos. A revelia produz efeitos relativos, apenas autorizando o julgador, como destinatário do comando inserto no art. 319 do CPC, a considerar verdadeiros os fatos afirmados pelo autor. Caberá ao juiz a análise conjunta das alegações e das provas produzidas (REsp 1.128.646-SP, Terceira Turma, DJe de 14/9/2011; e EDcl no Ag 1.344.460-DF, Quarta Turma, DJe de 21/8/2013). A par disso, a revelia permite ao juiz considerar verdadeiros os fatos relacionados à ocorrência de dano suportado pelo autor em razão da conduta do réu. Assim, o que deve ser considerado "verdadeiro" é a ocorrência do dano. Importa destacar que não se pode confundir a existência do dano com a sua correta quantificação feita pelo autor na petição inicial. O quantum é decorrência do dano, e seu valor deve corresponder ao prejuízo efetivamente sofrido pela parte lesada, a ser ressarcido pelo causador, não sendo permitido o enriquecimento sem causa. Precedentes citados: AgRg no AREsp 450.729-MG, Quarta Turma, DJe de 28/5/2014; e AgRg no REsp 1.414.864-PE, Segunda Turma, DJe de 11/2/2014. REsp 1.520.659-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 1º/10/2015, DJe 30/11/2015.

DIREITO CIVIL. SAQUE INDEVIDO EM CONTA BANCÁRIA E DANO MORAL.


O banco deve compensar os danos morais sofridos por consumidor vítima de saque fraudulento que, mesmo diante de grave e evidente falha na prestação do serviço bancário, teve que intentar ação contra a instituição financeira com objetivo de recompor o seu patrimônio, após frustradas tentativas de resolver extrajudicialmente a questão. Não se desconhece que, em princípio, o saque de numerário atinge apenas o patrimônio do sujeito, sobressaindo a violação a um direito de propriedade e, por conseguinte, um dano eminentemente patrimonial. Nessa esteira, vale citar precedente do STJ (REsp 540.681-RJ, Terceira Turma, DJ 10/10/2005) que firmou entendimento no sentido de que "O saque fraudulento feito em conta bancária pode autorizar a condenação do banco por omissão de vigilância. Todavia, por maior que seja o incômodo causado ao correntista ou poupador, o fato, por si só, não justifica reparação por dano moral". Necessário frisar que a adoção desse entendimento não impede, diante de situações peculiares aferíveis mediante o exame de cada caso concreto, o reconhecimento de danos extrapatrimoniais passíveis de compensação. Assim, é prudente destacar que a retirada indevida de quantia depositada em conta poupança ou corrente nem sempre gera, automaticamente, dano moral passível de indenização, isto é, prejuízo in re ipsa, pois dependerá do exame das circunstâncias que envolveram cada hipótese submetida à apreciação judicial. Na situação em análise, embora grave a falha na prestação do serviço, a instituição financeira não adotou quaisquer providências hábeis a solucionar o problema narrado pelo consumidor, tanto que se fez necessário o ajuizamento de uma ação judicial, em que pleiteado, além do dano moral, aquele de cunho patrimonial, consistente nos valores sacados indevidamente da conta bancária. Tais circunstâncias são suficientes à caracterização do dano moral, porquanto não podem ser concebidos como meros dissabores, inerentes à vida social. Efetivamente, ante as circunstâncias acima ressaltadas, houve, na espécie, inegável violação à segurança legitimamente esperada pelo consumidor, que, além de ter seu patrimônio subtraído indevidamente, viu frustradas as tentativas de resolução extrajudicial da questão. Ora, o consumidor somente está vendo restituído o seu dinheiro, indevidamente retirado de sua conta bancária, após ter intentado uma ação judicial que obrigou a instituição financeira a recompor os depósitos. Evidente que essa circunstância vai muito além de um mero dissabor, transtorno ou aborrecimento corriqueiro, não sendo admissível compreender que o intento e longo acompanhamento de uma demanda judicial, único instrumento capaz de refazer seu patrimônio e compelir o banco a proceder à reparação, seja acontecimento normal, comum no cotidiano de qualquer indivíduo. Ademais, há que salientar que, além do caráter compensatório, a possibilidade de indenização do dano extrapatrimonial também detém funções sancionatórias e preventivas, vale afirmar, visam ao desestímulo na prática de novas faltas/falhas na prestação do serviço, notadamente em demandas submetidas aos ditames do CDC. AgRg no AREsp 395.426-DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Marco Buzzi, julgado em 15/10/2015, DJe 17/12/2015.

DIREITO CIVIL. DESNECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR ACERCA DO LEILÃO PREVISTO NO ART. 63, § 1º, DA LEI DE INCORPORAÇÕES.

Nas execuções disciplinadas pela lei que regula as incorporações imobiliárias (Lei n. 4.591/1964), não há necessidade de notificação da parte inadimplente da data e hora do leilão extrajudicial (art. 63, § 1º), quando existir autorização contratual para sua utilização e prévia interpelação do devedor com intuito de possibilitar a purgação da mora. A revogação parcial da Lei n. 4.591/1964 (Lei de Incorporações) pelo Código Civil de 2002 não atingiu a previsão constante do art. 63 daquela, consistente na execução extrajudicial do contratante faltoso em sua obrigação de pagamento das prestações do preço da construção. Dessarte, a Lei n. 4.591/1964, diante da inexecução culposa do adquirente, além da rescisão do contrato, permite ao incorporador fazer com que os direitos à respectiva fração ideal do terreno e à parte construída adicionada respondam pelo débito, sempre conforme contratualmente previsto e mediante prévia notificação do inadimplente, para que em 10 dias purgue a mora. Assim, o compromissário comprador, já no momento de assinatura do contrato com o incorporador, toma ciência da possibilidade de ocorrência do leilão extrajudicial. Portanto, passado o prazo sem a purgação da mora, os editais para publicidade do leilão serão providenciados, e, assim como quaisquer outros terceiros, o devedor poderá tomar ciência da data e hora de sua ocorrência. Dessa forma, diante da necessidade de previsão contratual da medida expropriatória extrajudicial somada à prévia interpelação do devedor para que seja constituído em mora, parte respeitável da doutrina e da jurisprudência consideram que essa espécie de execução possui elementos de contraditório satisfatórios, uma vez que a interpelação será absolutamente capaz de informar o devedor da inauguração do procedimento, possibilitando, concomitantemente, sua reação. A jurisprudência do STF (AI 678.256 AGR, Segunda Turma, DJe 25/3/2010; AI 663.578 AGR, Segunda Turma, DJe 27/8/2009; AI 709.499 AGR, Primeira Turma, DJe 20/8/2009; RE 223.075, Primeira Turma, DJ 6/11/1998; e RE 408.224 AGR, Primeira Turma, DJe 30/8/2007) se posiciona, hoje, pela constitucionalidade das execuções extrajudiciais, comum aos procedimentos especiais previstos na Lei n. 4.591/1964, no DL n. 70/1966 e na Lei n. 9.514/1997, e, na linha desse entendimento, outrora o STF se manifestou especificamente acerca do art. 63 da Lei de Incorporações, decidindo por sua regularidade (RE 83.382, Segunda Turma, DJ 6/10/1976). Muito além do respeito aos princípios constitucionais, o STF reconhece o valor social dessa forma especial, célere e efetiva de expropriação, e entende que as execuções extrajudiciais imobiliárias têm por fundamento a pronta recuperação dos créditos com garantia imobiliária, havendo sido instituídas como um instrumento indispensável a um funcionamento razoável do sistema imobiliário. REsp 1.399.024-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 3/11/2015, DJe 11/12/2015.

DIREITO AMBIENTAL E CIVIL. INOCORRÊNCIA DE DANOS MORAIS EM CASO DE CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA.

O pescador profissional artesanal que exerça a sua atividade em rio que sofreu alteração da fauna aquática após a regular instalação de hidrelétrica (ato lícito) - adotadas todas as providências mitigatórias de impacto ambiental para a realização da obra, bem como realizado EIA/RIMA - não tem direito a ser compensado por alegados danos morais decorrentes da diminuição ou desaparecimento de peixes de espécies comercialmente lucrativas paralelamente ao surgimento de outros de espécies de menor valor de mercado, circunstância que, embora não tenha ocasionado a suspensão da pesca, imporia a captura de maior volume de pescado para manutenção de sua renda próxima à auferida antes da modificação da ictiofauna. Tratando-se de ato lícito, a indenização em análise não teria por base o princípio da responsabilidade. Sua justificativa seria compensar o sacrifício do direito ou legítimo interesse individual em prol da vantagem conferida à coletividade, não tendo como escopo desestimular o comportamento do agente causador do fato danoso. Além disso, é óbvio que a atividade administrativa presume-se pautada pelo interesse público, preponderante sobre o particular, e, portanto, não deve ser desencorajada. Diversamente, em se tratando de ato ilícito, como é o caso de acidente ambiental causador de poluição, a condenação do poluidor não apenas ao pagamento de indenização plena pelos danos materiais, incluídos os lucros cessantes, mas também de indenização por dano moral, atende à finalidade preventiva de incentivar no futuro comportamento mais cuidadoso do agente. Segundo a doutrina, "no caso da compensação de danos morais decorrentes de dano ambiental, a função preventiva essencial da responsabilidade civil é a eliminação de fatores capazes de produzir riscos intoleráveis". Na hipótese em foco, não há possibilidade de eliminação dos fatores que invariavelmente levam à alteração do estoque pesqueiro do reservatório formado em decorrência da barragem. Isso porque a alteração da fauna aquática é inerente à construção de usinas hidrelétricas. Necessariamente, com o represamento do rio, as condições ambientais passam a ser propícias a espécies de peixes sedentárias ou de pouca movimentação, de médio e pequeno porte, e desfavoráveis às espécies tipicamente migradoras, de maior porte. Ademais, na hipótese em análise, a regularidade e o interesse público da atuação da concessionária não é alvo de questionamento, tendo em vista que a concessionária providenciou o EIA/RIMA e cumpriu satisfatoriamente todas as condicionantes, inclusive propiciando a recomposição do meio ambiente com a introdução de espécies de peixes mais adaptadas à vida no lago da hidrelétrica. Além disso, não houve suspensão, em momento algum, da atividade pesqueira, ao contrário do que ocorre em situações de poluição causada por desastre ambiental, durante o período necessário à recuperação do meio ambiente. A simples necessidade de adaptação às novas condições da atividade pesqueira - composto o dano patrimonial - não gera dano moral autônomo indenizável. Convém assinalar que a alteração do meio ambiente não se enquadra, por si só, como poluição (Lei n. 6.938/1981, art. 3º, III). Tratar como poluição qualquer alteração ambiental que afete a biota implicaria, na prática, por exemplo, o impedimento à atividade produtiva agropecuária e inviabilizaria a construção de hidrelétricas, por maiores e mais eficazes que fossem as condicionantes ambientais e os benefícios ao interesse público. Desse modo, nestas circunstâncias, estabelecer a condenação por dano moral, a qual, em última análise, onerará o contrato de concessão, com reflexos nos custos do empreendimento, a ser arcado indiretamente por toda a sociedade, representaria negar a supremacia do interesse público e da destinação social da propriedade. REsp 1.371.834-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/11/2015, DJe 14/12/2015.

DIREITO AMBIENTAL E CIVIL. DANOS MATERIAIS OCASIONADOS POR CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA.


O pescador profissional artesanal que exerça a sua atividade em rio que sofreu alteração da fauna aquática após a regular instalação de hidrelétrica (ato lícito) tem direito de ser indenizado, pela concessionária de serviço público responsável, em razão dos prejuízos materiais decorrentes da diminuição ou desaparecimento de peixes de espécies comercialmente lucrativas paralelamente ao surgimento de outros de espécies de menor valor de mercado, circunstância a impor a captura de maior volume de pescado para a manutenção de sua renda próxima à auferida antes da modificação da ictiofauna. Não há dúvida de que mesmo atos lícitos podem dar causa à obrigação de indenizar. Segundo a doutrina, "Tratando-se de um benefício à coletividade, desde que o ato administrativo lícito atende ao interesse geral, o pagamento da indenização redistribui o encargo, que, de outro modo, seria apenas suportado pelo titular do direito. [...] Não é, porém, absoluto, nem geral. A compensação é limitada ao dano especial e anormal gerado pela atividade administrativa. Generalizar a noção a todo e qualquer prejuízo, decorrente do funcionamento do serviço, seria a própria denegação da supremacia do interesse público e da destinação social da propriedade. A atividade discricionária da administração condiciona, legitimamente, o exercício de direitos individuais, podendo atingi-los em seu valor econômico, sem obrigação de indenizar". Nesse contexto, convém distinguir os conceitos de direito subjetivo e interesse legítimo, contrapondo-os ao de mero interesse econômico. Segundo a doutrina, "[...] a tutela jurídica, concretizada na possibilidade da coação, [é] o critério de distinção e caracterização do direito subjetivo: onde este exista, não pode faltar a garantia do direito objetivo e a garantia dada pela ação, mercê da qual o particular faz valer em juízo coativamente a faculdade que tem desde que alguém a desconheça ou a conteste. E, vice-versa, onde falta a garantia poderá haver um simples interesse mas não um direito subjetivo. Isto não significa no entanto que o direito objetivo não reconheça todo o interesse que não seja garantido por ação, mas apenas que entre os vários interesses que têm os caracteres supra-referidos há alguns que são elevados à categoria de direitos subjetivos, visto estarem protegidos por uma ação, ao passo que outros não são por ela tutelados. Entre os vários e infinitos interesses, há alguns que se distinguem de todos os outros porque são protegidos, mas não da mesma forma e com a mesma intensidade com a qual se tutelam os direitos subjetivos. Devem assim distinguir-se os interesses puros ou simples, privados de tutela, e os interesses legítimos que tem proteção, não na ação judiciária, mas no recurso aos órgãos da justiça administrativa". Certamente, no caso em análise, o pescador artesanal não tem direito subjetivo a exigir de alguém que lhe assegure a pesca nas mesmas condições anteriores à construção da barragem. Contudo, deve-se verificar se ele está amparado por "situação juridicamente protegida", suscetível de configurar um "interesse legítimo", protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro, em face do fato qualificado como danoso. Nesse sentido, importa destacar que a profissão de pescador é regulamentada pela Lei n. 11.959/2009, a qual dispõe sobre a "Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca". De fato, o caput do art. 3º dessa Lei estabelece que "Compete ao Poder Público a regulamentação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Atividade Pesqueira, conciliando o equilíbrio entre o princípio da sustentabilidade dos recursos pesqueiros e a obtenção de melhores resultados econômicos e sociais", para o que, entre outras providências, cabe-lhe estabelecer os "períodos de defeso". No § 1º desse mesmo artigo, está previsto que o "ordenamento pesqueiro deve considerar as peculiaridades e as necessidades dos pescadores artesanais, de subsistência e da aquicultura familiar, visando a garantir sua permanência e sua continuidade". Por sua vez, a Lei n. 10.779/2003, com a redação dada pela MP n. 665/2014, dispõe sobre a concessão do benefício de seguro desemprego, durante o período de defeso, ao pescador profissional que exerce a atividade pesqueira de forma artesanal. Ciente disso, observa-se que, embora não haja direito subjetivo à pesca de determinada quantidade ou qualidade de peixes, o ordenamento jurídico confere especial proteção aos pescadores artesanais, garantindo-lhes as condições mínimas de subsistência na época defeso, bem como uma Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável que leve em conta suas peculiaridades e necessidades. Desse modo, tratando-se de pescadores artesanais, há interesse legítimo, situação juridicamente protegida, a ensejar compensação pecuniária em caso de comprovado prejuízo patrimonial, em que houve redução de renda em decorrência do ato lícito de construção da barragem. Com efeito, se a restrição de pesca na época do defeso enseja o benefício previsto na Lei n. 10.779/2003, não há dúvida de que a diminuição do valor comercial do pescado causada pelo ato lícito da concessionária enseja dano a legítimo interesse, passível de indenização. Diversamente, em relação à pesca industrial e à pesca amadora, atividades privadas lícitas e regulamentadas em lei, em princípio, não há senão interesse simples de natureza puramente econômica, desprovido de especial proteção que assegure a seus praticantes renda mínima na atividade pesqueira, a qual fora alterada em decorrência de atividade também lícita da administração ao dar adequada destinação a bem público em prol da coletividade. REsp 1.371.834-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/11/2015, DJe 14/12/2015.

DIREITO CIVIL. DEVOLUÇÃO DE CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS E RESPONSABILIDADE CIVIL DE INSTITUIÇÃO BANCÁRIA.

O banco sacado não é parte legítima para figurar no polo passivo de ação ajuizada com o objetivo de reparar os prejuízos decorrentes da devolução de cheque sem provisão de fundos emitido por correntista. De fato, os arts. 2º, 7º e 10 da Res. BACEN n. 2.025/1993 estabelecem regras para a elaboração da ficha-proposta a ser preenchida pelo cliente e procedimento para entrega de talonário de cheques. Mas, em nenhum momento, essas regras impõem o ônus da fiscalização constante do saldo em conta, nem transformam as instituições financeiras em garantes da solvibilidade de seus clientes. Assim, não se tratando de cheque administrativo ou cheque visado, a partir do momento em que o cheque é colocado à disposição do correntista não é possível fazer um controle do valor de emissão do título. Com efeito, na forma do disposto no art. 4º da Lei n. 7.357/1985, "a existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento". Dessa forma, ao receber um cheque para saque, é dever do banco conferir se está presente algum dos motivos para devolução do cheque, como no caso de o valor do título ser superior ao saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo, conforme previsto no art. 6º da Res. BACEN n. 1.682/1990. A prestação de serviços referente ao portador do título de crédito limita-se a esse procedimento. Não havendo nenhuma mácula nessa conferência, não há defeito na prestação do serviço, e, portanto, não cabe imputar ao banco conduta ilícita ou risco social inerente à atividade econômica que implique responsabilização por fato do serviço. Por isso, não há a responsabilidade da instituição financeira pelas atividades de seus correntistas na utilização de cheques com má gestão de seus recursos financeiros. A responsabilidade por verificar a capacidade de pagamento do cliente em relação a determinado valor é de quem contrata, o qual deve se cercar dos meios necessários para saber se, em caso de falta de provisão de fundos, terá como cobrar a quantia por outras formas. Ademais, o credor pode se negar a receber cheques, caso não queira correr o risco da devolução por falta de fundos, ou, até mesmo, pode transferir o risco da falta de pagamento a outra pessoa, com custo por esse serviço, como nas taxas pela utilização do cartão de crédito, em que a ausência de pagamento não é sentida pelo credor, ou no deságil dos contratos defactoring, nos quais a ausência de fundos é suportada pelo faturizador. O título de crédito é apenas uma forma de facilitar as relações comerciais postas à disposição daqueles que contratam e não representa a criação de responsabilidade solidária com o sacado, até porque a solidariedade no direito brasileiro não se presume, já que depende de lei. Assim, a pretendida solidariedade contraria a norma de regência do título de crédito em questão (REsp 1.324.125-DF, Terceira Turma, DJe 12/6/2015). Pelo exposto, não há defeito na prestação do serviço bancário quando ocorre devolução de cheque desprovido de fundos, sendo o emitente do cheque desprovido de fundos o único responsável pelo pagamento da dívida, não havendo nexo de causalidade direto e imediato com o fornecimento de talonário pela instituição financeira ao seu cliente. REsp 1.509.178-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 20/10/2015, DJe 30/11/2015.

DIREITO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. VERBAS TRABALHISTAS RECEBIDAS POR MEIO DE SENTENÇA DEFINITIVA DA JUSTIÇA DO TRABALHO E CÁLCULO DA APOSENTADORIA COMPLEMENTAR.

O deferimento por sentença trabalhista definitiva de verbas salariais não justifica o recálculo da renda mensal inicial de aposentadoria complementar privada já concedida. O exame da legislação específica que rege as entidades de previdência privada e suas relações com seus filiados (art. 202 da CF, LC n. 108 e LC n. 109, ambas de 2001) revela que o sistema de previdência complementar brasileiro foi concebido, não para instituir a paridade de vencimentos entre empregados ativos e aposentados, mas com a finalidade de constituir reservas financeiras, a partir de contribuições de filiados e patrocinador, destinadas a assegurar o pagamento dos benefícios oferecidos e, no caso da complementação de aposentadoria, proporcionar ao trabalhador aposentado padrão de vida próximo ao que desfrutava quando em atividade, com observância, todavia, dos parâmetros atuariais estabelecidos nos planos de custeio, com a finalidade de manutenção do equilíbrio econômico e financeiro. Para atender a esse objetivo, o art. 3º, parágrafo único, da LC n. 108/2001, embora estabeleça que o regulamento da entidade definirá o critério de reajuste da complementação de aposentadoria, vedaexpressamente "o repasse de ganhos de produtividade, abono e vantagens de qualquer natureza para tais benefícios". Ocaput do art. 6º dessa mesma Lei, por sua vez, determina que "o custeio dos planos de benefícios será responsabilidade do patrocinador e dos participantes, inclusive assistidos". Já o art. 21 da LC n. 109/2001 dispõe que o "resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar". Ademais, o art. 202, § 2º, da CF, com a redação dada pela EC n. 20/1998, estabelece que as "contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei". Assim, o contrato celebrado com instituição de previdência privada não integra o contrato de trabalho. A par disso, a extensão de vantagens pecuniárias ou mesmo reajustes salariais concedidos retroativamente aos empregados de uma empresa ou categoria profissional, por força de sentença individual ou coletiva da Justiça do Trabalho, de forma direta e automática, aos proventos de complementação de aposentadoria do autor/substituído, independentemente de previsão de custeio para o plano de benefícios correspondente, não se compatibiliza com o princípio do mutualismo inerente ao regime fechado de previdência privada e nem com dispositivos da Constituição e da legislação complementar, porque enseja a transferência de reservas financeiras a parcela dos filiados, frustrando o objetivo legal de proporcionar benefícios previdenciários ao conjunto dos participantes e assistidos, a quem, de fato, pertence o patrimônio constituído. Portanto, dada a autonomia entre o contrato de trabalho e o contrato de previdência complementar, mesmo se eventualmente reconhecida a natureza salarial de determinada parcela, não se seguirá o direito à sua inclusão nos proventos de aposentadoria complementar se não integrante do benefício contratado (art. 202 da CF). Além disso, convém destacar que, a despeito de os cálculos atuariais para a formação da reserva matemática necessária ao pagamento dos benefícios contratados serem de responsabilidade da entidade de previdência privada, os pagamentos são efetivados a partir das contribuições de participantes e assistidos que, acumuladas sob o regime de capitalização ao longo de toda a relação contratual, irão lastrear o pagamento dos benefícios contratados, não havendo, pois, como determinar o cumprimento das obrigações assumidas, sem o prévio aporte desses recursos. Nessa linha intelectiva, na hipótese em que os cálculos atuariais tenham sido concluídos, formando-se a reserva matemática e havendo a concessão do benefício de complementação de aposentadoria, não será suficiente a mera retenção das contribuições do autor da ação incidentes sobre as verbas salariais acrescidas pela Justiça do Trabalho e o pagamento das parcelas devidas pelo patrocinador correspondentes a essas mesmas quantias. Isso porque, sendo a reserva matemática o fundo necessário ao custeio dos benefícios do plano ao qual aderiu o autor da ação, ela deve ser previamente constituída a partir de critérios atuariais observados durante toda a relação contratual, de modo a permitir a apuração do benefício de complementação de aposentaria. Desse modo, a inclusão de verbas salariais deferidas pela Justiça do Trabalho nos proventos de complementação de aposentadoria dependeria da prévia apuração das quantias que deveriam ter sido vertidas por assistido e patrocinador, acumuladas sob o regime de capitalização, para a formação da reserva matemática que, segundo cálculos atuariais, seria necessária ao pagamento do benefício. De mais a mais, a Segunda Seção do STJ, diante de diversos pedidos de inclusão de parcelas ditas salariais nos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidades fechadas de previdência privada, consolidou o entendimento de que, no regime de previdência privada, não se admite a concessão de benefício algum, seja oriundo de verba de natureza salarial ou indenizatória, sem a formação da prévia fonte de custeio, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial nos correspondentes planos de benefícios. Entre os muitos casos analisados pelo STJ, a ausência de previsão de fonte de custeio embasou a rejeição do pedido de inclusão das verbas denominadas "cesta alimentação" e "abono único" aos proventos de aposentadoria complementar, respectivamente, no julgamento dos seguintes recursos especiais pela Segunda Seção, ambos submetidos ao rito dos recursos repetitivos: REsp 1.207.071-RJ, DJe 8/8/2012 e REsp 1.425.326-RS, DJe 1º/8/2014. Resp 1.410.173-SC, Rel. Min. Isabel Gallotti, julgado em 5/11/2015, DJe 16/12/2015.

26/11/2015

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. IMPENHORABILIDADE DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL.

A pequena propriedade rural, trabalhada pela família, é impenhorável, ainda que dada pelos proprietários em garantia hipotecária para financiamento da atividade produtiva. Conforme exposto no REsp 262.641-RS (Quarta Turma, DJ 15/4/2002), o art. 5º, XXVI, da CF "revogou as determinações contidas na legislação ordinária, proibindo a penhora desse bem por sobradas razões, a fim de garantir condições mínimas de sobrevivência e capacidade de produção ao pequeno agricultor. Se não for assim, evidentemente o dispositivo constitucional não está sendo aplicado; e ele existe exatamente para essa finalidade". Ademais, convém esclarecer não ser relevante a alteração legislativa promovida pela Lei n. 11.382/2006, que substituiu a impenhorabilidade do imóvel rural de até um módulo (art. 649, X, do CPC, incluído pela Lei n. 7.513/1987) pela impenhorabilidade da "pequena propriedade rural, assim definida em lei" (art. 649, VIII, do CPC, com redação dada pela Lei n. 11.382/2006), haja vista que, em uma interpretação teleológica, fica clara a intenção do legislador de proteger a atividade agropecuária de subsistência do trabalhador rural e de sua família, a par do enquadramento do imóvel como pequena propriedade rural. Precedentes citados dos STJ: AgRg no REsp 261.350-RS, Terceira Turma, DJ 6/5/2002; e REsp 684.648-RS, Quarta Turma, DJe 21/10/2013. Precedente citado do STF: AI 184.198 AgR, Segunda Turma, DJ 4/4/1997. REsp 1.368.404-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 13/10/2015, DJe 23/11/2015.

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DO HABEAS CORPUS PARA IMPUGNAR DECISÃO QUE DETERMINA A BUSCA E APREENSÃO E O ACOLHIMENTO DE CRIANÇA.

Não cabe habeas corpus para impugnar decisão judicial liminar que determinou a busca e apreensão de criança para acolhimento em família devidamente cadastrada junto a programa municipal de adoção. Em que pese existirem precedentes da Terceira Turma do STJ admitindo o uso do habeas corpus para a análise de questões semelhantes, a jurisprudência sedimentada do STJ se orienta no sentido de que o habeas corpus não é instrumento processual adequado para a concessão desse tipo de provimento jurisdicional (AgRg no HC 203.485-PR, Terceira Turma, DJe 18/5/2011; RHC 24.086-SC, Quarta Turma, DJe 2/3/2009; RHC 18.597-RJ, Quarta Turma, DJ 5/6/2006; e RHC 1.970-RS, Quinta Turma, DJ 1º/6/1992). Ademais, o caso não se enquadra na hipótese de ameaça de violência ou coação em liberdade de locomoção prevista no art. 5º, LXVIII, da CF. HC 329.147-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 20/10/2015, DJe 11/12/2015.

DIREITO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ALCANCE DE ALTERAÇÃO DO INDEXADOR DE CORREÇÃO MONETÁRIA DE APOSENTADORIA COMPLEMENTAR PREVISTO NO PLANO DE BENEFÍCIOS.

A alteração no regulamento referente ao plano de benefícios de previdência privada que substituir o indexador IGP-DI pelo INPC para fins de correção monetária da aposentadoria complementar alcança o assistido - "o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada" (art. 8º, II, da LC n. 109/2001) -, devendo o novo índice incidir integralmente a partir de sua vigência, e não apenas nos períodos em que o indexador for mais vantajoso ao assistido. Realmente, conforme dispositivos da LC n. 109/2001, "Ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria" (art. 17, parágrafo único) e "Os benefícios serão considerados direito adquirido do participante quando implementadas todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento do respectivo plano" (art. 68, § 1º). Logo, o assistido é possuidor de certos direitos que não podem ser alterados por dispositivos de regulamento superveniente, ainda que aprovados pelo conselho deliberativo da entidade e pelo órgão regulador e fiscalizador. Nesse contexto, o STJ já decidiu, para fins de cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário complementar, que se aplica o regulamento vigente à época em que preenchidos os requisitos para a sua obtenção (AgRg no AREsp 403.963-CE, Terceira Turma, DJe 13/6/2014; AgRg no AREsp 297.647-SC, Terceira Turma, DJe 31/3/2014; e AgRg no AREsp 10.503-DF, Quarta Turma, DJe 14/12/2012). Todavia, quando se tratar de normas alteradoras da sistemática de correção monetária, não poderão ser invocados os institutos protetores do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Isso porque não há direito adquirido a determinado índice de correção monetária, mas sim ao benefício previdenciário complementar em si mesmo e à efetiva atualização monetária de seu valor. Diante disso, revela-se possível a substituição de um indexador por outro, desde que idôneo para medir a inflação, recompondo a obrigação contratada. Caso seja adotado um índice inadequado para atualizar as verbas previdenciárias suplementares, com o passar do tempo, substanciais prejuízos ocorrerão ao assistido, que perderá gradualmente o seu poder aquisitivo com a corrosão da moeda, dando azo ao desequilíbrio contratual. Além disso, restará frustrado o objetivo principal da Previdência Complementar, que é propiciar ao inativo padrão de vida semelhante ao que desfrutava em atividade. Especificamente quanto à legalidade da substituição do IGP-DI para o INPC para fins de correção monetária da aposentadoria complementar, sabe-se que o INPC é indexador tão eficaz para medir a desvalorização da moeda quanto o IGP-DI. Ambos são índices gerais de preços de ampla publicidade, sendo aptos a mensurar a inflação no mercado de consumo e corrigir os benefícios da previdência privada. Além disso, os dois indexadores, além de oficiais, possuem metodologias confiáveis, quer dizer, o IGP-DI utiliza o índice de preços no atacado e nos mercados do consumidor e da construção civil, enquanto que o INPC observa as variações sentidas nos preços de diversos produtos e serviços consumidos pelas famílias de baixa renda, como alimentação, bebidas, transporte, habitação, artigos de residência, vestuário, saúde, cuidados pessoais e educação. Ademais, como esses índices são variáveis, em determinado período, um se mostra mais elevado que o outro e vice-versa. Por isso, uma alteração no regulamento referente ao plano de benefícios de previdência privada para substituir o indexador de correção monetária da aposentadoria complementar (o IGP-DI pelo INPC) pode, em um período, causar prejuízo ao assistido e, em outro período, gerar ganho para ele. Nessa conjuntura, quanto à aplicação parcial das novas regras do regulamento, ou seja, da restrição da incidência do novo indexador a apenas determinados períodos em que for mais vantajoso ao assistido, cumpre ressaltar ser inadmissível a conjugação de estatutos, de modo a instituir um regime híbrido que mescle os índices vantajosos para o assistido. Pela teoria do conglobamento, deve-se buscar o estatuto jurídico mais benéfico enfocando globalmente o conjunto normativo de cada sistema, sendo vedada, portanto, a mescla de dispositivos diversos, a criar um terceiro regulamento. Logo, a definição do estatuto mais favorável deve se dar em face da totalidade de suas disposições, e não da aplicação cumulativa de critérios mais vantajosos previstos em diferentes regulamentos. Sobre o tema, tanto a jurisprudência do STF (AgR no RE 660.033-DF, Primeira Turma, DJe 29/10/2015) quanto a do STJ (AgRg no AREsp 641.099-RS, Segunda Turma, DJe 9/3/2015) são uníssonas em afastar, em hipóteses variadas, o regime híbrido de normas. Além do mais, não pode ficar ao alvedrio do assistido promover a troca periódica de índices de correção monetária, flutuantes por natureza, já que refletem a dinâmica dos fatos econômicos, almejando a incidência de um ou de outro, quando for mais elevado, conjugando fórmulas de cálculo particulares, a gerar um regime híbrido. Isso, em vez de provocar a simples atualização monetária do benefício previdenciário suplementar, causaria distorções no sistema, como a produção indevida de ganhos reais em detrimento do fundo mútuo, ferindo, assim, o equilíbrio econômico-atuarial. REsp 1.463.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 24/11/2015, DJe 2/12/2015.
Informativo STJ nº574

DIREITO CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO DE COBRANÇA DE SERVIÇO DE CONSERTO DE VEÍCULO POR MECÂNICO.

Prescreve em 10 anos (art. 205 do CC) a pretensão de cobrar dívida decorrente de conserto de automóvel por mecânico que não tenha conhecimento técnico e formação intelectual suficiente para ser qualificado como profissional liberal. Isso porque não há como se enquadrar o referido mecânico na categoria de profissional liberal, cuja pretensão de cobrança de serviço é regida pelo prazo prescricional de 5 anos (art. 206, § 5º, II, do CC). Com efeito, tratando-se de regra especial, sua interpretação é restritiva, devendo-se apenas estabelecer a sua exata abrangência, partindo-se da identificação de quem se inclui no conceito de profissional liberal. Considera-se profissional liberal aquela pessoa que exerce atividade especializada de prestação de serviços de natureza predominantemente intelectual e técnica, normalmente com formação universitária, em caráter permanente e autônomo, sem qualquer vínculo de subordinação. Nesse contexto, essa espécie de profissional celebra, normalmente, com seu cliente um contrato de prestação de serviços em que prepondera o elemento confiança (intuitu personae). Na categoria dos profissionais liberais, incluem-se médicos, dentistas, advogados, engenheiros, arquitetos, psicólogos, veterinários, agrônomo, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, economistas, contabilistas, administradores, enfermeiros, professores, etc. Dessa forma, guardadas as peculiaridades de cada atividade, podem-se apontar as características comuns das profissões liberais: (i) prestação de serviço técnico ou científico especializados; (ii) formação técnica especializada, normalmente, em nível universitário; (iii) vínculo de confiança com o cliente (intuitu personae); (iv) ausência de vínculo de subordinação com o cliente ou com terceiro; e (v) exercício permanente da profissão. Na hipótese, o mecânico não apresenta a necessária formação técnica especializada para que incida o prazo prescricional quinquenal; desse modo, aplica-se a regra geral da prescrição decenal. REsp 1.546.114-ES,Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 17/11/2015, DJe 23/11/2015.

DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL EM GARANTIA DE QUALQUER OPERAÇÃO DE CRÉDITO.

É possível a constituição de alienação fiduciária de bem imóvel para garantia de operação de crédito não vinculada ao Sistema Financeiro Imobiliário (SFI). O entendimento de que o instituto da alienação fiduciária de bens imóveis somente poderia ser utilizado em crédito destinado a aquisição, edificações ou reformas do imóvel oferecido em garantia - fundado no argumento de que a finalidade da Lei n. 9.514/1997 é proteger o sistema imobiliário e o de habitação como um todo, de modo que a constituição de garantia fiduciária sobre bem imóvel deve estar em sintonia com o objetivo da lei, consubstanciado no incentivo ao financiamento imobiliário - não se sustenta. Isso porque esse posicionamento não encontra respaldo nos arts. 22, § 1º, da Lei n. 9.514/1997 e 51 da Lei n. 10.931/2004 ("Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. § 1º A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena: [...]"; e "Art. 51. Sem prejuízo das disposições do Código Civil, as obrigações em geral também poderão ser garantidas, inclusive por terceiros, por cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis, por caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis e por alienação fiduciária de coisa imóvel"). Assim, sem maior esforço hermenêutico, verifica-se que é possível afirmar que a lei não exige que o contrato de alienação fiduciária se vincule ao financiamento do próprio imóvel. Ao contrário, é legítima a sua formalização como garantia de toda e qualquer obrigação pecuniária, podendo inclusive ser prestada por terceiros. Dessa forma, muito embora a alienação fiduciária de imóveis tenha sido introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Lei n. 9.514/1997, que dispõe sobre o SFI, seu alcance ultrapassa os limites das transações relacionadas à aquisição de imóvel. Resta indubitável, portanto, que a finalidade do instituto é o de fomentar o sistema de garantias do direito brasileiro, dotando o ordenamento jurídico de instrumento que permite, nas situações de mora - tanto nos financiamentos imobiliários, como nas operações de créditos com garantia imobiliária - a recomposição em prazos compatíveis com as necessidades da economia moderna. REsp 1.542.275-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 24/11/2015, DJe 2/12/2015.

DIREITO CIVIL. TERMO INICIAL DA TAXA DE OCUPAÇÃO DE IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE NO ÂMBITO DO SFH.

Na hipótese em que frustrados os públicos leilões promovidos pelo fiduciário para a alienação do imóvel objeto de alienação fiduciária no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), a taxa de ocupação será exigível do fiduciante em mora a partir da data na qual se considera extinta a dívida (art. 27, § 5º, da Lei n. 9.514/1997), e não desde a data da consolidação da propriedade em nome do fiduciário (art. 27, caput, da Lei n. 9.514/1997). Nos termos da literalidade do art. 37-A da Lei n. 9.514/1997, "o "fiduciante pagará ao fiduciário, ou a quem vier a sucedê-lo, a título de taxa de ocupação do imóvel, por mês ou fração, valor correspondente a um por cento do valor a que se refere o inciso VI do art. 24, computado e exigível desde a data da alienação em leilão até a data em que o fiduciário, ou seus sucessores, vier a ser imitido na posse do imóvel". O fundamento para que essa taxa não incida no período anterior à alienação é que a propriedade fiduciária não se equipara à propriedade plena, por estar vinculada ao propósito de garantia da dívida, conforme expressamente dispõe o art. 1.367 do CC: "A propriedade fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis sujeita-se às disposições do Capítulo I do Título X do Livro III da Parte Especial deste Código e, no que for específico, à legislação especial pertinente, não se equiparando, para quaisquer efeitos, à propriedade plena de que trata o art. 1.231". Efetivamente, não se reconhece ao proprietário fiduciário os direitos de usar (jus utendi) e de fruir (jus fruendi) da coisa, restando-lhe apenas os direitos de dispor da coisa (jus abutendi) e de reavê-la de quem injustamente a possua (rei vindicatio). Essa limitação de poderes se mantém após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, pois essa consolidação se dá exclusivamente com o propósito de satisfazer a dívida. É o que dispõe o art. 1.364 do CC, litteris: "Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor". No mesmo sentido, o art. 27, caput, da Lei n. 9.514/1997, litteris: "Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel". Com efeito, o direito do credor se limita ao crédito, sendo a garantia (ainda que por meio de alienação fiduciária) um mero acessório, não podendo o credor se apropriar, simultaneamente, do crédito e da coisa dada em garantia, sob pena de bis in idem e enriquecimento sem causa. A taxa de ocupação do imóvel, pela sua própria definição, tem natureza de fruto do imóvel objeto da alienação fiduciária. Ora, se o credor fiduciário não dispõe do jus fruendi, não pode exigir do devedor o pagamento de taxa de ocupação. Efetivamente, os únicos frutos que podem ser exigidos pelo credor são os juros, frutos do capital mutuado. Entendimento diverso geraria bis in idem e enriquecimento sem causa do banco credor, pois, em razão do mútuo de certa quantia em dinheiro, o banco receberia dois frutos, os juros e a taxa de ocupação. Nessa esteira, observa-se que a redação do art. 37-A da Lei n. 9.514/1997 foi precisa ao dispor que a taxa de ocupação somente é devida após a "data da alienação em leilão", pois, antes da alienação, a propriedade não é plena, mas afetada à satisfação da dívida, não produzindo frutos em favor do credor fiduciário. Do mesmo modo, a redação do art. 38 da Lei n. 10.150/2000 também foi precisa ao instituir o arrendamento especial com opção de compra apenas para os imóveis que a instituição financeira tenha "arrematado, adjudicado ou recebido em dação em pagamento", não para os imóveis adquiridos por consolidação da propriedade fiduciária. Sob outro ângulo, cabe destacar que a Lei impõe um rito célere à alienação extrajudicial, de modo que o primeiro leilão deva ser realizado no prazo de trinta dias após o registro da consolidação da propriedade, conforme previsto no art. 27 da Lei n. 9.514/1997, independentemente da desocupação do imóvel. A fixação desse prazo exíguo tem o objetivo de evitar que a instituição financeira permaneça inerte após a consolidação da propriedade, deixando que a dívida se eleve aceleradamente, por força dos encargos da mora. Há, portanto, no referido art. 27, um fundamento de boa-fé objetiva, especificamente concretizada no preceito duty to mitigate the loss, explicado em precedente da Terceira Turma (REsp 758.518-PR, DJe 28/6/2010). Durante esse curto período de 30 dias, as perdas experimentadas pela instituição financeira já são adequadamente compensadas pela multa contratual. Aliás, a incidência de taxa de ocupação geraria o efeito deletério de estimular a inércia da instituição financeira, tendo em vista a incidência de mais um fator de incremento da dívida. Noutro norte, é certo que a boa-fé também impõe deveres ao mutuário, como o de desocupar o imóvel, caso não tenha purgado tempestivamente a mora. Porém, a violação desse dever impõe perdas potenciais ao próprio mutuário, não à instituição financeira, que já é remunerada pelos encargos contratuais, tendo em vista que o mutuário tem direito à restituição do saldo que restar das parcelas pagas após a quitação da dívida e dos encargos. Destaque-se, ainda, que a Lei n. 9.514/1997 confere ao mutuário o prazo de 60 dias para desocupar o imóvel (art. 30), mas prevê o prazo de apenas 30 dias para a realização do leilão, evidenciando que a lei deu mais relevância à liquidação da dívida do que à questão possessória. Mas, o que fazer na hipótese de leilão frustrado, em que não há alienação? Nessa hipótese, o art. 27 da Lei n. 9.514/1997 prevê a realização de um segundo leilão no prazo de 15 dias, após o qual a dívida será extinta compulsoriamente, exonerando-se ambas as partes de suas obrigações. Ora, havendo extinção da dívida, o imóvel deixa de estar afetado ao propósito de garantia, passando a integrar o patrimônio do credor de forma plena, o que se assemelha a uma adjudicação. A partir de então, o credor passa a titularizar todos os poderes inerentes ao domínio, fazendo jus aos frutos do imóvel, inclusive na forma da taxa de ocupação (REsp 1.328.656-GO, Quarta Turma, DJe 18/9/2012). Esclareça-se que, no âmbito da Terceira Turma do STJ, há um julgado em que se admitiu a cobrança de taxa de ocupação desde a consolidação da propriedade, antes, portanto, da data do leilão (REsp 1.155.716-DF, Terceira Turma, DJe 22/3/2012). Esse julgado, contudo, diz respeito a uma situação específica, em que o leilão foi adiado por muito tempo, em razão de decisões judiciais precárias obtidas pelo mutuário; a taxa de ocupação, portanto, foi deferida como forma de compensar as perdas e danos acrescidas em razão dessa demora não imputável ao credor fiduciário. REsp 1.401.233-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 17/11/2015, DJe 26/11/2015.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DA CONVERSÃO DO MANDADO MONITÓRIO EM TÍTULO EXECUTIVO.

Em ação monitória, após o decurso do prazo para pagamento ou entrega da coisa sem a oposição de embargos pelo réu, o juiz não poderá analisar matérias de mérito, ainda que conhecíveis de ofício. Com efeito, na primeira decisão proferida no procedimento especial monitório, embora em exame perfunctório, revela-se algum conteúdo decisório, ao se garantir ao juiz o conhecimento prévio da força probatória do documento que instrui a petição inicial, assegurando-lhe um juízo de probabilidade para então determinar a expedição do mandado monitório. Em seguida, de acordo com o art. 1.102-C do CPC, no prazo de quinze dias, "poderá o réu oferecer embargos, que suspenderão a eficácia do mandado inicial. Se os embargos não forem opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo e prosseguindo-se na forma do Livro I, Título VIII, Capítulo X, desta Lei". O entendimento de que a expressão "título executivo judicial" do art. 1.102-C do CPC apontaria necessariamente a uma sentença revela-se ultrapassado e simplista. Com efeito, mostra-se relevante a advertência de doutrina para o fato de que as sentenças condenatórias são apenas uma espécie do gênero título executivo judicial, com ele não se confundindo. Na hipótese em que não há oposição de embargos monitórios, a ação monitória concretiza o objetivo a que se propõe: o de converter em título executivo judicial prova escrita da existência de obrigação, inviabilizando qualquer aprofundamento do conhecimento jurisdicional exigido para a prolação de uma sentença de mérito. Isso porque a conversão do mandado monitório em executivo é extraída como única solução possível e imposta por lei, diante da inércia do devedor em procedimento monitório. Por outro lado, manifestando-se o devedor, conforme sua deliberada intenção de opor-se à manifestação do credor - autor monitório -, inicia-se um incidente processual com contornos típicos de ação de conhecimento, admitindo-se amplo contraditório e dilação probatória, fases processuais absolutamente ausentes no procedimento monitório não embargado. Esse é, portanto, o âmbito adequado para o conhecimento e apreciação de matérias de mérito, às quais resultarão ao final na constituição, ou não, daquele documento monitório em título executivo. Noutros termos, mesmo as questões conhecíveis de ofício, só podem ser apreciadas se aberto o conhecimento pela oposição dos embargos monitórios. Ressalta-se que o novo CPC parece reconhecer essa transmudação da decisão inicial em definitiva em razão da mera inércia do devedor. Isso porque, além de dispensar expressamente a necessidade de qualquer ato para conversão do mandado monitório em executivo (art. 701, § 2º, do NCPC), ainda determina que se conte da decisão inicial (que determina a expedição do mandado monitório) o prazo para propositura de ação rescisória, na hipótese de ausência de oposição de embargos monitórios pelo devedor (art. 701, § 3º, do NCPC). Muito embora em vacatio legis, não se pode desconsiderar o viés interpretativo extraído do novo texto legal, o qual não inova, mas torna ainda mais óbvias e corrobora as disposições existentes no atual CPC. REsp 1.432.982-ES, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/11/2015, DJe 26/11/2015.

DIREITO TRIBUTÁRIO. ÓBICE AO APROVEITAMENTO DE CRÉDITO DE ICMS DECORRENTE DE OPERAÇÃO DE EXPORTAÇÃO.

Não viola o princípio da não cumulatividade a vedação, prevista em legislação estadual, de aproveitamento de crédito de ICMS decorrente de operação de exportação quando o contribuinte possuir débito superior ao crédito.Por esse entendimento, não se nega o direito ao crédito do contribuinte; o que é obstado, na verdade, é a livre disposição de tais créditos, ante a vedação prevista em legislação estadual e a inexistência de saldo credor. Para melhor elucidar a questão, convém observar o art. 25 da LC n. 87/1996 (Lei Kandir): "Art. 25. Para efeito de aplicação do disposto no art. 24, os débitos e créditos devem ser apurados em cada estabelecimento, compensando-se os saldos credores e devedores entre os estabelecimentos do mesmo sujeito passivo localizados no Estado. § 1º Saldos credores acumulados a partir da data de publicação desta Lei Complementar por estabelecimentos que realizem operações e prestações de que tratam o inciso II do art. 3º e seu parágrafo único podem ser, na proporção que estas saídas representem do total das saídas realizadas pelo estabelecimento: I - imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado; II - havendo saldo remanescente, transferidos pelo sujeito passivo a outros contribuintes do mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito. § 2º Lei estadual poderá, nos demais casos de saldos credores acumulados a partir da vigência desta Lei Complementar, permitir que: I - sejam imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado; II - sejam transferidos, nas condições que definir, a outros contribuintes do mesmo Estado". Salienta-se, nesse contexto, que não se deve confundir o conceito de crédito e o de saldos credores acumulados. De um lado, o crédito de ICMS é um direito que advém de preceitos constitucionais e infraconstitucionais, corolário do princípio da não cumulatividade. Ressalta-se, inclusive, que o direito de crédito decorrente de operações e prestações de exportação não pode ser limitado por legislação estadual (art. 25, § 1º, da LC n. 87/1996), conforme entendimento consolidado do STJ (AgRg no AREsp 151.708-RS, Segunda Turma, DJe 14/6/2012; AgRg no REsp 1.247.425-MA, Segunda Turma, DJe 16/9/2011; e AgRg no AREsp 187.884-RS, Primeira Turma, DJe 18/6/2014). Por outro lado, o saldo de créditos é uma situação fático-operacional contábil. O procedimento é o seguinte: comparam-se as somas de débitos com créditos de ICMS em determinado período. Se o total de débitos for maior que o de créditos, deduz-se o maior do menor, pagando-se a diferença aos cofres públicos. Caso o total de créditos seja maior, contudo, deduz-se deste o total de débitos, e o saldo credor é transferido para o período seguinte. Veja-se que, por determinação legal, a operação de compensação de débitos com créditos ocorre anteriormente a qualquer outra operação. Havendo, ao final, saldo de créditos de ICMS, abre-se a possibilidade de apropriação, utilização ou transferência pelo contribuinte. A apropriação, a utilização e a transferência de créditos de ICMS pressupõem a existência de saldo credor, o que não ocorre no caso em que o contribuinte possui débito superior ao crédito. Assim, embora o § 1° do art. 25 da LC n. 87/1996 seja autoaplicável, não podendo ser condicionado pelo legislador estadual, o seu pressuposto é a existência de saldos credores. Desta feita, a questão em análise possui natureza operacional. Nessa conjuntura, os créditos de ICMS, conquanto decorrentes de operações de exportação, submetem-se à compensação do caput do art. 25 da Lei Kandir. Desse modo, o que o Fisco não pode fazer é estornar os créditos decorrentes da exportação (art. 21, § 2º, da LC n. 87/1996), caso provada e suficientemente documentada a ocorrência das operações ou prestações de serviço. Em tal caso, estar-se-ia aumentando, de forma ilegítima, o débito de ICMS do contribuinte. Portanto, não fere o princípio da não cumulatividade a lei estadual que veda a apropriação e a utilização de crédito de ICMS ao contribuinte que tiver débito do imposto superior ao montante de créditos. REsp 1.505.296-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 15/9/2015, DJe 9/12/2015.