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27/09/2017

TRIBUNAL DO JÚRI. JUNTADA DE LAUDO PERICIAL COMPLEMENTAR COM PRÉVIA ANTECEDÊNCIA DE 3 DIAS ÚTEIS. CIÊNCIA À DEFESA. NECESSIDADE.

O prazo de 3 dias úteis a que se refere o art. 479 do Código de Processo Penal deve ser respeitado não apenas para a juntada de documento ou objeto, mas também para a ciência da parte contrária a respeito de sua utilização no Tribunal do Júri. O debate jurídico cuida da melhor interpretação a ser dada ao disposto no art. 479 do Código de Processo Penal: se a lei exige apenas que, para que determinado documento seja lido no júri, deve este ser juntado aos autos até 3 dias úteis antes da sua realização, podendo a parte ser cientificada até o seu início, ou que não só a juntada, mas também a ciência da parte interessada deve ocorrer até 3 dias antes do início do júri. Com efeito, de nada serviria esta exigência legal se a ciência se desse apenas, por exemplo, às vésperas da sessão de julgamento, sem que a parte tivesse tempo suficiente para conhecer a fundo o documento e colher elementos para, se for o caso, refutá-lo. A lei seria inócua. De nada adiantaria a exigência de que o documento seja juntado em tempo razoável se não vier acompanhada da necessidade de que a parte contrária seja cientificada também em tempo razoável da juntada. Nessa linha de raciocínio, a doutrina ratifica que “não se trata de mera juntada do documento aos autos, mas sim a efetiva ciência da parte contrária, no mínimo três dias úteis antes do julgamento”. Sendo assim, considerando que a intensão do legislador é garantir o julgamento justo, permitindo às partes (defesa e acusação) conhecer de documento relevante para o julgamento e, em tempo hábil, se manifestar sobre ele, é de suma importância que a ciência da parte contrária e a juntada do documento ou exibição de objeto se dê no tríduo legal. REsp 1.637.288-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, por unanimidade, julgado em 8/8/2017, DJe 1/9/2017.

CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. CURRÍCULO LATTES. DADO QUE NÃO CONDIZ COM A REALIDADE. CONDUTA ATÍPICA.

Crime de falsidade ideológica. Não é típica a conduta de inserir, em currículo Lattes, dado que não condiz com a realidade. A plataforma Lattes é virtual e nela o usuário, mediante imposição do "login" e senha, insere as informações. Não se trata de um escrito palpável, ou seja, um papel do mundo real, mas de uma página em um sítio eletrônico. Nesse sentido, embora possa existir "documento eletrônico", não está ele presente no caso concreto, porquanto somente pode ser assim denominado aquele constante de página ou sítio na rede mundial de computadores que possa ter sua autenticidade aferida por assinatura digital. A regulamentação que garante a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica se dá pela Medida Provisória n. 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e a responsabilidade por essa base é da Autarquia Federal, o ITI – Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, ligado à Presidência da República. Reitere-se que, na hipótese, não se pode ter como documento o currículo inserido na plataforma virtual Lattes do CNPq, porque desprovido de assinatura digital e, pois, sem validade jurídica. Mas ainda que pudesse ser considerada a sua validade, para fins penais, tem-se que, como qualquer currículo, seja clássico (papel escrito) ou digital, o Currículo Lattes é passível de averiguação, ou seja, as informações nele contidas deverão ser objeto de aferição por quem nelas tem interesse, o que denota atipicidade. Nesse sentido, a doutrina afirma que "havendo necessidade de comprovação - objetiva e concomitante -, pela autoridade, da autenticidade da declaração, não se configura o crime, caso ela seja falsa ou, de algum modo, dissociada da realidade". RHC 81.451-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 22/8/2017, DJe 31/8/2017.

SOCIEDADE ANÔNIMA. ALIENAÇÃO DE AÇÕES. DIREITO AOS DIVIDENDOS. PROPRIETÁRIO OU USUFRUTUÁRIO DAS AÇÕES. MARCO TEMPORAL. DATA DO ATO DE DECLARAÇÃO. DANO PARA O EX-PROPRIETÁRIO. INEXISTÊNCIA.

Não faz jus ao recebimento de dividendos o sócio que manteve essa condição durante o exercício financeiro sobre o qual é apurado o lucro, mas se desliga da empresa, por alienação de suas ações, em data anterior ao ato de declaração do benefício. A questão controvertida consiste em saber se, em havendo declaração de dividendos e/ou juros sobre capital próprio por Companhia de exercício social, referente a período em que o ex-acionista detinha ações, é possível reconhecer dano pela antecedente alienação desses valores mobiliários. Como premissa inicial, vale destacar ser incontroverso que o ato de declaração do dividendo referente ao exercício social reclamado (por ocasião de Assembleia Geral Ordinária) ocorreu após a alienação das ações pela ex-sócia. Nessa esteira, convém assinalar que o exercício social é o período de levantamento das contas e apuração do resultado da companhia. Por meio do encerramento do exercício, verifica-se a situação patrimonial em uma determinada data. O art. 175, caput, da Lei de S.A. estabelece que o exercício terá duração de 1 (um) ano e a data do término será fixada no estatuto, sendo, pois, a anualidade estabelecida por regra cogente inderrogável. Ademais, a Lei n. 6.404/1976 exige o levantamento de balanço para a distribuição de dividendos, vedando que se leve a efeito a distribuição sem a prévia demonstração de lucros realizados e líquidos, que a justifique. Não se olvida, consoante disposto no art. 109, I, da Lei de S.A., ser direito intangível do sócio participar dos lucros sociais – que, aliás, constituem o interesse econômico imediato daquele que adquire ação -, que não pode ser privado pelo estatuto social nem pela assembleia geral (órgão máximo de deliberação da sociedade anônima, que pode tratar de quaisquer assuntos que digam respeito ao objeto social da sociedade empresária). Vale destacar que a apuração do referido lucro passa pela análise do art. 205, caput, da Lei de Sociedades Anônimas, segundo o qual “A companhia pagará o dividendo de ações nominativas à pessoa que, na data do ato de declaração do dividendo, estiver inscrita como proprietária ou usufrutuária da ação.” Ademais, não obstante a clareza do dispositivo legal, em uma interpretação sistemática do mencionado Diploma, fica nítido que essa é a única possível, visto que a existência de lucro líquido, aferido do exercício em que se tiver realizado, é pressuposto essencial à distribuição de dividendos, conforme o art. 202, parágrafos, da Lei de S.A. Dessarte, em vista das disposições legais, tão somente o fato de deter ações no período do exercício a que correspondem os dividendos, não resulta que exsurja automático direito a eles, visto que assiste direito apenas àquele que, na data do ato de declaração do dividendo, for proprietário ou usufrutuário da ação. REsp 1.326.281-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 3/8/2017, DJe 1/9/2017.

PRETENSÃO ESTIMATÓRIA (QUANTI MINORIS). NEGÓCIO JURÍDICO. VÍCIO REDIBITÓRIO. DIREITO DE USO, GOZO E FRUIÇÃO DA ÁREA DE LAJE DA COBERTURA. AUTORIZAÇÃO MUNICIPAL POSTERIOR. AFASTAMENTO DA PRETENSÃO DE ABATIMENTO DO PREÇO.

O saneamento de vício redibitório limitador do uso, gozo e fruição da área de terraço na cobertura de imóvel objeto de negócio jurídico de compra e venda – que garante o seu uso de acordo com a destinação e impede a diminuição do valor –, afasta o pleito de abatimento do preço. A principal discussão dos autos está em definir sobre a possibilidade de abatimento do preço de imóvel que, apesar de vendido com direito de uso, gozo e fruição da área de laje na cobertura, tal direito só veio realmente a existir após autorização legislativa de Prefeitura, três anos após ao ajuizamento da demanda e à celebração do negócio jurídico. Inicialmente, importante destacar que no presente caso não se trata de direito real de laje (Lei n. 13.465/2017), já que se está, em verdade, diante de uma projeção de parte ideal do mesmo apartamento - o terraço cobertura (espécie de acessão/benfeitoria) - de titularidade única, com o mesmo número de matrícula, sem desdobramento da propriedade, não se tratando de unidade autônoma nem funcionalmente independente. O Código Civil de 2002, nos arts. 441 e 442, garante ao adquirente a possibilidade de reclamar abatimento do preço de coisa com vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada ou lhe diminuam o valor. Ocorre que, na espécie, apesar de realmente ter-se reconhecido um vício oculto inicial, a coisa acabou por não ficar nem imprópria para o consumo, nem teve o seu valor diminuído, justamente em razão de ter sido sanada a anterior limitação administrativa, que permitiu a construção do gabarito nos termos em que contratado. No tocante à compra e venda de imóvel, o art. 500 do Código Civil estabelece que, na venda ad mensuram, em que a extensão exata do imóvel é fundamental para a correspondência do preço com o valor da coisa, possuindo a área dimensões menores do que a anunciada, poderá o adquirente exigir o seu complemento, a resolução do contrato ou o abatimento proporcional do preço. No entanto, no caso analisado, não houve a venda de área em extensão inferior à prometida, já que o direito de uso de dois pavimentos - inferior e cobertura -, acabou sendo efetivamente cumprido. Nessa ordem de ideias, não há falar em direito de abatimento na espécie, visto que, mesmo que em momento posterior ao ajuizamento da demanda e advindo de conduta de terceiro, fato é que o adquirente acabou recebendo o seu imóvel nos exatos moldes em que fora pactuado. Vale destacar, por fim, que, em tese e se for o caso, a parte poderá pleitear eventual indenização pelos danos materiais decorrentes do período em que acabou ficando impedida de exercer seu direito de uso, gozo e fruição da laje cobertura. REsp 1.478.254-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 8/8/2017, DJe 4/9/2017.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. ATUALIZAÇÃO. TRATAMENTO IGUALITÁRIO. NOVAÇÃO. JUROS E CORREÇÃO. DATA DO PEDIDO DA RECUPERAÇÃO.

Não ofende a coisa julgada, a decisão de habilitação de crédito que limita a incidência de juros de mora e correção monetária, delineados em sentença condenatória de reparação civil, até a data do pedido de recuperação judicial. A princípio, no que se refere à forma de cálculo dos créditos a serem habilitados, o art. 9º, II, da LRF limita-se a dispor que a habilitação de crédito deverá conter o valor do crédito atualizado até a data do pedido de recuperação judicial. Todos os créditos devem ser tratados de maneira igualitária, sejam eles fundados em título judicial ou extrajudicial, sempre com vistas à formação harmoniosa do quadro geral de credores e sua desejável realização prática a viabilizar o soerguimento da empresa. Por seu turno, o art. 49, § 2º, da LRF dispõe que as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano. Desse modo, todos os créditos serão necessariamente atualizados até a data do pedido de recuperação judicial. A partir de então, poderá o plano deliberar modificação das condições originalmente contratadas, impedindo a fluência de juros e correção monetária após o requerimento de recuperação. Com isso, aceitar a incidência de juros de mora e correção monetária em data posterior ao mencionado pedido implica negativa de vigência ao art. 9º, II, da LRF. Esse entendimento não importa em violação da coisa julgada, mas estabelece um exercício de interpretação normativa própria da matriz axiológica que norteia o instituto da recuperação judicial (art. 47). Assim, respeitada a respectiva classificação, eventual crédito oriundo de sentença condenatória por reparação de danos deve seguir o mesmo tratamento do crédito oriundo de sentença trabalhista quanto à data limite de sua atualização (art. 49). Não se questiona dos índices de atualização monetária e juros de mora previstos nos títulos, nem seus respectivos termos iniciais, pois o tratamento igualitário impõe-se a todos os créditos em relação ao termo final de sua atualização. Ressalta-se que o art. 59, da LRF dispõe que “o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos”. A novação do crédito, oriundo de sentença condenatória por reparação civil, permite o ajuste do cálculo da dívida na recuperação, sem que isso implique violação da coisa julgada, pois a execução seguirá as condições pactuadas na novação e não na obrigação extinta. REsp 1.662.793-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 8/8/2017, DJe 14/8/2017.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. INDICAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS (CID) EM REQUISIÇÕES DE EXAMES E SERVIÇOS DE SAÚDE. CONDICIONAMENTO PARA A COBERTURA DO SERVIÇO E PAGAMENTO DE HONORÁRIOS MÉDICOS. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE.

Não é abusiva a exigência de indicação da CID (Classificação Internacional de Doenças), como condição de deferimento, nas requisições de exames e serviços oferecidos pelas prestadoras de plano de saúde, bem como para o pagamento de honorários médicos. A discussão devolvida ao conhecimento do STJ está inserta em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal para imposição de obrigações de fazer e não fazer em face da ANS e de 21 operadoras de planos de saúde, entre elas, o afastamento da condicionante de indicação da CID para o deferimento de exames e o pagamento de honorários médicos. De início, cumpre explicar que CID é a denominação comumente dada à Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, confeccionada pela Organização Mundial de Saúde, tendo a importante função de codificar a classificação de doenças e sintomas e sendo uma ferramenta de diagnósticos padrão para epidemiologia, gestão de saúde e propósitos clínicos, incluindo a análise da situação geral de saúde dos grupos populacionais. A Lei n. 9.656/98 estreita, sobremaneira, a relação entre a prestação dos serviços de saúde pelas operadoras à referida ferramenta de diagnósticos padrão, pois há de se trabalhar dentro de um espectro de previsibilidade, ou seja, deverá alcançar as enfermidades catalogadas na CID. É de se notar que a exigência de menção da CID nas requisições de exames e demais serviços de saúde decorre, razoavelmente, do fato de as operadoras de planos de saúde estarem obrigadas a prestar os serviços previstos no plano-referência, e, quiçá, outros que desbordem do atendimento mínimo previsto em lei e nos regulamentos da ANS, desde que tenham respaldo contratual. Com efeito, o regime de cooperação que deve ser estabelecido no curso de relações privadas, com base na boa-fé objetiva, que é via de mão dupla, milita em favor de que sejam prestadas, também pelo consumidor/paciente, as informações necessárias para uma hígida prestação dos serviços. Desta forma, assim como se exige do fornecedor a clara e destacada discriminação de procedimentos que não estejam cobertos pelo plano contratado, há de se exigir do consumidor, também, que, preste informações relevantes e necessárias para o cumprimento da obrigação. Nesse panorama, em face da possibilidade de as requisições de exames voltarem-se a tratamentos que desbordem o plano-referência e os termos do contrato, o condicionamento da informação da CID nas requisições de serviços de saúde não se revela abusivo, tampouco representa ofensa aos princípios fundamentais consumeristas. Conclui-se, por fim, que a exigência da CID pelas operadoras de planos de saúde não se mostra iníqua ou incompatível com a boa-fé – pois a indicação da enfermidade objeto de tratamento constitui elemento intrínseco à relação estabelecida entre o paciente, o médico e a própria operadora. 

REsp 1.509.055-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 22/8/2017, DJe 25/8/2017.

AÇÃO MONITÓRIA. COBRANÇA. DÍVIDA DE JOGO. CASSINO NORTE-AMERICANO. POSSIBILIDADE.

A cobrança de dívida de jogo contraída por brasileiro em cassino que funciona legalmente no exterior é juridicamente possível e não ofende a ordem pública, os bons costumes e a soberania nacional. Inicialmente, ressalte-se que o tema merece exame a partir da determinação da lei aplicável às obrigações no domínio do direito internacional privado, analisando-se os elementos de conexão eleitos pelo legislador. Com efeito, o art. 814 do Código Civil de 2002 trata das dívidas de jogo e repete praticamente o conteúdo dos art. 1.477 a 1.480 do Código Civil de 1916, afirmando que as dívidas de jogo não obrigam a pagamento. Inova com a introdução dos parágrafos 2º e 3º, buscando corrigir omissão anterior, esclarecendo que é permitida a cobrança oriunda de jogos e apostas legalmente autorizados. O art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, por sua vez, estabelece, no que se refere às obrigações, duas regras de conexão, associando a lei do local da constituição da obrigação com a lei do local da execução. No caso em debate, a obrigação foi constituída nos Estados Unidos da América, devendo incidir o caput do referido dispositivo segundo o qual deve ser aplicada a lei do país em que a obrigação foi constituída, já que não incide o segundo elemento de conexão. Sob essa perspectiva, a lei material aplicável ao caso é a americana. Todavia, a incidência do referido direito alienígena está limitada pelas restrições contidas no art. 17 da LINDB, que retira a eficácia de atos e sentenças que ofendam a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Em primeiro lugar, não há que se falar em ofensa aos bons costumes e à soberania nacional, seja porque diversos jogos de azar são autorizados no Brasil, seja pelo fato de a concessão de validade a negócio jurídico realizado no estrangeiro não retirar o poder soberano do Estado. No tocante à ordem pública – fundamento mais utilizado nas decisões que obstam a cobrança de dívida contraída ºno exterior – cabe salientar tratar-se de critério que deve ser revisto conforme a evolução da sociedade, procurando-se certa correspondência entre a lei estrangeira e o direito nacional. Nessa perspectiva, verifica-se que ambos permitem determinados jogos de azar, supervisionados pelo Estado, sendo quanto a esses, admitida a cobrança. Consigne-se, ademais, que os arts. 884 a 886 do Código Civil atual vedam o enriquecimento sem causa – circunstância que restaria configurada por aquele que tenta retornar ao país de origem buscando impunidade civil, após visitar país estrangeiro, usufruir de sua hospitalidade e contrair livremente obrigações lícitas. Não se vislumbra, assim, resultado incompatível com a ordem pública, devendo ser aplicada, no que respeita ao direito material, a lei americana. REsp 1.628.974-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 13/6/2017, DJe 25/8/2017.

AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. VEÍCULO. REPARO. SERVIÇO CONTRATADO. PAGAMENTO. RECUSA. DIREITO DE RETENÇÃO. CONCESSIONÁRIA. BENFEITORIA. IMPOSSIBILIDADE. POSSE DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA. DETENÇÃO DO BEM.

Oficina mecânica que realiza reparos em veículo, com autorização do proprietário, não pode reter o bem por falta de pagamento do serviço. Para o adequado deslinde da questão posta no recurso especial é necessário verificar se a retenção do veículo por parte da oficina mecânica, sob a justificativa da realização de benfeitorias no bem, é conduta legítima ou caracteriza esbulho, ensejador da propositura da demanda possessória. Inicialmente, cumpre salientar que o direito de retenção decorre, por expressa disposição do art. 1.219 do CC/2002, da realização de benfeitoria por parte do possuidor de boa-fé, motivo por que é fundamental verificar se a oficina era, de fato, possuidora do veículo e, dessa forma, estaria albergada pela hipótese legal e excepcional de retenção do bem, como forma de autotutela ou, de forma diversa, se a situação em análise seria de mera detenção do automóvel, circunstância que transbordaria a previsão legal de sua retenção, sob a justificativa da realização de benfeitorias. De acordo com a doutrina "(...) nem todo o estado de fato que se exerce sobre uma coisa, ou que revela exercício de poderes sobres as coisas, pode ser considerado como relação possessória plena. Muitas situações ocorrem, nas relações materiais com as coisas, que não refletem realmente uma forma de uso ou fruição do bem com poder pleno, ou a intenção de exercer um determinado direito real. Existe um certo poder sobre a coisa. Há uma relação de disponibilidade, mas em nome alheio, ou sob outra razão. Tal relação denomina-se detenção. (...) A distinção entre posse e detenção reside num aspecto básico: na primeira, os atos possessórios são exercidos em nome próprio, ou em proveito próprio; na segunda, em nome ou proveito alheio. Nesta situação, há uma relação de dependência ou subordinação para com outrem.” Tem-se, portanto, que a oficina em nenhum momento exerce a posse do bem. É incontroverso que o veículo é deixado pelo proprietário somente para a realização de reparos, sem que isso caracterize posse, pois jamais a empresa poderia exercer poderes inerentes à propriedade do bem, relativos à sua fruição ou mesmo inerentes ao referido direito real (propriedade), nos termos do art. 1.196 do CC/2002. Assim, não há o direito de retenção, sob a alegação da realização de benfeitoria no veículo, pois, nos termos do art. 1.219 do CC/2002, tal providência é permitida ao possuidor de boa-fé, mas não ao mero detentor do bem. REsp 1.628.385-ES, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 22/8/2017, DJe 29/8/2017. 

TESTAMENTO. FORMALIDADES LEGAIS NÃO OBSERVADAS. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PRIMAZIA DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE.

O descumprimento de exigência legal para a confecção de testamento público – segunda leitura e expressa menção no corpo do documento da condição de cego – não gera a sua nulidade se mantida a higidez da manifestação de vontade do testador. O propósito recursal volta-se para a análise da validade de testamento público, cujo testador era cego e que não teria cumprido todas as formalidades legais exigidas. Na hipótese, o testamento público, apesar de produzido em cartório, lido em voz alta pelo tabelião na presença do testador e de duas testemunhas, suprimiu a exigência legal de uma segunda leitura e da expressa menção no corpo do documento da condição de cego do testador. Não é desconhecida a jurisprudência do STJ no sentido de que o testamento confeccionado, não obstante a ausência de algum elemento tido como indispensável, reproduz a manifestação de vontade do testador. Esses julgados, não obstante a reiterada insurgência calcada no art. 166, V, do CC/02 (for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade), traduzem a ideia de primazia da manifestação da vontade, quando essa não colide com preceitos de ordem pública. Dessa forma, atendidos os pressupostos básicos da sucessão testamentária – i) capacidade do testador; ii) atendimento aos limites do que pode dispor e; iii) lídima declaração de vontade – a ausência de umas das formalidades exigidas por lei, pode e deve ser colmatada para a preservação da vontade daquele que fez o testamento. E diz-se assim, pois as regulações atinentes ao instituto têm por fim teleológico, justamente, a garantia do referido desígnio. Logo, se essa vontade fica evidenciada por uma sucessão de atos e solenidades que coesamente a professam, inclusive, e principalmente, quando já falecido o autor do testamento, não há razão para, em preciosismo desprovido de propósito, exigir o cumprimento de norma que já teve o seu fim atendido. Na hipótese em análise, é certo que as exigências de dupla leitura do teor do testamento (pelo tabelião e por uma das testemunhas) e a confirmação, no próprio instrumento, da condição de cegueira do testador têm por objetivo assegurar, no momento de oposição da assinatura, o espelhamento da pretensão do de cujus em relação aos seus bens. Mas, quanto à garantia de que o testamento representa a efetiva declaração de vontade do testador, e que esse tinha plena ciência do que fazia e do seu alcance, fica evidenciada, tanto a capacidade cognitiva do testador quanto o fato de que o testamento, lido pelo tabelião, correspondia exatamente à manifestação de vontade do de cujus.

REsp 1.677.931-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 15/8/2017, DJe 22/8/2017.
Informativo STJ nº610

DIREITO DE FAMÍLIA. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 66/2010. DIVÓRCIO DIRETO. REQUISITO TEMPORAL. EXTINÇÃO. SEPARAÇÃO JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL. COEXISTÊNCIA. INSTITUTOS DISTINTOS. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE. PRESERVAÇÃO. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OBSERVÂNCIA.

A Emenda Constitucional n. 66/2010 não revogou, expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que trata da separação judicial. O ponto nodal do debate consiste em analisar se o instituto da separação judicial foi ab-rogado após o advento da Emenda à Constituição n. 66/2010. O texto constitucional originário condicionava como requisito para o divórcio a prévia separação judicial ou de fato. Por sua vez, a EC n. 66/2010 promulgada em 13 de julho de 2010 conferiu nova redação ao § 6º do art. 206 da Constituição Federal de 1988, a saber: "o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio". A alteração constitucional não revogou, expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que regula o procedimento da separação, consoante exegese do art. 2º, §§ 1° e 2°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/1942). Como se afere da sua redação, a Emenda apenas facultou às partes dissolver direta e definitivamente o casamento civil, por meio do divórcio – objeto de nova disciplina, tendo em vista a supressão do requisito temporal até então existente. A supressão dos requisitos para o divórcio pela Emenda Constitucional não afasta categoricamente a existência de um procedimento judicial ou extrajudicial de separação conjugal, que passou a ser opcional a partir da sua promulgação. Essa orientação, aliás, foi ratificada: (i) pelos Enunciados n.s 514, 515, 516 e 517 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF), ocorrida em 2010; (ii) pela nova codificação processual civil (Lei n. 13.102/2015), que manteve, em diversos dispositivos, referências ao instituto da separação judicial (Capítulo X – Das Ações de Família – art. 693 e Capítulo XV – dos Procedimentos de Jurisdição Voluntária – arts. 731, 732 e 733); (iii) pela Quarta Turma desta Corte Superior, por ocasião do julgamento do REsp 1.247.098-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 16/5/2017 – o que denota a pacificação da matéria pelos órgãos julgadores responsáveis pela uniformização da jurisprudência do STJ no âmbito do direito privado. Portanto, até que surja uma nova normatização, não se pode dizer que o instituto da separação foi revogado pela Emenda n. 66/2010. REsp 1.431.370-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 15/8/2017, DJe 22/8/2017.

EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL APÓS O LANÇAMENTO. SUJEITO PASSIVO. CONTRIBUINTE. ALIENANTE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ART. 130 DO CTN.

O alienante possui legitimidade passiva para figurar em ação de execução fiscal de débitos constituídos em momento anterior à alienação voluntária de imóvel. A questão posta nos autos consiste em determinar a responsabilidade tributária do antigo proprietário pelos débitos referentes ao IPTU constituídos em momento anterior ao da alienação voluntária do imóvel, nos termos do art. 130 do CTN. Nesse ponto, há precedentes do STJ que firmam a tese da manutenção da responsabilidade tributária do antigo proprietário na alienação do imóvel. O REsp 1.319.319-RS assevera: "Alienado bem onerado com tributos, o novo titular, não comprovando o recolhimento dos tributos imobiliários, torna-se responsável solidário pelos débitos, nos termos do art. 130 do CTN". E o REsp 1.087.275-SP prescreve: "o parágrafo único do art. 130 do CTN traz uma exceção de responsabilidade oponível apenas pelo adquirente do imóvel em hasta pública, ou seja, não beneficia o antigo proprietário". Embora os precedentes citados não tratem especificamente da responsabilidade do alienante por débitos constituídos em momento anterior à alienação voluntária do imóvel, tem-se que a força de um precedente não se restringe à sua parte dispositiva, mas abrange especialmente os seus motivos determinantes, que passam a orientar os demais juízes e tribunais sobre a correta interpretação da norma consagrada na decisão. O relevante para o caso não é a diferença, mas a semelhança entre os arestos indicados que firmaram a tese da manutenção da responsabilidade tributária do antigo proprietário na alienação do imóvel. Cumpre ressaltar que o uso de precedentes com eficácia persuasiva não se dá apenas quando os casos são absolutamente iguais, sob o aspecto fático, mas também em hipóteses juridicamente análogas, a bem da uniformidade e da coerência das decisões. Importante registrar que o distinguishing entre o caput do art. 130 do CTN e o seu parágrafo único, ao contrário de infirmar a manutenção da parte no feito, em verdade, o confirma. Isso porque, embora versem sobre situações distintas, os dois dispositivos tratam do mesmo instituto legal: sub-rogação do crédito tributário. A diferença é que a sub-rogação do caput recai sobre o adquirente do imóvel, salvo quando conste do título a prova da quitação do tributo, e a do parágrafo único recai sobre o preço, na hipótese de arrematação em hasta pública. Afora a distinção limitada ao objeto, a sub-rogação do parágrafo único é exatamente a mesma do caput. Se a sub-rogação é a mesma, os efeitos também o são, não havendo como sustentar tratamento jurídico distinto a sub-rogações disciplinadas no mesmo artigo sem previsão de regime diverso. O caput do art. 130 só pode ser interpretado em conjunto com o seu parágrafo único. E nenhuma dúvida existe de que a sub-rogação do parágrafo único não exclui a responsabilidade do proprietário anterior à transferência imobiliária. Saliente-se, por fim, que não se pode confundir a sub-rogação tributária com a civil. Enquanto nesta última o instituo é direcionado sempre no crédito e decorrente do pagamento de débito, no Direito Tributário a sub-rogação está na posição do devedor, assemelhando-se a uma cessão de dívida, com todas as consequências pertinentes. Por essas razões, o instituto estabelecido no art. 130 do CTN, pela autonomia e diversidade de regime jurídico, não conduz ao efeito almejado, tendo caráter meramente aditivo e integrador do terceiro adquirente na obrigação, com transmissão a ele da mesma posição do alienante, mas sem liberação do devedor primitivo. AgInt no AREsp 942.940-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 15/8/2017, DJe 12/9/2017.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ARTS. 22, I, E 28, I, DA LEI N. 8.212/1991. VERBA DENOMINADA QUEBRA DE CAIXA. NATUREZA SALARIAL. INEXISTÊNCIA DE CARÁTER INDENIZATÓRIO. INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. POSSIBILIDADE.

A verba relativa a “quebra de caixa” possui natureza salarial e sobre ela incide contribuição previdenciária. A divergência traçada envolve a definição da natureza da verba denominada "quebra de caixa" e a consequente incidência ou não da tributação previdenciária. O acórdão embargado entendeu que “a jurisprudência da Primeira Turma é firme no sentido de que a verba relativa à 'quebra de caixa' possui natureza indenizatória e não salarial, por essa razão não haveria incidência de contribuição previdenciária”. Por sua vez, o acórdão paradigma consignou que "a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, sendo o auxílio de 'quebra de caixa' pago com o escopo de compensar os riscos assumidos pelo empregado que manuseia numerário, deve ser reconhecida a natureza salarial da aludida parcela e, por conseguinte, a possibilidade de incidência da contribuição previdenciária". A divergência, portanto, é evidente e deve ser resolvida adotando-se o posicionamento firmado no acórdão paradigma, pelas razões que se seguem. A análise da origem e da razão de ser da verba "quebra de caixa", à luz da interpretação sistemática dos arts. 195, I, ‘a’, e 201, § 11, da CF/1988, bem como dos arts. 22, I, e 28, I, da Lei n. 8.212/1991, denota que aquela quantia se amolda ao conceito de remuneração para fins de incidência da contribuição previdenciária patronal, pois se revela pagamento habitual e, embora não pareça, destina-se a retribuir o trabalho em razão da prestação do serviço ao empregador. Apesar de a quantia em análise servir para "compensar" eventuais diferenças de caixas a serem descontadas da remuneração do empregado, este pagamento não tem finalidade indenizatória tendente a recompor o patrimônio do trabalhador em decorrência de uma lesão, pois o desconto autorizado em face da diferença de caixa não se revela ilícito a exigir uma reparação de dano. É o que se depreende da leitura do art. 462, caput, e § 1º, da CLT. Registre-se, por oportuno, que a verba "quebra de caixa" não consta do rol do § 9º do art. 28 da Lei n. 8.212/1991, ou de qualquer outra norma apta a lhe excluir do conceito de salário de contribuição. Por fim, registre-se que a Justiça Trabalhista, cuja competência jurisdicional compreende também a execução, de ofício, das contribuições previdenciárias patronais (CF, art. 114, VIII), firmou, nos termos da Súmula 247 do TST, a seguinte compreensão: "A parcela paga aos bancários sob a denominação 'quebra de caixa' possui natureza salarial, integrando o salário do prestador de serviços, para todos os efeitos legais". EREsp 1.467.095-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. para acórdão Min. Og Fernandes, por maioria, julgado em 10/5/2017, DJe 6/9/2017.

CABIMENTO DE EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA CONTRA ACÓRDÃO QUE, A DESPEITO DE NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL, EXAMINOU O MÉRITO DA CONTROVÉRSIA, APLICANDO O ÓBICE DA SÚMULA 83/STJ. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 315/STJ.

Cabem embargos de divergência no âmbito de agravo que não admite recurso especial com base na Súmula 83/STJ para dizer que, no mérito, o acórdão impugnado estaria em sintonia com o entendimento firmado por esta Corte Superior. Trata-se de embargos de divergência em que se discute, preliminarmente, sua admissibilidade em razão de ter sido interposto contra acórdão que negou provimento a agravo regimental e manteve decisão monocrática que negou seguimento ao agravo em recurso especial com aplicação da Súmula 83/STJ. Inicialmente, consigna-se que a Corte Especial do STJ decidiu que é admitida a oposição de embargos de divergência contra acórdão exarado em sede de agravo em recurso especial, quando a decisão, fundada no art. 544, § 4°, "c", do CPC/73, conhece do agravo para dar provimento ao recurso especial, ocasião em que estaria ocorrendo verdadeiro julgamento do mérito do apelo, bem como que, naqueles casos em que o agravo é conhecido, mas nega-se seguimento ao recurso especial, não se admitiria a interposição de embargos de divergência, já que em tais hipóteses não haveria ocorrido o enfrentamento do mérito da controvérsia, a ensejar a incidência da Súmula 315/STJ, segundo a qual "não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial". No entanto, destaque-se que os precedentes que deram origem ao Enunciado da Súmula 315/STJ referem-se acerca do não cabimento de embargos de divergência em sede de agravo de instrumento no recurso especial (atual agravo em recurso especial) quando o acórdão embargado não tivesse examinado o mérito do recurso especial, limitando-se a obstar o seu seguimento em razão da existência de óbices de admissibilidade. Desse modo, o impedimento da Súmula 315/STJ aplica-se apenas naqueles casos em que os embargos de divergência buscam o reexame de pressupostos de conhecimento do recurso especial, pois referido recurso tem por finalidade exclusiva a uniformização da jurisprudência interna do Tribunal quanto à interpretação do direito em tese, não servindo para discutir o acerto ou desacerto na aplicação de regra técnica de conhecimento de apelo nobre. Outrossim, em que pese existirem precedentes em sentido diverso, nos casos em que o acórdão embargado obsta o recurso especial com base na Súmula 83/STJ ("Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida"), para dizer que, no mérito, o acórdão impugnado estaria em sintonia com o entendimento firmado pelo STJ, não restam dúvidas de que houve exame do mérito da controvérsia recursal, não havendo razões para negar-se o direito da parte de interpor o competente embargos de divergência. EAREsp 200.299-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, por unanimidade, julgado em 23/8/2017, DJe 1/9/2017.

ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. IMPOSSIBILIDADE.

Associação de Municípios e Prefeitos não possui legitimidade ativa para tutelar em juízo direitos e interesses das pessoas jurídicas de direito público. Na origem, trata-se de ação proposta por associação dos Municípios e Prefeitos em desfavor da União, objetivando a condenação desta à complementação dos valores do FUNDEF, visto haver diferenças a serem recebidas. Nesse contexto, a discussão se limita a examinar a possibilidade de representação judicial de Municípios por meio de associações. Inicialmente, cumpre salientar que, conforme a literalidade do texto constitucional, ao contrário dos sindicatos, que têm legitimidade para atuar como substitutos processuais de seus associados, na via do Mandado de Segurança Coletivo ou nas vias ordinárias, as associações só têm legitimidade para atuar como substitutas processuais em Mandado de Segurança Coletivo (art. 5º, LXX, “b”, da Constituição), ocorrendo sua atuação nas demais ações por meio de representação. É importante consignar que, para a representação judicial pelas associações há a necessidade de que lhes seja conferida autorização, que deve ser expressa, na forma estabelecida no art. 5º, XXI, da CF/88, sendo insuficiente previsão genérica do estatuto da associação. No que se refere à representação judicial dos Municípios, sequer deve se considerar a necessidade ou não de autorização às associações para a tutela em juízo, pois, nos moldes do art. 12, II, do CPC/1973 e do art. 75, III, do CPC/2015, a representação judicial desses entes federados deve ser, ativa e passivamente, exercida por seu Prefeito ou Procurador. Nesse mesmo sentido registre-se que, “a representação do ente municipal não pode ser exercida por associação de direito privado, haja vista que se submete às normas de direito público. Assim sendo, insuscetível de renúncia ou de delegação a pessoa jurídica de direito privado, tutelar interesse de pessoa jurídica de direito público sob forma de substituição processual” (AgRg no AREsp 104.238-CE, Relator Ministro Francisco Falcão, DJe 7/5/2012; RMS 34.270-MG, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJe 28/10/2011). Por fim, conclui-se que, em qualquer tipo de ação, permitir que os Municípios sejam representados por associações equivaleria a autorizar que eles dispusessem de uma série de privilégios materiais e processuais estabelecidos pela lei em seu favor. E, como esses privilégios visam a tutelar o interesse público, não há como os Munícipios disporem deles ajuizando suas ações por meio de associações, pois o interesse público é indisponível.
REsp 1.503.007-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 14/6/2017, DJe 6/9/2017.
Informativo STJ nº610

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. NATUREZA CONSTITUTIVA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 6º DA LEI N. 11.101/2005.

O fato da empresa se encontrar em recuperação judicial não obsta a homologação de sentença arbitral estrangeira. Cinge-se a controvérsia a saber se o art. 6º da Lei 11.101/2005, que prevê a suspensão de todas as ações e execuções em face do devedor com o deferimento do processamento da recuperação judicial, constitui óbice à homologação de sentença arbitral estrangeira que imputa à recuperanda obrigação de pagar. Inicialmente, cumpre salientar que, em consonância com a Lei n. 11.101/2005, a recuperação judicial tem o escopo precípuo de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, com vistas a permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Essa é a razão de ser do art. 6º do referido diploma legal. Em paralelo, é de sabença que o processo de homologação de sentença estrangeira tem natureza constitutiva, destinando-se a viabilizar a eficácia jurídica de um provimento jurisdicional alienígena no território nacional, de modo que tal decisão possa vir a ser aqui executada. A homologação é, portanto, um pressuposto lógico da execução da decisão estrangeira, não se confundindo, por óbvio, com o próprio feito executivo, o qual será instalado posteriormente - se for o caso -, e em conformidade com a legislação pátria. Nessa linha de intelecção, não há falar na incidência do art. 6º, § 4º, da Lei de Quebras como óbice à homologação de sentença arbitral internacional, uma vez que se está em fase antecedente, apenas emprestando eficácia jurídica a esse provimento, a partir do que caberá ao Juízo da execução decidir o procedimento a ser adotado. Ressoa evidente, portanto, que o processo de homologação de sentença estrangeira em face de recuperanda não exerce nenhum efeito coibitivo ao princípio da preservação da empresa. Ainda que assim não fosse, é certo que a suspensão da exigibilidade do direito creditório, prevista no mencionado dispositivo legal é temporária, não implicando a extinção do feito executivo, haja vista que a recuperação judicial de sociedade devedora não atinge o direito material do credor. SEC 14.408-EX, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 21/6/2017, DJe 31/8/2017.

13/09/2017

PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. FRUSTRAÇÃO NA REALIZAÇÃO DE DELAÇÃO PREMIADA NÃO AUTORIZA A IMPOSIÇÃO DE SEGREGAÇÃO CAUTELAR.

O descumprimento de acordo de delação premiada ou a frustração na sua realização, isoladamente, não autoriza a imposição da segregação cautelar. A questão controvertida consiste em analisar se a frustração na realização de acordo de delação premiada consiste em fundamentação apta a justificar a imposição de prisão preventiva. Inicialmente, vale destacar que a decretação da prisão preventiva, em qualquer hipótese, deve observar a presença dos requisitos delineados no art. 312 do Código de Processo Penal. A prisão provisória, por esse motivo, somente pode ser imposta se for necessária para garantir a ordem pública, a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. Por outro lado, o simples fato de ter sido frustrado acordo de colaboração premiada, ou mesmo o seu descumprimento, por si só, não justifica a imposição do cárcere (Nesse sentido: HC 138.207, 2ª Turma, Rel. Min. Edson Fachin). Em outras palavras, a prisão provisória não pode ser utilizada como "moeda de troca" ou punição antecipada àquele que, réu em processo penal, celebra ou está em vias de celebrar o mencionado acordo. Outrossim, como se depreende do julgado da Suprema Corte, A Lei n. 12.850/2013 não apresenta a revogação da prisão preventiva como benefício previsto pela realização de acordo de colaboração premiada. Tampouco há previsão de que, em decorrência do descumprimento do acordo, seja restabelecida prisão preventiva anteriormente revogada. Portanto, a celebração de acordo de colaboração premiada não é, por si só, motivo para revogação de prisão preventiva. HC 396.658-SP, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, por unanimidade, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017.

TRÁFICO DE ENTORPECENTES. MOMENTO DO INTERROGATÓRIO. ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO. NOVO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO EXCELSO NO BOJO DO HC 127.900/AM. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. PUBLICAÇÃO DA ATA DE JULGAMENTO. ACUSADO INTERROGADO NO INÍCIO DA INSTRUÇÃO.

Os procedimentos regidos por leis especiais devem observar, a partir da publicação da ata de julgamento do HC 127.900/AM do STF (11.03.2016), a regra disposta no art. 400 do CPP, cujo conteúdo determina ser o interrogatório o último ato da instrução criminal. A controvérsia jurídica cinge-se a analisar suposta nulidade na realização do interrogatório, como primeiro ato da instrução processual, de acusado pela prática de cometer crime de tráfico de drogas. Há longa data, o Superior Tribunal de Justiça, com o aval da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, vinha entendendo, com assento no princípio da especialidade, que a nova sistemática estabelecida pelo art. 400 do CPP, com a redação conferida pela Lei n. 11.719/2008 – que transpôs a oitiva do acusado para o fim da audiência –, não se aplicaria ao procedimento próprio descrito nos arts. 54 a 59 da Lei de Drogas, segundo a qual o interrogatório ocorreria em momento anterior à oitiva das testemunhas, na forma como preconiza o art. 57 do referido diploma legal. Ocorre que, no julgamento do HC n. 127.900/AM, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 3/8/2016, a Suprema Corte, por seu Plenário, realizou uma releitura do artigo 400 do CPP, à luz do sistema constitucional acusatório e dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Naquela assentada, reconheceu-se, em razão de mostrar-se mais compatível com os postulados que informam o estatuto constitucional do direito de defesa, uma evolução normativa sobre a matéria, de forma que, por ser mais favorável ao réu e por se revelar mais consentânea com as novas exigências do processo penal democrático, a norma contida no art. 400 do CPP, na redação dada pela Lei n. 11.719/08, deveria irradiar efeitos sobre todo o sistema processual penal, ramificando-se e afastando disposições em sentido contrário, mesmo em procedimentos regidos por leis especiais. Arredou-se, pois, o consagrado critério de resolução de antinomias – princípio da especialidade –, em favor de uma interpretação teleológica em sintonia com o sistema acusatório constitucional, sem que tenha havido, no entanto, declaração de inconstitucionalidade das regras em sentido contrário predispostas em leis especiais ou mesmo da redação originária do art. 400 do CPP. Em conclusão: o interrogatório passa a ser o último ato da instrução, sendo que a Lei n. 11.719/2008, geral e posterior, prepondera sobre as disposições em contrário presentes em leis especiais. Por fim, importante ressaltar que, em atenção ao princípio da segurança jurídica, foi realizada a modulação dos efeitos da decisão da Corte Suprema, pelo que a nova interpretação dada somente teria aplicabilidade a partir da publicação da ata daquele julgamento, ocorrida em 11.03.2016 (DJe n. 46, divulgado em 10/3/2016). A partir desse marco, portanto, incorreriam em nulidade os processos em que o interrogatório fosse o primeiro ato da instrução. HC 397.382-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 3/8/2017, DJe 14/8/2017.

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. LESÃO CORPORAL LEVE QUALIFICADA PELA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA FAMILIAR. ART. 129, § 9º, DO CP. BRIGA ENTRE IRMÃOS. AMBIENTE DE TRABALHO. IRRELEVÂNCIA. VÍNCULO FAMILIAR. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CARACTERIZADA.

Não é inepta a denúncia que se fundamenta no art. 129, § 9º, do CP – lesão corporal leve –, qualificada pela violência doméstica, tão somente em razão de o crime não ter ocorrido no ambiente familiar.  A controvérsia de que trata o habeas corpus envolve discussão a respeito do trancamento da ação penal, em razão de alegada inépcia da denúncia fundamentada no art. 129, § 9º, do Código Penal. Isso porque, a conduta estabelecida no tipo penal não se amoldaria às hipóteses em que a agressão física, ainda que entre irmãos, tenha ocorrido na sede da empresa em que o autor e a vítima trabalhavam. Com efeito, da simples leitura do artigo mencionado, verifica-se que a lesão corporal qualificada pela violência doméstica não exige que as agressões ocorram em contexto familiar de forma peremptória, apresentando, em verdade, diversos núcleos alternativos. Portanto, cuidando-se de lesões corporais praticadas contra irmão, a conduta já se encontra devidamente subsumida ao tipo penal tratado, o qual não exige que a lesão seja contra familiar e também em contexto familiar, sendo suficiente a configuração da primeira elementar. De acordo com a doutrina, nesses casos, é "dispensável a coabitação entre o autor e a vítima, bastando existir a referida relação parental. Assim, se numa confraternização de família, que há muito não se reunia, um irmão, vindo de Estado longínquo, agride o outro, ferindo-o na sua saúde física ou mental, terá praticado o crime de violência doméstica". 

RHC 50.026-PA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, por unanimidade, julgado em 3/8/2017, DJe 16/8/2017.

FAMÍLIA. ABANDONO MATERIAL. MENOR. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA MATERIAL AO FILHO. ATO ILÍCITO. DANOS MORAIS. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE.

A omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo material do filho gera danos morais, passíveis de compensação pecuniária. Cinge-se a controvérsia a definir se é possível a condenação em danos morais do pai que deixa de prestar assistência material ao filho. Inicialmente, cabe frisar que o dever de convivência familiar, compreendendo a obrigação dos pais de prestar auxílio afetivo, moral e psíquico aos filhos, além de assistência material, é direito fundamental da criança e do adolescente, consoante se extrai da legislação civil, de matriz constitucional (Constituição Federal, art. 227). Da análise dos artigos 186, 1.566, 1.568, 1.579 do CC/02 e 4º, 18-A e 18-B, 19 e 22 do ECA, extrai-se os pressupostos legais inerentes à responsabilidade civil e ao dever de cuidado para com o menor, necessários à caracterização da conduta comissiva ou omissiva ensejadora do ato ilícito indenizável. Com efeito, o descumprimento voluntário do dever de prestar assistência material, direito fundamental da criança e do adolescente, afeta a integridade física, moral, intelectual e psicológica do filho, em prejuízo do desenvolvimento sadio de sua personalidade e atenta contra a sua dignidade, configurando ilícito civil e, portanto, os danos morais e materiais causados são passíveis de compensação pecuniária. Ressalta-se que – diferentemente da linha adotada pela Terceira Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do REsp 1.159.242-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi – a falta de afeto, por si só, não constitui ato ilícito, mas este fica configurado diante do descumprimento do dever jurídico de adequado amparo material. Desse modo, estabelecida a correlação entre a omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo material e os danos morais ao filho dali decorrentes, é possível a condenação ao pagamento de reparação por danos morais, com fulcro também no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal). 

REsp 1.087.561-RS, Rel. Min. Raul Araújo, por unanimidade, julgado em 13/6/2017, DJe 18/8/2017.

AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE DIREITOS SOBRE CONCESSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO. POSSIBILIDADE.

Na dissolução de união estável, é possível a partilha dos direitos de concessão de uso para moradia de imóvel público. A discussão dos autos está em definir sobre a possibilidade de partilha dos direitos à concessão de uso em imóvel público, decorrente de programa habitacional voltado à população de baixa renda. Inicialmente, cumpre salientar que os entes governamentais têm se valido do instituto da concessão de uso como meio de concretização da política habitacional e de regularização fundiária, conferindo a posse de imóveis públicos para a moradia da população carente.  Especificamente com relação à concessão de uso especial para fins de moradia, sua previsão legal deu-se, inicialmente, pelo Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/01, art. 4°, V, h), como espécie do gênero concessão de uso, em um mecanismo voltado a conferir efetividade à função social das cidades e da propriedade urbana, regularizando áreas públicas ocupadas por possuidores e suas famílias. No entanto, em razão do veto presidencial de diversos outros dispositivos, sua regulamentação só veio a ser efetivada pela MP n. 2.220/2001. Trata-se de hipótese, cuja natureza contratual foi afastada pela doutrina, por ser uma atividade vinculada, voltada a reconhecer ao ocupante, preenchidos os requisitos, o direito subjetivo à concessão para moradia. No caso analisado, a concessão feita pelo Estado voltou-se a atender a morada da família, havendo, inclusive, expedição de instrumento em favor do casal, para a regularização do uso e da posse do imóvel.   Nesse ponto, fato é, que a concessão permitiu à família o direito privativo ao uso do bem. Diante desse contexto, é plenamente possível a meação dos direitos sobre o imóvel em comento. Apesar de não haver a transferência de domínio, a concessão também se caracteriza como direito real, oponível erga omnes, notadamente com a inclusão do inciso XI ao art. 1.225 do Código Civil. Com efeito, a concessão de uso de bens destinados a programas habitacionais, apesar de não se alterar a titularidade do imóvel e ser concedida, em regra, de forma graciosa, possui, de fato, expressão econômica. Dessa forma, não há como afastar a repercussão patrimonial do direito em questão para fins de meação, até porque, mesmo que intitulada de gratuita, a onerosidade da concessão é reconhecida por conferir, segundo a doutrina, “ao particular o direito ao desfrute do valor de uso em situação desigual em relação aos demais particulares, fazendo natural que haja uma carga econômica a recair sobre o beneficiário". REsp 1.494.302-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 13/6/2017, DJe 15/8/2017.

CAUTELAR. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO. DOCUMENTO COMUM. ART. 844, II, DO CPC/1973.

O conceito de documento comum, previsto no art. 844, II, do CPC/1973, não se limita àquele pertencente a ambas as partes, mas engloba também o documento sobre o qual elas têm interesse comum, independentemente de o solicitante ter participado de sua elaboração. Cinge-se a controvérsia a definir se é possível o pedido de exibição de documento que não pertence à parte requerente, que sequer participou de sua elaboração. Na origem, houve pedido de exibição de documentos firmados entre a parte requerida e um terceiro estranho à lide a fim de instruir ação judicial de cobrança de créditos. Do quadro apresentado, percebe-se que o documento almejado não é próprio do autor nem comum às partes, mas relacionado ao contrato que será objeto de futura ação. Nesse ponto, versa o artigo 844, inciso II, do CPC/73 que: "Tem lugar, como procedimento preparatório, a exibição judicial: II - de documento próprio ou comum, em poder de co-interessado, sócio, condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que o tenha em sua guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios. De fato, a parte não participou da elaboração do documento cuja exibição pretende que lhe seja deferida. No entanto, o conceito de documento comum não se limita àquele pertencente a ambas as partes, mas engloba também o documento sobre o qual elas têm interesse comum ou em que estão envolvidas. Nesse sentido há entendimento jurisprudencial exarado pela E. Quarta Turma (REsp 1.141.985-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/02/2014, DJe 07/04/2014). A ratificar a tese, vale mencionar a seguinte orientação: "(...) A doutrina do documento comum, como observa La China, conduziu ao estabelecimento do pressuposto do interesse comum para a ação de exibição de documento. A partir desta nova construção doutrinária, passou a ter relevância para a ação não mais o fato de ser comum o documento, e sim a afirmação de ter o requerente, que pretende vê-lo exibido, interesse comum em seu conteúdo". REsp 1.645.581-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 8/8/2017, DJe 15/8/2017.

FALÊNCIA. CÁLCULO DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA EM HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. DECRETAÇÃO DA QUEBRA. EFEITOS MATERIAIS QUE INCIDEM DESDE A PROLAÇÃO DA SENTENÇA INDEPENDENTEMENTE DA PUBLICAÇÃO.

No processo de falência, a incidência de juros e correção monetária sobre os créditos habilitados deve ocorrer até a decretação da quebra, entendida como a data da prolação da sentença e não sua publicação. O propósito recursal é decidir sobre qual o momento que se considera decretada a falência para fins de atualização do crédito. De início, observa-se que essa tese de direito diz respeito à interpretação dos arts. 9º, II e 124 da Lei 11.101/05 (LFRE), que dispõe, respectivamente, acerca da habilitação de crédito pelo credor nos termos do art. 7º § 1º da LRFE e a exigibilidade de juros contra a massa falida após a decretação de falência. A partir dessas disposições legislativas, discute-se acerca da correta interpretação das expressões “data da decretação da falência” (art. 9º, II) e “decretação da falência” (art. 124), analisando se devem ser interpretadas à luz do princípio da publicidade que rege a prática de todos os atos processuais, de modo que alcancem o significado de “data da publicação da sentença de decretação da falência”. Entretanto, observa-se que a lei falimentar não condicionou os efeitos da falência à publicação da sentença de quebra, que decorre da própria natureza jurídica declaratória da sentença de falência. Em análise sistemática da LFRE, percebe-se que desde a decretação da quebra o falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial, além de perder o direito de administrar seus bens ou deles dispor. Além disso, verifica-se que quando há situação específica a ser regulada de modo diverso a LFRE dispõe expressamente quando o termo inicial será a publicação do pronunciamento judicial. Ademais, é importante verificar o tratamento paritário entre todos os credores, pois a suspensão da fluência dos juros e a antecipação do vencimento das obrigações do falido viabilizam a equalização dos créditos. Assim, em prol da igualdade, deve ser utilizada a mesma data limite (decretação da quebra) para atualização dos valores que hão de compor o quadro geral de credores. 


REsp 1.660.198-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 3/8/2017, DJe 10/8/2017.

FAMÍLIA. AÇÃO DE CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO. OBRIGATORIEDADE DE FORMULAÇÃO EXCLUSIVAMENTE PELA VIA ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA. CONVERSÃO PELA VIA JUDICIAL. POSSIBILIDADE.

Os arts. 1.726, do CC/2002 e 8º, da Lei n. 9.278/96 não impõem a obrigatoriedade de que se formule pedido de conversão de união estável em casamento pela via administrativa, antes de se ingressar com pedido judicial. Cinge-se a controvérsia a reconhecer a existência de interesse de agir para a propositura de ação de conversão de união estável em casamento, considerando a possibilidade do procedimento ser efetuado extrajudicialmente. No que se refere ao art. 8º da Lei n. 9.278/1996, de fato, uma interpretação literal do dispositivo supracitado levaria à conclusão de que a via adequada para a conversão de união estável em casamento é a administrativa. Consequentemente, seria possível afirmar que a via judicial só seria acessível aos contratantes quando for negado pedido extrajudicial, configurando verdadeiro pressuposto de admissibilidade. Ocorre, entretanto, que a norma prevista no referido artigo não se encontra isolada no sistema jurídico. Conforme se depreende da literalidade do seu art. 226, § 3º, a Constituição Federal optou por estabelecer que, de forma a oferecer proteção adequada à família, a lei deve facilitar a conversão de união estável em casamento. Assim, em vista da hierarquia do texto constitucional, a interpretação dos arts. 1.726, do CC e 8º da Lei n. 9.278/96 deve se dar em observância ao objetivo delineado constitucionalmente, qual seja, a facilitação da conversão de modalidade familiar. Observa-se quanto aos artigos ora em análise que não há, em nenhum deles, uma redação restritiva ou o estabelecimento de uma via obrigatória ou exclusiva, mas, tão somente, o oferecimento de opções: o art. 8º da Lei n. 9.278/96 prevê a opção de se obter a conversão pela via extrajudicial, enquanto o art. 1.726, do CC/2002 prevê a possibilidade de se obter a conversão pela via judicial. Ainda, considerando que a Lei n. 9.278/96 é anterior ao Código Civil de 2002, a única interpretação que permite a coexistência entre as duas normas no sistema jurídico é a de que nenhuma delas impõe procedimento obrigatório. Entendimento contrário levaria à exclusão do art. 8º da referida lei­­ do sistema jurídico, vez que a norma posterior revoga a anterior. 

REsp 1.685.937-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 17/8/2017, DJe 22/8/2017.

REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATOS PRATICADOS POR DEPUTADO FEDERAL. OFENSAS VEICULADAS PELA IMPRENSA E POR APLICAÇÕES DE INTERNET. IMUNIDADE PARLAMENTAR. ALCANCE DE LIMITAÇÕES. ATOS PRATICADOS EM FUNÇÃO DO MANDATO LEGISLATIVO. NÃO ABRANGÊNCIA DE OFENSAS PESSOAIS. VIOLÊNCIA À MULHER.

As opiniões ofensivas proferidas por deputados federais e veiculadas por meio da imprensa, em manifestações que não guardam nenhuma relação como o exercício do mandato, não estão abarcadas pela imunidade material prevista no art. 53 da CF/88 e são aptas a gerar dano moral. O propósito recursal consiste em determinar se a imunidade parlamentar torna inexigível a reparação por danos morais, em razão de ofensas, sem relação com o mandato, veiculadas tanto no Plenário da Câmara dos Deputados quanto em entrevista divulgada na imprensa e em aplicações na internet. Inicialmente, cabe pontuar que a Constituição outorga aos membros do Poder Legislativo, de maneira irrenunciável, a imunidade parlamentar para o desempenho de suas funções com autonomia e independência. Dentre as imunidades, destacam-se as materiais que garantem a inviolabilidade penal e civil dos parlamentares por suas opiniões, palavras e votos, cumprindo ressaltar que não podem ser consideradas como prerrogativas absolutas, sem exceções em casos específicos. Na hipótese analisada, as manifestações feitas, no sentido de ofender deputada afirmando que não “mereceria ser estuprada” não guardam qualquer relação com a atividade parlamentar e, portanto, não incide a imunidade prevista no art. 53 da CF. No que tange à potencialidade indenizatória da agressão, cabe salientar serem múltiplos os fundamentos para a compensação dos danos morais. Sob o prisma constitucional, tem-se o princípio da dignidade da pessoa humana. No plano infraconstitucional, tem-se que a edição do atual Código Civil tratou adequadamente a questão, em verdadeiro avanço à codificação anterior. No CC/02, o art. 186 exerce a função de cláusula geral de responsabilidade civil, com previsão expressa do dano moral, afastando qualquer dúvida que poderia haver. A reparabilidade dos danos morais exsurge no plano jurídico a partir da simples violação, ou seja, existente o evento danoso, surge a necessidade de reparação, observados os pressupostos da responsabilidade civil em geral. Uma consequência do afirmado acima seria a prescindibilidade da prova de dano em concreto à subjetividade do indivíduo que pleiteia a indenização. Cumpre notar que a ofensa perpetrada toca em uma questão nevrálgica, de extrema sensibilidade para a sociedade brasileira, que é a violência contra a mulher. Ademais, percebe-se que a mensagem publicada pelo Deputado encontrou grande reverberação em seu público, o que tem a nefasta consequência de reforçar a concepção bárbara de que, nos crimes sexuais, a vítima concorre para a ocorrência do delito. Ao afirmar que a deputada não “mereceria” ser estuprada, atribui-se ao crime a qualidade de prêmio, de benefício à vítima, em total arrepio do que prevê o ordenamento jurídico em vigor. Ao mesmo tempo, reduz a pessoa da recorrida à mera coisa, objeto, que se submete à avaliação do ofensor se presta ou não à satisfação de sua lascívia violenta. Conclui-se, portanto, pela presença de danos à pessoa da ofendida, ensejando a necessária reparação pelos danos morais causados pelo recorrente. REsp 1.642.310-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 15/8/2017, DJe 18/8/2017.

COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. INJÚRIAS IRROGADAS A POLICIAL MILITAR DURANTE SHOW MUSICAL. POSSIBILIDADE.

As ofensas generalizadas proferidas por artista a policiais militares que realizavam a segurança ostensiva durante show musical implicam dano moral in re ipsa, indenizável a cada um dos agentes públicos. A questão posta nos autos consiste em definir se a manifestação de cantora que proferiu injúrias genéricas, ofensivas e de maneira exasperada, dirigida a um grupo de policiais militares que trabalhavam em show promovido pela artista possui potencialidade ofensiva para subsidiar o pleito de indenização por danos morais ajuizado por um dos agentes públicos. Inicialmente, fixa-se que, no caso analisado, os militares estavam na apresentação da artista em exercício legítimo da atividade de policiamento ostensivo e preservação da ordem pública, próprias das atividades da Polícia Militar no sistema de segurança brasileiro. A repressão a uma atividade ilegal – uso de substâncias entorpecentes –, a priori, não pode ser taxada como abusiva, pois se enquadra em uma das possibilidades de atuação da força policial, que é coibir a prática de ilicitude. Calha ressaltar que a generalidade da crítica proferida atingiu a cada um de forma individuada, porque foram, pessoalmente, aviltados enquanto atuavam nos limites legais impostos, e sob ordens expressas de seus superiores. Nesse cenário, a contraposição a uma legítima atuação dos policiais militares, pela artista, de maneira exasperada e extremamente ofensiva que, confessadamente proferiu injúrias contra todos os militares presentes ao show, erige-se como o primeiro pilar necessário para a caracterização do dano moral indenizável: a antijuridicidade da conduta praticada. Por seu turno, no que toca especificamente ao dano, a ilicitude está nas injúrias irrogadas aos policiais que estavam exercendo o múnus próprio das forças de segurança ostensivas. É inegável também que as injúrias proferidas repercutiram de forma mais retumbante no imo daqueles policiais, pois vieram de uma pessoa pública, que tem reconhecida capacidade de influenciar e formar opiniões, razão pela qual, maior cautela se exigiria de suas manifestações. Assim, o dano, na hipótese, exsurge da própria injúria proferida pela artista, pois a vulneração ao sentimento de autoestima do agente público, que já seria suficiente para gerar o dano moral compensável, é suplantado, na hipótese específica, pela percepção que os impropérios proferidos, atingiriam um homem médio em sua honra subjetiva, fato suficiente para demonstrar a existência de dano, na hipótese, in re ipsa. De se dizer, por fim, que o direito de criticar a atuação de agentes públicos no exercício de suas atividades, não pode ser exercido sem limites, a ponto de chegar a configurar uma injúria, ilícito que tem potencial para causar dano e, por conseguinte, passível de compensação, mormente quando não se demonstra, cabalmente, que a atuação policial aviltada, foi desnecessária ou com o uso excessivo e desproporcional de força. REsp 1.677.524-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 3/8/2017, DJe 10/8/2017.