Subsume-se ao crime previsto no art. 213, § 1º, do CP – a conduta de agente que abordou de forma violenta e sorrateira a vítima com a intenção de satisfazer sua lascívia, o que ficou demonstrado por sua declarada intenção de "ficar" com a jovem – adolescente de 15 anos – e pela ação de impingir-lhe, à força, um beijo, após ser derrubada ao solo e mantida subjugada pelo agressor, que a imobilizou pressionando o joelho sobre seu abdômen. Tratou-se de recurso especial em que se apontou, entre outras questões, a negativa de vigência ao art. 213, § 1º, do CP, ao fundamento de que a Corte a quo negou as premissas fáticas delineadas nos autos, para entender que não houve o estupro circunstanciado. Nesse sentido, o recorrente insistiu que a conclusão adotada era incompatível com a narrativa, pois teria descrito todos os elementos do delito em comento, mas se negado a aplicar a respectiva pena. Isso porque se teria comprovada, de forma inequívoca, a violência reveladora da ofensa à dignidade sexual da vítima, não havendo que se falar apenas em "beijo roubado". O aresto impugnado informou que o réu abordou de forma violenta e sorrateira a vítima – adolescente de 15 anos – com a intenção de satisfazer sua lascívia, o que ficou demonstrado por sua declarada intenção de "ficar" com a jovem e pela ação de lhe impingir, à força, um beijo libidinoso, após ser derrubada ao solo e mantida subjugada pelo agressor, que a imobilizou pressionando o joelho sobre seu abdômen. A agressão sexual somente não prosseguiu porque o recorrido percebeu a aproximação de indivíduos em uma motocicleta. Sem embargo, o Tribunal estadual emprega argumentação que reproduz o que se identifica como a cultura do estupro, ou seja, a aceitação como natural da violência sexual contra as mulheres, em odioso processo de objetificação do corpo feminino. Reproduzindo pensamento patriarcal e sexista, ainda muito presente em nossa sociedade, a Corte de origem entendeu que o ato não passou de um "beijo roubado". A propósito, deve-se ter em mente que estupro é um ato de violência (e não de sexo). Busca-se, sim, a satisfação da lascívia por meio de conjunção carnal ou atos diversos, como na espécie, mas com intuito de subjugar, humilhar, submeter a vítima à força do agente, consciente de sua superioridade física. Consoante já consolidado pelo STJ, o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, que caracteriza o crime de estupro, ao lado da conjunção carnal, inclui "toda ação atentatória contra o pudor praticada com o propósito lascivo, seja sucedâneo da conjunção carnal ou não, evidenciando-se com o contato físico entre o agente e a vítima durante o apontado ato voluptuoso" (AgRg REsp n. 1.154.806-RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 21/3/2012). Acrescento que toda a violência narrada foi desconsiderada para dar lugar à revitimização da adolescente abusada, bem como ao apoio à cultura permissiva da invasão à liberdade sexual, em regra, contra as mulheres. Em verdade, o ato narrado nos autos não foi punido por não ser considerado grave, o que, a meu ver, atenta contra a razão e o bom senso. Fez-se uma avaliação da realidade na visão do agente e não na da vítima. Se tomada a ofendida como referência, diversa seria a conclusão acerca da efetiva satisfação da lascívia, assim como da efemeridade da violência. Para quem sofre abusos de natureza sexual, as marcas podem ter duração eterna. A retórica perpetrada pela Corte local desconsidera, totalmente, a vontade da vítima e a submete, em completa passividade, às investidas sexuais dos agentes dos crimes dessa natureza. Ou seja, para o tribunal de origem pouco importaram a ausência do consentimento e a súplica da vítima para o réu cessar as violentas investidas tendentes, sim, à satisfação da lascívia do agressor. A prevalência desse pensamento ruboriza o Judiciário e não pode ser tolerada. REsp 1.611.910-MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, por unanimidade, julgado em 11/10/2016, DJe 27/10/2016.
Tá Difícil? Quer por assunto?! 💡INFORMATIVOS STJ, POR ASSUNTO. Os informativos são divididos de forma a sistematizar os assuntos tratados na Constituição Federal, leis e doutrinas. Por: Karla Viviane Ribeiro Marques e Allan dos Anjos Moura Marques. *Observar atualizações no site do STJ
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21/10/2016
DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. ART. 339 DO CP. INQUÉRITO POLICIAL QUE CULMINA EM INDICIAMENTO DO FALSO APONTADO. DESNECESSIDADE.
Não autoriza a desclassificação do crime de denunciação caluniosa (art. 339 do CP) para a conduta do art. 340 do mesmo Estatuto, o fato de que aqueles que foram falsamente apontados como autores do delito inexistente não tenham chegado a ser indiciados no curso do inquérito policial, em virtude da descoberta da inveracidade da imputação. Tratou-se de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça local que considerou correta a decisão que desclassificou o tipo previsto no art. 339 do CP para o previsto no art. 340 do mesmo diploma, uma vez que a conduta da agente ao noticiar crimes que não ocorreram, provocou meros atos investigatórios da autoridade policial. Decidiu-se no recurso especial que a qualificação jurídica atribuída pelas instâncias ordinárias, aos fatos por elas delineados, está equivocada. Se, em razão da comunicação falsa de crime efetivada pela recorrida, houve a instauração de inquérito policial, sendo a falsidade descoberta em razão dos atos investigatórios nele realizados, o delito cometido é o de denunciação caluniosa, previsto no art. 339 do Código Penal. Não autoriza a desclassificação para a conduta do art. 340 do mesmo estatuto o fato de que aqueles que foram falsamente apontados como autores do delito inexistente não tenham chegado a ser indiciados no curso da aludida investigação, em virtude da descoberta da inveracidade da imputação. REsp 1.482.925-MG, Rel. Min. Sebastião Reis, por unanimidade, julgado em 6/10/2016, DJe 25/10/2016.
FRAUDE EM LICITAÇÃO. ART. 96, I E V, DA LEI N. 8.666/1993. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS. CONDUTA NÃO PREVISTA NO TIPO PENAL. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE.
O art. 96 da Lei n. 8.666/1993 apresenta hipóteses estreitas de penalidade, entre as quais não se encontra a fraude na licitação para fins de contratação de serviços. Cingiu-se a controvérsia a saber se a conduta de contratar serviços de forma fraudulenta está abrangida ou não pelo tipo penal previsto no art. 96, I e V, da Lei n. 8.666/1993. Da leitura da referida normal legal, percebe-se que nela se pune aquele que frauda licitação instaurada para a aquisição de bens ou mercadorias, ou o contrato dela decorrente, elevando arbitrariamente os preços ou tornando, por qualquer modo, injustamente mais onerosa a proposta ou a execução do contrato. Entende-se que, no caso, o art. 96 da Lei n. 8.666/1993 apresenta hipóteses estreitas de penalidade, entre as quais não se encontra a fraude na licitação para fins de contratação de serviços. Ocorre que o tipo penal deveria prever expressamente a conduta de contratação de serviços fraudulentos para que fosse possível a condenação do réu, uma vez que o Direito Penal deve obediência ao princípio da taxatividade, não podendo haver interpretação extensiva em prejuízo do réu. REsp 1.571.527-RS, Rel. Min. Sebastião Reis, por unanimidade, julgado em 16/10/2016, DJe 25/10/2016.
LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL EX DELICTO EM FAVOR DE MENORES CARENTES. EXISTÊNCIA DE DEFENSORIA PÚBLICA.
O reconhecimento da ilegitimidade ativa do Ministério Público para, na qualidade de substituto processual de menores carentes, propor ação civil pública ex delicto, sem a anterior intimação da Defensoria Pública para tomar ciência da ação e, sendo o caso, assumir o polo ativo da demanda, configura violação ao art. 68 do CPP. A controvérsia dos autos restringiu-se à legitimidade do Ministério Público para, na qualidade de substituto processual, ajuizar ação civil reparatória de danos advindos de conduta criminosa (ação civil ex delicto), nos termos do art. 68 do CPP, em favor de pessoas carentes. Perfilhando a orientação traçada pelo Excelso Pretório, que consagrou a tese da inconstitucionalidade progressiva do art. 68 do CPP, a jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que o Ministério Público somente tem legitimidade para propor ação civil ex delicto em favor de pessoas pobres nas hipóteses em que a Defensoria Pública não estiver organizada no respectivo ente da Federação. No caso dos autos, as instâncias ordinárias asseveraram expressamente que, no momento da propositura da ação, a Defensoria Pública já havia sido instituída e organizada no respectivo Estado. Assim, considerando que o art. 68 do CPP teve reconhecida pelo STF sua inconstitucionalidade progressiva, na medida em que a Defensoria Pública fosse devidamente instalada em todo o País, é forçoso concluir que o reconhecimento da ilegitimidade ativa do d. Parquet, sem a anterior intimação da Defensoria Pública para tomar ciência da ação e, sendo o caso, assumir o polo ativo da ação civil ex delicto, configura violação do art. 68 do CPP. REsp 888.081-MG, Rel. Min. Raul Araújo, por unanimidade, julgado em 15/9/2016, DJe 18/10/2016.
INTERPRETAÇÃO DO ART. 88 DO CDC. DENUNCIAÇÃO À LIDE.
Descabe ao denunciado à lide, nas relações consumeristas, invocar em seu benefício a regra de afastamento da denunciação (art. 88 do CDC) para eximir-se de suas responsabilidades perante o denunciante. Cingiu-se a controvérsia em analisar a exclusão de corréu denunciado à lide em relação consumerista quando a insurgência não é arguida pelo consumidor. De fato, o Superior Tribunal de Justiça já uniformizou entendimento de que a vedação à denunciação da lide prevista no art. 88 do CDC não se restringe à responsabilidade de comerciante por fato do produto (art. 13 do CDC), sendo aplicável também nas demais hipóteses de responsabilidade civil por acidentes de consumo. Foi propósito do legislador não permitir a denunciação da lide de modo a não retardar a tutela jurídica do consumidor, dando celeridade ao seu pleito indenizatório, evitando a multiplicação de teses e argumentos de defesa que dificultem a identificação da responsabilidade do fornecedor do serviço. Assim, se, de um lado, a denunciação da lide (CPC/1973, art. 70) é modalidade de intervenção de terceiros que favorece apenas o réu denunciante (fornecedor, no caso), na medida em que este objetiva a responsabilização regressiva do denunciado, de outro lado, a norma do art. 88 do CDC consubstancia-se em regra insculpida totalmente em benefício do consumidor, atuando em prol do ressarcimento de seus prejuízos o mais rapidamente possível, em face da responsabilidade objetiva do fornecedor. Na hipótese, porém, de deferimento da denunciação sem insurgência do consumidor legitimado a tal, opera-se a preclusão, sendo descabido ao corréu fornecedor invocar em seu benefício a regra de afastamento da denunciação. Trata-se de direito subjetivo público assegurado ao consumidor para a facilitação de sua defesa. REsp 913.687-SP, Rel. Min. Raul Araújo, por unanimidade, julgado em 11/10/2016, DJe 4/11/2016.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE TAXA DE OCUPAÇÃO. BEM ARREMATADO EM LEILÃO EXTRAJUDICIAL. LEGITIMIDADE AD CAUSAM APÓS A ARREMATAÇÃO.
A legitimidade ativa para a ação de cobrança da taxa de ocupação é, nos termos do art. 37-A da Lei n. 9.514/1997, do credor fiduciário ou do arrematante do bem dado em garantia fiduciária, a depender do momento em que proposta a demanda e o período de sua abrangência. Ajuizada a ação de cobrança em momento anterior à arrematação do bem, é o credor fiduciário o legitimado para a cobrança da taxa referida. Por outro lado, proposta em momento em que já havida a arrematação, é do arrematante a legitimidade ativa da ação de cobrança da taxa de ocupação. A controvérsia dos autos consistiu na definição da legitimidade para a cobrança da taxa de ocupação, prevista pela Lei n. 9.514/1997 no art. 37-A, nos casos em que o imóvel objeto da alienação fiduciária foi arrematado por terceira pessoa. Ao romper-se a relação fiduciária por inexecução culposa do devedor fiduciante, sua posse deixa de existir a justo título, de modo que estará ele perpetrando esbulho. É assegurada, pois, ao credor fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive ao adquirente do imóvel por força do público leilão (art. 30 da Lei 9.514/1997), a reintegração de posse do imóvel, como fase jurisdicional complementar ao sistema de excussão resolutória extrajudicial da garantia fiduciária de bem imóvel por inadimplemento do devedor. Se a lei confere legitimidade ao credor fiduciário e ao arrematante para a ação de reintegração de posse, e a reintegração de posse interessa, obviamente, a quem está sendo injustamente privado da posse, também a taxa de ocupação poderá ser cobrada por ambos. Se há legitimidade concorrente para a ação de reintegração de posse, não há sentido retirá-la para a ação de cobrança da taxa de ocupação. Todavia, a afirmação de legitimidade concorrente, entre credor fiduciário e arrematante, há de ser interpretada em consonância com o princípio do não enriquecimento sem causa e a partir da determinação do sujeito de direito ao recebimento da taxa de ocupação. É que a taxa de ocupação tem por finalidade compensar o legítimo possuidor do imóvel que se encontra impedido de fruir o bem imóvel, por injusta ocupação do devedor fiduciante. A partir do momento em que caracterizada a posse injusta, quando consolidada a propriedade em nome do credor, a posse exercida pelo devedor, até então justificada pelo adimplemento de suas obrigações, deixa de ter fundamento. Dessa forma, o interesse e a consequente legitimidade do credor fiduciário existem e se mantêm até o momento da arrematação do imóvel em um dos leilões previstos pela Lei n. 9.514/1997. A partir desse momento, no entanto, o interesse do arrematante sobressai e passa a ser ele o legitimado ativo para a ação de cobrança da taxa de ocupação. REsp 1.622.102-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 15/9/2016, DJe 11/10/2016. Informativo STJ nº592
AÇÃO CAUTELAR DE ARROLAMENTO. PRÉVIA INDISPONIBILIDADE DE BENS. INTERESSE DE AGIR. EXISTÊNCIA.
A prévia indisponibilidade de bens não implica a falta de interesse do Ministério Público para propositura da cautelar de arrolamento de bens. Cingiu-se a controvérsia a, além de outras questões, determinar se haveria interesse de agir para o Ministério Público Estadual ajuizar a cautelar de arrolamento de bens em razão da prévia indisponibilidade destes. A medida cautelar de arrolamento de bens constitui um procedimento, disposto no art. 855 do CPC/1973, que visa à conservação de bens ameaçados de dissipação. Nesse instrumento, não há a constrição do patrimônio, mas simples inventário dos bens do devedor. Por outro lado, o art. 36 da Lei n. 6.024/1974 prevê a indisponibilidade dos bens dos administradores de instituições financeiras que estejam em liquidação extrajudicial ou em intervenção pelo Banco Central do Brasil. Nessa hipótese, há uma restrição direta ao direito de propriedade, impossibilitando que ocorra a alienação dos bens declarados indisponíveis. A medida cautelar de arrolamento pode ser deferida para garantir a responsabilidade de administrador de instituição financeira em liquidação extrajudicial. Por sua vez, a indisponibilidade prevista no art. 36 da Lei n. 6.024/1974 tem por finalidade salvaguardar o interesse público, caso seja detectado qualquer ilícito no curso de uma intervenção ou liquidação de instituição financeira. Dessa forma, a prévia indisponibilidade de bens não causa a falta de interesse do Ministério Público para propositura da cautelar de arrolamento de bens, visto se tratarem de institutos com finalidades distintas e com efeitos diversos sobre o patrimônio afetado. REsp 1.375.540-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 18/10/2016, DJe 21/10/2016.
JULGAMENTO DE AGRAVO REGIMENTAL. MERA REPRODUÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA. NÃO APRECIAÇÃO DE QUESTÕES RELEVANTES.
É vedado ao relator limitar-se a reproduzir a decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno. Cingiu-se a controvérsia a decidir sobre a invalidade do julgamento proferido, por ausência de fundamentação, a caracterizar violação do art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015. Sustentou-se que tribunal de origem, ao julgar o agravo regimental que interpusera, limitou-se a reproduzir a decisão monocrática do relator, sem enfrentar os argumentos deduzidos, capazes de alterar o resultado do julgamento. Conquanto o julgador não esteja obrigado a rebater, com minúcias, cada um dos argumentos deduzidos pelas partes, o novo Código de Processo Civil, exaltando os princípios da cooperação e do contraditório, impõe-lhe o dever, dentre outros, de enfrentar todas as questões capazes de, por si sós e em tese, infirmar a sua conclusão sobre os pedidos formulados, sob pena de se reputar não fundamentada a decisão proferida (art. 489, § 1º, IV). Ademais, conforme prevê o § 3º do art. 1.021 do CPC/2015, é vedado ao relator limitar-se a reproduzir a decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno, ainda que “com o fito de evitar tautologia”. REsp 1.622.386-MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 20/10/2016, DJe 25/10/2016.
CONDOMÍNIO DE ADQUIRENTES DE EDIFÍCIO EM CONSTRUÇÃO. DEFESA DOS INTERESSES DOS CONDÔMINOS FRENTE A CONSTRUTORA OU INCORPORADORA. APLICAÇÃO DO CDC.
Aplica-se o CDC ao condomínio de adquirentes de edifício em construção, nas hipóteses em que atua na defesa dos interesses dos seus condôminos frente a construtora ou incorporadora. O recurso especial devolveu ao conhecimento do STJ questão jurídica consistente na definição da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a condomínio de adquirentes de edifício em construção nas hipóteses em que atua na defesa dos interesses dos seus condôminos frente a construtora ou incorporadora. O enunciado normativo do parágrafo único do art. 2º do CDC amplia substancialmente o conceito básico de consumidor previsto no caput para abranger a coletividade de consumidores, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo, para efeito de incidência do microssistema de proteção do consumidor. A valer a ratio decidendi para reconhecer a inaplicabilidade do CDC ao condomínio e o respectivo instrumento de inversão do ônus da prova, cada um dos integrantes do condomínio seria forçado a ingressar em juízo isoladamente para obter a tutela do CDC no lugar da tutela conjunta dos direitos individuais homogêneos dos condôminos. Se o condomínio detém legitimidade para defender os interesses comuns dos seus condôminos, justamente por ser constituído da comunhão dos seus interesses (artigo 12, inciso IX, do CPC/1973; atual art. 75, inciso XI, do CPC/2015), não se pode restringir a tutela legal colocada à sua disposição pelo ordenamento jurídico. Interpretação em sentido contrário vai de encontro a toda a principiologia do CDC seja no plano material (conceito amplo de consumidor), seja no plano processual (estímulo à tutela coletiva).
REsp 1.560.728-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 18/10/2016, DJe 28/10/2016.
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20/10/2016
SUCESSÃO PROCESSUAL DO AUTOR PELO HERDEIRO TESTAMENTÁRIO. POSSIBILIDADE.
Ocorrido o falecimento do autor da
ação de investigação de paternidade cumulada com nulidade da partilha
antes da prolação da sentença, sem deixar herdeiros
necessários, detém o herdeiro testamentário, que o sucedeu a título
universal, legitimidade e interesse para prosseguir com o feito,
notadamente, pela repercussão patrimonial advinda do potencial
reconhecimento do
vínculo biológico do testador. Cingiu-se a controvérsia a decidir sobre a legitimidade ad causam
do herdeiro testamentário para prosseguir em ação de investigação de
paternidade cumulada com nulidade de
partilha proposta por autor que, a despeito de ser adotado, pleiteia o
reconhecimento de paternidade biológica. Incialmente, cumpre assinalar
que a relação socioafetiva estabelecida com o pai registral – a qual,
inclusive,
não se confunde com adoção – não impede a ação de investigação de
paternidade proposta pelo filho, que tem o direito personalíssimo,
indisponível e imprescritível de
esclarecer sua paternidade biológica, com todos os consectários legais.
No que toca ao direito do herdeiro testamentário, tendo ocorrido o
falecimento do autor após o ajuizamento da ação, não há
nenhum óbice para que ele ingresse no feito dando-lhe seguimento,
autorizado não apenas pela disposição de última vontade do de cujus
quanto à transmissão de seu patrimônio, mas
também pelo art. 1.606 do CC, que permite o prosseguimento da ação de
investigação de paternidade pelos herdeiros, independentemente de serem
eles sucessores pela via legítima ou testamentária. Nessa
mesma linha de entendimento, a dicção dos arts. 1.784 do CC, no sentido
de que, "aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos
herdeiros legítimos e testamentários" e 43 do CPC/1973,
então vigente, este último dispondo que, "ocorrendo a morte de qualquer
das partes, dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus
sucessores, observado do disposto no art. 265". Haveria alguma
dúvida apenas se a ação tivesse por objetivo, exclusivamente, o
reconhecimento do vínculo biológico do autor, caso em que, estando a
pretensão circunscrita à descoberta de sua origem genética,
seria questionável a utilidade da sentença para além do interesse dos
filhos e netos do investigante. Todavia, no caso, em que há cumulação da
ação de investigação de paternidade com
pedido de nulidade da partilha, é extreme de dúvida que, tendo ocorrido o
falecimento do autor da ação antes da prolação da sentença, sem deixar
herdeiros legítimos, detém o
testamentário, que o sucedeu a título universal, legitimidade e
interesse para prosseguir com o feito, tendo em vista a repercussão
patrimonial que pode advir do reconhecimento ao falecido da condição de
filho,
porquanto, embora a ação de prova de filiação seja personalíssima, não é
intransmissível.
REsp 1.392.314-SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 6/10/2016, DJe 20/10/2016.
REsp 1.392.314-SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 6/10/2016, DJe 20/10/2016.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ABUSO DE DIREITO. IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS. IMPEDIMENTO DE INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ. SÍNDROME DE BODY STALK.
Caracteriza abuso de direito ou ação passível de gerar responsabilidade civil pelos danos causados a impetração do habeas corpus por terceiro com o fim de impedir a
interrupção, deferida judicialmente, de gestação de feto portador de síndrome incompatível com a vida extrauterina. Cingiu-se a controvérsia a dizer se o manejo de habeas corpus
com o fito de impedir a interrupção de gestação que foi judicialmente
deferida se caracteriza como abuso do direito
de ação e (ou) pode gerar responsabilidade civil pelo manejo indevido de
tutela de urgência, da qual teria exsurgido dano moral compensável.
Inconteste a existência de dano, porquanto a interrupção da
gestação do feto com síndrome de Body Stalk, que era uma
decisão pensada e avalizada por médicos e pelo Poder Judiciário, e ainda
assim, de impactos emocionais incalculáveis, foi sustada. Na
hipótese, a certeza médica de inviabilidade de vida extrauterina
consubstanciou-se em realidade, pois uma hora e quarenta minutos após o
nascimento, a criança veio a óbito. Voltando, então, à
análise dos limites jurídicos protetivos dos fetos, na hipótese de
anencefalia, e a comparação desses elementos às circunstâncias em que um
feto tenha a Síndrome de Body Stalk, ou mesmo
outra síndrome que enclausure a vida ao útero, cabe enunciar de plano
que, embora o Direito resguarde o nascituro, o faz na expectativa de que
aquela vida intrauterina, ainda sem personalidade jurídica, possa se
tornar pessoa,
sujeita a todas as garantias constitucionais. No julgamento da ADPF 54,
viu-se que esse tegumento protetivo-legal que envolve o nascituro se
torna completamente inócuo ante a constatação de que o feto é portador
de problemas
de saúde, de qualquer matriz, que tornam inviável a vida extrauterina,
isso porque a proteção que se projeta para o futuro labora com realidade
inexistente: vida extrauterina. Inafastável se dizer que a
interrupção da gravidez, por incompatibilidade com a vida extrauterina, é
um minus, mesmo em relação ao aborto humanitário, pois,
primeiro, mostra-se ontologicamente distinta do aborto-crime e, por
segundo, encontra-se, em grau de reprovabilidade social, aquém daquele
outro, no qual a vítima de estupro que engravida pode, judicialmente
amparada, optar pela cessação da gestação. Na hipótese analisada
na ADPF 54 e também neste recurso especial – a inviabilidade da vida
extrauterina –, à intensa dor emocional soma-se o incontornável
vaticínio de óbito da criança logo após o parto, se
até lá chegar à gestação. Entenda-se: à indizível dor emocional,
agrega-se a inexistência de vida futura a ser futuramente protegida. O
intenso sofrimento vivido pela mãe, após o
diagnóstico de uma síndrome que incompatibiliza a vida do feto com o
ambiente extrauterino, é de tal quilate, que faz preponderar o
particular direito dela à própria intimidade, liberdade e
autodeterminação na condução de sua vida privada. Leia-se, também aqui,
cabia só a ela, pela similaridade das condições apresentadas, dizer,
diante de sua realidade emocional, da fé que
professava, ou não professava, das expectativas que nutria, ou diante
daquelas que deixara de alimentar, se deveria ou não interromper a
gestação. A interrupção da gravidez era um direito próprio, do qual
poderia fazer uso, sem risco de persecução penal posterior e,
principalmente, sem possibilidade de interferências de terceiros, na
tentativa de obstar sua decisão. Centrando atenção na existência ou
não de abuso do direito, com a impetração do habeas corpus para
impedir a interrupção da gravidez, cabe dizer que de há muito vigora a
ideia de que há limites para o exercício de qualquer
direito, que é dado e mensurado, pela vulneração à matriz teleológica
desse próprio direito. Assim, a sôfrega e imprudente busca por um
direito legítimo, que faz perecer no caminho, direito de
outrem, ou mesmo uma toldada percepção do próprio direito, que impele
alguém a avançar sobre direito alheio, podem ser considerados abuso de
direito. A busca do Poder Judiciário por uma tutela de urgência
traz, para aquele que a maneja, o ônus da responsabilidade pelos danos
que porventura a concessão do pleito venha a produzir, principalmente
quando ocorre hipótese de abuso de direito. No manejo do habeas corpus com
pedido
liminar, posteriormente recebido como mandado de segurança, houve: a)
violação à intimidade e à vida privada do casal, tentando fazer
prevalecer posição particular em relação à
interrupção da gestação, mesmo estando os pais amparados, na decisão que
tomaram, por tutela judicial; b) agressão à honra ao denominar a
atitude de interrupção da gravidez sob os
auspícios do Estado de assassinato; c) ação temerária (por ocasião do
pedido de suspensão do procedimento médico de interrupção da gravidez,
que já estava em curso) e a
imposição aos pais – notadamente à mãe – de sofrimento inócuo. Assim,
impõe-se o reconhecimento de dano ao espaço reservado à liberdade de
outros e, ainda, por incúria ou
perfídia, a utilização de um direito próprio – direito de ação – para
impor aos pais estigma emocional que os acompanhará perenemente.
REsp 1.467.888-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 20/10/2016, DJe 25/10/2016.
REsp 1.467.888-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 20/10/2016, DJe 25/10/2016.
AQUISIÇÃO DE IMÓVEL ADJUDICADO PELA CAIXA ECONOMICA FEDERAL. DESOCUPAÇÃO DE TERCEIRO. ÔNUS DO ADQUIRENTE. PREVISÃO EM CLÁUSULA CONTRATUAL.
A cláusula contratual que impõe ao
comprador a responsabilidade pela desocupação de imóvel que lhe é
alienado pela CEF não é abusiva. A controvérsia limitou-se a analisar a
validade da cláusula contratual que trata da responsabilidade pela
desocupação de terceiros do imóvel alienado pela CEF. A cláusula é
comum em contratos de compra de imóveis de propriedade da Caixa
Econômica havidos por adjudicação, arrematação ou dação em pagamento. A
oferta e a relação dos imóveis são
divulgadas em editais de concorrência pública em que, mesmo diante dos
riscos decorrentes da ocupação prévia por um terceiro não proprietário,
os adquirentes optam pela compra desses bens, vendidos por
valores reduzidos pela CEF. A cláusula contratual questionada estabelece
textualmente que são de responsabilidade do adquirente as providências
relacionadas à desocupação do imóvel, eximindo a alienante de
tal responsabilidade, inclusive no que tange à sua recuperação, em
decorrência de possível depredação. A possibilidade de ocupação do
imóvel por terceiros e a quem compete o ônus
pela desocupação não representam surpresa aos adquirentes, pois é
informação que consta expressamente do edital de concorrência pública e
do contrato a ser firmado. Logo, considerando-se que as
condições de aquisição do imóvel foram postas e aceitas livremente por
ambas as partes, não pode o contratante, tendo ciência de que está
adquirindo um imóvel ocupado por terceiros, cujo
valor pago, justamente por isso, é bem mais convidativo que o de um
imóvel novo, querer furtar-se da responsabilidade que livre e
conscientemente assumiu. Nesse contexto, não havendo omissão sobre o
fato de o bem estar
ocupado por terceiro, não se afigura iníqua ou abusiva, não acarreta
exagerada desvantagem para o adquirente nem cria situação de
incompatibilidade com os postulados da boa-fé e da equidade a cláusula
contratual que impõe ao adquirente a responsabilidade pela desocupação
do imóvel. Por fim, cumpre destacar que o fato de a compra do imóvel
ocorrer na esfera do Sistema Financeiro Habitacional - SFH não afasta o
postulado da liberdade de contratação e a força vinculante do contrato.
REsp 1.509.933-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 4/10/2016, DJe 18/10/2016.
REsp 1.509.933-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 4/10/2016, DJe 18/10/2016.
EXERCÍCIO DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA E PROPRIEDADE. AÇÃO DEMOLITÓRIA. JANELAS. CONSTRUÇÃO A MENOS DE UM METRO E MEIO DO TERRENO VIZINHO. ART. 1.301, CAPUT, DO CC. REQUISITO OBJETIVO.
A proibição inserta no art. 1.301, caput,
do Código Civil – de não construir janelas a menos de um metro e meio
do terreno vizinho – possui caráter objetivo, traduz
verdadeira presunção de devassamento, que não se limita à visão e
engloba outras espécies de invasão (auditiva, olfativa e principalmente
física). Cingiu-se a controvérsia – entre outras questões – a definir se a proibição contida no art. 1.301, caput,
do CC pode ser relativizada no caso em que a abertura de janelas a
menos de um metro e meio do terreno vizinho não possibilite a visão do
interior do imóvel. Como cediço, as regras atinentes ao "direito de
construir" limitam o uso da propriedade na medida em que visam impedir a
invasão do terreno vizinho. Já a restituição da área invadida, o embargo
da obra ou o pedido de demolição para a reposição do estado anterior,
segundo doutrina, são também
decorrência lógica do exercício do direito de propriedade, visto que a
lei civil assegura ao seu titular o poder de usar, gozar e dispor de
seus bens e de reavê-los "do poder de quem quer que injustamente os
possua ou
detenha" (art. 1.228). Logo, as regras e proibições insertas no capítulo
relativo ao direito de construir possuem natureza objetiva e cogente,
traduzindo verdadeira presunção de devassamento, que não se
limita à visão, englobando outras espécies de invasão (auditiva,
olfativa e principalmente física, pois também buscam impedir que objetos
caiam ou sejam arremessados de uma propriedade a outra), de modo a
evitar
conflito entre os vizinhos. Desse modo a proibição é objetiva, basta
para a sua configuração a presença do elemento objetivo estabelecido
pela lei – construção da janela a menos de metro e
meio do terreno vizinho –, de modo que independe da aferição de aspectos
subjetivos relativos à eventual atenuação do devassamento visual, por
exemplo.
REsp 1.531.094-SP, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 18/10/2016, DJe
24/10/2016.
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VINHO. RÓTULO. INFORMAÇÕES ESSENCIAIS. LEI N. 8.918/1994. CDC. INAPLICABILIDADE.
Inexiste a obrigação legal de se
inserir nos rótulos dos vinhos informações acerca da quantidade de sódio
ou de calorias (valor energético) presente no produto. Tratou-se de recurso especial em que
se apontou, entre outras questões, violação ao art. 2º da Lei n.
8.918/1994 e Decreto n. 6.871/2009, que dispõem sobre a padronização,
classificação, registro, inspeção, produção e a fiscalização das bebidas
produzidas e comercializadas por produtores, importadores e
distribuidores de vinhos. Na oportunidade, o recorrente
ressaltou que "não há na legislação pátria nenhuma norma que determine a
indicação de calorias do vinho" e que "a obrigatoriedade das
informações exigidas pela recorrida
somente pode ser aferida pelo Estado no exercício regular do Poder de
Polícia Sanitária". Afirmou, inclusive, que "as bebidas alcóolicas são
excluídas, pela ANVISA do Regulamento RDC 360/2003 que trata
de rotulagem de alimentos". Primeiramente, saliente-se que ao Estado
incumbe o dever de fiscalizar a comercialização ou a publicidade de
bebidas alcoólicas. Indubitavelmente o governo deve agir de modo a
proteger a saúde
dos consumidores e a promover a venda de produtos de qualidade no
mercado. Todavia, a regulação encontra limites na livre concorrência e
nos possíveis impactos que novas exigências refletem tanto nas empresas
como na
livre economia de mercado. Com efeito, não se nega a importância de se
conhecer os ingredientes nutricionais dos produtos alimentícios.
Todavia, no caso do vinho, a legislação retira tal obrigatoriedade, como
se afere
da legislação específica, que afasta a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor, haja vista o princípio da especialidade (lex specialis derrogat lex generalis).
Incide no caso o art. 2º
da Lei n. 8.918/1994, que prevê o registro necessário para
comercialização de bebidas, bem como seu decreto regulamentador (Decreto
n. 6.871/2009), que não se aplica às bebidas alcoólicas derivadas da
uva.
A legislação aplicável à espécie, portanto, não obriga o vinicultor a
inserir nos rótulos das bebidas que comercializa – no caso, vinhos –
informações acerca da quantidade de
sódio ou de calorias (valor energético) contida no produto. Saliente-se,
ainda, que a Resolução-RDC n. 360, de 23 de dezembro de 2003, de
autoria da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA), regulamentadora da Lei n. 6.437/1977, tornou
obrigatória a rotulagem nutricional de alimentos embalados e
comercializados nos países integrantes do Mercosul, visando proteger a
saúde da
população em geral. Contudo, excluiu do seu âmbito de aplicação, dentre
outros produtos, as bebidas alcoólicas. Destaque-se, por oportuno, que a
produção de vinho difere de outros alimentos por
não possuir uma fórmula certa e ter características próprias que
dificultam a informação nutricional, pois são elaborados com
ingredientes únicos, exclusivos e variáveis, dependendo do tempo
de armazenagem e de condições da natureza, tendo em vista o
processamento das substâncias usadas, a qualidade e safra da uva e a
inclusão de ácidos ou açúcar para obtenção de uma bebida mais
ou menos ácida ou doce. Ademais, a análise nutricional é conduzida
diferentemente por região, não havendo falar em receita padrão da
bebida, sob pena de reduzir a qualidade em determinadas hipóteses e
quebrar a exclusividade do produto. É considerado, em princípio, a single ingredient food
(um produto singular) em muitas regulações internacionais. Finalmente,
vale acrescentar que a exigência de
informações adicionais impostas de maneira pontual viola frontalmente o
livre exercício de determinada atividade econômica (art. 170, inciso IV,
da Constituição Federal), não cabendo ao Poder
Judiciário, que não tem função legislativa, substituir-se à lei especial
e suas normas técnicas regulamentadoras, criando, indiretamente,
obrigação restrita às partes, sob pena de
violação do princípio da separação dos poderes.
REsp 1.605.489-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 4/10/2016, DJe 18/10/2016.
REsp 1.605.489-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 4/10/2016, DJe 18/10/2016.
PLANO DE SAÚDE. DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA DE TITULAR. EXTINÇÃO DO PLANO COLETIVO EMPRESARIAL. CONTRATAÇÃO DE NOVO PLANO (COLETIVO POR ADESÃO) COM A MESMA OPERADORA. PRAZO DE CARÊNCIA. INEXIGIBILIDADE.
É ilícita a exigência de cumprimento
de carência de ex-dependente de plano coletivo empresarial, extinto em
razão da demissão sem justa causa do titular, ao contratar novo plano de
saúde, na mesma operadora, mas em categoria diversa (coletivo por
adesão). Na origem, tratou-se de ação de
anulação de cláusula contratual de plano de saúde, ajuizada em desfavor
da Unimed-SP, tendo em vista a exigência de observância de prazo
de carência, já cumprido em outro plano coletivo empresarial –
contratado com a mesma operadora e extinto em face da demissão sem justa
causa do titular. A cooperativa do plano de saúde, entre outros
fundamentos, alegou
que é lícita a exigência da carência, porquanto o novo plano de saúde
contratado pela autora não possuía nenhuma vinculação com o anterior,
que foi rescindido por ocasião da dispensa
imotivada do marido. Asseverou, assim, que não há relação de
continuidade entre as avenças, sendo ambos contratos independentes e
autônomos. De fato, quando há a demissão imotivada do trabalhador, a
operadora de plano de saúde deve lhe facultar e a seus dependentes a
prorrogação temporária do plano coletivo ao qual haviam aderido,
contanto que arquem integralmente com os custos das mensalidades, não
podendo
superar o prazo estabelecido em lei. Quanto à carência, saliente-se não
haver ilegalidade ou abusividade na sua fixação no contrato de plano de
saúde, contanto que sejam observados os limites legais: (i)
máximo de 24 (vinte e quatro) horas para a cobertura dos casos de
urgência e emergência, (ii) máximo de 300 (trezentos) dias para partos a
termo e (iii) máximo de 180 (cento e oitenta) dias para os demais
casos. Todavia,
há hipóteses em que o prazo de carência já cumprido em um dado contrato
pode ser aproveitado em outro, como geralmente ocorre na migração e na
portabilidade de plano de saúde, para a mesma ou para outra
operadora. Com efeito, tais institutos possibilitam a mobilidade do
consumidor, sendo essenciais para a estimulação da livre concorrência no
mercado de saúde suplementar. Nesse contexto, no caso do ex-empregado
demitido e de
seus dependentes, para não ficarem totalmente desprotegidos com o
término do direito de prorrogação temporária do plano coletivo
empresarial (art. 30, caput e §§ 1º e 2º, da Lei n.
9.656/1998) ao qual haviam aderido e atendendo à função social do
contrato de plano de saúde (art. 421 do CC), foi assegurada pela Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a portabilidade especial de
carências. Assim, nos termos do art. 7º-C da RN n. 186/2009 da ANS, o
ex-empregado demitido ou exonerado sem justa causa, ou aposentado, ou
seus dependentes vinculados ao plano ficam dispensados do cumprimento de
novos períodos de
carência na contratação de novo plano individual, ou familiar, ou
coletivo por adesão, seja na mesma operadora seja em outra, desde que
peçam a transferência durante o período de manutenção da
condição de beneficiário garantida pelos arts. 30 e 31 da Lei n.
9.656/1998.
REsp 1.525.109-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 4/10/2016, DJe 18/10/2016.
REsp 1.525.109-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 4/10/2016, DJe 18/10/2016.
MERCADORIA IMPORTADA. ADULTERAÇÃO DE DADOS ESSENCIAIS (ORIGEM DO PRODUTO). PERDIMENTO. PAGAMENTO DOS TRIBUTOS DEVIDOS. IRRELEVÂNCIA.
A quitação do tributo devido não implica direito ao descumprimento das normas que disciplinam o direito alfandegário. Tratou-se de controvérsia acerca da
possibilidade de decretação administrativa da pena de perdimento de bens
importados na hipótese em que há o recolhimento dos tributos, mas
existe a
inobservância das normas que disciplinam o direito alfandegário. A
sanção administrativa foi imposta a partir da constatação de que os
dados essenciais relativos à origem do produto (China) são
adulterados fazendo com que o produto chegue às mãos do consumidor com a
informação de que se trata de produto nacional. Nesse contexto, a pena
de perdimento não constitui sanção cujo fato gerador tenha
por base a inadimplência de tributo, amoldando-se perfeitamente ao
previsto no art. 105, VIII, do Decreto-Lei n. 37/1966: "Art.105 -
Aplica-se a pena de perda da mercadoria: (...) VIII - estrangeira que
apresente característica
essencial falsificada ou adulterada, que impeça ou dificulte sua
identificação, ainda que a falsificação ou a adulteração não influa no
seu tratamento tributário ou cambial". Portanto,
a circunstância de ter havido o adimplemento da obrigação de conteúdo
pecuniário não exime a observância da legislação alfandegária e o
respeito aos valores por ela protegidos.
REsp 1.385.366-ES, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 22/9/2016, DJe 11/10/2016.
REsp 1.385.366-ES, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 22/9/2016, DJe 11/10/2016.
MANDADO DE SEGURANÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO.
O art. 25 da Lei n. 12.016/2009, que
estabelece regra de descabimento de condenação em honorários
advocatícios "no processo mandamental", afasta a incidência do regime do
art.
85, § 11, do CPC/2015. Tratou-se de recurso ordinário
interposto contra acórdão denegatório de mandado de segurança não
conhecido porque entre a motivação utilizada como fundamento do
julgamento e as razões do recurso que impugna tal decisão não houve
relação de congruência. Pesou considerar que o recurso se orientou pela
nova codificação processual, considerando que a
publicação do acórdão da origem foi posterior a 18/3/2016, atraindo a
aplicação do Enunciado Administrativo n. 3 do STJ. Isso imporia como
consequência, na hipótese do seu desprovimento, a
condenação da recorrente em honorários recursais, a teor do disposto no
art. 85, § 11, do CPC/2015. No entanto, não é adequada a incidência
desse regime ao feito tendo em conta o disposto no art. 25 da Lei
n. 12.016/2009. A interpretação desse preceito sempre pontuou o
julgamento da ação de mandado de segurança, isso sob um regime em que
inexistia a conjectura dos honorários recursais. Tratando-se o recurso
de um
desdobramento da tramitação processual que se inicia com a petição
inicial, não há lógica em que no processamento da ação propriamente dita
inexista condenação em
honorários, mas na fase recursal consequente isso seja possível. Além
disso, o texto do art. 25 da Lei n. 12.016/2009 é claro ao estabelecer
que os honorários advocatícios não cabem no processo
mandamental, expressão que reúne a ideia de ação e do procedimento
subjacente, com a petição inicial, as informações da autoridade coatora,
a intervenção do Ministério
Público, a prolação de provimento judicial e, ainda, os recursos.
RMS 52.024-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, por unanimidade, julgado em 6/10/2016, DJe 14/10/2016.
RMS 52.024-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, por unanimidade, julgado em 6/10/2016, DJe 14/10/2016.
19/10/2016
PENSÃO POR MORTE. HABILITAÇÃO TARDIA DE DEPENDENTE ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. EXISTÊNCIA DE DEPENDENTE REGULAR JÁ INSCRITO. EFEITOS FINANCEIROS.
Não há direito à percepção de pensão
por morte em período anterior à habilitação tardia da dependente
incapaz, no caso de seu pai já receber a
integralidade do benefício desde o óbito da instituidora. Na origem, o autor ajuizou ação contra
o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com objetivo de perceber
pensão por morte em período anterior à habilitação tardia da
dependente incapaz, independentemente de seu pai já receber a
integralidade desde o óbito da instituidora do benefício. De fato, há o
entendimento no sentido de que comprovada a absoluta incapacidade do
requerente da
pensão por morte, faz ele jus ao pagamento das parcelas vencidas desde a
data do óbito do instituidor do benefício, ainda que não postulado
administrativamente no prazo de trinta dias. Ocorre que, de acordo com o
art. 76 da
Lei n. 8.213/1991, a habilitação posterior do dependente somente deverá
produzir efeitos a contar desse episódio, de modo que não há falar em
efeitos financeiros para momento anterior à inclusão do
dependente. Assim, a concessão do benefício para momento anterior à
habilitação da autora incapaz acarretaria, além da inobservância dos
arts. 74 e 76 da Lei n. 8.213/1991, inevitável
prejuízo à autarquia previdenciária, que seria condenada a pagar
duplamente o valor da pensão.
REsp 1.479.948-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 22/9/2016, DJe 17/10/2016.
REsp 1.479.948-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 22/9/2016, DJe 17/10/2016.
OBRAS DE ACESSIBILIDADE AOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS. ALEGAÇÃO DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL.
É essencial, incluso no conceito de
mínimo existencial, o direito de pessoas com necessidades especiais
poderem frequentar universidade pública, razão pela qual não pode a
instituição alegar a incidência da cláusula da reserva do possível como
justificativa para sua omissão em providenciar a conclusão de obras de
adaptação em suas edificações e
instalações. Tratou-se de ação civil pública
proposta por Ministério Público Federal contra Universidade Federal com o
escopo de obrigar a instituição de ensino a iniciar as obras de
adaptação de todas as suas edificações para permitir sua utilização por
pessoas portadoras de necessidade especiais. No campo dos direitos
individuais e sociais de absoluta prioridade, o juiz não se deve
impressionar nem se sensibilizar com alegações de conveniência e
oportunidade trazidas pelo administrador relapso. A ser diferente,
estaria o Judiciário a fazer juízo de valor ou político em esfera na
qual o
legislador não lhe deixou outra possibilidade de decidir que não seja a
de exigir o imediato e cabal cumprimento dos deveres, completamente
vinculados, da Administração Pública. Se um direito é qualificado pelo
legislador como de absoluta prioridade, deixa de integrar o universo de
incidência da reserva do possível, já que a sua possibilidade é,
preambular e obrigatoriamente, fixada pela Constituição ou pela lei.
Ademais, tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo
existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário
estabeleça a inclusão de determinada política pública nos
planos orçamentários do ente político, principalmente quando não houver
comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa
estatal.
REsp 1.607.472-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 15/9/2016, DJe 11/10/2016.
REsp 1.607.472-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 15/9/2016, DJe 11/10/2016.
GREVE DE SERVIDOR PÚBLICO. DIAS NÃO COMPENSADOS. DESCONTO EM FOLHA. PARCELAMENTO.
Não se mostra razoável a possiblidade
de desconto em parcela única sobre a remuneração do servidor público dos
dias parados e não compensados provenientes do
exercício do direito de greve. Cuidou-se de controvérsia sobre a
possibilidade de desconto (em parcela única sobre a remuneração de
servidor público) dos dias parados e não compensados provenientes do
exercício do direito de greve. No que se refere à legalidade do desconto
dos dias parados, é de rigor a análise da razoabilidade e
proporcionalidade do ato que determina o desconto em parcela única
desses dias na
remuneração do servidor, principalmente quando há a intenção de se pagar
de forma parcelada esse débito. O art. 46 da Lei n. 8.112/1990, que
rege os servidores públicos federais e que se aplica por
analogia ao caso, dispõe que as reposições poderão ser parceladas a
pedido do interessado. Ademais, deve-se destacar que se trata de verba
de natureza alimentar do servidor e o referido desconto em parcela
única, nessa
hipótese, causar-lhe-ia um dano desarrazoado.
RMS 49.339-SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, por unanimidade, julgado em 6/10/2016, DJe 20/10/2016.
RMS 49.339-SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, por unanimidade, julgado em 6/10/2016, DJe 20/10/2016.
AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. REVISÃO DE CLAUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO REPETITIVO.
Impossibilidade de revisão de cláusulas contratuais em ação de prestação de contas. Na origem, tratou-se de ação de
prestação de contas ajuizada em face de banco em que se exigiu a
demonstração, de forma mercantil, da movimentação
financeira do contrato de abertura de crédito em conta corrente
celebrado entre as partes, desde o início do relacionamento, nos termos
do art. 917 do Código de Processo Civil. Tendo em vista a especialidade
do rito, não se
comporta no âmbito da prestação de contas a pretensão de alterar ou
revisar cláusula contratual. As contas devem ser prestadas, com a
exposição, de forma mercantil, das receitas e despesas, e o respectivo
saldo (CPC/1973, art. 917). A apresentação das contas e o respectivo
julgamento devem ter por base os pressupostos assentados ao longo da
relação contratual existente entre as partes. Nesse contexto, não será
possível a alteração das bases do contrato mantido entre as partes, pois
o rito especial da prestação de contas é incompatível com a pretensão
de revisar contrato, em razão das
limitações ao contraditório e à ampla defesa. Essa impossibilidade de se
proceder à revisão de cláusulas contratuais diz respeito a todo o
procedimento da prestação de contas, ou seja,
não pode o autor da ação deduzir pretensões revisionais na petição
inicial (primeira fase), conforme a reiterada jurisprudência do STJ,
tampouco é admissível tal formulação em
impugnação às contas prestadas pelo réu (segunda fase). Isso ocorre
porque, repita-se, o procedimento especial da prestação de contas não
abrange a análise de situações complexas, mas
tão somente o mero levantamento de débitos e créditos gerados durante a
gestão de bens e negócios do cliente bancário. A ação de prestação de
contas não é, portanto, o
meio hábil a dirimir conflitos no tocante a cláusulas de contrato, nem
em caráter secundário, uma vez que tal ação objetiva, tão somente, a
exposição dos componentes de crédito e
débito resultantes de determinada relação jurídica, concluindo pela
apuração de saldo credor ou devedor.
REsp 1.497.831-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, por maioria, julgado em 14/9/2016, DJe 7/11/2016.
REsp 1.497.831-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, por maioria, julgado em 14/9/2016, DJe 7/11/2016.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE CONTRATO DE CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. DEFINIÇÃO. RECURSO REPETITIVO.
O termo inicial da prescrição da
pretensão de repetição de indébito de contrato de cédula de crédito
rural é a data da efetiva lesão, ou seja, do
pagamento. Entre outras questões abordadas no
recurso representativo da controvérsia, discutiu-se o termo inicial do
prazo prescricional para o ajuizamento de repetição de indébito em
contrato de
cédula de crédito rural. Realmente, na ação de repetição de indébito, o
termo inicial deve ser a data do pagamento, feito antecipadamente ou na
data do vencimento do título, porquanto não se
pode repetir aquilo que ainda não foi pago. Nesse contexto, ressalte-se
que a data do vencimento, desacompanhada do pagamento, não guarda
relação com o termo inicial da pretensão reparatória, cursando, mais
adequadamente, com o eventual nascedouro da pretensão de revisão do
contrato.
REsp 1.361.730-RS, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, por maioria, julgado em 10/8/2016, DJe 28/10/2016.
REsp 1.361.730-RS, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, por maioria, julgado em 10/8/2016, DJe 28/10/2016.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE CONTRATO DE CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. PRAZO PRESCRICIONAL. DEFINIÇÃO. RECURSO REPETITIVO.
A pretensão de repetição de indébito
de contrato de cédula de crédito rural prescreve no prazo de vinte anos,
sob a égide do art. 177 do Código Civil de 1916, e de
três anos, sob o amparo do art. 206, § 3º, IV, do Código Civil de 2002,
observada a norma de transição do art. 2.028 desse último Diploma Legal. Cingiu-se a discussão, entre outras
questões, a definir o prazo prescricional para o ajuizamento de
repetição de indébito em contrato de cédula de crédito rural. De fato,
como a ação de repetição de indébito cuida de direito subjetivo sem nota
distintiva, apenas buscando a condenação do réu a uma prestação, deve
submeter-se ao fenômeno da
prescrição, e não da decadência. Nesse mesmo sentido, a Segunda Seção do
STJ, nos julgamentos de recursos especiais representativos da
controvérsia, REsp 1.360.969-RS (DJe 19/9/2016) e REsp 1.361.182-RS
(DJe 19/9/2016), por maioria, consolidou o entendimento de que a
pretensão condenatória decorrente da declaração de nulidade de cláusula
de reajuste prevista na vigência de contratos de planos de saúde ou
de seguro-saúde, observada a regra de transição do art. 2.028 do Código
Civil de 2002, prescreve em vinte anos (art. 177 do Código Civil de
1916) ou no prazo de três anos previsto para a pretensão de
ressarcimento de enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º, IV, do atual
Código Civil). Em consonância com os votos referidos, consolida-se o
entendimento de que o exercício da pretensão de ressarcimento daquilo
que
foi pago a maior pelo consumidor deve se sujeitar ao prazo prescricional
trienal referente à ação de ressarcimento de enriquecimento sem causa,
previsto no art. 206, § 3º, IV, do CC/2002. Nessa esteira, no que tange
ao
enriquecimento “sem causa”, convém destacar que a ausência de causa não
diz respeito somente à inexistência de relação jurídica base entre os
contratantes, mas também à
falta de motivo para o enriquecimento de somente um deles sem que o
outro tenha tirado proveito de qualquer espécie. Deveras, ainda que as
partes possam estar unidas por relação jurídica mediata, se ausente a
causa
jurídica imediata e específica para o aumento patrimonial exclusivo de
uma das partes, estará caracterizado o enriquecimento sem causa. Logo, o
aumento patrimonial indevido pode ser discutido em ação de
enriquecimento
sem causa, cujo exercício está sujeito ao prazo de três anos. Por fim,
saliente-se que, nas demandas em que seja aplicável a regra de transição
do art. 2.028 do Código Civil de 2002, observar-se-á o
prazo vintenário das ações pessoais, previsto no art. 177 do Código
Civil de 1916, ante a ausência de regra específica para a hipótese de
enriquecimento sem causa.
REsp 1.361.730-RS, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, por maioria, julgado em 10/8/2016, DJe 28/10/2016.
REsp 1.361.730-RS, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, por maioria, julgado em 10/8/2016, DJe 28/10/2016.
05/10/2016
DIREITO PROCESSUAL PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE RECOLHIMENTO EM SALA DE ESTADO MAIOR A ADVOGADO SUSPENSO DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE.
Decretada a prisão preventiva de advogado, este não fará jus ao recolhimento provisório em sala de Estado Maior caso esteja suspenso dos quadros da OAB. Segundo previsão do art. 7º, V, da Lei n. 8.906/1994 (EOAB), o advogado tem direito de ser recolhido provisoriamente em sala de Estado Maior, o que, por certo, não se conserva diante da suspensão do exercício profissional, ex vi da dicção do art. 37, § 1º, do EOAB, a qual pressupõe a interdição dos direitos decorrentes da atuação profissional. HC 368.393-MG, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 20/9/2016, DJe 30/9/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HIPÓTESE DE INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 337 DO STJ.
Após a sentença penal que condenou o agente pela prática de dois crimes em concurso formal, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em relação a apenas um dos crimes em razão da pena concreta (art. 109 do CP) não autoriza a suspensão condicional do processo em relação ao crime remanescente. O comando da Súmula n. 337 do STJ tem a seguinte redação: "É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva." Na hipótese em que a declaração de extinção de punibilidade se dá pela pena concreta, verifica-se a existência de uma prévia condenação. Realmente, somente a partir doquantum concreto, observa-se qual seria o prazo prescricional, dentre aqueles inscritos no art. 109 do CP. Ora, se a denúncia teve de ser julgada procedente primeiro, para, somente após, ser reconhecida a prescrição, em razão da pena concreta, não houve procedência parcial da pretensão punitiva - a qual, de fato, foi integral - não sendo caso de incidência da Súmula n. 337 do STJ. Precedente citado do STF: RHC 116.399-BA, Primeira Turma, DJe 15/8/2013. REsp 1.500.029-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 27/9/2016, DJe 13/10/2016.
DIREITO PENAL. CLONAGEM DE CARTÃO DE CRÉDITO OU DÉBITO ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 12.737/2012.
Ainda que praticada antes da entrada em vigor da Lei n. 12.737/2012, é típica (art. 298 do CP) a conduta de falsificar, no todo ou em parte, cartão de crédito ou débito. De fato, o caput do art. 298 do CP ("Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro") descreve o elemento normativo: "documento". Segundo doutrina, "os elementos normativos são aqueles para cuja compreensão é insuficiente desenvolver uma atividade meramente cognitiva, devendo-se realizar uma atividade valorativa." Assim, o elemento normativo implica uma atitude especial do intérprete, a exigir um pouco mais que a simples percepção de sentidos, delimitando-se o alcance e o sentido do texto legal existente. Por conseguinte, no processo hermenêutico que subjaz à atividade do julgador, o elemento normativo em questão prescinde de integração, especialmente da utilização de analogia. Ao avançar na compreensão ou na valoração do significado do elemento normativo "documento", poder-se-ia extrair, de acordo com os escólios de doutrina, a ideia de que seria "todo escrito especialmente destinado a servir ou eventualmente utilizável como meio de prova de fato juridicamente relevante" e, acerca da falsidade documental: "imitação ou deformação fraudulenta da verdade em um papel escrito, no sentido de conculcar uma relação jurídica ou causar um prejuízo juridicamente apreciável." Aliás, a própria Lei de Acesso à Informação (art. 4º, II) define documento como "unidade de registro de informações, qualquer que seja o suporte ou formato". Nessa perspectiva, não há como perder de vista que o "cartão de crédito", embora não seja tão recente, passou a ter utilização propagada de forma exponencial no final do século passado, notadamente pela facilidade de se estabelecer, com ele, uma gama de relações jurídicas relevantes para o cenário econômico. Tal importância, fruto da própria dinâmica tecnológica, culminou com a necessidade de se estabelecer uma proteção penal mais significativa para essas relações. Nesse ponto, o elemento normativo previsto no art. 298 do CP assumiu especial relevo, porque a maleabilidade valorativa que lhe é inerente permitiu a sua adaptação aos anseios e às necessidades provenientes da existência de novas relações jurídicas advindas da evolução tecnológica. De acordo com doutrina, há uma vinculação entre esse conteúdo e a interpretação valorativa, que sempre será determinada pelo julgador de acordo com a cultura da época. Em virtude disso, a jurisprudência, antes da entrada em vigor da Lei n. 12.737/2012, passou ao largo de discutir se a falsificação de cartão de crédito poderia se enquadrar como falsificação de documento particular. A presença do elemento normativo "documento" possibilitou ao aplicador da lei compreender que o cartão de crédito ou bancário enquadrar-se-ia no conceito de documento particular, para fins de tipificação da conduta, principalmente porque dele constam dados pessoais do titular e da própria instituição financeira (inclusive na tarja magnética) e que são passíveis de falsificação. Isso pode ser constatado pelo fato de que os inúmeros processos que aportaram no STJ antes da edição da referida lei e que tratavam de falsificação de documento particular em casos de "clonagem" de cartão de crédito não reconheceram a atipicidade da conduta (HC 43.952-RJ, Quinta Turma, DJ 11/9/2006; HC 116.356-GO, Quinta Turma, DJe 6/4/2009; RHC 19.936-RJ, Quinta Turma, DJ 11/12/2006; RHC 13.415-CE, Quinta Turma, DJ 3/2/2003; HC 27.520-GO, Sexta Turma, DJ 15/9/2003; entre outros). No mesmo sentido, citam-se precedentes do STF: HC 102.971-RJ, Segunda Turma, DJe 5/5/2011; e HC 82.582-RJ, Segunda Turma, DJ 4/4/2003; entre outros. Assim, a inserção do parágrafo único no art. 298 do CP apenas ratificou e tornou explícito o entendimento jurisprudencial da época, relativamente ao alcance do elemento normativo "documento", clarificando que cartão de crédito é considerado documento. Não houve, portanto, uma ruptura conceitual que justificasse considerar, somente a partir da edição da Lei n. 12.737/2012, cartão de crédito ou de débito como documento. Inclusive, seria incongruente, a prevalecer a tese da atipicidade anterior à referida lei, reconhecer que todos os casos antes assim definidos pela jurisprudência, por meio de legítima valoração de elemento normativo, devam ser desconstituídos justamente em virtude da edição de uma lei interpretativa que veio em apoio à própria jurisprudência já então dominante. Acrescenta-se, ainda, não prosperar o argumento de que é sempre inviável a retroatividade de uma lei penal interpretativa (se não favorável ao réu), esta compreendida como norma que não altera o conteúdo ou o elemento da norma interpretada, mas, apenas, traduz o seu significado. Esse raciocínio, se considerado isoladamente, conduziria à ideia de que a previsão contida no parágrafo único do art. 298 do CP não poderia retroagir e, por esse ângulo, surgiria um imbróglio, na medida em que a jurisprudência nunca oscilou quanto ao reconhecimento de que cartão de crédito é documento para fins do caput do referido artigo. Nesse contexto, há vertente doutrinária no viés de que: "se o sentido fixado pela lei interpretativa é diferente do atribuído à norma por uma corrente jurisprudencial uniforme, então a lei nova [...] já não pode ser considerada realmente interpretativa, mas inovadora." Isso sugere, a contrario sensu, que o sentido atribuído à norma interpretativa que estivesse em consonância com a jurisprudência não se caracterizaria como lei inovadora, no sentido substancial. Na hipótese, repita-se, a jurisprudência era uníssona em reconhecer que cartão de crédito era documento para fins do caput do art. 298 do CP, o que implica dizer que a Lei n. 12.737/2012 apenas reproduziu, com palavras mais inequívocas, a jurisprudência daquela época, tratando-se, desse modo, de lei interpretativa exemplificativa, porquanto o conceito de "documento" previsto no caput não deixou de conter outras interpretações possíveis. Por fim, não é possível deixar de salientar que, a não se compreender assim, todos os casos anteriores à edição da referida lei e que culminaram em condenação, ou mesmo aqueles que ainda se encontram em andamento, deveriam ser revistos, embora não tenha ocorrido qualquer ruptura na interpretação dada pela jurisprudência ao elemento normativo do tipo antes ou após a inserção do parágrafo único no art. 298 do CP. REsp 1.578.479-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 2/8/2016, DJe 3/10/2016.
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. APLICABILIDADE DO ART. 122, II, DO ECA.
A depender das particularidades e circunstâncias do caso concreto, pode ser aplicada, com fundamento no art. 122, II, do ECA, medida de internação ao adolescente infrator que antes tenha cometido apenas uma outra infração grave. Dispõe o art. 122, II, do ECA que a aplicação de medida socioeducativa de internação é possível "por reiteração no cometimento de outras infrações graves". Sobre o tema, destaquem-se os seguintes ensinamentos trazidos por doutrina: "Há orientação jurisprudencial, em nosso entendimento equivocada, dando conta da necessidade da reiteração de, pelo menos, três atos infracionais graves. Chega-se a tal conclusão pelo fato de o legislador não ter usado o termo reincidência, ao qual se permitiria a prática de duas infrações. Com a devida vênia, este Estatuto fez o possível para evitar termos puramente penais. Se não usou a palavra reincidência, foi justamente para fugir ao contexto criminal, aliás, como usou ato infracional e não delito ou crime." Não há que se falar em quantificação do caráter socioeducador do ECA, seja em razão do próprio princípio da proteção integral, seja em benefício do próprio desenvolvimento do adolescente, uma vez que tais medidas não ostentam a particularidade de pena ou sanção, de modo que inexiste juízo de censura, mas, sim, preceito instrutivo, tendo em vista que exsurge, conforme doutrina, "após o devido processo legal, a aplicação da medida socioeducativa, cuja finalidade principal é educar (ou reeducar), não deixando de proteger a formação moral e intelectual do jovem". À luz do princípio da legalidade, devemos nos afastar da quantificação de infrações, devendo, portanto, a imposição da medida socioeducativa pautar-se em estrita atenção às nuances que envolvem o quadro fático da situação em concreto. Comunga-se, assim, da perspectiva proveniente da doutrina e da majoritária jurisprudência do STF e da Quinta Turma do STJ, de modo que a reiteração pode resultar do próprio segundo ato e, por conseguinte, a depender das circunstâncias do caso concreto, poderá vir a culminar na aplicação da medida de internação. Precedentes citados do STJ: HC 359.609-MS, Quinta Turma, DJe 10/8/2016; HC 354.216-SP, Quinta Turma, DJe 26/8/2016; HC 355.760-SP, Quinta Turma, DJe 22/8/2016; HC 342.892-RJ, Quinta Turma, DJe 30/5/2016; HC 350.293-SP, Quinta Turma, DJe 26/4/2016; AgRg no HC 298.226-AL, Quinta Turma, DJe 18/3/2015; RHC 48.629-SP, Quinta Turma, DJe 21/8/2014; HC 287.354-SP, Sexta Turma, DJe 18/11/2014; HC 271.153-SP, Sexta Turma, DJe 10/3/2014; e HC 330.573-SP, Sexta Turma, DJe 23/11/2015. Precedente citado do STF: HC 94.447-SP, Primeira Turma, DJe 6/5/2011. HC 347.434-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 27/9/2016, DJe 13/10/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO PARA DECLARAR NULIDADE DE CLÁUSULA DE COMPROMISSO ARBITRAL.
Independentemente do estado em que se encontre o procedimento de arbitragem, o Poder Judiciário pode declarar a nulidade de compromisso arbitral quando o vício for detectável prima facie, como ocorre na hipótese de inobservância, em contrato de franquia, do disposto no art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996. Como regra geral, a jurisprudência do STJ indica a prioridade do Juízo arbitral para se manifestar acerca de sua própria competência e, inclusive, sobre a validade ou nulidade da cláusula arbitral (REsp 1.602.696-PI, Terceira Turma, DJe 16/8/2016). Toda regra, porém, comporta exceções para melhor se adequar a situações cujos contornos escapam às situações típicas abarcadas pelo núcleo duro da generalidade e que, pode-se dizer, estão em áreas cinzentas da aplicação do Direito. Obviamente, o princípio competência-competência (kompetenz-kompetenz) deve ser privilegiado, inclusive para o indispensável fortalecimento da arbitragem no País. Por outro lado, é inegável a finalidade de integração e desenvolvimento do Direito a admissão na jurisprudência do STJ de cláusulas compromissórias "patológicas" - como os compromissos arbitrais vazios (REsp 1.082.498-MT, Quarta Turma, DJe 4/12/2012) e aqueles que não atendam o requisito legal específico (art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996) - cuja apreciação e declaração de nulidade podem ser feitas pelo Poder Judiciário mesmo antes do procedimento arbitral. São, assim, exceções que permitem uma melhor acomodação do princípio competência-competência a situações limítrofes à regra geral de prioridade do Juízo arbitral. REsp 1.602.076-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/9/2016, DJe 30/9/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INCIDÊNCIA DO ART. 4º, § 2º, DA LEI DE ARBITRAGEM EM CONTRATOS DE FRANQUIA.
Em contrato de franquia, "a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula" (art. 4º, § 2º, da Lei de Arbitragem). Inicialmente, no contrato de franquia não há uma relação de consumo tutelada pelo CDC, mas de fomento econômico, com intuito de estimular as atividades empresariais do franqueado (REsp 632.958-AL, Quarta Turma, DJe 29/3/2010; e REsp 687.322-RJ, Terceira Turma, DJe 9/10/2006). Assim, não há incidência das regras protetivas do CDC a esses contratos, não se admitindo a alegação de nulidade do compromisso arbitral com base no disposto no art. 51, VII, do CDC, que proíbe a utilização compulsória de arbitragem. Com fundamento em doutrina e em julgados do STJ, acrescente-se que o contrato de franquia ou franchising é inegavelmente um contrato de adesão. Quanto à diferenciação segundo a qual contratos "por adesão" são distintos de contratos "de adesão", essa sutileza sintática é incapaz de representar alguma diferença semântica relevante, pois o Direito não trata de forma distinta essas duas supostas categorias. Além de irrelevante para a resolução da controvérsia a distinção semântica entre contratos "de adesão" e aqueles "por adesão", também não há embasamento jurídico para limitar o alcance do disposto no art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) aos contratos representativos de relações de consumo. O contrato de adesão é apenas uma técnica para a formação de contratos, quando exigências de economias de escala e de uniformização do produto ou serviço se impõem a determinado segmento econômico, mas não é tipo ou categoria autônoma de contrato. Não podemos, assim, limitar os contratos de adesão apenas às relações de consumo, pois, como visto, é pacífico na jurisprudência do STJ que os contratos de franquia não consubstanciam relações de consumo, mas utilizam essa técnica para a formação dos contratos. Ao comentar especificamente o dispositivo em análise da Lei de Arbitragem, doutrina entende que sua função não é outra que não a de favorecer o contratante economicamente mais fraco, a fim de evitar a imposição de arbitragem como mecanismo de solução de controvérsias, ao prever requisitos para a validade do compromisso arbitral em contratos de adesão. Assim, com o § 2º do art. 4º da Lei de Arbitragem, busca-se evitar que a cláusula de compromisso arbitral seja incluída de forma leviana entre todas as demais cláusulas do contrato. Por força dessa regra específica, todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubstanciam relações de consumo, como os contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei de Arbitragem. REsp 1.602.076-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/9/2016, DJe 30/9/2016.
04/10/2016
DIREITO EMPRESARIAL. VINCULAÇÃO DE TODOS OS CREDORES À DETERMINAÇÃO DE PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL APROVADO POR MAIORIA PELA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES.
Se, no âmbito de Assembleia
Geral de Credores, a maioria deles - devidamente representados pelas
respectivas classes - optar, por meio de dispositivo expressamente
consignado em plano de recuperação judicial, pela supressão de todas
as garantias fidejussórias e reais existentes em nome dos credores
na data da aprovação do plano, todos eles - inclusive os que não
compareceram à Assembleia ou os que, ao comparecerem, abstiveram-se
ou votaram contrariamente à homologação do acordo - estarão
indistintamente vinculados a essa determinação.
Inicialmente, cumpre destacar que se afigura absolutamente
possível que o Poder Judiciário, sem imiscuir-se na análise da
viabilidade econômica da empresa em crise, promova controle de
legalidade do plano de recuperação judicial que, em si, em nada
contemporiza a soberania da assembleia geral de credores. Nesse
contexto, dispõe o art. 59 da Lei n. 11.101/2005 que a concessão de
recuperação judicial enseja a novação das obrigações originariamente
assumidas pela recuperanda, sem prejuízo das garantias e observado o
disposto no § 1º do art. 50 da referida lei, o qual preceitua que,
na hipótese de alienação de bem objeto de garantia real, a supressão
da garantia ou sua substituição enseja o consentimento do correlato
credor. Salientado isso, cumpre afastar, peremptoriamente, argumento
no sentido de que a novação operada pela homologação do plano de
recuperação judicial importaria, por si, na imediata extinção da
obrigação principal originária e, por conseguinte, das garantias
àquela ofertadas, pois, concebidas como obrigação acessória. Isso
porque a "novação prevista na lei civil é bem diversa daquela
disciplinada na Lei n. 11.101/2005. Se a novação civil faz, como
regra, extinguir as garantias da dívida, inclusive as reais
prestadas por terceiros estranhos ao pacto (art. 364 do Código
Civil), a novação decorrente do plano de recuperação traz como
regra, ao reverso, a manutenção das garantias (art. 59,
caput, da Lei n. 11.101/2005), sobretudo as reais, as quais
só serão suprimidas ou substituídas 'mediante aprovação expressa do
credor titular da respectiva garantia', por ocasião da alienação do
bem gravado (art. 50, § 1º). Assim, o plano de recuperação judicial
opera uma novação sui generis e sempre sujeita a uma
condição resolutiva, que é o eventual descumprimento do que ficou
acertado no plano (art. 61, § 2º, da Lei n. 11.101/2005)" (REsp
1.326.888-RS, Quarta Turma, DJe 5/5/2014). No mesmo sentido: REsp
1.260.301-DF, Terceira Turma, DJe 21/8/2012. Portanto, em regra, a
despeito da novação operada pela recuperação judicial, preservam-se
as garantias, no que alude à possibilidade de seu titular exercer
seus direitos contra terceiros garantidores e impor a manutenção das
ações e execuções promovidas contra fiadores, avalistas ou
coobrigados em geral, a exceção do sócio com responsabilidade
ilimitada e solidária (§ 1º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005). E,
especificamente sobre as garantias reais, estas somente poderão ser
supridas ou substituídas, por ocasião de sua alienação, mediante
expressa anuência do credor titular de tal garantia, nos termos do §
1º do art. 50 da referida lei. Apesar disso, o art. 49, § 2º, da Lei
n. 11.101/2009 prevê, expressamente, a possibilidade de o plano de
recuperação judicial dispor de modo diverso no tocante às garantias
anteriormente ajustadas: "As obrigações anteriores à recuperação
judicial observarão as condições originalmente contratadas ou
definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo
se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação
judicial". Diante disso, na hipótese em análise, mostra-se
inadequado restringir a supressão das garantias reais e
fidejussórias, tal como previsto no plano de recuperação judicial
aprovado pela assembleia geral, somente aos credores que tenham
votado favoravelmente nesse sentido, conferindo tratamento
diferenciado aos demais credores da mesma classe, em manifesta
contrariedade à deliberação majoritária. Aliás, compreensão diversa,
por óbvio, teria o condão de inviabilizar a consecução do plano, o
que refoge dos propósitos do instituto da recuperação judicial.
Salienta-se, ainda, que a extinção das obrigações, decorrente da
homologação do plano de recuperação judicial, encontra-se
condicionada ao efetivo cumprimento de seus termos. Não implementada
a aludida condição resolutiva, por expressa disposição legal, "os
credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas
condições originariamente contratadas" (art. 61, § 2º, da Lei n.
11.101/2005). Mais do que isso. A não implementação da condição
resolutiva ensejará, forçosamente, a decretação da falência. Quando
a lei afirma que o credor terá a seu favor a restituição de seus
direitos e garantias nas condições originariamente contratadas,
significa que o credor, na fase concursal, terá o benefício da
preferência, segundo a garantia de que é titular, no recebimento de
seu crédito. Ele não fará jus, por exemplo, ao bem sobre o
qual recaia a sua garantia. Com o decreto de falência, vende-se o
ativo para pagar o passivo, na ordem de preferência legal, segundo a
natureza dos créditos. Logo, não há razão, nem sequer prática, para
impedir que os credores, caso assim entendam necessária à consecução
do plano de recuperação judicial, transacionem a supressão das
garantias de que são titulares. Ademais, assinala-se que a
necessidade de que os credores com garantia real consintam, por
ocasião da alienação do bem dado em garantia, com a substituição ou
supressão da garantia, contemplada no art. 50, § 1º, da Lei n.
11.101/2005, afigura-se absolutamente preservada, na medida em que
todos os credores, representados pelas respectivas classes, ao
aprovarem o plano de recuperação judicial que dispôs sobre tal
matéria (supressão das garantias reais e fidejussórias), com ela
anuíram, inegavelmente. Descabido, portanto, permitir que o plano de
recuperação judicial, tal como aprovado, não seja integralmente
observado pelas partes envolvidas, a pretexto da aplicação do § 1º
do art. 50 da Lei n. 11.101/2005. REsp 1.532.943-MT, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 13/9/2016, DJe 10/10/2016.
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