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27/10/2019

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DANO MORAL IN RE IPSA. VALOR MÍNIMO PARA A REPARAÇÃO CIVIL. ART. 387, IV, DO CPP. POSTERIOR RECONCILIAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. EXECUÇÃO DO TÍTULO. OPÇÃO DA VÍTIMA.

A reconciliação entre a vítima e o agressor, no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher, não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração penal. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.675.874/MS, fixou a compreensão de que a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher implica a ocorrência de dano moral in re ipsa, de modo que, uma vez comprovada a prática delitiva, é desnecessária maior discussão sobre a efetiva comprovação do dano para a fixação de valor indenizatório mínimo. A atitude de violência doméstica e familiar contra a mulher está naturalmente imbuída de desonra, descrédito e menosprezo à dignidade e ao valor da mulher como pessoa. Desse modo, mostra-se necessária a reparação dos danos causados pela infração. A posterior reconciliação entre a vítima e o agressor não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo previsto no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, seja porque não há previsão legal nesse sentido, seja porque compete à própria vítima decidir se irá promover a execução ou não do título executivo, sendo vedado ao Poder Judiciário omitir-se na aplicação da legislação processual penal que determina a fixação de valor mínimo em favor da vítima. REsp 1.819.504-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 10/09/2019, DJe 30/09/2019.
Informativo STJ nº657

PRISÃO DOMICILIAR. FREQUENTAR CULTO RELIGIOSO DURANTE O PERÍODO NOTURNO. POSSIBILIDADE. CUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES PELO REEDUCANDO. NECESSIDADE.

Reeducando, em prisão domiciliar, pode ser autorizado a se ausentar de sua residência para frequentar culto religioso no período noturno. O benefício da prisão domiciliar possui normas de conduta a serem cumpridas, entre elas o recolhimento domiciliar até às 19h. Dessa forma, as atividades profissionais e pessoais devem se adequar aos horários e obrigações pré-estabelecidos. Ocorre, todavia, que o cumprimento de prisão domiciliar não impede a liberdade de culto, quando compatível com as condições impostas ao reeducando, atendendo à finalidade ressocializadora da pena. Ademais, considerada a possibilidade de controle do horário e de delimitação da área percorrida por meio do monitoramento eletrônico, o comparecimento a culto religioso não representa risco ao cumprimento da pena. Assim, não havendo notícia do descumprimento das condições impostas pelo juízo da execução, admite-se ao executado, em prisão domiciliar, ausentar-se de sua residência para frequentar culto religioso, no período noturno. REsp 1.788.562-TO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 17/09/2019, DJe 23/09/2019.
Informativo STJ nº657

HABEAS CORPUS. PREJUDICADO. SUPERVENIÊNCIA DE ACORDO DE TRANSAÇÃO PENAL.

A concessão do benefício da transação penal impede a impetração de habeas corpus em que se busca o trancamento da ação penal. A defesa impetrou, perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, habeas corpus, no qual aduziu a inépcia da denúncia e a ausência de justa causa para a ação penal. Nesse interregno, sobreveio alteração da capitulação legal dos fatos narrados e, por conseguinte, a formulação de proposta de transação penal, que foi aceita pela defesa, razão pela qual o referido writ foi julgado prejudicado de forma monocrática. A transação penal, prevista no art. 76 da Lei n. 9.099/1995, prevê a possibilidade de o autor da infração penal celebrar acordo com o Ministério Público (ou querelante), mediante a imposição de pena restritiva de direitos ou multa, obstando, assim, o oferecimento da denúncia (ou queixa). Trata-se de instituto cuja aplicação, por natureza e como regra, ocorre na fase pré-processual. Por conseguinte, visa impedir a instauração da persecutio criminis in iudicio. E é por esse motivo que não se revela viável, após a celebração do acordo, pretender discutir em ação autônoma a existência de justa causa para ação penal. Trata-se de decorrência lógica, pois não há ação penal instaurada que se possa trancar. Por fim, vale asseverar que a impossibilidade de impetração de habeas corpus neste caso não significa malferimento à garantia constitucional insculpida no art. 5º, LXVIII, da Consitiução Federal. Tal entendimento decorre da constatação de que, por acordo das partes, em hipótese de exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, deixou-se de formular acusação contra o acusado, possibilitando a solução da quaestio em fase pré-processual, de forma consensual. Portanto, seria incompatível e contraditório com o instituto da transação permitir que se impugne em juízo a justa causa de ação penal que, a bem da verdade, não foi deflagrada. HC 495.148-DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por maioria, julgado em 24/09/2019, DJe 03/10/2019.
Informativo STJ nº657

ART. 16 DA LEI N. 10.826/2003 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO). DELITO CONSIDERADO HEDIONDO. LEI N. 8.072/1990 ALTERADA PELA LEI N. 13.497/2017. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA QUE ABRANGE O CAPUT E O PARÁGRAFO ÚNICO.

A qualificação de hediondez aos crimes do art. 16 da Lei n. 10.826/2003, inserida pela Lei n. 13.497/2017, abrange os tipos do caput e as condutas equiparadas previstas no seu parágrafo único. O art. 16 da Lei n. 10.826/2003 (Estatuto do desarmamento) prevê gravosas condutas de contato com "arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito", vindo seu parágrafo único a acrescer figuras equiparadas – em gravidade e resposta criminal. Dessa forma, ainda que algumas das condutas equiparadas possam ser praticadas com armas de uso permitido, o legislador as considerou graves ao ponto de torná-las com reprovação criminal equivalente às condutas do caput. No art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 8.072/1990, com redação dada pela Lei n. 13.497/2017, o legislador limitou-se a prever que o delito descrito no art. 16 da Lei n. 10.826/2003 é considerado hediondo. Assim, como a equiparação é tratamento igual para todos os fins, considerando equivalente o dano social e equivalente também a necessária resposta penal, salvo ressalva expressa, ao ser qualificado como hediondo o art. 16 da Lei n. 10.826/2003, as condutas equiparadas devem receber igual tratamento. HC 526.916-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 01/10/2019, DJe 08/10/2019.
Informativo STJ nº657

CRIME DE ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. VEÍCULO SEMIRREBOQUE. ATIPICIDADE FORMAL.

A conduta de adulterar placa de veículo semirreboque é formalmente atípica. O art. 311, caput, do Código Penal prevê como crime apenas a adulteração de sinal identificador de veículo automotor. Por sua vez, a redação do art. 96, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro, expressamente, diferencia os veículos automotores dos veículos semirreboques. Desse modo, constata-se que a conduta de adulterar placa de semirreboque é formalmente atípica, pois não se amolda à previsão do art. 311, caput, do Código Penal. RHC 98.058-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 24/09/2019, DJe 07/10/2019.
Informativo STJ nº657

CRIME DE ASSUNÇÃO DE OBRIGAÇÃO NO ÚLTIMO ANO DO MANDATO OU LEGISLATURA. ART. 359-C DO CÓDIGO PENAL. DELITO PRÓPRIO. SUJEITO ATIVO. AGENTE PÚBLICO TITULAR DE MANDATO OU LEGISLATURA.

O delito do art. 359-C do Código Penal é próprio ou especial, só podendo ser cometido por agentes públicos titulares de mandato ou legislatura. Registre-se, inicialmente, que não é cabível a tese de que o crime de assunção de obrigação admite como autor outros funcionários públicos que tenham poder de disposição sobre os recursos financeiros da Administração Pública. De acordo com a doutrina, o crime é próprio ou especial porque somente pode ser cometido pelos agentes públicos titulares de mandato ou legislatura, representantes dos órgãos e entidades indicados no art. 20 da Lei Complementar n. 101/2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal -, pois apenas tais pessoas têm atribuição para assunção de obrigações. Ademais, o crime é cometido pelos gestores nomeados para o exercício de mandato, quando gozam de autonomia administrativa e financeira, além de ser unissubjetivo, possuindo um único sujeito. AREsp 1.415.425-AP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 19/09/2019, DJe 24/09/2019.
Informativo STJ nº657

26/10/2019

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA DE ALTO RENOME. USO DA EXPRESSÃO POR EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. POSSIBILIDADE. DISTINÇÃO ENTRE ATO CIVIL E ATO EMPRESARIAL.

O registro de uma expressão como marca, ainda que de alto renome, não afasta a possibilidade de utilizá-la no nome de um empreendimento imobiliário. A marca é um sinal distintivo que tem por funções principais identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins. Os nomes atribuídos aos edifícios e empreendimentos imobiliários não gozam de exclusividade, sendo comum receberem idêntica denominação. Estes nomes, portanto, não qualificam produtos ou serviços, apenas conferem uma denominação para o fim de individualizar o bem, sendo assim de livre atribuição pelos seus titulares e não requer criatividade ou capacidade inventiva. Dessa forma, o registro de uma expressão como marca, ainda que de alto renome, não afasta a possibilidade de utilizá-la no nome de um edifício. A exclusividade conferida pelo direito marcário se limita às atividades empresariais, sem atingir os atos da vida civil. REsp 1.804.960-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 24/09/2019, DJe 02/10/2019.
Informativo STJ nº657

AÇÃO DE COBRANÇA. RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE EMPRESAS. SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITAR. BOLETO BANCÁRIO. DÍVIDA LÍQUIDA. INSTRUMENTO PÚBLICO OU PARTICULAR. ART. 206, § 5º, I, DO CÓDIGO CIVIL. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL.

É quinquenal o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança, materializada em boleto bancário, ajuizada por operadora do plano de saúde contra empresa que contratou o serviço de assistência médico-hospitalar para seus empregados. Registre-se, de início, que não se desconhece que a jurisprudência desta Corte Superior tem entendido ser aplicável o prazo prescricional de 10 (dez) anos para as pretensões resultantes do inadimplemento contratual (EREsp 1.280.825/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 27/6/2018, DJe 2/8/2018). Contudo, conforme disposição expressa do art. 205 do Código Civil, o prazo de 10 (dez) anos é residual, devendo ser aplicado apenas quando não houver regra específica prevendo prazo inferior. Na espécie, apesar de existir uma relação contratual entre as partes, pois trata-se de ação ajuizada pela operadora do plano de saúde em face de empresa que contratou a assistência médico-hospitalar para seus empregados, verifica-se que a ação de cobrança está amparada em um boleto de cobrança e que o pedido se limita ao valor constante no documento. Nesse contexto, a hipótese atrai a incidência do disposto no inciso I do § 5º do art. 206 do Código Civil, que prevê o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular. Convém destacar que o boleto bancário não constitui uma obrigação de crédito por si só. Contudo, a jurisprudência tem entendido que ele pode, inclusive, amparar execução extrajudicial quando acompanhado de outros documentos que comprovem a dívida. REsp 1.763.160-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/09/2019, DJe 20/09/2019.
Informativo STJ nº657

IMÓVEL PARTICULAR SITUADO INTEGRALMENTE EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO INTEGRAL. ESTAÇÃO ECOLÓGICA. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. DIREITO DE PROPRIEDADE. RESTRIÇÃO DO DOMÍNIO ÚTIL. IPTU. NÃO INCIDÊNCIA.

A qualificação de imóvel como estação ecológica limita o direito de propriedade, o que afasta a incidência do IPTU. A inclusão de imóvel em unidade de conservação ambiental caracteriza evidente limitação administrativa imposta pelo Estado ao particular. No caso, foi criada unidade de conservação qualificada como estação ecológica, cujo regime jurídico impõe ao poder público proteção integral da área, sendo considerado suas dimensões de domínio público, independentemente de futura desapropriação. Essa espécie de unidade de conservação retira do possuidor a faculdade de reivindicar o bem, uma vez que não há reivindicação de bem desapropriável, como institui o artigo 9º, § 1º, da Lei n. 9.985/2000; não permite o uso e o gozo do bem, pois se proíbe a utilização econômica do imóvel, conforme art. 9º, § 4º c/c o art. 28, da Lei n. 9.985/2000; e inviabiliza a disposição do bem pelo proprietário, porquanto não se dispõe de algo cujo domínio é público. Portanto, a limitação administrativa imposta pela Lei n. 9.985/2000 acarreta ao particular o esvaziamento completo dos atributos inerente à propriedade, retirando-lhe o domínio útil do imóvel, de modo que o aspecto subjetivo da hipótese de incidência do IPTU, disposto no artigo 34 do CTN, não se subsume à situação, razão pela qual não se prospera a incidência do referido tributo. REsp 1.695.340-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 17/09/2019, DJe 24/09/2019.
Informativo STJ nº657

COMPRA E VENDA DE BENS REALIZADAS NO EXTERIOR. OPERAÇÃO TRIANGULAR. BACK TO BACK. PIS E COFINS. NÃO ISENÇÃO.

A receita derivada da operação denominada back to back não goza de isenção da contribuição do PIS e da COFINS. As operações de compra e venda realizadas no exterior por sociedade empresária brasileira não guardam relação com a operação de exportação de mercadorias. Isso porque é da própria essência da operação de exportação a saída de bens do território nacional, enquanto a operação triangular, denominada back to back, consiste em operações de compra e venda de bens no exterior. Nessa modalidade, o bem é adquirido pela pessoa brasileira no estrangeiro para que lá seja vendido. Em regra, o negócio se dá por conta e ordem do comprador brasileiro, responsável somente pelo pagamento (operação financeira). Nesse contexto, a receita derivada da operação de compra e venda, no exterior, não caracteriza receita de exportação e, portanto, não goza de isenção da contribuição do PIS e da COFINS. REsp 1.651.347-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 05/09/2019, DJe 24/09/2019. 
Informativo STJ nº657

CUMULAÇÃO DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA MILITAR POR INVALIDEZ PERMANENTE COM VENCIMENTOS DE CARGO PÚBLICO CIVIL. APRESENTAÇÃO DE DECLARAÇÃO FALSA DE NÃO ACUMULAÇÃO DE CARGOS PERANTE A MARINHA DO BRASIL. INQUÉRITO POLICIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR.

É competente a Justiça Militar, na forma do art. 9º, III, "a", do Código Penal Militar, para conduzir inquérito policial no qual se averiguam condutas que têm, no mínimo, potencial para causar prejuízo à Administração Militar (e/ou a seu patrimônio), seja decorrente da percepção ilegal de proventos de reforma por invalidez permanente que se revelem incompatíveis com o exercício de outra atividade laboral civil, seja em virtude da apresentação de declaração falsa perante a Marinha do Brasil. Cinge-se a controvérsia a definir se é da Justiça Militar ou da Justiça Federal a competência para apurar o possível cometimento de delitos decorrentes da acumulação de aposentadoria por invalidez permanente recebida da Marinha do Brasil, nos termos do art. 108, V, do Estatuto dos Militares (Lei n. 6.880/1980), com vencimentos de cargo público exercido, na mesma ocasião, na Empresa Brasileira de Infraestrutura (INFRAERO), assim como da prestação de informação falsa perante a Marinha do Brasil, negando a acumulação de cargos públicos. Registre-se, inicialmente, que o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a possibilidade de cumulação de proventos de aposentadoria militar com vencimentos de cargo público civil ou mesmo com proventos de aposentadoria civil, desde que a aposentadoria do militar tenha ocorrido ainda na égide da Constituição Federal de 1967, como na hipótese. Entretanto, mesmo tendo em conta esse entendimento, remanesce questionável a legalidade da cumulação de proventos de aposentadoria por invalidez permanente com qualquer outro tipo de trabalho exercido posteriormente pelo aposentado, tanto mais quando o art. 110, § 1º, do Estatuto dos Militares (Lei n. 6.880/1980) estabelece que o militar julgado incapaz definitivamente é considerado impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho. Sobre a questão, o artigo 78 do Decreto n. 4.307/2002 é claro em determinar a suspensão do pagamento do auxílio-invalidez se ficar constatado que o militar exerce qualquer outra atividade remunerada. Diante desse quadro, não há como se negar que, na eventualidade de se verificar que a percepção de rendimentos por qualquer trabalho exercido pelo investigado é legalmente incompatível com o recebimento concomitante de proventos da reforma por invalidez permanente, terá o investigado causado prejuízo à Marinha do Brasil. De outro lado, mesmo que se chegue à conclusão de que a legislação admitia ao reformado por invalidez voltar a trabalhar e receber remuneração em razão de seu labor, não se pode desconsiderar que o investigado apresentou declaração falsa perante a Marinha do Brasil, o que também implica óbvio prejuízo causado à Administração Militar. Assim sendo e reconhecido que as condutas investigadas delineiam, até o momento, quadro de prejuízo causado a patrimônio sob a Administração Militar, na forma do art. 9º, III, "a", do Código Penal Militar, é de se reconhecer a competência da Justiça Militar para conduzir o inquérito. CC 167.101-DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 25/09/2019, DJe 02/10/2019.
Informativo STJ nº657

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. INTERVENÇÃO COMO CUSTOS VULNERABILIS. LEGITIMIDADE PARA INTERVIR EM FAVOR DOS VULNERÁVEIS E DOS DIREITOS HUMANOS.

Admite-se a intervenção da Defensoria Pública da União no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos. Salienta-se preliminarmente que, no caso, foi facultada à Defensoria Pública da União a sua atuação nos autos como amicus curiae. Contudo, a DPU postulou a sua intervenção como custos vulnerabilis, ou seja, na condição de "guardiã dos vulneráveis", o que lhe possibilitaria interpor todo e qualquer recurso. O art. 1.038, I, do Novo Código de Processo Civil, estabelece que o relator poderá solicitar ou admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, considerando a relevância da matéria e consoante dispuser o regimento interno. A Defensoria Pública, nos termos do art. 134 da CF/88, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. Segundo a doutrina, custos vulnerabilis representa uma forma interventiva da Defensoria Pública em nome próprio e em prol de seu interesse institucional (constitucional e legal), atuação essa subjetivamente vinculada aos interesses dos vulneráveis e objetivamente aos direitos humanos, representando a busca democrática do progresso jurídico-social das categorias mais vulneráveis no curso processual e no cenário jurídico-político. A doutrina pondera ainda, "que a Defensoria Pública, com fundamento no art. 134 da CF/88, e no seu intento de assegurar a promoção dos direitos humanos e a defesa [...] de forma integral, deve, sempre que o interesse jurídico justificar a oitiva do seu posicionamento institucional, atuar nos feitos que discutem direitos e/ou interesses, tanto individuais quanto coletivos, para que sua opinião institucional seja considerada, construindo assim uma decisão jurídica mais democrática". Assim, tendo em conta que a tese proposta no recurso especial repetitivo irá, possivelmente, afetar outros recorrentes que não participaram diretamente da discussão da questão de direito, bem como em razão da vulnerabilidade do grupo de consumidores potencialmente lesado e da necessidade da defesa do direito fundamental à saúde, a Defensoria Pública da União está legitimada para atuar como custos vulnerabilisEDcl no REsp 1.712.163-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 25/09/2019, DJe 27/09/2019.
Informativo STJ nº657

SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA. ART. 84, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DECRETO N. 3.035/1999. RECURSO HIERÁRQUICO PRÓPRIO AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. CABIMENTO.

Cabe recurso hierárquico próprio ao Presidente da República contra penalidade disciplinar aplicada por delegação com base no Decreto n. 3.035/1999. O art. 141, I, da Lei n. 8.112/1990 dispõe que as penalidades disciplinares serão aplicadas "pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor vinculado ao respectivo Poder, órgão, ou entidade". Por força do art. 84, IV, "a" e parágrafo único, da Constituição Federal, foi editado o Decreto n. 3.035/1999, por meio do qual o Presidente da República delegou aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União a atribuição de julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades aos servidores públicos a eles vinculados, nas hipóteses de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade. Ademais, o cabimento de recurso administrativo dar-se-á na modalidade própria, ou seja, tendo em vista a estruturação orgânica da Administração Pública, o recurso é dirigido à própria autoridade delegante, que, no caso, é o Presidente da República. Além disso, nem a Lei Complementar n. 73/1993 nem a Lei n. 8.112/1990 regulam a possibilidade de interposição de recurso administrativo em face de decisão prolatada em sede de processo administrativo disciplinar, razão pela qual são aplicáveis as disposições da Lei n. 9.784/1999. Nesse contexto, não há impedimento para que seja interposto recurso hierárquico próprio. Isso porque o art. 14, § 3º, da Lei n. 9.784/1999 estabelece expressamente que as decisões proferidas por meio de ato de delegação considerar-se-ão editadas pelo delegado. Além disso, ao tratar da delegação, a Lei n. 9.784/1999 não estabeleceu nenhuma ressalva quanto à impossibilidade de recurso hierárquico, razão pela qual é aplicável o que dispõe o art. 56 desse diploma legal. Ou seja, não há óbice para a interposição de recurso hierárquico à autoridade delegante porque, embora mediante delegação, a decisão foi tomada pelo delegado no exercício das suas competências administrativas. Além disso, o Decreto n. 3.035/1999 não estabeleceu nenhuma vedação à possibilidade de interposição de recurso hierárquico. MS 17.449-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por maioria, julgado em 14/08/2019, DJe 01/10/2019.
Informativo STJ nº657

LAVAGEM DE DINHEIRO. DENÚNCIA. CONDUTAS PRATICADAS ANTES DA LEI N. 12.683/2012. CRIME ANTECEDENTE. DESCRIÇÃO EXAUSTIVA E PORMENORIZADA. DENECESSIDADE. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. APTIDÃO.

A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da Lei n. 12.683/2012, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do art. 1º da Lei n. 9.613/1998. Previamente às modificações realizadas pela Lei n. 12.683/2012, a imputação do crime de lavagem de dinheiro exigia que a denúncia apontasse a suposta prática de um dos crimes antecedentes previstos expressamente nos incisos do art. 1º da Lei n. 9.613/1998, pois, até então, a adequação típica de uma determinada conduta ao crime de lavagem exigia que os bens, direitos ou valores tivessem sido provenientes, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais enumeradas no rol do citado dispositivo legal. Segundo a jurisprudência desta Corte, "tendo o crime sido praticado antes da alteração legislativa (Lei 12.683/2012), a denúncia [deve ter] o cuidado de imputar ao paciente a conduta conforme previsão legal à época dos fatos" (HC 276.245/MG, Quinta Turma, DJe 20/06/2017). O STF adota o posicionamento de que "o processo e julgamento do crime de lavagem de dinheiro é regido pelo Princípio da Autonomia, não se exigindo, para que a denúncia que imputa ao réu o delito de lavagem de dinheiro seja considera apta, prova concreta da ocorrência de uma das infrações penais exaustivamente previstas nos incisos I a VIII do art. 1º do referido diploma legal, bastando a existência de elementos indiciários de que o capital lavado tenha origem em algumas das condutas ali previstas" (STF, HC 93.368/PR, Primeira Turma, DJe de 25/8/2011). Desse modo, a inicial deve ser considerada apta se contiver narrativa que demonstre, de modo indiciário, a probabilidade da prática do crime antecedente e as condutas relacionadas ao suposto branqueamento de bens, direitos e valores que provavelmente seriam proveitos desse anterior crime previsto no rol do art. 1º da Lei n. 9.613/1998, permitindo a efetiva defesa do acusado. APn 923-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 23/09/2019, DJe 26/09/2019.
Informativo STJ nº657

RITO ESPECIAL DA LEI N. 8.038/1990. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. RECEBIMENTO E REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ART. 395 DO CPP. IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO. ART. 397 DO CPP.

Ao rito especial da Lei n. 8.038/1990 aplicam-se, subsidiariamente, as regras do procedimento ordinário (art. 394, § 5º, CPP), razão pela qual eventual rejeição da denúncia é balizada pelo art. 395 do CPP, ao passo que a improcedência da acusação (absolvição sumária) é pautada pelo disposto no art. 397 do CPP. Oferecida a denúncia e após a resposta do acusado, o Tribunal deliberará acerca de sua rejeição, recebimento ou improcedência da acusação, nos termos do disposto no art. 6º da Lei n. 8.038/1990, que dispõe sobre normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Consoante a previsão do art. 394, § 5º, do CPP, ao procedimento especial da Lei n. 8.038/1990 devem ser aplicadas, subsidiariamente, as regras do procedimento ordinário. Diante dessa circunstância, o exame da aptidão da denúncia deve ser balizado pelo art. 395 do CPP, ao passo que o da improcedência da acusação (absolvição sumária) deve ser pautado pelo disposto no art. 397 do CPP. Assim, o Tribunal rejeitará a denúncia: a) quando for manifestamente inepta; b) quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou c) faltar justa causa para o exercício da ação penal, nos termos do art. 395 do CPP. Caso não estejam presentes esses elementos enumerados no art. 395 do CPP, a denúncia deve ser recebida e, assim, em consequência, verificada a possibilidade de exame imediato do mérito da pretensão punitiva penal, que é hipótese de verdadeiro julgamento antecipado de mérito. Desse modo, se para a rejeição da denúncia são examinados aspectos preponderantemente processuais, para a improcedência da acusação, com a absolvição, é examinado o mérito da pretensão punitiva penal. APn 923-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 23/09/2019, DJe 26/09/2019.
Informativo STJ nº657

25/10/2019

PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. BENEFICIÁRIOS DAS FAIXAS DE RENDA 1,5, 2 E 3. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. ENTREGA DO IMÓVEL. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO. SALDO DEVEDOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. SUBSTITUIÇÃO DO INDEXADOR SETORIAL PELO IPCA - ÍNDICE NACIONAL DE PREÇOS AO CONSUMIDOR AMPLO. POSSIBILIDADE.

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, o descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor. Vale observar, de início, que se a construtora deixa de entregar a unidade autônoma no prazo previsto, pode o adquirente sustar as parcelas do preço que se vencerem no mesmo prazo e em datas posteriores a tal prestação, invocando a exceptio non adimpleti contractus, prevista no art. 476 do CC. Contudo, a suspensão da exigibilidade das parcelas do preço não afasta a incidência da atualização monetária sobre o saldo devedor, salvo nas hipóteses em que o mencionado atraso derivar de comprovada má-fé da empresa. Os valores das parcelas devem ser atualizados desde a data de vencimento prevista no contrato até o efetivo pagamento, como simples modo de preservação do valor real da moeda, sem representar, portanto, um benefício para a parte inadimplente ou punição para o adquirente. Nesse sentido, ambas as Turmas que integram a Segunda Seção desta Corte firmaram o entendimento de que, embora o descumprimento do prazo de entrega do imóvel objeto do compromisso de venda e compra não constitua causa de suspensão da incidência de correção monetária sobre o saldo devedor, tal fato autoriza a substituição do indexador setorial, em regra, o INCC (Índice Nacional de Custo de Construção), pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), índice oficial calculado pelo IBGE, salvo se aquele for menor. Essa solução mostra-se adequada ao reequilíbrio da relação contratual, nos casos de atraso na conclusão da obra, não devendo ser implementada a substituição do indexador específico do saldo devedor pelo geral apenas quando o índice previsto contratualmente for mais favorável ao consumidor, avaliação que se dará com o transcurso da data limite estipulada no contrato para a entrega da unidade, incluindo-se eventual prazo de tolerância. Inviável, portanto, a tese de utilização do INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) como fator de correção monetária, durante todo o período necessário para a finalização da unidade imobiliária, independentemente de descumprimento do prazo para a construção. REsp 1.729.593-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 25/09/2019, DJe 27/09/2019.
Informativo STJ nº657

PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. BENEFICIÁRIOS DAS FAIXAS DE RENDA 1,5, 2 E 3. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. ATRASO NA ENTREGA DAS CHAVES. JUROS DE OBRA OU ENCARGO EQUIVALENTE. NÃO CABIMENTO.

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, é ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância. Na disciplina do Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV, sob a modalidade do crédito associativo, é legal a incidência de juros de obra durante o período de construção do imóvel, cessando a sua aplicação com a entrega da unidade, quando terá início a fase de amortização do saldo devedor do financiamento contratado com o agente financeiro. Durante esse período, o valor a ser financiado permanece congelado, e até que a obra seja concluída o promissário comprador pagará tão somente encargos que contemplam os juros, atualização monetária, seguro de vida e de danos ao imóvel e, se for o caso, taxa de administração. Após a entrega do bem, inicia-se efetivamente a fase de abatimento da dívida. Todavia, havendo atraso na entrega do empreendimento, afigura-se descabido imputar ao adquirente o ônus de arcar com juros de evolução da obra no período de mora da ré até a efetiva entrega das chaves, uma vez que não se pode penalizar o mutuário com referida incidência, considerando não ter sido ele quem deu causa ao atraso. Entendimento diverso teria o efeito de postergar, de maneira injustificada, o pagamento de valores que são próprios da fase de construção da obra, em seu período regular. Contudo, impõe-se considerar que, superado o período de entrega das chaves, o comprador passa a ter a legítima expectativa de destinar recursos à amortização do saldo do seu débito. Deve-se ter como norte, nessas circunstâncias, o princípio de que quem dá causa ao inadimplemento do contrato não pode se beneficiar da situação, sob pena de o atraso da obra poder representar a possibilidade de vantagem financeira indevida em detrimento do adquirente do imóvel, o que seria de todo inadmissível. REsp 1.729.593-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 25/09/2019, DJe 27/09/2019.
Informativo STJ nº657

PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. BENEFICIÁRIOS DAS FAIXAS DE RENDA 1,5, 2 E 3. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. ENTREGA DO IMÓVEL. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO. PREJUÍZO PRESUMIDO DO COMPRADOR. INDENIZAÇÃO NA FORMA DE ALUGUEL MENSAL. CABIMENTO. TERMO FINAL. DATA DA POSSE DIRETA DO ADQUIRENTE.

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, no caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma. A Jurisprudência desta Corte entende é pacífica quanto ao cabimento de lucros cessantes, no âmbito de financiamento pelo SFH, em razão do descumprimento do prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, incidindo a presunção de prejuízo do promitente comprador. O fato de o imóvel ter sido adquirido sob a disciplina do Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV não afasta a presunção de prejuízo, mesmo porque, na linha dos precedentes desta Corte Superior, a condenação da vendedora por lucros cessantes independe, até mesmo, da demonstração da finalidade negocial da transação. A indenização deve corresponder, por isso, à privação injusta do uso do bem e encontra fundamento não necessariamente na interrupção da percepção dos frutos ou pela frustração daquilo que razoavelmente poderia lucrar, mas na própria demora pelo cumprimento da obrigação (CC, art. 389). Isso porque a moradia é fato dotado de expressão econômica aferível, ainda que o beneficiário não tenha que, diretamente, despender recursos para tal. Por suas peculiaridades, no âmbito do PMCMV, o prejuízo material decorrente do atraso na entrega de imóvel está mais próximo de um dano emergente do que de lucros cessantes, embora essa questão, todavia, não se afigure de maior relevância, dado que, sob o ponto de vista pragmático, conforme sublinhou a Ministra Maria Isabel Gallotti, são ambos "as duas faces da mesma moeda", pois "o dano, seja em qual dessas rubricas for classificado, será o mesmo: a privação da fruição do imóvel" (AgInt no AgRg no AREsp n. 795.125/RJ, Quarta Turma, DJe de 19/11/2018). Insta salientar, outrossim, que nos contratos submetidos à modalidade do PMCMV é desinfluente que o comprador fique impossibilitado de alugar ou vender o imóvel, antes de sua quitação, nos termos do que dispõe o art. 7º-B, I e II, da Lei n. 11.977/2009, haja vista que essa proibição tem o intuito, tão somente, de evitar eventual desvio de finalidade, uma vez que a subvenção econômica concedida pelo Governo Federal tem por único objetivo viabilizar o acesso das famílias, destinatárias do programa, ao primeiro imóvel. Entretanto, essa circunstância diz respeito apenas à relação jurídica estabelecida entre o adquirente e o órgão estatal, não podendo, por isso, seus efeitos irradiarem para o negócio de compra e venda celebrado com a incorporadora, que é regido por regras protetivas específicas. Com efeito, o termo final da indenização deverá corresponder à data do recebimento da unidade pelo adquirente, mediante a entrega das chaves, por ser o momento em que ele tem a efetiva posse do imóvel, fazendo cessar, por conseguinte, o fato gerador do dever de reparação, salvo disposição contratual diversa, que lhe seja mais favorável (AgInt no REsp n. 1.723.050/RJ, Relator o Ministro Lázaro Guimarães, Desembargador Convocado do TRF 5ª Região, Quarta Turma, DJe de 26/9/2018. Ficando evidenciado, portanto, o atraso injustificado na entrega da obra, é devido o pagamento de indenização ao comprador desde a data fixada no contrato, a qual será acrescida apenas do prazo de tolerância, a ser calculada com base no valor locatício de imóvel assemelhado, a ser apurado em liquidação de sentença. REsp 1.729.593-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 25/09/2019, DJe 27/09/2019.
Informativo STJ nº657

PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. BENEFICIÁRIOS DAS FAIXAS DE RENDA 1,5, 2 E 3. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. ENTREGA DO IMÓVEL. PRAZO CONTRATUAL CERTO. CLÁUSULA EXPRESSA, CLARA E INTELIGÍVEL. VINCULAÇÃO À CONCESSÃO DE FINANCIAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância. Convém destacar, inicialmente, que as circunstâncias econômicas especiais do Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV não são benéficas apenas para os adquirentes. São elas também muito favoráveis às empresas, que diversamente do que ocorre nas operações convencionais do SFH, passam a ter acesso à parte do crédito tão logo ele é aprovado pelo agente financeiro, seja no início ou durante a realização da obra, o que diminui a necessidade do uso de capital de giro da empresa. A possibilidade de comercialização de unidades futuras, antes do início das obras, também permite à incorporadora melhor planejamento do processo construtivo como um todo, inclusive sob o aspecto financeiro. Desse modo, considerando o número de unidades vendidas, poderá a empresa avaliar a necessidade de contratar um mútuo com o agente financeiro, que lhe permita entregar a construção no prazo estipulado. Essa providência, em princípio, nem sequer lhe trará maiores ônus, uma vez que os encargos decorrentes desse tipo de operação só começarão a ser pagos após a conclusão da obra, e com os recursos obtidos com as vendas dos imóveis. É forçoso reconhecer que, tratando-se de contratos que regulam as relações de consumo, o aderente só se vincula às disposições neles inseridas se lhe for dada a oportunidade de conhecimento prévio do seu conteúdo (CDC, arts. 4º, 6º, III, 46 e 54, § 4º). Ademais, os contratos de promessa de compra e venda de imóvel caracterizam-se como de adesão, uma vez que suas cláusulas e condições são redigidas de forma unilateral, segundo o interesse das incorporadoras, cabendo ao aderente apenas aceitá-las ou não em seu conjunto, o que restringe, sensivelmente, a própria autonomia da vontade. De nada adianta, por conseguinte, a estipulação de um prazo certo e expresso, se ele for fixado de maneira apenas estimativa e condicional, ficando vinculado, ainda, a um evento futuro, no caso, à data de obtenção do financiamento pelo adquirente ou àquela que for determinada pelo agente financeiro no referido contrato. Isso acaba por atribuir à incorporadora o direito de postergar a entrega da obra por prazo excessivamente longo e oneroso para o comprador, a ponto de afastar, inclusive, o próprio risco da atividade, que pertence à empresa. Vale lembrar, ainda, que durante o prazo regular de construção, é permitida a incidência de atualização monetária pelo INCC (Índice Nacional da Construção Civil), bem como de juros de obra. Logo, quanto maior for o prazo contratual para a conclusão das unidades, em consequência, maior será a exposição do consumidor à cobrança dos referidos juros e à aplicação de correção monetária de acordo com o índice setorial, o que redundará em situação que lhe será desfavorável, também sob o ponto de vista econômico. Por sua vez, embora o início da construção dependa da reunião de um grupo de adquirentes, a tese a ser fixada no presente julgamento, será aplicada apenas às faixas de renda 1,5, 2 e 3, em relação às quais as contratações muito se assemelham às realizadas no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Logo, para estes seguimentos específicos, é importante acentuar, as unidades futuras são transacionadas não apenas no início da construção, mas também ao longo ou ao seu final, razão pela qual esse período destinado à captação dos promissários compradores já faz parte do planejamento inicial do projeto como um todo, por se tratar de algo inerente à própria natureza da negociação. Por fim, deverá ser acrescido, tão somente, o prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias, já admitido pela jurisprudência desta Corte e agora incorporado ao nosso sistema jurídico – para os contratos futuros – pelo art. 43-A da Lei n. 13.786/2018 (que alterou a Lei n. 4.591/1964), dentro do qual a empresa poderá superar eventuais imprevistos relacionados a fortuitos internos como falta de mão de obra, entraves burocráticos ou fatores climáticos.  REsp 1.729.593-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 25/09/2019, DJe 27/09/2019. 
Informativo STJ nº657

VEÍCULO IMPORTADO PARA USO PRÓPRIO. IPI. INCIDÊNCIA. ADEQUAÇÃO AO ENTENDIMENTO DO STF.

Incide IPI sobre veículo importado para uso próprio, haja vista que tal cobrança não viola o princípio da não cumulatividade nem configura bitributação. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia analisado em 25/02/2015, submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, firmou o entendimento de que "Não incide IPI sobre veículo importado para uso próprio, tendo em vista que o fato gerador do referido tributo é a operação de natureza mercantil ou assemelhada e, ainda, por aplicação do princípio da não cumulatividade. " Todavia, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 723.651/PR, em repercussão geral (Tema n. 643/STF), firmou tese de que "incide o imposto de produtos industrializados na importação de veículo automotor por pessoa natural, ainda que não desempenhe atividade empresarial e o faça para uso próprio." Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça, diante do efeito vinculante dos pronunciamentos emanados em via de repercussão geral, passou a adotar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal segundo o qual incide o IPI na importação de automóvel por pessoas físicas para uso próprio, haja vista que tal cobrança não viola o princípio da não cumulatividade nem configura bitributação. Nesse panorama, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, com esteio no art. 927, § 4º do CPC/2015 e art. 256-S, do RISTJ, revisa-se a tese fixada no REsp n. 1.396.488/SC (Tema n. 695/STJ) para adequação com o entendimento formulado no RE n. 723.651/PR, em repercussão geral (Tema n. 643/STF). REsp 1.396.488-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 25/09/2019, DJe 30/09/2019 .
Informativo STJ nº657 

12/10/2019

PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DE LITÍGIO NO EXTERIOR. FATOS APURADOS EM DISTINTOS ESTADOS SOBERANOS. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA.

A pendência de julgamento de litígio no exterior não impede, por si só, o processamento da ação penal no Brasil, não configurando bis in idem. As mudanças ocorridas no Direito, principalmente a partir da universalização dos direitos humanos e da criação consensual de instâncias supranacionais para protegê-los e punir os responsáveis por suas violações, implicou a progressiva e lenta reestruturação do processo penal moderno, para um modelo incriminatório universal em que as fronteiras não sejam obstáculo para a justiça ou refúgio para a impunidade. Uma dessas mudanças diz respeito aos limites de aplicação do ne bis in idem, a um primeiro olhar mais restritos quando aplicados no âmbito da jurisdição transnacional do que em sua corrente incidência dentro de cada ordenamento jurídico. Nesse contexto, pela análise de normativas internacionais incorporadas e vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, constata-se a regra de que é a sentença definitiva oriunda de distintos Estados soberanos – e não a existência de litígio pendente de julgamento – que pode obstar a formação, a continuação ou a sobrevivência da relação jurídica processual que configuraria a litispendência. Prevalece, portanto, que a pendência de julgamento de litígio no exterior não impede o processamento de demanda no Brasil, até mesmo porque, como é cediço, no curso da ação penal pode ocorrer tanto a alteração da capitulação (emendatio libeli) como, também, da imputação penal (mutatio libeli), o que, por si só, é suficiente para exigir maior cautela na extinção prematura de demandas criminais em Estados soberanos distintos. Seria temerário, pois, também sob esse aspecto, aniquilar o cumprimento da pena no território brasileiro. Além disso, poderá incidir o art. 8º do Código Penal, que, embora não cuide propriamente da proibição de dupla punição e persecução penais, dispõe sobre o modo como deve ser resolvida a situação de quem é punido por distintos Estados soberanos pela prática do mesmo delito, nos seguintes termos: "A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas". RHC 104.123-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 17/09/2019, DJe 20/09/2019.
Informativo STJ nº656

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL LEVE. REPRESENTAÇÃO. RETRATAÇÃO NO CARTÓRIO DA VARA. IRRELEVÂNCIA. ART. 16 DA LEI N. 11.340/2006. AUDIÊNCIA ESPECÍFICA. NECESSIDADE.

Não atende ao disposto no art. 16 da Lei Maria da Penha, a retratação da suposta ofendida ocorrida em cartório de Vara, sem a designação de audiência específica necessária para a confirmação do ato. A Lei Maria da Penha disciplina procedimento próprio para que a vítima possa eventualmente se retratar de representação já apresentada. Dispõe o art. 16 da Lei n. 11.340/2006 que, "só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade" (HC 371.470/RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 25/11/2016). Dessarte, considerando que, no caso em apreço, a retratação da suposta ofendida com relação ao art. 129, § 9°, do Código Penal (lesão corporal de natureza leve praticada com violência doméstica) ocorreu somente no cartório da Vara, sem a designação de audiência específica necessária para a confirmação do ato ilegal, deve ser cassada a decisão que rejeitou a denúncia com base unicamente na retratação. HC 138.143-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 03/09/2019, DJe 10/09/2019.
Informativo STJ nº656

FUNDO DE INVESTIMENTO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ADMINISTRADOR. POSSIBILIDADE. TEORIA DA ASSERÇÃO.

O administrador do fundo de investimento é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que se pretende a reparação de supostos danos resultantes de inadequada liquidação. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as condições da ação, aí incluída a legitimidade, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial. Na hipótese, o administrador foi demandado pelo fato de ter realizado a liquidação do fundo de investimento, mediante distribuição do patrimônio líquido entre os cotistas, sem o prévio pagamento de um suposto passivo. No entanto, a Instrução CVM n. 391/2003, que primeiro tratou especificamente dos Fundos de Investimento em Participações (FIPs), já incluía entre as obrigações do administrador o dever de "cumprir e fazer cumprir todas as disposições do regulamento do fundo" (art. 14, XV). Desse modo, a satisfação integral do passivo antes da partilha do patrimônio líquido entre os cotistas está, em regra, inserida entre as atribuições do administrador, sendo dele a responsabilidade, em tese, por eventuais prejuízos que guardem nexo de causalidade com a sua inobservância. REsp 1.834.003-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/09/2019, DJe 20/09/2019.
Informativo STJ nº656

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. LEILÃO. DESISTÊNCIA DA VENCEDORA DO CERTAME. SEGUNDO PROPONENTE QUE MANIFESTOU INTERESSE NA ARREMATAÇÃO DO BEM. COMISSÃO DO LEILOEIRO. COBRANÇA. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DO ARREMATANTE.

O arrematante do bem é o responsável pelo pagamento da comissão do leiloeiro, não podendo essa obrigação ser imputada àquele que ofertou a segunda melhor proposta, porque o vencedor desistiu da arrematação. Nos termos do art. 879 do novo Código de Processo Civil, a alienação do bem penhorado far-se-á por iniciativa particular ou em leilão judicial. No caso, foi realizado o leilão judicial, e nele foram oferecidos três lances, inaugurando a fase de licitação entre eles, nos termos do § 2º do art. 892 do NCPC. Desse dispositivo legal pode-se extrair que será considerado arrematante aquele que ofertar o maior lance. Com isso, a desistência do arrematante vencedor, cuja oferta foi aceita pelos exequente e executados, não torna a segunda proponente arrematante de forma automática. Não há previsão no Código de Processo Civil para a sucessão dos participantes. Dessa forma, a segunda proponente não pode ser considerada arrematante, seja por não ter ofertado o maior valor no leilão, seja por ter sido expressamente excluída do certame pelos exequente e executados, razão pela qual não lhe pode ser imputada a obrigação pelo pagamento da comissão do leiloeiro. REsp 1.826.273-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/09/2019, DJe 12/09/2019.
Informativo STJ nº656

11/10/2019

EMBARGOS À EXECUÇÃO. PROTOCOLIZAÇÃO NOS AUTOS DA AÇÃO EXECUTIVA. ART. 914, § 1º, DO CPC/2015. INOBSERVÂNCIA. ERRO SANÁVEL.

A protocolização dos embargos à execução nos autos da própria ação executiva constitui vício sanável. Prevê o art. 914, § 1º, do CPC/2015 que os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados em apartado e instruído com cópias de peças processuais relevantes. A controvérsia surge quando há a necessidade de se averiguar se a protocolização dos embargos à execução nos autos do próprio processo executivo constitui erro sanável ou, ao revés, deve ser tido por erro grosseiro e, portanto, não passível de correção, impondo ao embargante, que procedeu em evidente equívoco, a consequência de tê-los por não conhecidos. Primando por uma maior aproximação ao verdadeiro espírito do novo Código de Processo Civil, não se afigura razoável deixar de apreciar os argumentos apresentados em embargos à execução tempestivamente opostos – ainda que, de forma errônea, nos autos da própria ação de execução – sem antes conceder à parte prazo para sanar o vício, adequando o procedimento à forma prescrita no art. 914, § 1º, do CPC/2015. Convém salientar que o art. 277 do CPC/2015 preceitua que, quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade. O protocolo equivocado deve dar azo à aplicação dos princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual, de modo que a sua rejeição liminar configuraria excesso de formalismo. Deve-se, assim, conceder prazo para que a parte promova o desentranhamento, distribuição por dependência e autuação em apartado dos embargos à execução opostos, em conformidade com as exigências legais quanto à forma de processamento. REsp 1.807.228-RO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 03/09/2019, DJe 11/09/2019.
Informativo STJ nº656

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO. PREJUDICIALIDADE EXTERNA. RECORRIBILIDADE IMEDIATA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 1.015, I, DO CPC/2015. NÃO CABIMENTO.

A decisão interlocutória que indefere o pedido de suspensão do processo em razão de questão prejudicial externa não equivale à tutela provisória de urgência de natureza cautelar e, assim, não é recorrível por agravo de instrumento. O art. 1.015, I, do CPC/2015, deve ser lido e interpretado como uma cláusula de cabimento de amplo espectro, de modo a permitir a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias que digam respeito não apenas ao núcleo essencial da tutela provisória, mas também que se refiram aos aspectos acessórios que estão umbilicalmente vinculados a ela, porque, em todas essas situações, há urgência que justifique o imediato reexame da questão em 2º grau de jurisdição. Todavia, por maior que seja o espectro da referida cláusula de cabimento, não se pode incluir nela questões que não se relacionem minimamente com o núcleo essencial da tutela provisória, sob pena de serem desnaturados institutos jurídicos ontologicamente distintos e verdadeiramente inconfundíveis. Embora exista, evidentemente, uma natural relação de prejudicialidade entre a ação de conhecimento em que se impugna a existência do título e a ação executiva fundada nesse mesmo título, é preciso esclarecer que a suspensão do processo executivo em virtude dessa prejudicialidade externa não está fundada em urgência, nem tampouco a decisão que versa sobre a suspensão do processo versa sobre tutela de urgência. Com efeito, o valor que se pretende tutelar quando se admite suspender um processo ao aguardo de resolução de mérito a ser examinada em outro processo é a segurança jurídica. Desse modo, a decisão interlocutória que versa sobre suspensão do processo por prejudicialidade externa, fundada em segurança jurídica, em nada se relaciona com a decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória, fundada em urgência ou evidência, não sendo o mero risco de prolação de decisões conflitantes ou a hipotética e superveniente perda de objeto elementos hábeis a comprometer o resultado útil do processo. Nesse contexto, bastaria o ajuizamento de ação autônoma de impugnação do título em que se funda a execução para criar, inclusive artificialmente, o suposto risco ao resultado útil do processo e, assim, paralisar o andamento da ação executiva, o que, além de contrariar expressa disposição de lei – art. 784, § 1º, do CPC/2015 –, também representaria inegável retrocesso em termos de efetividade da execução e consequente violação à norma fundamental prevista no art. 4º do CPC/2015. REsp 1.759.015-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/09/2019, DJe 20/09/2019.
Informativo STJ nº656

SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE. FALECIMENTO DO PRETENSO GENITOR. AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO DE ESTADO E DE NATUREZA PESSOAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. HERDEIROS DO FALECIDO E NÃO DO ESPÓLIO.

A ação rescisória de sentença proferida em ação de investigação de paternidade cujo genitor é pré-morto deve ser ajuizada em face dos herdeiros, e não do espólio. Regitre-se, de início, que a jurisprudência desta Corte fixou-se no sentido de que a ação de investigação de paternidade deve ser ajuizada em face dos herdeiros e não do espólio do falecido. Nesse contexto, o fato de a sentença que se pretende rescindir ter sido proferida em ação investigatória de paternidade, em que somente o de cujus figurou como parte, não modifica esse entendimento. Embora o CPC/1973 não trate da legitimidade passiva para a ação rescisória (o CPC/2015 também não examina esse tema), é correto afirmar que a regra do art. 487, I, do CPC revogado (idêntico ao art. 967, I, do novo CPC), que disciplina a legitimidade ativa e que informa que poderá propor a referida ação "quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular" deve se aplicar, por lógica, coerência e simetria, também à adequada configuração da legitimação passiva da ação rescisória. Por essa razão, o falecimento da parte após o trânsito em julgado da sentença a ser rescindida implica sucessão processual não apenas no polo ativo, mas também no polo passivo. Como se sabe, a legitimidade passiva decorre de uma relação lógica e abstrata entre quem pede, o que se pede e contra quem se pede, devendo figurar no polo passivo a pessoa indicada pelo autor que possa ser compelida e reúna condições de satisfazer o pedido inicial. Tendo em mira essa premissa, conclui-se que, evidentemente, o espólio não é parte legítima para responder à ação rescisória em que se pleiteie a rescisão de sentença e o rejulgamento de ação investigatória de paternidade post mortem, seja como legitimado exclusivo, seja como litisconsorte passivo necessário, na medida em que, nessa ação, nada será pedido contra o espólio, que tão somente é um ente despersonalizado apto a titularizar a universalidade jurídica denominada herança até que se efetive a partilha dos bens. Sublinhe-se que as eventuais repercussões econômicas ou patrimoniais derivadas do reconhecimento, ou não, da filiação que se pretende alcançar por intermédio da ação investigatória de paternidade é que poderão, hipoteticamente, ser objeto de pretensões autônomas que serão deduzidas contra o espólio, como já se consignou em precedentes desta Corte em relação à petição de herança (AgRg no Ag 580.197/SP, Quarta Turma, DJe 04/05/2009) e à execução de dívidas do de cujus (REsp 1.559.791/PB, Terceira Turma, DJe 31/08/2018). REsp 1.667.576-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/09/2019, DJe 13/09/2019.

COMERCIALIZAÇÃO DE ALIMENTO INDUSTRIALIZADO. PRESENÇA DE CORPO ESTRANHO. INGESTÃO. DESNECESSIDADE. DANO MORAL IN RE IPSA. CONFIGURAÇÃO. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E À SUA SEGURANÇA.

A simples comercialização de alimento industrializado contendo corpo estranho é suficiente para configuração do dano moral. A jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que há dano moral na hipótese em que o produto de gênero alimentício é consumido, ainda que parcialmente, em condições impróprias. Além disso, a aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, também dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. No caso, a simples comercialização de produto contendo corpo estranho possui as mesmas consequências negativas à saúde e à integridade física do consumidor que sua ingestão propriamente dita. Não se faz necessária, portanto, a investigação do nexo causal entre a ingestão e a ocorrência de contaminação alimentar para caracterizar o dano ao consumidor. Verifica-se, portanto, a caracterização de defeito do produto (art. 12, CDC), em clara infringência ao dever legal de proteção à saúde e à segurança dirigido ao fornecedor. Uma vez verificada a ocorrência de defeito no produto, inafastável é o dever do fornecedor de reparar o dano extrapatrimonial causado. REsp 1.828.026-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/09/2019, DJe 12/09/2019.
Informativo STJ nº656

COMPRA ON-LINE. FRAUDE. PAGAMENTO VIA BOLETO BANCÁRIO. BANCO NÃO PERTENCENTE À CADEIA DE FORNECIMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INOCORRÊNCIA.

Banco não é responsável por fraude em compra on-line paga via boleto quando não se verificar qualquer falha na prestação do serviço bancário. As instituições financeiras são consideradas objetivamente responsáveis por danos decorrentes de sua atividade bancária, compreendida como o conjunto de práticas, atos ou contratos executados por instituições bancárias. Além disso, nos termos da Súmula 479/STJ, "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". No caso, contudo, o comprador foi vítima de suposto estelionato, pois adquiriu um bem de consumo que nunca recebeu, nem iria receber se outro fosse o meio de pagamento empregado, como cartão de crédito ou transferência bancária. Em outras palavras, o banco não pode ser considerado um "fornecedor" da relação de consumo que causou prejuízos ao consumidor, pois não se verifica qualquer falha na prestação de seu serviço bancário, apenas por ter emitido o boleto utilizado para pagamento. Assim, não pertencendo à cadeia de fornecimento, não há como responsabilizar o banco pelos produtos não recebidos. Ademais, não se pode considerar esse suposto estelionato como uma falha no dever de segurança dos serviços bancários prestados. REsp 1.786.157-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 03/09/2019, DJe 05/09/2019.
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SOCIEDADE DE FATO. LITÍGIO ENTRE SUPOSTOS SÓCIOS. PROVA DOCUMENTAL. REQUISITO INDISPENSÁVEL.

A prova documental é o único meio apto a demonstrar a existência da sociedade de fato entre os sócios. Cinge-se a controvérsia a definir se existente sociedade de fato entre os litigantes, então casados sob o regime de separação convencional de bens, alegando a, então ex-cônjuge, que teria contribuído espontaneamente com seu labor para o sucesso das empresas exclusivas da família do ex-marido, devendo, portanto, ser considerada sócia dos referidos negócios. É cediço que uma sociedade empresária nasce a partir de um acordo de vontades de seus sócios, que pode ser realizado por meio de um contrato social ou de um estatuto, conforme o tipo societário a ser criado. Destoa dessa realidade a sociedade de fato, atualmente denominada sociedade em comum, que não adquire personalidade jurídica por meio das solenidades legais aptas a lhe emprestar autonomia patrimonial, não obstante seja sujeito de direitos e obrigações. No caso, para que tivessem uma sociedade civil ou comercial em conjunto, ainda que não regularmente constituída, indispensável seria, ao menos, demonstrar que administravam tal empresa juntos, o que, de fato, não é possível se concluir. A autora, em verdade, alega ter trabalhado para o ex-marido, sem, contudo, ter fornecido capital ou assumido os riscos do negócio ao longo da relação. A condição para se admitir a existência de uma sociedade é a configuração da affectio societatis (que não se confunde com a affectio maritalis) e a integralização de capital ou a demonstração de prestação de serviços. Tais requisitos são basilares para se estabelecer qualquer vínculo empresarial. À luz do art. 987 do Código Civil de 2002, "os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo". REsp 1.706.812-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 03/09/2019, DJe 06/09/2019.
Informativo STJ nº656