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23/03/2018

BANCORBRÁS. HOTEL CONVENIADO. MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. SOLIDARIEDADE ENTRE TODOS OS INTEGRANTES DA CADEIA DE FORNECIMENTO DE SERVIÇOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.

A Bancorbrás é parte legítima para figurar no polo passivo de ação indenizatória de dano moral decorrente de defeito do serviço prestado por hotel integrante de sua rede conveniada. Inicialmente, cumpre salientar que em se tratando de relações consumeristas, o fato do produto ou do serviço (ou acidente de consumo) configura-se quando o defeito ultrapassar a esfera meramente econômica do consumidor, atingindo-lhe a incolumidade física ou moral, como é o caso analisado, em que consumidor, no período de lazer programado, fora - juntamente com seus familiares - submetido a desconforto e aborrecimentos desarrazoados, em virtude de alojamento, em quarto insalubre, em resort integrante da rede conveniada da Bancorbrás. Nos termos do caput do artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre fruição e riscos. Sob essa ótica e tendo em vista o disposto no parágrafo único do artigo 7º e no § 1º do artigo 25 do CDC, sobressai a solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento de serviços, cabendo direito de regresso (na medida da participação na causação do evento lesivo) àquele que reparar os danos suportados pelo consumidor. No contexto analisado, a Bancorbrás não funciona como mera intermediadora entre os hotéis e os adquirentes do título do clube de turismo. A intermediação configurar-se-ia se o contrato fosse fundado na livre escolha do consumidor, sem qualquer condução ou direcionamento da Bancorbrás. Ao revés, a escolha do adquirente do título fica limitada aos estabelecimentos previamente credenciados e contratados pela Bancorbrás, que, em seu próprio regimento interno, prevê a necessidade de um padrão de atendimento e de qualidade dos serviços prestados. O caso, portanto, não pode ser tratado como culpa exclusiva de terceiro, pois o hotel conveniado integra a cadeia de consumo referente ao serviço introduzido no mercado pela Bancorbrás. Em verdade, sobressai a indissociabilidade entre as obrigações de fazer assumidas pela Bancorbrás e o hotel credenciado. Nesse sentido, evidencia-se que os prestadores de serviço de hospedagem credenciados funcionam como verdadeiros prepostos ou representantes autônomos da Bancorbrás, o que atrai a incidência do artigo 34 do CDC. Deste modo, é de se reconhecer a legitimidade passiva ad causam da Bancorbrás para responder por defeito do serviço de hotel conveniado.

REsp 1.378.284-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 08/02/2018, DJe 07/03/2018.

AÇÃO DE OFERTA DE ALIMENTOS. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. INTEGRAÇÃO NA BASE DE CÁLCULO DA VERBA ALIMENTAR. ACRÉSCIMO PATRIMONIAL DECORRENTE DO CONTRATO DE TRABALHO. INCREMENTO DA POSSIBILIDADE DO ALIMENTANTE.

Os valores recebidos a título de participação nos lucros e resultados integram a base de cálculo dos alimentos estabelecidos em porcentagem fixa do salário líquido do alimentante. De pronto, verifica-se que a temática ainda não possui um enfrentamento uniforme pelas Turmas que integram a Segunda Seção desta Corte Superior, havendo julgados em ambos os sentidos. Entretanto, a verba recebida a título de participação nos lucros objetiva estimular a produtividade do empregado, visto que esse terá seus vencimentos ampliados na medida em que produza mais, tratando-se, portanto, de rendimento decorrente da relação de emprego. A sua percepção beneficia a família, não importando que seja variável, porque dependente do desempenho pessoal do trabalhador e dos resultados financeiros e comerciais do empregador. Inegavelmente, o auferimento da participação de lucros, embora não habitual, integra a remuneração e reflete na possibilidade de sustento familiar, não havendo falar em natureza indenizatória, até porque não visa a ressarcir o empregado de algum dano, mas se destina a incentivar a sua produtividade. Assim, não obstante o que dispõe o artigo 7º, inciso XI, da CF/88, isto é, ser direito dos trabalhadores a "participação nos lucros ou resultados, desvinculada da remuneração", infere-se que tal previsão dirige-se essencialmente aos aspectos trabalhistas, previdenciários e demais ônus sociais, objetivando a desoneração dos empregadores e, por conseguinte, ao seu estímulo no que concerne às suas iniciativas em benefício da evolução das relações de trabalho. Isso não impede que a participação nos lucros ou resultados seja considerada como base de cálculo para se aferir o quantum devido a título de alimentos, fixados sobre a "remuneração líquida", "salário líquido", "rendimentos líquidos". Dessa forma, com base em tais premissas e para fins de apuração do valor relativo aos alimentos, deve ser reconhecida a natureza salarial/remuneratória da verba em questão, porquanto inegavelmente implica um acréscimo em uma das variáveis do binômio da prestação alimentar, isto é, na possibilidade do alimentante. Reitera-se, por oportuno, o entedimento já adotado pela Quarta Turma, quando do julgamento do REsp n. 1.332.808/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 24/02/2015 (Informativo de Jurisprudência n. 553).
REsp 1.561.097-RJ, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Rel. Acd. Min. Marco Buzzi, por maioria, julgado em 06/02/2018, DJe 02/03/2018.

PREVIDÊNCIA PRIVADA FECHADA. SUPLEMENTAÇÃO DE PENSÃO POR MORTE. INDICAÇÃO DE BENEFICIÁRIO NO PLANO. OMISSÃO. ÓBITO DO PARTICIPANTE. COMPANHEIRO. INCLUSÃO POSTERIOR. POSSIBILIDADE. RATEIO IGUALITÁRIO ENTRE O EX-CÔNJUGE E O COMPANHEIRO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO. PRESUNÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA SIMULTÂNEA.

É possível a inclusão de companheiro como beneficiário de suplementação de pensão por morte quando existente, no plano de previdência privada fechada, apenas a indicação de ex-cônjuge do participante. Inicialmente, cumpre salientar que a indicação de beneficiário na previdência complementar fechada é livre. Todavia, não pode ser arbitrária, dada a finalidade social do contrato previdenciário. Com efeito, a previdência complementar e a previdência social, apesar de serem autônomas entre si, pois possuem regimes distintos e normas intrínsecas, acabam por interagir reciprocamente, de modo que uma tende a influenciar a outra. Assim, é de rigor a harmonização do sistema previdenciário como um todo. É por isso que nos planos das entidades fechadas de previdência privada é comum estabelecer os dependentes econômicos ou os da previdência oficial como beneficiários do participante, pois ele, ao aderir ao fundo previdenciário, geralmente possui a intenção de manter o padrão de vida que desfruta na atividade ou de amparar a própria família, os parentes ou as pessoas que lhe são mais afeitas, de modo a não os deixar desprotegidos economicamente quando de seu óbito. Desse modo, a designação de agraciado pelo participante visa facilitar a comprovação de sua vontade sobre quem deverá receber o benefício previdenciário suplementar na ocorrência de sua morte; contudo, em caso de omissão, é possível incluir dependente econômico direto dele no rol de beneficiários, como quando configurada a união estável, sobretudo se não houver prejuízo ao fundo mútuo, que deverá repartir o valor da benesse entre os indicados e o incluído tardiamente. No caso dos autos, o participante havia indicado como beneficiário do plano de previdência privada sua esposa à época da adesão ao fundo. Posteriormente, separou-se e vivia em união estável com outra mulher quando veio a óbito, situação essa devidamente comprovada, tanto que recebe pensão por morte paga pelo INSS. Nesse cenário, promover a inclusão da companheira, ao lado da ex-esposa, no rol de beneficiários da previdência privada, mesmo no caso de omissão do participante quando da inscrição no plano, aperfeiçoará o regime complementar fechado, à semelhança do que já acontece na previdência social e nas previdências do servidor público e do militar nos casos de pensão por morte. De fato, em tais situações, é recomendável o rateio igualitário do benefício entre o ex-cônjuge e o companheiro do instituidor da pensão, visto que não há ordem de preferência entre eles. Deste modo, havendo o pagamento de pensão por morte, seja a oficial ou o benefício suplementar, o valor poderá ser fracionado, em partes iguais, entre a ex-esposa e a convivente estável, haja vista a possibilidade de presunção de dependência econômica simultânea de ambas em relação ao falecido.

REsp 1.715.485-RN, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 27/02/2018, DJe 06/03/2018.

AÇÃO INDENIZATÓRIA. DEFEITOS APARENTES DA OBRA. ART. 26 DO CDC. PRAZO DECADENCIAL. INAPLICABILIDADE À PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. SUJEIÇÃO A PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 205 DO CC/02.

Aplica-se o prazo prescricional do art. 205 do CC/02 às ações indenizatórias por danos materiais decorrentes de vícios de qualidade e de quantidade do imóvel adquirido pelo consumidor, e não o prazo decadencial estabelecido pelo art. 26 do CDC. Na hipótese, discute-se em ação de indenização por danos materiais, entre outras questões, o afastamento da prejudicial de decadência no tocante aos vícios de qualidade e de quantidade de imóvel adquirido pelo consumidor. Primeiramente, faz-se necessário salientar que o prazo quinquenal disposto no art. 618 do CC/02, para que o comitente verifique eventual existência de defeito ou vício que estivesse oculto por ocasião da entrega da construção, é de garantia, na medida em que visa protegê-lo contra riscos futuros e eventuais. Não se trata, pois, de prazo prescricional ou decadencial. Isso significa que, apesar da entrega da obra, o empreiteiro permanecerá responsável por vício oculto que venha a ser revelado dentro do quinquênio legal, comprometendo a segurança e a solidez da construção. Verificado o vício nesse interregno, poderá o comitente reclamá-lo; entretanto, qual o prazo para que o faça? Essa questão suscitou bastante divergência na doutrina e nos Tribunais pátrios, mormente com a introdução do parágrafo único ao art. 618 pelo CC/2002 (sem correspondente na legislação anterior), o qual passou a estabelecer que "decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra ao empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito". Sobre o tema, a doutrina majoritária se inclina no sentido de que o prazo de 180 dias, de natureza decadencial, se refere apenas ao direito de o comitente pleitear a rescisão contratual ou o abatimento no preço (ação de índole desconstitutiva), permanecendo a pretensão de indenização, veiculada em ação condenatória sujeita ao prazo prescricional disposto no art. 205 do CC/02, o qual, além de corresponder ao prazo vintenário anteriormente disposto no art. 177 do CC/16, é o prazo que regula as pretensões fundadas no inadimplemento contratual. De outro turno, quando o litígio envolve relação de consumo, novas considerações devem ser feitas, haja vista que o CDC, em matéria de vícios de qualidade ou de quantidade do produto ou serviço, confere tratamento diverso do que aquele da codificação civilista. Isso porque, mesmo não havendo no CDC qualquer prazo específico de garantia dos trabalhos de construção, como ocorre no art. 618 do CC/02 em relação à "solidez e segurança" de "edifícios e outras construções consideráveis", possui o consumidor proteção mais abrangente, haja vista que estará resguardado de vícios na obra ainda que estes surjam após o prazo de cinco anos do recebimento. A princípio, em qualquer momento em que ficar evidenciado o defeito, poderá o consumidor enjeitá-lo, desde que o faça dentro do prazo decadencial de 90 dias, o qual, inclusive, pode ser suspenso pela reclamação do vício junto ao fornecedor ou pela instauração de inquérito civil (art. 26, § 2º, do CDC). Ademais, para além da possibilidade de redibir o contrato ou de pleitear o abatimento do preço – alternativas que vigoram no Código Civil para vícios ocultos – o CDC coloca à disposição do consumidor uma terceira opção, consistente na substituição do produto ou na reexecução do serviço (arts. 18, § 1º, I, e 20, I, do CDC). A despeito das considerações supracitadas, cabe registrar que a solução, segundo a legislação consumerista, da questão relativa à decadência do direito de reclamar por vícios no imóvel (prazo de 90 dias, contado do recebimento do bem, em se tratando de vício aparente, ou do aparecimento do defeito, em se tratando de vício oculto) não obsta a que seja aplicado o raciocínio anteriormente desenvolvido no que tange à prescrição da pretensão indenizatória. Sendo assim, o prazo decadencial previsto no art. 26 do CDC se relaciona ao período de que dispõe o consumidor para exigir em juízo alguma das alternativas que lhe são conferidas pelos arts. 18, § 1º, e 20, caput do mesmo diploma legal, não se confundindo com o prazo prescricional a que se sujeita o consumidor para pleitear indenização decorrente da má-execução do contrato. E, à falta de prazo específico no CDC que regule a hipótese de inadimplemento contratual – o prazo quinquenal disposto no art. 27 é exclusivo para as hipóteses de fato do produto ou do serviço – entende-se que deve ser aplicado o prazo geral decenal do art. 205 do CC/02.

REsp 1.534.831-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 20/02/2018, DJe 02/03/2018.

PLANO DE SAÚDE COLETIVO. ENTIDADE DE AUTOGESTÃO. EX-EMPREGADO APOSENTADO. MANUTENÇÃO NO PLANO ORIGINAL. AUTONOMIA DA SAÚDE SUPLEMENTAR. NÃO INTEGRAÇÃO NO CONTRATO DE TRABALHO. TÉRMINO DA RELAÇÃO DE EMPREGO. CARÁTER CÍVEL DA LIDE. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.

Compete à Justiça Comum Estadual o exame e o julgamento de feito que discute direitos de ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa de permanecer em plano de saúde coletivo oferecido pela própria empresa empregadora aos trabalhadores ativos, na modalidade de autogestão. De início, salienta-se que a jurisprudência deste Tribunal Superior é no sentido de que compete à Justiça do Trabalho o julgamento dos casos em que a ex-empregadora mantém o próprio plano de saúde em favor de seus empregados, na modalidade de autogestão, visto que a discussão acerca do direito de manutenção no plano de saúde possuirá relação direta com o contrato de trabalho extinto. Tal posicionamento se justificava antes da edição da Lei n. 9.656/1998 (regulamentadora dos planos de saúde), da Lei n. 9.961/2000 (criadora da ANS) e da Lei n. 10.243/2001 (que deu nova redação ao § 2º do art. 458 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT). De fato, antes da vigência desses diplomas legais, a relação jurídica mantida entre o usuário do plano de saúde e a entidade de autogestão empresarial era apenas uma derivação da relação de emprego, pois a regulação era feita pelo contrato de trabalho, por normas internas da empresa e, às vezes, por acordo coletivo de trabalho. Todavia, após o surgimento das mencionadas leis, a Saúde Suplementar, incluídas as autogestões, adquiriu autonomia em relação ao Direito do Trabalho, visto possuir campo temático, teorias, princípios e metodologias específicos. Por esse motivo, as entidades de autogestão passaram a ser enquadradas como operadoras de planos de saúde, sendo, portanto, objeto de regulação e fiscalização pelo órgão regulador próprio da área: a ANS. Com efeito, o art. 458, § 2º, IV, da CLT, incluído pela Lei n. 10.243/2001, é expresso em dispor que a assistência médica, hospitalar e odontológica concedida pelo empregador, seja diretamente ou mediante seguro-saúde, não será considerada como salário. Isso porque o plano de saúde fornecido pela empresa empregadora, mesmo a título gratuito, não possui natureza retributiva, não constituindo salário-utilidade (salário in natura), sobretudo por não ser contraprestação ao trabalho. Ao contrário, referida vantagem apenas possui natureza preventiva e assistencial, sendo uma alternativa às graves deficiências do Sistema Único de Saúde (SUS), obrigação do Estado. Cumpre salientar, ainda, que por já ter sido encerrado o seu contrato de trabalho, a pretensão do ex-empregado de manutenção no plano de assistência à saúde fornecido pela ex-empregadora não pode ser vista como simples relação de trabalho, visto que a causa de pedir e o pedido se originam de relação autônoma nascida com a operadora de plano de saúde, a qual possui natureza eminentemente civil, envolvendo tão somente, de maneira indireta, os aspectos da relação de trabalho. Ademais, cumpre mencionar que a autogestão na saúde suplementar guarda muitas semelhanças estruturais com a previdência privada fechada e o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE n. 586.453/SE (Rel. para acórdão Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe 6/6/2013), consolidou o entendimento de competir à Justiça Comum o julgamento de processos decorrentes de contrato de previdência complementar, ante a inexistência de relação trabalhista entre o beneficiário e o fundo fechado previdenciário.
REsp 1.695.986-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 27/02/2018, DJe 06/03/2018.

CARCINICULTURA. TRANSPORTE INTERESTADUAL. CAMARÃO IN NATURA. MATÉRIA-PRIMA. BENEFICIAMENTO EM OUTRO ESTADO. CERTIFICAÇÃO SANITÁRIA. EXIGÊNCIA. UNIDADE FEDERATIVA DE ORIGEM. LEGALIDADE.

É obrigatória a prévia fiscalização do camarão in natura, ainda que na condição de matéria-prima, antes do beneficiamento em outros Estados da Federação, podendo tal atividade ser realizada no próprio estabelecimento rural onde se desenvolve a carcinicultura. Na origem, trata-se de mandado de segurança impetrado contra Delegado Federal da Agricultura em que se afirma a ilegalidade da exigência de certificado sanitário para o transporte de camarão in natura a outros Estados da Federação. Com efeito, da conjunta intelecção dos arts. 1º, 2º e 3º da Lei n. 1.283/1950, o camarão in natura qualifica-se como produto animal comestível (art. 1º), sendo sujeito à fiscalização sanitária por se enquadrar na categoria "pescado" (art. 2º, b), devendo a correspondente fiscalização ser feita nos entrepostos de recebimento e distribuição do pescado (art. 3º, b), a que se equiparam as fazendas em que os camarões são criados e, in natura, comercializados e transportados para unidades de beneficiamento/industrialização situadas em outros Estados. Frise-se que, ao estabelecer que a fiscalização também poderá ser feita na propriedade rural (art. 3º, f), o referido diploma legal indica, expressamente, a possibilidade de a atuação do poder de polícia da Administração recair no ambiente de origem do produto a ser inspecionado. Por outro lado, observa-se que a impetrante (associação criadora) busca, indevidamente, conferir primazia aos princípios de livre iniciativa e da livre concorrência, em detrimento do direito fundamental da população consumidora à saúde, cujo raciocínio, por certo, não pode ser abonado. Sem dúvida, o primordial objeto da Lei n. 1.283/50 radica no compromisso governamental de assegurar e certificar a qualidade dos alimentos destinados ao consumo humano, cuja diretriz aparece também consagrada no art. 200, inciso VI, da CF/88. Sendo assim, a apontada autoridade coatora não incorreu em ilegalidade ou abuso de poder ao informar à impetrante, por ofício, que restara sem efeito anterior avença que vinha permitindo o livre transporte interestadual de camarão in natura não inspecionado, para fins de beneficiamento em outros Estados.
REsp 1.536.399-PI, Rel. Min. Sérgio Kukina, por unanimidade, julgado em 08/02/2018, DJe 22/02/2018.

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. COMPARTILHAMENTO DE SINAL DE TV POR ASSINATURA, VIA SATÉLITE OU CABO. CARD SHARING. CONVENÇÃO DE BERNA. TRANSNACIONALIDADE DA CONDUTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes de violação de direito autoral e contra a lei de software decorrentes do compartilhamento ilícito de sinal de TV por assinatura, via satélite ou cabo, por meio de serviços de card sharing. A conduta assinalada consiste no compartilhamento ilícito de sinal de TV, por meio de um cartão no qual são armazenadas chaves criptografadas que carregam, de forma cifrada, o conteúdo audiovisual. Tais cartões são inseridos em equipamentos que viabilizam a captação do sinal, via cabo ou satélite, e sua adequada decodificação, conhecidos como AZBox, Duosat, AzAmérica, entre outros. Ao que consta dos autos, uma das formas de quebra das chaves criptográficas é feita por fornecedores situados na Ásia e Leste Europeu, que enviam, via internet, a pessoas que as distribuem, também via internet, aos usuários dos decodificadores ilegais, assim permitindo que o sinal de TV seja irregularmente captado. Nesse sentido, de acordo com o art. 109, V, da Constituição Federal, a competência da jurisdição federal se dá pela presença concomitante da transnacionalidade do delito e da assunção de compromisso internacional de repressão, constante de tratados ou convenções internacionais. A previsão normativa internacional, na hipótese, é a Convenção de Berna, integrada ao ordenamento jurídico nacional através do Decreto n. 75.699/1975, e reiterada na Organização Mundial do Comércio – OMC por acordos como o TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) - Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (AADPIC), incorporado pelo Decreto n. 1.355/1994, com a previsão dos princípios de proteção ao direitos dos criadores. O outro requisito constitucional, de tratar-se de crime à distância, com parcela do crime no Brasil e outra parcela do iter criminis fora do país, é constatado pela inicial prova da atuação transnacional dos agentes, por meio da internet. Nesse contexto, tem-se por evidenciados os requisitos da previsão das condutas criminosas em tratado ou convenção internacional e do caráter de internacionalidade dos delitos objeto de investigação, constatando-se, à luz do normativo constitucional, a competência da jurisdição federal para o processamento do feito.

CC 150.629-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, por unanimidade, julgado em 22/02/2018, DJe 28/02/2018.]

APLICAÇÃO DO ART. 1º-F DA LEI N. 9.494/1997 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.960/2009). CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA. CORREÇÃO MONETÁRIA. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO APRIORÍSTICA.

O art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 (com redação dada pela Lei n. 11.960/2009), para fins de correção monetária, não é aplicável nas condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza. Cinge-se a controvérsia a tratar da questão relativa à aplicação do art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 (com redação dada pela Lei n. 11.960/2009), que determina a utilização dos índices de remuneração básica da caderneta de poupança, para fins de atualização monetária e compensação da mora (juros de mora). No tocante à correção monetária, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 4.357/DF e 4.425/DF, julgou inconstitucional a atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança na forma prevista no art. 100, § 12, da CF/88 (com redação dada pela EC 62/2009). Com base nesse entendimento, a Primeira Seção/STJ, ao apreciar o REsp 1.270.439-PR (Rel. Min. Castro Meira, DJe 2/8/2013 – acórdão submetido ao regime dos recursos repetitivos), adotou, entre outros, o seguinte entendimento: "A Suprema Corte declarou inconstitucional a expressão "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança" contida no § 12 do art. 100 da CF/88. Assim entendeu porque a taxa básica de remuneração da poupança não mede a inflação acumulada do período e, portanto, não pode servir de parâmetro para a correção monetária a ser aplicada aos débitos da Fazenda Pública". Recentemente (20 de setembro de 2017), o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do RE 870.947/SE, submetido ao regime da repercussão geral, fixando, entre outras, a seguinte tese: "O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CF/88, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina". Em se tratando de débitos da Fazenda Pública, viola o "direito fundamental de propriedade (CF/88, art. 5º, XXII)" a atualização mediante índice que seja "manifestamente incapaz de preservar o valor do crédito de que é titular o cidadão". Isso porque a inflação, "fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante)" (ADI 4.357, Relator(a): Min. Ayres Britto, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Luiz Fux, DJe 25/09/2014). Por fim, em relação à modulação dos efeitos da decisão que declarou inconstitucional a atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, objetivou reconhecer a validade dos precatórios expedidos ou pagos até 25 de março de 2015, impedindo, desse modo, a rediscussão do débito baseada na aplicação de índices diversos. Assim, mostra-se descabida a modulação em relação aos casos em que não ocorreu expedição ou pagamento de precatório.
REsp 1.495.146-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/02/2018, DJe 02/03/2018 (Tema 905).

APLICAÇÃO DO ART. 1º-F DA LEI N. 9.494/1997 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.960/2009). CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA. ÍNDICES APLICÁVEIS A DEPENDER DA NATUREZA DA CONDENAÇÃO. CONDENAÇÕES JUDICIAIS DE NATUREZA TRIBUTÁRIA.

A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices. Em relação às condenações judiciais de natureza tributária, é ilegítima a aplicação do art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009, tanto em relação à correção monetária quanto aos juros de mora. Em princípio, as condenações judiciais impostas à Fazenda Pública de natureza tributária sujeitam-se à incidência de correção monetária e juros de mora. Ressalte-se que a taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito tributário deve corresponder à utilizada para cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). A regra isonômica aplica-se, também, à correção monetária, ou seja, a atualização dos indébitos tributários sujeita-se aos mesmos critérios utilizados na cobrança do tributo pago em atraso. Contudo, nas entidades tributantes que adotam a taxa Selic observando a regra isonômica em comento, desde que com previsão na respectiva legislação, fica vedada a sua cumulação com quaisquer outros índices. Isso porque a taxa Selic, em sua essência, já compreende juros de mora e correção monetária. Esse entendimento foi consolidado na Súmula 523 deste Tribunal.
REsp 1.495.146-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/02/2018, DJe 02/03/2018 (Tema 905).

APLICAÇÃO DO ART. 1º-F DA LEI N. 9.494/1997 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.960/2009). CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA. ÍNDICES APLICÁVEIS A DEPENDER DA NATUREZA DA CONDENAÇÃO. CONDENAÇÕES JUDICIAIS DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA.

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei n. 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei n. 8.213/1991. Quanto aos juros de mora, no período posterior à vigência da Lei n. 11.960/2009, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança. No tocante às condenações judiciais de natureza previdenciária, para fins de correção monetária, no período anterior à vigência da Lei 11.430/2006, devem ser aplicados os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal. Nesse sentido: REsp 1.103.122-PR, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 03/08/2009. Ressalte-se que no período posterior à vigência da Lei n. 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei n. 8.213/91, a correção monetária de condenações judiciais impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária deve ser calculada segundo a variação do INPC, apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Cumpre registrar que a adoção do INPC não configura afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE 870.947-SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação do IPCA-E para fins de correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual se trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei n. 8.742/1993. Assim, é imperioso concluir que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei n. 8.213/1991, abrange apenas a correção monetária dos benefícios de natureza previdenciária. Por outro lado, é legítima a fixação dos juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, na forma prevista no art. 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação dada pela Lei n. 11.960/2009. Em relação ao tema, destacam-se: REsp 1.272.239-PR, Rel. Min. Ari Pargendler, DJe 01/10/2013 e AgRg no REsp 1.455.195-TO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 19/08/2014. Já no período anterior à vigência da Lei n. 11.960/2009, os juros de mora equivalem a 1% (um por cento) ao mês, sujeitos à capitalização simples (art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87). Nesse sentido: AgRg no AgRg no REsp 929.339-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 22/11/2010 e EREsp 230.222/CE, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 16/10/2000.
REsp 1.495.146-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/02/2018, DJe 02/03/2018 (Tema 905).

APLICAÇÃO DO ART. 1º-F DA LEI N. 9.494/1997 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.960/2009). CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA. ÍNDICES APLICÁVEIS A DEPENDER DA NATUREZA DA CONDENAÇÃO. CONDENAÇÕES JUDICIAIS REFERENTES A DESAPROPRIAÇÕES DIRETAS E INDIRETAS.

No âmbito das condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas existem regras específicas, no que concerne aos juros moratórios e compensatórios, razão pela qual não se justifica a incidência do art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 (com redação dada pela Lei n. 11.960/2009), nem para compensação da mora nem para remuneração do capital. No tocante às condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas, relativamente à correção monetária, incidem, em síntese, os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro de 2001. Em relação aos juros de mora, de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, aplicam-se os seguintes índices: (a) até dezembro/2009: 0,5% (capitalização simples), nos termos do art. 15-B do Decreto-Lei n. 3.365/1941; (b) janeiro/2010 a abril/2012: 0,5% (capitalização simples), nos termos do art. 97, § 16, do ADCT (incluído pela EC n. 62/2009), combinado com a Lei n. 8.177/1991; (c) a partir de maio/2012: o mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, capitalizados de forma simples, correspondentes a: (i) 0,5% ao mês, caso a taxa SELIC ao ano seja superior a 8,5%; (ii) 70% da taxa SELIC ao ano, mensalizada, nos demais casos, nos termos do art. 97, § 16, do ADCT (incluído pela EC n. 62/2009), combinado com a Lei n. 8.177/1991, com alterações da MP n. 567/2012 convertida na Lei n. 12.703/2012. No que concerne aos juros compensatórios, os índices previstos são os seguintes: (a) até 10/06/1997: 1% (capitalização simples), nos termos da Súmula n. 618/STF e Súmula n. 110 do extinto TFR; (b) 11/06/1997 a 13/09/2001: 0,5% (capitalização simples), nos termos do art. 15-A, do Decreto-Lei n. 3.365/41, introduzido pela MP n. 1.577/97 e suas sucessivas reedições; (c) a partir de 14/09/2001: 1% (capitalização simples), nos termos da ADI 2.332/DF, REsp 1.111.829/SP e Súmula n. 408/STJ.
REsp 1.495.146-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/02/2018, DJe 02/03/2018 (Tema 905).

APLICAÇÃO DO ART. 1º-F DA LEI N. 9.494/1997 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.960/2009). CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA. ÍNDICES APLICÁVEIS A DEPENDER DA NATUREZA DA CONDENAÇÃO. CONDENAÇÕES JUDICIAIS REFERENTES A SERVIDORES E EMPREGADOS PÚBLICOS.

As condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até julho/2001: juros de mora: 1% ao mês (capitalização simples); correção monetária: índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) agosto/2001 a junho/2009: juros de mora: 0,5% ao mês; correção monetária: IPCA-E; (c) a partir de julho/2009: juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E. Tratando-se de créditos referentes a servidores e empregados públicos, a atualização monetária e a compensação da mora obedecem aos seguintes critérios: (a) até julho/2001: juros de mora: 1% ao mês (capitalização simples), nos termos do Decreto-Lei n. 3.322/1987; correção monetária: índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) agosto/2001 a junho/2009: juros de mora: 0,5% ao mês, nos termos da MP n. 2.180-35/1935 que acrescentou o art. 1º-F à Lei n. 9.494/1997; correção monetária: IPCA-E; (c) a partir de julho/2009: juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009; correção monetária: IPCA-E. Ressalte-se que a adoção dos índices referidos ampara-se na jurisprudência deste Tribunal, merecendo destaque os seguintes precedentes: EDcl no AgRg no REsp 1.209.861-ES, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 15/05/2012; e REsp 937.528-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 01/09/2011.
REsp 1.495.146-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/02/2018, DJe 02/03/2018 (Tema 905).

APLICAÇÃO DO ART. 1º-F DA LEI N. 9.494/1997 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.960/2009). CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA. ÍNDICES APLICÁVEIS A DEPENDER DA NATUREZA DA CONDENAÇÃO. CONDENAÇÕES JUDICIAIS DE NATUREZA ADMINISTRATIVA EM GERAL.

As condenações judiciais de natureza administrativa em geral, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei n. 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice; (c) no período posterior à vigência da Lei n. 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E. O art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009, para fins de correção monetária, não é aplicável nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza, o que impede, evidentemente, a sua utilização para fins de atualização monetária de condenações de natureza administrativa. Por seu turno, examinando-se o Manual de Cálculos da Justiça Federal, verifica-se que, em relação às condenações de natureza administrativa em geral ("Ações condenatórias em geral"), são previstos vários índices de correção monetária, destacando-se a adoção do IPCA-E a partir de janeiro/2001, que está em consonância com a orientação deste Tribunal. Nesse sentido: AgRg no Ag 665.083-SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 24/10/2005. Por outro lado, é legítima a fixação dos juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, na forma prevista no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 após a vigência da Lei n. 11.960/2009. Em relação ao tema, destaca-se: AgRg no REsp 1.455.195-TO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 19/08/2014. Quanto ao período anterior à vigência do CC/2002, ou seja, até dezembro de 2002, os juros de mora equivalem a 0,5% (meio por cento) ao mês, sujeitos à capitalização simples (arts. 1.062 a 1.064 do CC/1916). Contudo, especial atenção merece o período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei n. 11.960/2009. Isso porque, nos termos do art. 406 do CC/2002, "quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional". Conforme entendimento pacificado pela Corte Especial/STJ, "atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei n. 9.065/1995, 84 da Lei n. 8.981/1995, 39, § 4º, da Lei n. 9.250/1995, 61, § 3º, da Lei n. 9.430/1996 e 30 da Lei n. 10.522/2002)" (EREsp 727.842-SP, Rel. Min. Teori Albino Zavaski, DJe 20/11/2008). No entanto, a taxa SELIC, em sua essência, já compreende juros de mora e correção monetária. Por tal razão, a sua incidência, a título de juros de mora, implica seja afastada a incidência do IPCA-E (ou qualquer outro índice de correção monetária) no que se refere ao período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei n. 11.960/2009.
REsp 1.495.146-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/02/2018, DJe 02/03/2018 (Tema 905).

APLICAÇÃO DO ART. 1º-F DA LEI N. 9.494/1997 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.960/2009). CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA. JUROS DE MORA.


O art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), na parte em que estabelece a incidência de juros de mora nos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, aplica-se às condenações impostas à Fazenda Pública, excepcionadas as condenações oriundas de relação jurídico-tributária. Cinge-se a controvérsia a tratar da questão relativa à aplicação do art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 (com redação dada pela Lei n. 11.960/2009), que determina a utilização dos índices de remuneração básica da caderneta de poupança, para fins de atualização monetária e compensação da mora (juros de mora). Quanto aos juros de mora, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 4.357/DF e 4.425/DF, julgou constitucional a incidência de juros de mora nos débitos da Fazenda Pública, com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na forma prevista no art. 100, § 12, da CF/88 (com redação dada pela EC 62/2009), à exceção dos indébitos de natureza tributária. Com base nesse entendimento, a Primeira Seção/STJ, ao apreciar o REsp 1.270.439-PR (Rel. Min. Castro Meira, DJe 2/8/2013 – acórdão submetido ao regime dos recursos repetitivos), pacificou entendimento no sentido de "os juros moratórios serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, exceto quando a dívida ostentar natureza tributária, para as quais prevalecerão as regras específicas". Recentemente (20 de setembro de 2017), o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do RE 870.947-SE, submetido ao regime da repercussão geral, fixando, entre outras, as seguintes teses: O art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/2009, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CF/88, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 com a redação dada pela Lei n. 11.960/2009.
REsp 1.495.146-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/02/2018, DJe 02/03/2018 (Tema 905).

09/03/2018

OMISSÃO CARTORÁRIA. DÚVIDA EM RELAÇÃO AO RECEBIMENTO DA SENTENÇA. ART. 389 DO CPP. MERO LANÇAMENTO DE MOVIMENTAÇÃO PROCESSUAL NA INTERNET. REQUISITOS NÃO ATENDIDOS. PRESUNÇÃO PREJUDICIAL AO RÉU. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO RETROATIVA. OCORRÊNCIA.

Havendo dúvida resultante da omissão cartória em certificar a data de recebimento da sentença conforme o art. 389 do CPP, não se pode presumir a data de publicação com o mero lançamento de movimentação dos autos na internet, a fim de se verificar a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva. Inicialmente, cumpre ressaltar que, conforme dispõe o art. 389 do Código de Processo Penal, a publicação da sentença é ato complexo que se compraz com o recebimento da sentença pelo escrivão, com a lavratura nos autos do respectivo termo e com o registro em livro especialmente destinado para esse fim.Nesse sentido, a publicidade da sentença se apresenta como requisito indispensável à própria existência do ato, retirando-lhe o caráter eminentemente particular e privado, para que possa ser adjetivado como um autêntico ato processual. Na hipótese, as formalidades não foram adequadamente cumpridas, porquanto não há registros quanto à certificação da publicação da sentença. O que existe é, apenas e tão somente, o lançamento do andamento processual "Mandado Expeça-sentença", registrado junto ao sistema eletrônico de gerenciamento de processos (eJUD) do Tribunal. Com efeito, o registro em comento não pode ser caracterizado como ato processual, por tratar-se, efetivamente, de uma facilidade oferecida aos jurisdicionados para que possam acompanhar com maior comodidade o andamento dos feitos judiciais. Nesse diapasão, não desponta qualquer efeito legal do simples registro de movimentação dos autos físicos na internet, de cunho meramente informativo e não vinculativo. Via de consequência, sob a óptica do direito penal, tal evento não possui o condão de interromper o lapso prescricional, na forma do art. 117, IV, do CP. Portanto, em havendo dúvida resultante da omissão do cartório em certificar a data de recebimento da sentença, deve-se considerar a data de publicação do primeiro ato que demonstrou, de maneira inconteste, a ciência da sentença pelas partes e não a data do mero lançamento de movimentação dos autos na internet, haja vista que esta solução prejudica o réu. Ademais, no caso em tela, deve-se declarar extinta a punibilidade, uma vez que, em decorrência da falta de cumprimento dos requisitos elencados no art. 389 do CPP, a prescrição não pode ser interrompida. HC 408.736-ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 06/02/2018, DJe 15/02/2018. 
Informativo STJ nº619

TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. REINCIDÊNCIA. RECONHECIMENTO EQUIVOCADO.

É inviável o reconhecimento de reincidência com base em único processo anterior em desfavor do réu, no qual – após desclassificar o delito de tráfico para porte de substância entorpecente para consumo próprio – o juízo extinguiu a punibilidade por considerar que o tempo da prisão provisória seria mais que suficiente para compensar eventual condenação. Trata-se de habeas corpus em que o impetrante sustenta a ocorrência de constrangimento ilegal, ao argumento de que a reincidência foi considerada de maneira equivocada. Vale salientar que o paciente – condenado por tráfico de drogas – não obteve a redução da pena inerente à figura privilegiada do tipo penal, em face do reconhecimento da reincidência, com base em única ação penal anterior constante em sua vida pregressa. Na oportunidade da referida primeira e única condenação, o Juiz desclassificou o delito pelo qual respondia, atribuindo-lhe o crime de porte de substância entorpecente para consumo próprio, e, ato contínuo, extinguiu a punibilidade por considerar o tempo da prisão provisória mais do que suficiente para compensar eventual medida a lhe ser imposta. De fato, as instâncias ordinárias deixaram de reconhecer a incidência da causa especial de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, porque concluíram que a extinção da punibilidade, nesses casos, se assemelharia à extinção do processo executivo pelo cumprimento de pena e, por conseguinte, seria apta a gerar a reincidência. Todavia, não há como desprezar que o tempo de constrição considerado para a extinção da punibilidade se deu no âmbito exclusivo da prisão preventiva, sendo inconcebível compreender, em nítida interpretação prejudicial ao réu, que o tempo de prisão provisória seja o mesmo que o tempo de prisão no cumprimento de pena, haja vista tratar-se de institutos absolutamente distintos em todos os seus aspectos e objetivos. Nessa linha de raciocínio, a decisão de extinção da punibilidade, na hipótese, aproxima-se muito mais do exaurimento do direito de exercício da pretensão punitiva como forma de reconhecimento, pelo Estado, da prática de coerção cautelar desproporcional no curso do único processo em desfavor do paciente – citado anteriormente – do que com o esgotamento de processo executivo pelo cumprimento de pena. Acrescente-se, ainda, que, se o paciente não houvesse ficado preso preventivamente – prisão que, posteriormente, se mostrou ilegal, dada a desclassificação do primeiro delito a ele imputado –, teria feito jus à transação penal, benefício que, como é sabido, não é apto a configurar nem maus antecedentes nem reincidência. Nesse sentido, o único processo anterior existente em desfavor do réu não pode ser considerado para fins de reincidência, devendo a Corte de origem reanalisar o preenchimento dos demais requisitos necessários à aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas. 


HC 390.038-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 06/02/2018, DJe 15/02/2018.

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AUTOS FÍSICOS. PRAZO PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. CÔMPUTO EM DOBRO EM CASO DE LITISCONSORTES COM PROCURADORES DISTINTOS.

O prazo comum para cumprimento voluntário de sentença deverá ser computado em dobro no caso de litisconsortes com procuradores distintos, em autos físicos. Inicialmente cumpre salientar que o Novo CPC, na mesma linha do código de 1973, manteve o prazo de quinze dias para o pagamento voluntário de condenação em quantia certa ou já fixada em liquidação, consoante se extrai do disposto em seu artigo 523, e inovou ao determinar o cômputo dos prazos processuais em dias úteis, e não mais em dias corridos (artigo 219). Por sua vez, quanto ao prazo em caso de litisconsórcio, o artigo 229 do CPC/2015, aprimorando a norma disposta no artigo 191 do código revogado, dispõe que "os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento". O § 2º do referido artigo dispõe que essa regra não se aplica aos processos em autos eletrônicos. Como se vê, a impossibilidade de acesso simultâneo aos autos físicos constitui a ratio essendi do prazo diferenciado para litisconsortes com procuradores distintos, consagrando assim o direito fundamental do acesso à justiça. Ademais, registre-se que a Corte Especial deste Tribunal Superior, no julgamento do REsp n. 1.262.933/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/6/2013, DJe 20/8/2013, no âmbito de julgamento de recurso repetitivo (Tema 536), sob a vigência do CPC/1973, firmou o entendimento no sentido de que "na fase de cumprimento de sentença, o devedor deverá ser intimado, na pessoa de seu advogado, mediante publicação na imprensa oficial, para efetuar o pagamento no prazo de 15 (quinze) dias, a partir de quando, caso não o efetue, passará a incidir a multa de 10% (dez por cento) sobre montante da condenação (art. 475-J do CPC)". Em razão de tal exegese (devidamente incorporada ao Novo CPC), o cumprimento voluntário adquiriu natureza dúplice. Cuida-se de ato a ser praticado pela própria parte, mas a fluência do prazo para pagamento inicia-se com a intimação do advogado pela imprensa oficial, o que impõe ônus ao patrono, qual seja, o dever de comunicar o devedor do desfecho desfavorável da demanda, alertando-o das consequências jurídicas da ausência do cumprimento voluntário. Assim, uma vez constatada a hipótese de incidência da norma disposta no artigo 229 do CPC/2015 (litisconsortes com procuradores diferentes), o prazo comum para pagamento espontâneo deverá ser computado em dobro, ou seja, trinta dias úteis. REsp 1.693.784-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 28/11/2017, DJe 05/02/2018.
Informativo STJ nº619

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. USO INDEVIDO DE MARCA DE EMPRESA. DANO MORAL. AFERIÇÃO IN RE IPSA.

O dano moral por uso indevido da marca é aferível in re ipsa. No tocante ao dano moral, especificamente quanto ao uso indevido da marca, verifica-se que há, no estudo da jurisprudência da Casa, uma falta de harmonização, haja vista que parcela dos julgados vem entendendo ser necessário – ainda que de forma indireta – a comprovação do prejuízo; ao passo que, em outros precedentes, o STJ reconhece que o dano moral decorre automaticamente da configuração do uso indevido da marca. Diante dessa dispersão da jurisprudência, o tema do dano moral, quando presente a vulneração da marca, deve ser mais aprofundado. De fato, a marca não tem apenas a finalidade de assegurar direitos ou interesses meramente individuais do seu titular (ordem privada), mas visa, acima de tudo, resguardar o mercado (ordem pública), protegendo os consumidores, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a qualidade do produto ou serviço, além de evitar o desvio ilegal de clientela e a prática do proveito econômico parasitário. Não se pode olvidar, ademais, que a marca, muitas vezes, é o ativo mais valioso da empresa, sendo o meio pelo qual o empresário consegue, perante o mercado, distinguir e particularizar seu produto ou serviço, enaltecendo sua reputação. Portanto, por sua natureza de bem imaterial, é ínsito que haja prejuízo moral à pessoa jurídica quando se constata o uso indevido da marca, pois, forçosamente, a reputação, a credibilidade e a imagem da empresa acabam sendo atingidas perante todo o mercado (clientes, fornecedores, sócios, acionistas e comunidade em geral), além de haver o comprometimento do prestígio e da qualidade dos produtos ou serviços ofertados, caracterizando evidente menoscabo de seus direitos, bens e interesses extrapatrimoniais. O contrafator, causador do dano, por outro lado, acaba agregando valor ao seu produto, indevidamente, ao se valer da marca alheia. Sendo assim, o dano moral por uso indevido da marca é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera comprovação da prática de conduta ilícita - contrafação -, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou a comprovação probatória do efetivo abalo moral, haja vista que o vilipêndio do sinal, uma vez demonstrado, acarretará, por consectário lógico, a vulneração do seu bom nome, reputação ou imagem. REsp 1.327.773-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por maioria, julgado em 28/11/2017, DJe 15/02/2018.
Informativo STJ nº619

AÇÃO REGRESSIVA. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE DIFERENÇA DE AÇÕES. DEBÊNTURES CONVERSÍVEIS EM AÇÃO PREFERENCIAL. CISÃO PARCIAL. DÍVIDAS PRÓPRIAS DE NATUREZA SOCIETÁRIA.

Cabe ação de regresso para ressarcimento de condenação relativa a obrigações tipicamente societárias suportada exclusivamente por empresa cindida contra empresa resultante da cisão parcial, observando-se a proporção do patrimônio recebido. Trata-se de ação de regresso ajuizada por empresa cindida contra empresa resultante de cisão parcial, a quem imputou a obrigação de arcar com parte de condenação, oriunda de demanda judicial apreciada antes da divisão empresarial, em que sustenta a existência de responsabilidade solidária entre as empresas, na medida em que a condenação decorreu da diferença de quantidade de ações subscritas em razão do exercício de conversão de debêntures correspondentes. De início, importante destacar que a cisão envolve duas classes de obrigações: a) obrigações tipicamente societárias, decorrentes do vínculo societário que agrega os acionistas; e, b) obrigações cíveis lato sensu, advindas da apuração do patrimônio líquido da sociedade cindida. No tocante à primeira classe, nos termos do art. 229, § 1º, da Lei das Sociedades Anônimas (LSA), verifica-se que haverá indiscutível sucessão de direitos e obrigações relacionados no protocolo de cisão. Com efeito, da cisão decorrerá o aumento de capital da empresa destinatária, que absorverá a parcela do patrimônio líquido cindido a título de integralização das ações subscritas em benefício dos sócios da empresa cindida. Assim, há um completo entrelaçamento do quadro societário das empresas em negociação. A atribuição de participação societária na empresa receptora aos sócios da empresa cindida, na medida em que configura elemento essencial do instituto jurídico, não pode ser afastada por mera disposição contratual, sob pena de absoluto desvirtuamento do instituto jurídico. Não é por outra razão que a liberdade contratual para alteração da proporcionalidade entre as novas ações subscritas no ato de incorporação do patrimônio cindido e as correspondentes ações da empresa cindida, por expressa disposição legal, demanda a anuência de todos os sócios, inclusive daqueles sem direito a voto, conforme dispõe o art. 229, § 5º, da LSA. Por sua vez, a segunda classe de obrigações titularizadas pela sociedade trata da mera quantificação e especificação do objeto transferido na cisão, elemento sem dúvida relevante inclusive para a verificação da proporcionalidade de ações a serem subscritas em favor dos sócios. Quanto à parcela patrimonial, o tratamento legal é tão distinto em relação às obrigações societárias a ponto de nem sequer se exigir a participação (votação) dos sócios sem direito a voto. Isso porque a cisão será deliberada pela Assembleia-Geral, ainda que reunida extraordinariamente e mediante quorum qualificado, na esteira do que definem os arts. 121 e 136, IX, da Lei n. 6.404/1976, sem resguardar o direito de recesso ao sócio dissidente. Com isso, conclui-se que o tratamento legal dispensado aos credores societários não se confunde com a proteção legal atribuída aos credores cíveis da sociedade parcialmente cindida. Enquanto para estes é imprescindível a verificação do protocolo de cisão e da relação patrimonial envolvida, a fim de se extrair a extensão do patrimônio transferido, naquele impõe-se tão somente a manutenção da proporção das ações ou a existência de deliberação social específica e unânime em sentido diverso. No caso analisado, tem-se que a natureza da obrigação debatida é inquestionavelmente de direito societário, porquanto se refere ao quantitativo de ações correspondentes àquele debenturista a partir da opção por converter suas debêntures em proporção inferior àquela posteriormente reconhecida na sentença – descompasso este que gerou reflexos na proporção de ações percebidas na empresa sucessora, representando, assim, o liame obrigacional entre as empresas sucessoras e cindida. Daí pela sucessiva extensão ou "transferência" do benefício auferido aos demais sócios e sociedades envolvidos, em contraposição ao prejuízo suportado individualmente pelo acionista em questão, é devido o reconhecimento de que as empresas sucessoras devem suportar a indenização na exata proporção da participação do benefício, igualmente auferido. Por via de consequência, é devida a ação de regresso para ressarcimento pela empresa resultante da cisão, observando-se a proporção do patrimônio cindido recebido. REsp 1.642.118-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, por maioria, julgado em 12/09/2017, DJe 20/02/2018.
Informativo STJ nº619

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VÍCIO DO PRODUTO. REPARAÇÃO EM 30 DIAS. DEVER DE SANAÇÃO DO COMERCIANTE, ASSISTÊNCIA TÉCNICA OU DIRETAMENTE DO FABRICANTE. DIREITO DE ESCOLHA DO CONSUMIDOR.

Cabe ao consumidor a escolha para exercer seu direito de ter sanado o vício do produto em 30 dias – levar o produto ao comerciante, à assistência técnica ou diretamente ao fabricante. A questão jurídica discutida consiste, dentre outros pontos, em definir a responsabilidade do comerciante no que tange à disponibilização e prestação de serviço de assistência técnica (art. 18, caput e § 1º, do CDC). Em princípio, verifica-se que a interpretação puramente topográfica do § 1º do art. 18 do CDC leva a crer que a responsabilidade solidária imputada no caput aos fornecedores, inclusive aos próprios comerciantes, compreende o dever de reparar o vício no prazo de trinta dias, sob pena de o consumidor poder exigir a substituição do produto, a restituição da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço. A Terceira Turma do STJ, no entanto, ao analisar situação análoga se manifestou no sentido de que, "disponibilizado serviço de assistência técnica, de forma eficaz, efetiva e eficiente, na mesma localidade [município] do estabelecimento do comerciante, a intermediação do serviço apenas acarretaria delongas e acréscimo de custos, não justificando a imposição pretendida na ação coletiva" (REsp 1.411.136-RS, DJe 10/03/2015). No entanto, esse tema merece nova reflexão. Isso porque o dia a dia revela que o consumidor, não raramente, trava verdadeira batalha para, após bastante tempo, atender a sua legítima expectativa de obter o produto adequado ao uso, em sua quantidade e qualidade. Aliás, há doutrina a defender, nessas hipóteses, a responsabilidade civil pela perda injusta e intolerável do tempo útil. Assim, não é razoável que, à frustração do consumidor de adquirir o bem com vício, se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa, o que, por certo, pode ser evitado – ou, ao menos, atenuado – se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo, intermediando a relação entre consumidor e fabricante, inclusive porque, juntamente com este, tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo. Vale ressaltar que o comerciante, em regra, desenvolve uma relação direta com o fabricante ou com o representante deste; o consumidor, não. Por isso também, o dispêndio gerado para o comerciante tende a ser menor que para o consumidor, sendo ainda possível àquele exigir do fabricante o ressarcimento das respectivas despesas. Logo, à luz do princípio da boa-fé objetiva, se a inserção no mercado do produto com vício traz em si, inevitavelmente, um gasto adicional para a cadeia de consumo, esse gasto deve ser tido como ínsito ao risco da atividade, e não pode, em nenhuma hipótese, ser suportado pelo consumidor, sob pena de ofensa aos princípios que regem a política nacional das relações de consumo, em especial o da vulnerabilidade e o da garantia de adequação, a cargo do fornecedor, além de configurar violação do direito do consumidor de receber a efetiva reparação de danos patrimoniais sofridos por ele. REsp 1.634.851-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 12/09/2017, DJe 15/02/2018.
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DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. NATUREZA IN RE IPSA. IMPOSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO NECESSÁRIA.

O dano moral sofrido pela pessoa jurídica não se configura in re ipsa, o que não obsta, contudo, que sua comprovação ocorra por meio da utilização de presunções e regras de experiência no julgamento da controvérsia. Inicialmente, registre-se que a doutrina e a jurisprudência majoritária brasileira entendem que a pessoa jurídica é passível de sofrer danos morais – orientação esta consolidada por meio do enunciado sumular n. 227 do STJ. Vale ressaltar, todavia, que o dano moral de pessoa jurídica não é idêntico àquele sofrido por um indivíduo. Percebe-se que a expressão dano moral é usada como analogia, uma vez que envolvem direitos extrapatrimoniais, mas não são de natureza biopsíquica e tampouco envolve a dignidade da pessoa humana. Nessa hipótese, protege-se a honra objetiva da pessoa jurídica, sendo os danos causados em violação ao bom nome, à fama, à reputação. Essas distinções reclamam, por questão de isonomia, um tratamento jurídico diferente para cada situação. Esse tratamento distinto deve recair na questão da prova do dano moral. Sobre o ponto, a doutrina defende que a possibilidade de considerar o dano moral como in re ipsa decorre da existência de uma comunhão de valores éticos e sociais ou, ainda, de uma essência comum universal dos seres humanos. Nessa linha de raciocínio, e considerando a falta dessa "essência comum", é impossível ao julgador avaliar a existência e a extensão de danos morais supostamente sofridos pela pessoa jurídica, sem qualquer tipo de comprovação. Disso não decorre, contudo, a impossibilidade da utilização de presunções ou regras de experiência no julgamento de pedidos de indenização por danos morais sofridos por pessoa jurídica. REsp 1.564.955-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 06/02/2018, DJe 15/02/2018.
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AÇÃO MONITÓRIA. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. ATO INEQUÍVOCO PELO DEVEDOR QUE RECONHEÇA DIREITO. PEDIDO DE PRAZO. ANÁLISE DE DOCUMENTOS. DÍVIDA NÃO RECONHECIDA.

O pedido de concessão de prazo para analisar documentos com o fim de verificar a existência de débito não tem o condão de interromper a prescrição. Nos termos do art. 202, VI, do CC/02, é causa interruptiva do prazo prescricional "qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor". Ao interpretar esse dispositivo, o tribunal de origem entendeu pela incidência de causa interruptiva, porquanto o pedido de concessão de prazo para analisar os documentos apresentados poderia ser considerado como ato inequívoco que importasse em reconhecimento de débito (direito de receber) pelo devedor. Partindo-se de uma análise semântica, a doutrina entende que o termo "ato inequívoco" é definido como "ato jurídico praticado de modo claro e que se mostra perfeitamente indicativo do desejo efetivo do agente. Não está sujeito à impugnação por ser certo o seu objeto e pela insofismável manifestação de vontade nele expressa". Nessas circunstâncias, o ato capaz de interromper a prescrição deve possuir tamanha clareza e ser exangue de qualquer dúvida que o simples pedido de prazo para análise da procedência do pedido não é capaz de interromper o lustro prescricional. O pedido de concessão de prazo para analisar os documentos apresentados apenas poderia ser considerado como ato inequívoco que importasse em reconhecimento de débito (direito de receber) se fosse destinado ao pagamento de valores, mas nunca para analisar a existência do próprio débito. REsp 1.677.895-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 06/02/2018, DJe 08/02/2018.
Informativo STJ nº619

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. RELATÓRIO CIRCUNSTANCIADO ANUAL. NÃO APRESENTAÇÃO. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. DESCUMPRIMENTO. IMPEDIMENTO AO RECONHECIMENTO DO FAVOR CONSTITUCIONAL. INOCORRÊNCIA.

A apresentação anual de relatório circunstanciado das atividades exercidas por entidades beneficentes de assistência social ao INSS, prevista no art. 55 da Lei n. 8.212/1991, não configura requisito legal para a fruição da imunidade tributária prevista no art. 195, § 7º, da CF/88. De início, importante destacar que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, após reconhecer a repercussão geral da matéria, no RE 566.622, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 55 da Lei n. 8.212/1991 sobre o fundamento de que a imunidade, por ser espécie de limitação ao Poder de Tributar, deveria ser normatizada exclusivamente por lei complementar. Nos termos da fundamentação adotada pelo voto condutor desse julgado, afastada a normatização pela lei ordinária, permanecem em vigor as exigências do art. 14 do CTN, que reprisa apenas a primeira parte do dispositivo questionado – "aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos funcionais" – deixando de lado a necessidade de apresentação de relatório circunstanciado de atividades ao órgão do INSS competente. Nesse sentido, e apesar do atual entendimento desta Corte Superior pelo cumprimento dos requisitos estabelecidos pelo art. 55, V, da Lei n. 8.212/1991, parece mais razoável a orientação de que a falta de apresentação do relatório circunstanciado não pode ser empecilho ao reconhecimento, em juízo, do benefício. Isso porque – além da necessidade de normatização por lei complementar supracitada – a segunda parte do art. 55, V, da Lei n. 8.212/1991 não trata de requisito legal para a fruição da imunidade, mas de obrigação acessória com o fim de permitir a fiscalização do cumprimento da obrigação principal de aplicação integral do resultado operacional. Nessa linha, na falta de apresentação do relatório circunstanciado, deve-se oportunizar à requerente a referida comprovação, mas não lhe negar o direito à imunidade, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade, pois o não cumprimento de mera obrigação acessória não pode obstar a fruição da imunidade conferida pelo Poder Constituinte, caso a beneficiária tenha comprovadamente cumprido os requisitos do art. 14 do CTN. REsp 1.345.462-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 07/12/2017, DJe 20/02/2018.
Informativo STJ nº619

REINTEGRAÇÃO DE POSSE. MANDADO JUDICIAL. CUMPRIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO E OCUPAÇÃO CONSOLIDADA. CONVERSÃO EM AÇÃO INDENIZATÓRIA DE OFÍCIO. VIABILIDADE. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E SOCIAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA.

A ação possessória pode ser convertida em indenizatória (desapropriação indireta) – ainda que ausente pedido explícito nesse sentido – a fim de assegurar tutela alternativa equivalente ao particular, quando a invasão coletiva consolidada inviabilizar o cumprimento do mandado reintegratório pelo município. Na origem, trata-se de ação de reintegração de posse em que a parte autora, a despeito de ter conseguido ordem judicial, encontra-se privada de suas terras há mais de 2 (duas) décadas, sem que tenha sido adotada qualquer medida concreta para obstar a constante invasão do seu imóvel, seja por ausência de força policial para o cumprimento do mandado reintegratório, seja em decorrência dos inúmeros incidentes processuais ocorridos nos autos ou em face da constante ocupação coletiva ocorrida na área, por milhares de famílias de baixa renda. Nesse contexto, discute-se, entre outros temas, a possibilidade de conversão da ação reivindicatória em indenizatória (por desapropriação indireta), de ofício pelo Juiz. Sobre a temática, vale ressaltar que as obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa certa fundadas em título judicial ensejam a aplicação de tutela específica, na forma do art. 461, § 1º, do CPC/1973, sendo totalmente cabível a conversão em perdas e danos para a obtenção de resultado prático correspondente, quando situação fática consolidada no curso da ação exigir a devida proteção jurisdicional. Nesse passo, a conversão operada na espécie não configura julgamento ultra petita ou extra petita, ainda que não tenha havido pedido explícito nesse sentido, diante da impossibilidade prática de devolução da posse à autora, sendo descabido o ajuizamento de outra ação quando uma parte do imóvel já foi afetada ao domínio público, mediante apossamento administrativo e a outra restante foi ocupada de forma precária por inúmeras famílias com a intervenção do Município e do Estado, que implementaram toda a infraestrutura básica na área sub judice. Outrossim, também não há falar em violação ao princípio da congruência, devendo ser aplicada, no caso, a teoria da substanciação, segundo a qual apenas os fatos vinculam o julgador, que poderá atribuir-lhes a qualificação jurídica que entender adequada ao acolhimento ou à rejeição do pedido, como fruto dos brocardos iura novit curia e mihi factum dabo tibi ius. Conclui-se, portanto, que a conversão em comento é consequência lógica da impossibilidade de devolução do imóvel à autora, sendo desimportante o fato de não ter havido pedido sucessivo/cumulado na exordial ou arguição pelos possuidores (réus na ação reivindicatória), em sede de contestação, quanto à possibilidade de indenização pela perda da posse. REsp 1.442.440-AC, Rel. Min. Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 07/12/2017, DJe 15/02/2018.
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CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. AUTOMÓVEIS. REGISTRO COMO VEÍCULOS OFICIAIS. AUTORIZAÇÃO LEGAL. AUSÊNCIA.

Os conselhos de fiscalização profissional não possuem autorização para registrar os veículos de sua propriedade como oficiais. Primeiramente, consigna-se que, com o julgamento da ADIN n. 1.717-6 pelo Supremo Tribunal Federal, reconheceu-se a inconstitucionalidade do art. 58 da Lei n. 9.649/98, o qual assegurava o caráter privado dos conselhos de fiscalização profissional, passando aquela Corte a perfilhar o entendimento de que essas entidades têm natureza jurídica de direito público autárquico. Diante disso, tais autarquias passaram a gozar da imunidade tributária recíproca prevista no art. 150, VI, "a", e § 2° da Constituição Federal, no que se refere ao seu patrimônio, renda e serviços. Quanto ao reconhecimento do direito ao emplacamento dos veículos, ressalta-se que as Resoluções Contran n. 529/78 (que assegurava o emplacamento de veículos pertencentes a autarquias instituídas por lei) e n. 756/91 (que dispunha sobre as cores das placas de identificação de veículos pertencentes a entidades públicas), foram revogadas pela Resolução Contran n. 298, de 21 de novembro de 2008. Importa salientar, ainda, que o § 1º do art. 120 do Código de Trânsito Brasileiro rege que somente serão registrados como oficiais os veículos de propriedade da Administração Direta, seja da União, dos Estados Membros, do Distrito Federal ou aos Municípios, de qualquer um dos Poderes da República. Assim, mostra-se inviável que a entidade autárquica em questão, componente da administração indireta, registre seus veículos como oficiais - disposição do art. 4º, II, do DL n. 200/1967. AREsp 1.029.385-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 05/12/2017, DJe 09/02/2018.
Informativo STJ nº619

MENOR SOB GUARDA JUDICIAL. DEPENDENTE ECONÔMICO. ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO EM DATA POSTERIOR À VIGÊNCIA DA MP 1.523/1996, REEDITADA E CONVERTIDA NA LEI N. 9.528/1997. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PROIBIÇÃO DE RETROCESSO. DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS DE ISONOMIA, PRIORIDADE ABSOLUTA E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE.

O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei n. 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária. A questão jurídica objeto de afetação ao rito dos recursos repetitivos consiste em definir sobre a possibilidade (ou não) do pagamento de pensão por morte ao menor sob guarda, quando o óbito do segurado tenha ocorrido após a vigência da MP 1.523/1996, que alterou o art. 16, § 2º da Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei n. 8.213/1991). A redação original do mencionado dispositivo previa que o menor sob guarda judicial se equiparava a filho do segurado e, portanto, detinha a condição de dependente natural ou automático dele (do segurado), como beneficiário do RGPS. Ocorre que a MP 1.523/1996, convertida na Lei n. 9.528/1997, alterou o citado dispositivo e retirou do menor sob guarda a condição de dependente previdenciário. Entretanto, a jurisprudência mais recente desta Corte Superior reconhece ao menor sob guarda a condição de dependente para fins previdenciários, condição que resulta de situação essencialmente fática, cabendo-lhe o direito à pensão previdenciária sempre que o mantenedor (segurado do INSS) faleça, a fim de não se deixar o hipossuficiente ao desabrigo de qualquer proteção, máxime quando se achava sob guarda, forma de tutela que merece estímulos, incentivos e subsídios do Poder Público, conforme compromisso constitucional assegurado pelo art. 227, § 3º, VI da Carta Magna, além de atentar contra a proteção da confiança com aquele já devidamente cadastrado como dependente do segurado, mediante a prática de ato jurídico administrativo perfeito, pelos agentes do INSS. Assim, a alteração do art. 16, § 2º, da Lei n. 8.213/1991, pela Lei n. 9.528/1997, não elimina o substrato fático da dependência econômica do menor e representa, do ponto de vista ideológico, um retrocesso normativo nas diretrizes constitucionais de isonomia e proteção à criança e ao adolescente. Da leitura do art. 227 da CF, constata-se que foi imposto não só à família, mas também à sociedade e ao Estado o dever de, solidariamente, assegurar à criança e ao adolescente os direitos fundamentais com absoluta prioridade. Além disso, foi imposto ao legislador ordinário a obrigação de garantir ao menor os direitos previdenciários e trabalhistas, bem como o estímulo do Poder Público ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado. Outra reflexão instigante diz respeito ao fato de alteração normativa veicular entendimento adverso, claramente maculador do princípio que deve permear as leis reconhecedoras de direitos sociais, como os previdenciários, ou seja, o da proibição de retrocesso; assim, se já definida uma orientação legal mais favorável à proteção dos hipossuficientes, não se afigura aceitável, do ponto de vista jurídico e sistêmico que, a partir da adoção de lei restritiva ocasional, dê-se a inversão da orientação até então vigorante. Finalmente, registre-se que a Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) que, convém ressaltar, é norma específica e em perfeita harmonia com o mandamento constitucional, dispõe em seu art. 33, § 3º que "a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciário". Nessa linha de raciocínio, impõe-se concluir que, se fosse a intenção do legislador infraconstitucional excluir o menor sob guarda da pensão por morte, teria alterado também a Lei n. 8.069/1990 o que, como visto, não ocorreu. REsp 1.411.258-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/10/2017, DJe 21/02/2018. (Tema 732).
Informativo STJ nº619

AUXÍLIO-ACIDENTE. CONCESSÃO A SEGURADO ESPECIAL. INFORTÚNIO OCORRIDO ANTES DA EDIÇÃO DA LEI N. 12.873/2013. COMPROVAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA NA QUALIDADE DE SEGURADO FACULTATIVO. DESNECESSIDADE.

O segurado especial, cujo acidente ou moléstia é anterior à vigência da Lei n. 12.873/2013, que alterou a redação do inciso I do artigo 39 da Lei n. 8.213/1991, não precisa comprovar o recolhimento de contribuição como segurado facultativo para ter direito ao auxílio-acidente. Cinge-se a controvérsia a saber se é exigível do segurado especial da Previdência Social o recolhimento de contribuição previdenciária como segurado facultativo para fins de concessão do auxílio-acidente. Registra-se, inicialmente, que após a admissão do recurso sobreveio a Lei n. 12.873, de 24 de outubro de 2013, que incluiu no rol dos benefícios previstos no inciso I do art. 39 da Lei n. 8.213/1991 o auxílio-acidente aos segurados especiais, o que sinaliza a limitação da controvérsia apenas ao período anterior a essa alteração legislativa. Com efeito, a redação original do dispositivo supra não previu, expressamente, a concessão do auxílio-acidente ao segurado especial, o que, a princípio, levaria à conclusão de que essa classe de segurados obrigatórios só teria direito a esse auxílio se recolhesse a contribuição previdenciária como segurado facultativo, nos moldes do que dispôs o inciso segundo do referido normativo. Ocorre que o § 1º do art. 18 da Lei n. 8.213/1991 assegurou o auxílio-acidente ao segurado especial, não fazendo qualquer menção à necessidade de que ele recolhesse a contribuição como facultativo. Assim, já nesse aparente conflito, deve sobressair a norma que mais reflete o caráter social e protetivo da lei previdenciária. A propósito: "Havendo colisão entre preceitos constantes nos dois diplomas normativos, deve prevalecer aquele mais favorável ao trabalhador, em face do caráter social do direito previdenciário e da observância do princípio in dubio pro misero (REsp 412.351-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 17/11/2003). Por outro lado, o custeio da referida prestação acidentária, quando existente a comercialização da produção excedente, tem previsão no inciso II do art. 25 da Lei n. 8.212/1991. Nesse contexto, evidencia-se ser indevida a exigência do duplo vínculo previdenciário por parte do segurado especial, como segurado obrigatório e facultativo, para fins de percepção do auxílio-acidente. Ademais, verifica-se que o INSS vem concedendo o auxílio-acidente aos segurados especiais na via administrativa, sem deles exigir a contribuição previdenciária como contribuinte facultativo. Desse modo, não há razão jurídica para se exigir a contribuição facultativa do segurado especial que judicializou a controvérsia se tal contribuição não foi exigida daqueles que fizeram o pedido de auxílio-acidente na via administrativa, sob pena de se tratar segurados em idêntica situação de direito de forma desigual, o que configuraria inequívoca ofensa ao postulado da isonomia. REsp 1.361.410-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 08/11/2017, DJe 21/02/2018. (Tema 627).
Informativo STJ nº619