Translate

29/09/2018

CONTRAVENÇÃO PENAL. VIAS DE FATO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRISÃO PREVENTIVA. NÃO CABIMENTO.

A prática de contravenção penal, no âmbito de violência doméstica, não é motivo idôneo para justificar a prisão preventiva do réu. Inicialmente cumpre destacar que a prática de vias de fato é hipótese de contravenção penal (art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/1941), e não crime, o que contraria o disposto no art. 313, II, do Código de Processo Penal. Deste modo, em se tratando de aplicação da cautela extrema, não há campo para interpretação diversa da literal, uma vez que não há previsão legal que autorize a prisão preventiva contra autor de uma contravenção, mesmo na hipótese específica de transgressão das cautelas de urgência já aplicadas. HC 437.535-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz, por maioria, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018.

TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO ANTERIOR PELO DELITO DO ARTIGO 28 DA LEI DE DROGAS. CARACTERIZAÇÃO DA REINCIDÊNCIA. DESPROPORCIONALIDADE.

É desproporcional o reconhecimento da reincidência no delito de tráfico de drogas que tenha por fundamento a existência de condenação com trânsito em julgado por crime anterior de posse de droga para uso próprio. A questão em comento consiste em verificar se a condenação com trânsito em julgado por crime anterior de posse de droga para uso próprio gera reincidência para o crime de tráfico de drogas. Este Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que a condenação anterior pelo crime de porte de droga para uso próprio (conduta que caracteriza ilícito penal) configura reincidência, o que impõe a aplicação da agravante genérica do artigo 61, inciso I, do Código Penal e o afastamento da aplicação da causa especial de diminuição de pena do parágrafo 4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/2006, à falta de preenchimento do requisito legal relativo à primariedade. Ocorre, contudo, que a consideração de condenação anterior com fundamento no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 para fins de caracterização da reincidência viola o princípio constitucional da proporcionalidade. É que, como é cediço, a condenação anterior por contravenção penal não gera reincidência pois o artigo 63 do Código Penal é expresso ao se referir à pratica de novo crime. Assim, se a contravenção penal, punível com pena de prisão simples, não configura reincidência, resta inequivocamente desproporcional a consideração, para fins de reincidência, da posse de droga para consumo próprio, que conquanto seja crime, é punida apenas com "advertência sobre os efeitos das drogas", "prestação de serviços à comunidade" e "medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo", mormente se se considerar que em casos tais não há qualquer possibilidade de conversão em pena privativa de liberdade pelo descumprimento, como no caso das penas substitutivas. Há de se considerar, ainda, que a própria constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas está em discussão perante o Supremo Tribunal Federal, que admitiu Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n. 635.659 para decidir sobre a tipicidade do porte de droga para consumo pessoal. Assim, em face dos questionamentos acerca da proporcionalidade do direito penal para o controle do consumo de drogas em prejuízo de outras medidas de natureza extrapenal relacionadas às políticas de redução de danos, eventualmente até mais severas para a contenção do consumo do que as medidas previstas atualmente, que reconhecidamente não têm apresentado qualquer resultado prático em vista do crescente aumento do tráfico de drogas, tenho que o prévio apenamento por porte de droga para consumo próprio, nos termos do artigo 28 da Lei de Drogas, não deve constituir causa geradora de reincidência. REsp 1.672.654-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 21/08/2018, DJe 30/08/2018.

PRISÃO CIVIL. DÉBITO ALIMENTAR INCONTROVERSO. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. NÃO APLICABILIDADE PELA VIA ESTREITA DO WRIT.

A teoria do adimplemento substancial não tem incidência nos vínculos jurídicos familiares, revelando-se inadequada para solver controvérsias relacionadas a obrigações de natureza alimentar. Trata-se de habeas corpus em que se discute a possibilidade de aplicação da teoria do adimplemento substancial em controvérsias relacionadas a obrigações de natureza alimentar. A par de encontrar um estreito espaço de aplicação no direito contratual – exclusivamente nas hipóteses em que o inadimplemento revela-se de escassa importância quando cotejado com a obrigação como um todo, ao lado de elementos outros cuja análise demanda uma avaliação qualitativa, casuística e aprofundada da avença, incompatível com o rito do habeas corpus –, a teoria do adimplemento substancial não tem incidência nos vínculos jurídicos familiares, menos ainda para solver controvérsias relacionadas a obrigações de natureza alimentar. Com efeito, trata-se de instituto que, embora não positivado no ordenamento jurídico brasileiro, está incorporado em nosso Direito por força da aplicação prática de princípios típicos das relações jurídicas de natureza contratual. Por sua vez, a obrigação alimentar diz respeito a bem jurídico indisponível, intimamente ligado à subsistência do alimentando, cuja relevância ensejou fosse incluído como exceção à regra geral que veda a prisão civil por dívida, o que evidencia ter havido ponderação de valores, pelo próprio constituinte originário, acerca de possível conflito com a liberdade de locomoção, outrossim um direito fundamental de estatura constitucional. Isso porque os alimentos impostos por decisão judicial guardam consigo a presunção de que o valor econômico neles contido traduz o mínimo existencial do alimentando, de modo que a subtração de qualquer parcela dessa quantia pode ensejar severos prejuízos a sua própria manutenção. Além disso, o julgamento sobre a cogitada irrelevância do inadimplemento da obrigação não se prende ao exame exclusivo do critério quantitativo, sendo também necessário avaliar sua importância para satisfazer as necessidades do credor alimentar. Ora, a subtração de um pequeno percentual pode mesmo ser insignificante para um determinado alimentando, mas possivelmente não para outro, mais necessitado. Tem-se que o critério quantitativo não é suficiente nem exclusivo para a caracterização do adimplemento substancial, como já se manifesta parte da doutrina: "Observa-se, ainda, que predomina nos julgados a análise meramente quantitativa da parte inadimplida, principalmente através de percentual, sendo raros os acórdãos que abordam a significância do montante inadimplido em termos absolutos, o que entendemos correto. A ressalva que se faz, nesse ponto, é que o critério quantitativo é o menos relevante e significativo". HC 439.973-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Antonio Carlos Ferreira, por maioria, julgado em 16/08/2018, DJe 04/09/2018.
Informativo STJ nº632

*Importante: para acrescentar, leiam as teses de jurisprudência nos comentários.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO. INADIMPLEMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. ESPECIALIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E DE CONSENTIMENTO ESPECÍFICO. NECESSIDADE. OFENSA AO DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO. DANO EXTRAPATRIMONIAL. CONFIGURAÇÃO.

A inobservância do dever de informar e de obter o consentimento informado do paciente viola o direito à autodeterminação e caracteriza responsabilidade extracontratual. A controvérsia consiste em definir a responsabilidade civil decorrente da inobservância do dever de informação (falta ou deficiência) acerca de procedimento cirúrgico implementado em tratamento neurocirúrgico, que compromete o denominado consentimento informado - manifestação do direito fundamental de autodeterminação do paciente. Registre-se que, inexiste no ordenamento jurídico brasileiro qualquer norma que imponha o consentimento escrito do paciente, expresso em documento assinado. Diante da inexistência de legislação específica para regulamentação do dever de informação e do direito ao consentimento livre e informado na relação médico-paciente, o Código de Defesa do Consumidor é o diploma que reúne as regras capazes de proteger o sujeito em estado de vulnerabilidade e hipossuficiência, a partir de uma visão da relação contratual, com prevalência do interesse social. Nesse sentido, consoante dispõe o art. 6º, III, do CDC, caracterizada a relação de consumo, o dever de informar pode assumir caráter de direito básico, principal, denominado pela doutrina como dever instrumental, de conduta, dever de proteção ou deveres de tutela. Além disso, no âmbito do direito do consumidor, serão indenizados os danos causados por produto ou serviço defeituoso. A ausência do consentimento informado será considerada defeito tendo em vista a "falta ou insuficiência de instruções sobre a correta utilização do produto ou serviço, bem como sobre riscos por ele ensejados". A falta de segurança pode decorrer da falta de informação da periculosidade de serviço que o consumidor não tenha sido advertido dos riscos a serem suportados. Nesse rumo de ideias, de extrema importância esclarecer que o dano indenizável, não é o dano físico, a piora nas condições físicas ou neurológicas do paciente. Todavia, este dano, embora não possa ser atribuído à falha técnica do médico, poderia ter sido evitado diante da informação sobre o risco de sua ocorrência, que permitiria que o paciente não se submetesse ao procedimento. O dano indenizável é, na verdade, a violação da autodeterminação do paciente que não pôde escolher livremente submeter-se ou não ao risco previsível. Deste modo, pelos critérios tradicionais dos regimes de responsabilidade civil, a violação dos deveres informativos dos médicos seria caracterizada como responsabilidade extracontratual. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, por maioria, julgado em 02/08/2018, DJe 04/09/2018

SOCIEDADE EMPRESARIAL ESTRANGEIRA. REPRESENTAÇÃO NO BRASIL. ART. 835 DO CPC/1973 (ART. 83 DO NCPC). PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO. DESNECESSIDADE.

Não é necessária a prestação de caução para o ajuizamento de ação por sociedade empresarial estrangeira devidamente representada no Brasil. O sistema processual brasileiro, por cautela, exige a prestação de caução para a empresa estrangeira litigar no Brasil, se não dispuser de bens suficientes para suportar os ônus de eventual sucumbência (art. 835 do CPC/1973). Na verdade, é uma espécie de fiança processual para não tornar melhor a sorte dos que demandam no Brasil, residindo fora, ou dele retirando-se, pendente a lide, pois, se tal não se estabelecesse, o autor, nessas condições, perdendo a ação, estaria incólume aos prejuízos causados ao demandado (EREsp 179.147/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Corte Especial, julgado em 1º/8/2000, DJ 30/10/2000). Entretanto, nos termos do art. 88, I, parágrafo único, do CPC/1973 (correspondente ao art. 21, I, parágrafo único, do NCPC), considera-se domiciliada no território nacional a pessoa jurídica estrangeira que tiver agência, filial ou sucursal estabelecida no Brasil. Desse modo, a sociedade empresarial estrangeira com representante no Brasil não precisa pagar caução para agir em juízo. REsp 1.584.441-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, por unanimidade, julgado em 21/08/2018, DJe 31/08/2018.

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. RÉU FALECIDO ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. HABILITAÇÃO, SUCESSÃO OU SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO VÁLIDA. EMENDA À INICIAL PARA CORREÇÃO DO POLO PASSIVO. FACULDADE. PRETENSÃO DIRIGIDA AO ESPÓLIO. ARTS. 43, 265 E 1.055 DO CPC/1973.

É admissível a emenda à inicial, antes da citação, para a substituição de executado pelo seu espólio, em execução ajuizada em face de devedor falecido antes do ajuizamento da ação. Cinge-se a controvérsia a definir se a execução em face de devedor falecido antes do ajuizamento da ação deve ser suspensa até o processamento de ação de habilitação de sucessores ou se, ao revés, é admissível a emenda à inicial, antes da citação, para a substituição do executado falecido pelo seu espólio. De acordo com os arts. 43 e 1.055, ambos do CPC/1973, os institutos da habilitação, sucessão ou substituição processual têm relevância quando há o falecimento da parte, ou seja, quando o evento morte ocorre no curso do processo, situação diversa da qual o falecimento do devedor ocorre antes da citação. Daí porque, inclusive, não há que se falar em suspensão do processo na forma do art. 265, I, do CPC/1973. Na verdade, a situação em que a ação judicial é ajuizada em face de réu preteritamente falecido revela a existência de ilegitimidade passiva do de cujus, devendo, pois, ser oportunizada ao autor da ação a possibilidade de emendar a petição inicial para regularizar o polo passivo, sobretudo porque, evidentemente, ainda não terá havido ato citatório válido e, portanto, o aditamento à inicial é admissível independentemente de aquiescência do réu, conforme expressamente autorizam os arts. 264 e 294 do CPC/1973, a fim de que o espólio seja o sujeito passivo da relação jurídico-processual em que deduzida a pretensão executiva, especialmente porque o espólio responderá pelas dívidas do falecido (art. 597 do CPC/1973). REsp 1.559.791-PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 28/08/2018, DJe 31/08/2018

COMPANHIA BRASILEIRA DE LIQUIDAÇÃO E CUSTÓDIA – CBLC. NEGOCIAÇÃO DE AÇÕES MOBILIÁRIAS. USO DE PROCURAÇÃO PÚBLICA FALSA. RESPONSABILIDADE CIVIL. INEXISTÊNCIA.

A Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia, atual BM&F BOVESPA, não responde civilmente pelos prejuízos decorrentes da negociação de ações mobiliárias mediante uso de procuração pública falsa que não lhe foi apresentada. Inicialmente cumpre salientar que custódia é a guarda, a atualização e o exercício de direitos inerentes aos títulos depositados em nome dos investidores nas centrais de custódia. A custódia agiliza a negociação dos títulos, pois, para que o investidor possa negociar ações na bolsa de valores, é necessário que elas estejam depositadas na respectiva central de custódia. Nos termos dos arts. 293 da Lei n. 6.404/1976 e 24 da Lei n. 6.385/1976, somente podem prestar esse tipo de serviço as instituições financeiras e as entidades de compensação e liquidação expressamente autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM. Atualmente a CBLC - Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia, associada à BM&F - BOVESPA, é a única central de liquidação e custódia de ações em atividade no país. Vinculados a essa Central de Custódia estão os Agentes de Custódia, entidades autorizadas pela CVM para manter contas de seus clientes nas centrais de custódia. A negociação das ações em bolsa é realizada por meio das instituições custodiantes (Agente de Custódia) que atendem ao investidor. Esses agentes são instituições financeiras (Sociedades Corretoras, Distribuidoras de Valores e Bancos) responsáveis, perante a CBLC, pela abertura, administração e movimentação das contas de custódia dos investidores, seus clientes. Assim, considerando o artigo 35 da Lei n. 6.404/1976, segundo o qual a propriedade da ação escritural presume-se pelo registro na conta de depósito das ações, aberta em nome do acionista nos livros da instituição depositária, é de se concluir que a abertura da conta de custódia não ocorre perante a CBLC, mas perante os agentes de custódia. Com efeito, o art. 2º da Resolução n. 1.655/1989 da CVM, que disciplina a constituição, organização e funcionamento das sociedades corretoras de valores mobiliários, estabelece que a sociedade corretora tem por objeto social intermediar oferta pública e distribuição de títulos e valores mobiliários no mercado, encarregar-se da administração de carteiras e da custódia de títulos e valores mobiliários, exercer as funções de agente emissor de certificados e manter serviços de ações escriturais. De outra parte, o art. 11, III, da Resolução n. 1.655/1989, o art. 40, III, da Resolução n. 1.656/1989 e ainda o art. 39, III, da Resolução n. 2.690/2000, todas editadas pelo CMN, estabelecem que, nas operações realizadas em bolsas de valores, as corretoras são responsáveis pela autenticidade dos endossos em valores mobiliários e legitimidade de procuração ou documentos necessários para a transferência de valores mobiliários. Daí resulta que não se pode imputar à CBLC, atual BOVESPA, nenhuma conduta negligente por deixar de constatar a falsidade da procuração pública com base na qual a corretora de valores procedeu a negociação em Bolsa das ações de seu cliente. Assim, considerando a dinâmica de funcionamento própria do mercado de ações, é de se concluir que a BOVESPA não pode ser responsabilizada pelos prejuízos decorrentes da negociação de títulos mediante uso de procuração falsa apresentada a corretora de valores. 


REsp 1.677.983-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, por unanimidade, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018

PLANOS DE SAÚDE. NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. TRATAMENTO EXPERIMENTAL. USO FORA DA BULA (OFF-LABEL). INGERÊNCIA DA OPERADORA NA ATIVIDADE MÉDICA. IMPOSSIBILIDADE.

A operadora de plano de saúde não pode negar o fornecimento de tratamento prescrito pelo médico, sob o pretexto de que a sua utilização em favor do paciente está fora das indicações descritas na bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label). O propósito recursal consiste em definir se a operadora de plano de saúde está autorizada a negar tratamento prescrito por médico, sob o fundamento de que sua utilização em favor do paciente está fora das indicações descritas na bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label). A Lei n. 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde) estabelece que as operadoras de plano de saúde estão autorizadas a negar tratamento clínico ou cirúrgico experimental (art. 10, I). Por sua vez, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) editou a Resolução Normativa n. 338/2013, vigente ao tempo da demanda, disciplinando que é considerado tratamento experimental aquele que não possui as indicações descritas na bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label). Quanto ao ponto, a jurisprudência do STJ está sedimentada no sentido de que é o médico, e não a operadora do plano de saúde, o responsável pela orientação terapêutica adequada ao paciente. Desse modo, ao estabelecer que a operadora está autorizada a negar cobertura de tratamento clínico ou cirúrgico que "não possui as indicações descritas na bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label)", a ANS acaba por substituir abstrata e previamente a expertise médica pela ingerência da operadora. Nesse sentido, a doutrina afirma que "o tratamento previsto no art. 10, I, da Lei n. 9.656/1998 não abrange o uso off-label do medicamento", em reconhecimento de que a resolução normativa da ANS "ultrapassou os limites da mera regulamentação do art. 10, I, da Lei n. 9.656/1998". O caráter experimental a que faz referência este inciso diz respeito ao tratamento clínico ou cirúrgico incompatível com as normas de controle sanitário ou, ainda, aquele não reconhecido como eficaz pela comunidade científica. Assim, a ingerência da operadora, além de não ter fundamento na Lei n. 9.656/98, constitui ação iníqua e abusiva na relação contratual, e coloca concretamente o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV, do CDC). 


REsp 1.721.705-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 28/08/2018, DJe 06/09/2018

COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PRÉVIO CONTRATO DE LOCAÇÃO. MANUTENÇÃO PELO ADQUIRENTE. CLÁUSULA DE VIGÊNCIA. REGISTRO DE IMÓVEIS. AVERBAÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE.

A averbação do contrato com cláusula de vigência no registro de imóveis é imprescindível para que a locação possa ser oposta ao adquirente. A controvérsia gira em torno de definir se o contrato de locação com cláusula de vigência em caso de alienação precisa estar averbado na matrícula do imóvel para ter validade ou se é suficiente o conhecimento do adquirente acerca da cláusula para proteger o locatário. Registre-se que a lei de locações exige, para que a alienação do imóvel não interrompa a locação, que o contrato seja por prazo determinado, haja cláusula de vigência e que o ajuste esteja averbado na matrícula do imóvel. Na hipótese, apesar de no contrato de compra e venda haver cláusula dispondo que o adquirente se sub-rogaria nas obrigações do locador nos inúmeros contratos de locação, não há referência à existência de cláusula de vigência, muito menos ao fato de que o comprador respeitaria a locação até o termo final. Assim, ausente o registro, não é possível impor restrição ao direito de propriedade, afastando disposição expressa de lei, quando o adquirente não se obrigou a respeitar a cláusula de vigência da locação. REsp 1.669.612-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 07/08/2018, DJe 14/08/2018

CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING). DESCARACTERIZAÇÃO. PRAZO MÍNIMO DE VIGÊNCIA. VIDA ÚTIL DO BEM ARRENDADO.

Fica descaracterizado o contrato de arrendamento mercantil (leasing) se o prazo de vigência do acordo celebrado não respeitar o período mínimo estabelecido com base na vida útil do bem arrendado. De início, cumpre salientar que o Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento no sentido de que o contrato de arrendamento mercantil (leasing) somente poderá ser descaracterizado no caso da ocorrência de um dos cenários jurídicos previstos nos arts. 2º, 9º, 11, §1º, 14 e 23 da Lei n. 6.099/1974. No entanto, verifica-se que o art. 23 da Lei n. 6.099/1974 prevê que o Conselho Monetário Nacional possui autorização para expedir normas regulamentadoras acerca da atividade de arrendamento mercantil, sendo possível, inclusive, a exclusão ou limitação de modalidades de operação. Nesse contexto, com base no conteúdo da sessão do Conselho Monetário Nacional de 28/8/1996, o Banco Central do Brasil publicou a Resolução n. 2.309/1996, a qual, no art. 8º, inciso I, alíneas "a" e "b", de seu anexo, prevê que os contratos de arrendamento mercantil financeiro devem estabelecer o prazo mínimo de vigência, estipulados de acordo com a vida útil do bem arrendado. O prazo delimitado pelo CMN para o arrendamento mercantil financeiro é de: a) dois anos compreendidos entre a data de entrega dos bens à arrendatária, consubstanciada em termo de aceitação e recebimento dos bens, e a data de vencimento da última contraprestação, quando se tratar de arrendamento de bens com vida útil igual ou inferior a cinco anos; ou b) três anos observada a definição do prazo constante da alínea anterior, para o arrendamento de outros bens. Dessa forma, na hipótese de o bem arrendado possuir vida útil superior a cinco anos e o prazo de vigência do contrato for inferior a dois ou três anos, conforme exigido pela referida lei, o contrato de arrendamento fica descaracterizado. REsp 1.569.840-MT, Rel. Min. Francisco Falcão, por unanimidade, julgado em 16/08/2018, DJe 27/08/2018

28/09/2018

SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS REMUNERADOS. ÁREA DA SAÚDE. LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. REQUISITO ÚNICO. AFERIÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ORIENTAÇÃO DO STF. AGR NO RE 1.094.802-PE.

A acumulação de cargos públicos de profissionais da área de saúde, prevista no art. 37, XVI, da CF/88, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais. Ressalta-se, inicialmente, que a Primeira Seção desta Corte Superior tem reconhecido a impossibilidade de acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos privativos de profissionais da área de saúde quando a jornada de trabalho for superior a 60 horas semanais. Estabeleceu-se que, apesar de a Constituição Federal permitir o exercício de atividades compatíveis em questão de horário, deve o servidor gozar de boas condições físicas e mentais para o desempenho de suas atribuições, em observância ao princípio administrativo da eficiência. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, posiciona-se "[...] no sentido de que a acumulação de cargos públicos de profissionais da área de saúde, prevista no art. 37, XVI, da CF/88, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais previsto em norma infraconstitucional, pois inexiste tal requisito na Constituição Federal" (RE 1.094.802 AgR, Relator Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 11/5/2018, DJe 24/5/2018). O único requisito estabelecido para a acumulação, de fato, é a compatibilidade de horários no exercício das funções, cujo cumprimento deverá ser aferido pela administração pública. Assim, considerando a posição de supremacia da Corte Maior no sistema judicial brasileiro, impõe-se a adequação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça àquela orientação. REsp 1.746.784-PE, Rel. Min. Og Fernandes, por unanimidade, julgado em 23/08/2018, DJe 30/08/2018

TARIFA DE ENÉRGIA ELÉTRICA. INADIMPLÊNCIA DE ÓRGÃO PÚBLICO. MULTA. COBRANÇA. ART. 4º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO-LEI N. 2.432/1988. NÃO APLICABILIDADE.

A concessionária de fornecimento de energia elétrica não pode exigir de órgão público, usuário do serviço, multa por inadimplemento no pagamento de fatura, fundamentada no parágrafo único do artigo 4º do Decreto-Lei n. 2.432/1988. A questão sub examine consiste em saber se a norma inserta no parágrafo único do art. 4º do Decreto-Lei n. 2.432/1988 serve de fundamento jurídico para concessionária cobrar de órgão público (Ministério do Exército) multa por inadimplemento da fatura de energia elétrica. É cediço que esta norma permite a imposição de multa por atraso em seu pagamento. Todavia, pela técnica legislativa o parágrafo único é dependente do seu caput, o qual regula as relações de compra e venda de energia elétrica entre concessionárias de serviço público de energia elétrica e não as relações entre as concessionárias e seus consumidores. Assim, referida norma não serve de supedâneo legal para a exigência da referida multa. REsp 1.396.808-AM, Rel. Min. Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 14/08/2018, DJe 06/09/2018

RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESCRIÇÃO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. PRAZO DECENAL. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA.

É decenal o prazo prescricional aplicável às hipóteses de pretensão fundamentadas em inadimplemento contratual. O acórdão embargado, da Quarta Turma, aplicou o prazo decenal (art. 205 do CC/2002), enquanto os acórdãos paradigmas, da Terceira Turma, aplicaram o prazo trienal (art. 206, §3º, V, do CC/2002). Inicialmente, registre-se que, nas hipóteses de inadimplemento contratual, ao credor é permitido exigir do devedor o exato cumprimento daquilo que foi avençado. Se houver mora, além da execução específica da prestação, o credor pode pleitear eventuais perdas e danos decorrentes da inobservância do tempo ou modo contratados (arts. 389, 394 e 395 do CC/2002). Na hipótese de inadimplemento definitivo (art. 475 do CC/2002), o credor poderá escolher entre a execução pelo equivalente ou, observados os pressupostos necessários, a resolução da relação jurídica contratual. Em ambas alternativas, poderá requerer, ainda, o pagamento de perdas e danos eventualmente causadas pelo devedor. Assim, há três pretensões potenciais por parte do credor, quando se verifica o inadimplemento contratual, todas interligadas pelos mesmos contornos fáticos e pelos mesmos fundamentos jurídicos, sem qualquer distinção evidente no texto normativo. Tal situação exige do intérprete a aplicação das mesmas regras para as três pretensões. Considerando a logicidade e a integridade da legislação civil, por questão de coerência, é necessário que o credor esteja sujeito ao mesmo prazo para exercer as três pretensões que a lei põe à sua disposição como possíveis reações ao inadimplemento. Nesse sentido, o art. 205 do CC/2002 mantém a integridade lógica e sistemática da legislação civil. Assim, quando houver mora, o credor poderá exigir tanto a execução específica como o pagamento por perdas e danos, pelo prazo de dez anos. Da mesma forma, diante do inadimplemento definitivo, o credor poderá exigir a execução pelo equivalente ou a resolução contratual e, em ambos os casos, o pagamento de indenização que lhe for devida, igualmente pelo prazo de dez anos. Por observância à lógica e à coerência, portanto, o mesmo prazo prescricional de dez anos deve ser aplicado a todas as pretensões do credor nas hipóteses de inadimplemento contratual, incluindo o da reparação de perdas e danos por ele causados. EREsp 1.280.825-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 27/06/2018, DJe 02/08/2018

RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL. REGIMES JURÍDICOS DISTINTOS. PRESCRIÇÃO. UNIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

É adequada a distinção dos prazos prescricionais da pretensão de reparação civil advinda de responsabilidades contratual e extracontratual. No direito privado brasileiro, a responsabilidade extracontratual é historicamente tratada de modo distinto da contratual, por um motivo muito simples: são fontes de obrigações muito diferentes, com fundamentos jurídicos diversos. Essa diferença fática e jurídica impõe o tratamento distinto do prazo prescricional, pois a violação a direito absoluto e o inadimplemento de um direito de crédito não se confundem nem na tradição jurídica pátria, nem na natureza das coisas. Com efeito, é possível encontrar muitas distinções de regime jurídico entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, inclusive com relação: à capacidade das partes, quanto à prova do prejuízo; à avaliação da culpa entre os sujeitos envolvidos no dano; aos diferentes graus de culpa para a imputação do dever de indenizar; ao termo inicial para a fixação do ressarcimento; e, por fim, à possibilidade de prefixação do dano e de limitar ou excluir a responsabilidade, pois somente a responsabilidade contratual permite fixar, limitar ou mesmo excluir o dever de indenizar. Analisando as diferenças fáticas entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, há uma sensível diferença quanto ao grau de proximidade entre as partes contratuais nas suas relações sociais. Na responsabilidade extracontratual, os sujeitos encontram-se no grau máximo de distanciamento. Em realidade, nessas circunstâncias, as partes entram em contato pelo mero fato de viverem em sociedade, sem qualquer negociação ou aproximação prévias. Porém, quando se trata de responsabilidade por inadimplemento contratual, há previamente uma relação entre as partes que se protrai no tempo, normalmente precedidas de aproximação e negociação, que ajustam exatamente o escopo do relacionamento entre elas. Essas relações não ocorrem por acaso, ou pelo mero "viver em sociedade", mas derivam de um negócio jurídico. Normalmente, há um mínimo de confiança entre as partes, e o dever de indenizar da responsabilidade contratual encontra seu fundamento na garantia da confiança legítima entre elas. Do ponto de vista pragmático, também se mostra adequada a distinção dos prazos. Em contratos mais duradouros, sempre é viável e mais provável que as partes se componham de alguma maneira, de forma a evitar longas e dispendiosas disputas judiciais, o que é improvável de ocorrer na responsabilidade extracontratual. 


EREsp 1.280.825-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 27/06/2018, DJe 02/08/2018

EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. INEXISTÊNCIA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO ADEQUADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO IMEDIATA DA PRISÃO DOMICILIAR. NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DAS PROVIDÊNCIAS ESTABELECIDAS PELO RE 641.320/RS.

A inexistência de estabelecimento penal adequado ao regime prisional determinado para o cumprimento da pena não autoriza a concessão imediata do benefício da prisão domiciliar, porquanto, nos termos da Súmula Vinculante n. 56, é imprescindível que a adoção de tal medida seja precedida das providências estabelecidas no julgamento do RE 641.320/RS, quais sejam: (i) saída antecipada de outro sentenciado no regime com falta de vagas, abrindo-se, assim, vagas para os reeducandos que acabaram de progredir; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; e (iii) cumprimento de penas restritivas de direitos e/ou estudo aos sentenciados em regime aberto. Inicialmente cumpre salientar que no julgamento do RE 641.320/RS, o Supremo Tribunal Federal assentou que "a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso". Concluiu, ainda, que, diante de tais situações, o julgador deveria buscar aplicar as seguintes alternativas, em ordem de preferência: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. O relator do RE 641.320/RS, ao discorrer sobre a prisão domiciliar pura e simples, pondera ser ela "uma alternativa de difícil fiscalização e, isolada, de pouca eficácia". Isso porque, no seu entender, a par das dificuldades que o preso pode vir a ter para providenciar uma casa na qual seja acolhido e para auxiliar no seu sustento, já que as possibilidades de trabalho sem sair do ambiente doméstico são limitadas, há que se levar em conta que, "em casos de crimes que tenham os membros da família como vítima, pode-se criar nova situação de risco, tornando a pena insuficiente para proteger as vítimas. Por outro lado, os associados para a prática de crimes passam a ter total acesso ao condenado. Eventuais restrições de movimentação não se estendem à comunidade, que não fica proibida de frequentar a casa na qual a pena é cumprida". Defende, assim, que "a execução da sentença em regime de prisão domiciliar é mais proveitosa se for acompanhada de trabalho", devendo ser acompanhada de "monitoração eletrônica dos sentenciados, especialmente os do regime semiaberto", na forma do art. 146-B, II e IV, da Lei n. 7.210/1984. No tocante à saída antecipada, esclarece que "o sentenciado do regime semiaberto que tem a saída antecipada pode ser colocado em liberdade eletronicamente monitorada; o sentenciado do aberto, ter a pena substituída por penas alternativas ou estudo". Sugere que "a saída antecipada deve ser deferida ao sentenciado que satisfaz os requisitos subjetivos e está mais próximo de satisfazer o requisito objetivo. Ou seja, aquele que está mais próximo de progredir tem o benefício antecipado. Para selecionar o condenado apto, é indispensável que o julgador tenha ferramentas para verificar qual está mais próximo do tempo de progressão". Explicitando seu pensamento sobre a liberdade eletronicamente monitorada, aplicável tanto ao regime aberto quanto ao semiaberto, o Relator esclarece que "melhor do que a pura e simples prisão domiciliar, é a liberdade eletronicamente vigiada, ficando o sentenciado obrigado a trabalhar e, se possível, estudar, recolhendo-se ao domicílio nos períodos de folga". Depreende-se, portanto, que o relator do RE 641.320/RS somente considera a utilização da prisão domiciliar pouco efetiva como alternativa à ausência de vagas no regime adequado quando ela restringe totalmente o direito do executado de deixar a residência, não permitindo, assim, o exercício de trabalho externo, ou quando, estando o reeducando no regime aberto, a prisão domiciliar puder ser substituída pelo cumprimento de penas alternativas e/ou estudo. REsp 1.710.674-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por maioria, julgado em 22/08/2018, DJe 03/09/2018

PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. CONTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO EMPREGADOR. EX-EMPREGADO APOSENTADO OU DEMITIDO SEM JUSTA CAUSA. ASSISTÊNCIA MÉDICA. MANUTENÇÃO. NÃO CABIMENTO. PREVISÃO EM NEGOCIAÇÃO COLETIVA. EXCEPCIONALIDADE. COPARTICIPAÇÃO DO USUÁRIO. IRRELEVÂNCIA. SALÁRIO INDIRETO. DESCARACTERIZAÇÃO.

Nos planos de saúde coletivos custeados exclusivamente pelo empregador não há direito de permanência do ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa como beneficiário, salvo disposição contrária expressa prevista em contrato ou em acordo/convenção coletiva de trabalho, não caracterizando contribuição o pagamento apenas de coparticipação, tampouco se enquadrando como salário indireto. A questão controvertida na presente via recursal consiste em definir se o ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa faz jus à manutenção no plano de saúde coletivo empresarial quando, na atividade, a contribuição foi suportada apenas pela empresa empregadora. Como cediço, é assegurado ao trabalhador demitido sem justa causa ou ao aposentado que contribuiu para o plano de saúde em decorrência do vínculo empregatício o direito de manutenção como beneficiário nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral (arts. 30 e 31 da Lei n. 9.656/1998). Extrai-se, assim, que uma das condições exigidas para a aquisição desse direito é o empregado contribuir, na atividade, para o custeio do plano de saúde, não podendo ser considerados para tanto os pagamentos a título exclusivo de coparticipação. Com efeito, nos termos do art. 30, § 6º, da Lei n. 9.656/1998, não é considerada contribuição a coparticipação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou hospitalar, como ocorre nos planos coletivos custeados integralmente pela empresa. Desse modo, contribuir para o plano de saúde significa, nos termos da lei, pagar uma mensalidade, independentemente de se estar usufruindo dos serviços de assistência médica. A coparticipação, por sua vez, é um fator de moderação, previsto em alguns contratos, que consiste no valor cobrado do consumidor apenas quando utilizar o plano de saúde, possuindo, por isso mesmo, valor variável, a depender do evento sucedido. Sua função, portanto, é a de desestimular o uso desenfreado dos serviços da saúde suplementar. Ademais, quanto à caracterização como salário indireto do plano de assistência médica, hospitalar e odontológica concedido pelo empregador, o art. 458, § 2º, IV, da CLT é expresso em dispor que esse benefício não possui índole salarial, sejam os serviços prestados diretamente pela empresa ou por determinada operadora. Efetivamente, o plano de saúde fornecido pela empresa empregadora, mesmo a título gratuito, não possui natureza retributiva, não constituindo salário-utilidade (salário in natura), sobretudo por não ser contraprestação ao trabalho. Ao contrário, referida vantagem apenas possui natureza preventiva e assistencial, sendo uma alternativa às graves deficiências do Sistema Único de Saúde (SUS), obrigação do Estado. REsp 1.680.318-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 22/08/2018, DJe 24/08/2018

15/09/2018

EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. PENA SUBSTITUTIVA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. DESCUMPRIMENTO. ARRESTO DE BEM DE FAMÍLIA. DESCABIMENTO. RECONVERSÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS EM PRIVATIVA DE LIBERDADE.

Havendo expressa previsão legal de reconversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, não há falar em arresto para o cumprimento forçado da pena substitutiva. De início, tratando-se de pena substitutiva, fixada com base no artigo 44 do Código Penal, tem-se que o eventual descumprimento da obrigação dá ensejo à reconversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, por força do comando expresso da norma do parágrafo 4º do referido artigo. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão. Ressalta-se que a execução das penas restritivas, assim como de modo geral de todas as alternativas à prisão, demanda um mecanismo coercitivo, capaz de assegurar o seu cumprimento, e este só pode ser a pena privativa de liberdade. Assim, não há falar em arresto para o cumprimento forçado da pena substitutiva já que a reconversão da pena é medida que, por si só, atribui coercividade à pena restritiva de direitos. 
REsp 1.699.665-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 07/08/2018, DJe 15/08/2018

CASA DE PROSTITUIÇÃO. TIPICIDADE. ART. 229 DO CÓDIGO PENAL. EXPLORAÇÃO SEXUAL. ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE SEXUAL E TOLHIMENTO À LIBERDADE. INEXISTÊNCIA. FATO ATÍPICO.

O estabelecimento que não se volta exclusivamente à prática de mercância sexual, tampouco envolve menores de idade ou do qual se comprove retirada de proveito, auferindo lucros da atividade sexual alheia mediante ameaça, coerção, violência ou qualquer outra forma de violação ou tolhimento à liberdade das pessoas, não dá origem a fato típico a ser punido na seara penal. A questão de direito delimitada na controvérsia trata da interpretação dada ao artigo 229 do Código Penal. Registre-se que, mesmo após a alteração legislativa introduzida pela Lei n. 12.015/2009, a conduta consistente em manter Casa de Prostituição segue sendo crime. Todavia, com a novel legislação, passou-se a exigir a "exploração sexual" como elemento normativo do tipo, de modo que a conduta consistente em manter casa para fins libidinosos, por si só, não mais caracteriza crime, sendo necessário, para a configuração do delito, que haja exploração sexual, assim entendida como a violação à liberdade das pessoas que ali exercem a mercancia carnal. Dessa forma, crime é manter pessoa em condição de explorada, obrigada, coagida, não raro em más condições, ou mesmo em condição análoga à de escravidão, impondo-lhe a prática de sexo sem liberdade de escolha, ou seja, com tolhimento de sua liberdade sexual e em violação de sua dignidade sexual. Nesse sentido, o bem jurídico tutelado não é a moral pública mas sim a dignidade sexual como, aliás, o é em todos os crimes constantes do Título VI da Parte Especial do Código Penal, dentre os quais, o do artigo 229. E o sujeito passivo do delito não é a sociedade mas sim a pessoa explorada, vítima da exploração sexual. Assim, se não se trata de estabelecimento voltado exclusivamente para a prática de mercancia sexual, tampouco há notícia de envolvimento de menores de idade, nem comprovação de que o recorrido tirava proveito, auferindo lucros da atividade sexual alheia mediante ameaça, coerção, violência ou qualquer outra forma de violação ou tolhimento à liberdade das pessoas, não há falar em fato típico a ser punido na seara penal. 


REsp 1.683.375-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 14/08/2018, DJe 29/08/2018

CORRUPÇÃO ATIVA. EMISSÃO DE GUIA DE RECOLHIMENTO DE IMPOSTO EM MONTANTE MENOR DO QUE O DEVIDO. PAGAMENTO DA DIFERENÇA ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. APLICAÇÃO ANALÓGICA AO DELITO DE CORRUPÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

O pagamento da diferença do imposto devido, antes do recebimento da denúnica, não extingue a punibilidade pelo crime de corrupção ativa atrelado ao de sonegação fiscal. De início, é mister consignar que não há razão plausível para reconhecer que o crime de corrupção ativa tenha extinta a punibilidade porque a autora pagou, antes do recebimento da denúncia, o montante de tributo que havia elidido, indevidamente, com o oferecimento da vantagem indevida a servidor público encarregado de emitir a guia de recolhimento respectiva. São delitos totalmente distintos, com bem jurídicos tutelados igualmente diversos. A extinção da punibilidade dos crimes de cunho fiscal, pelo pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, tem a ver com a proteção da ordem tributária e com a efetividade da arrecadação estatal, enquanto no crime de corrupção ativa, o bem jurídico tutelado é o normal funcionamento e o prestígio da administração pública. Nesse sentido, oferecer a funcionário público vantagem ilícita para que não emita guia com o valor realmente devido a título de tributo causa mortis, é, em tese e sem qualquer prejulgamento, conduta de reprovabilidade patente e não merece, por isso mesmo, benefício de extinção da punibilidade, muito menos por lógica de analogia, porque subverte a ordem da administração pública, depõe contra a sua reputação e influencia o comportamento de outros agentes públicos, ainda que a diferença do quantum devido, tenha sido solvida antes do recebimento da denúncia. Este fato, por si só, não tem força para apagar a agressão ao prestígio da Administração. O crime de corrupção, abstratamente descrito como típico no art. 333 do Código Penal, possui natureza formal e se aperfeiçoa com a oferta ou promessa de vantagem indevida a funcionário público, para praticar, omitir ou retardar ato de ofício. Por outro lado, o que motivou o legislador ordinário a decretar a Lei nº 9.249/1995, que em seu artigo 34 dispõe acerca da extinção da punibilidade do crime contra a ordem tributária, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia, foi o mote arrecadador, ou seja, para o Estado, em se tratando de delito fiscal, afigura-se vantajoso receber o montante pecuniário relativo ao tributo com a "ameaça" do processo criminal, ainda que a ordem tributária tenha sido, em tese, malferida com a ação de sonegar. RHC 95.557-GO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 21/06/2018, DJe 01/08/2018

MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO. COAÇÃO À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. HABEAS CORPUS. NÃO CABIMENTO.

Não cabe Habeas Corpus para impugnar decisão judicial que determinou a suspensão de Carteira Nacional de Habilitação – CNH. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular, sendo, assim, inadequada a utilização do habeas corpus, impedindo seu conhecimento. É fato que a retenção desse documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos, a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza. RHC 97.876-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 05/06/2018, DJe 09/08/2018

MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. RETENÇÃO DO PASSAPORTE. COAÇÃO À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. HABEAS CORPUS. CABIMENTO.


Cabe Habeas Corpus para impugnar decisão judicial que determinou a retenção de passaporte. A questão controvertida está em definir se a ordem de suspensão do passaporte e da carteira nacional de habilitação, expedida contra o executado, no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), consubstancia coação à liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, a ser combatida por meio de habeas corpus. Sobre o tema, observa-se que, no âmbito da seara penal, que as Turmas da Terceira Seção deste Tribunal reconhecem a viabilidade de questionamento da apreensão do passaporte por meio do habeas corpus, por entenderem que tal medida limita a liberdade de locomoção, ainda que a constatação da ilegalidade, que conduziria à concessão da ordem, no caso concreto, não se confirme. 


RHC 97.876-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 05/06/2018, DJe 09/08/2018

14/09/2018

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. CPC/2015. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. ILEGALIDADE.

Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de retenção do passaporte em decisão judicial não fundamentada e que não observou o contraditório, proferida no bojo de execução por título extrajudicial. O CPC de 2015, em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou o ordenamento jurídico com a previsão, em seu art. 139, IV, de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda, inclusive as de pagar quantia certa. As modernas regras de processo, no entanto, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Assim, no caso concreto, após esgotados todos os meios típicos de satisfação da dívida, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, deve o magistrado eleger medida que seja necessária, lógica e proporcional. Não sendo adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, será contrária à ordem jurídica. Nesse sentido, para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual. A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental. A liberdade de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. RHC 97.876-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 05/06/2018, DJe 09/08/2018

RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO POR DANOS A TERCEIRO. OBRIGAÇÃO DO CONDÔMINO EM SUA COTA-PARTE. FATO ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO DA PROPRIEDADE. DÍVIDA PROPTER REM. PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. POSSIBILIDADE.

É possível a penhora de bem de família de condômino, na proporção de sua fração ideal, se inexistente patrimônio próprio do condomínio, para responder por dívida oriunda de danos a terceiros. A questão de direito a ser resolvida consiste em determinar se a execução de dívida originária de condenação judicial imposta ao Condomínio - indenização por danos ocasionados a terceiros diante da má conservação do prédio - é capaz de atingir bem de família de condômino, no limite de sua cota-parte, em relação a imóvel adquirido após o acidente. Inicialmente, cumpre salientar que constitui obrigação de todo condômino concorrer para as despesas condominiais, na proporção de sua cota-parte, dada a natureza de comunidade singular do condomínio. As despesas condominiais, inclusive as decorrentes de decisões judiciais, são obrigações propter rem e, por isso, será responsável pelo seu pagamento, na proporção de sua fração ideal, aquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária ou seja titular de um dos aspectos da propriedade (posse, gozo, fruição), desde que tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio, ainda que a dívida seja anterior à aquisição do imóvel. Exatamente em função do caráter solidário destas despesas, a execução pode recair sobre o próprio imóvel do condômino, sendo possível o afastamento da proteção dada ao bem de família, como forma de impedir o enriquecimento sem causa do inadimplente em detrimento dos demais. Assim, o bem residencial da família é penhorável para atender às despesas comuns de condomínio, que gozam de prevalência sobre interesses individuais de um condômino, nos termos da ressalva inserta na Lei n. 8.009/1990 (art. 3º, IV). Contudo, urge ser consignada uma ressalva: sempre que for possível a satisfação do crédito de outra forma, respeitada a gradação de liquidez prevista no diploma processual civil, outros modos de satisfação devem ser preferidos, em homenagem ao princípio da menor onerosidade para o executado. REsp 1.473.484-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 21/06/2018, DJe 23/08/2018

PREVIDÊNCIA PRIVADA FECHADA. PREVIC. INTERVENÇÃO EM ENTIDADE. PRAZO. PRORROGAÇÕES SUCESSIVAS. ADMISSIBILIDADE. LIMITE TEMPORAL. SANEAMENTO DA ENTIDADE. RAZOABILIDADE.

A intervenção da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) nas entidades fechadas de previdência privada deve perdurar pelo tempo necessário ao saneamento da entidade, podendo o prazo inicial de duração ser prorrogado mais de uma vez. Inicialmente cumpre salientar que a disciplina da intervenção nas entidades de previdência privada encontra-se nos arts. 44 a 46 da Lei Complementar n. 109/2001, havendo, no art. 62, remissão à legislação a respeito da intervenção e liquidação extrajudicial das instituições financeiras (Lei n. 6.024/1974), a qual deve ser aplicada de maneira subsidiária. Assim, apesar de o art. 4º da Lei n. 6.024/1974 prever, para as instituições financeiras, que "o período da intervenção não excederá a seis (6) meses o qual, por decisão do Banco Central do Brasil, poderá ser prorrogado uma única vez, até o máximo de outros seis (6) meses" e, embora exista entendimento que considere aplicável tal norma à previdência privada, de modo a limitar o número de prorrogações do regime de intervenção, a própria Lei Complementar n. 109/2001 regulou o tema de forma diversa: "a intervenção será decretada pelo prazo necessário ao exame da situação da entidade e encaminhamento de plano destinado à sua recuperação". Logo, extrai-se que o regime de intervenção deve perdurar pelo tempo necessário ao saneamento da entidade, podendo o prazo inicial de duração ser prorrogado mais de uma vez se as circunstâncias fáticas assim o exigirem. Todavia, mesmo havendo indefinição acerca da limitação temporal da intervenção na Previdência Privada, visto serem possíveis sucessivas prorrogações segundo as particularidades do caso, é preciso atentar para o fato de que tal regime deve ser sempre excepcional, ou seja, não deve malferir a razoabilidade, já que não existe intervenção permanente, sendo totalmente desaconselhados o abuso e a longa duração, sob pena de a medida se transmudar em indevida estatização ou ocorrer supressão total da intervinda. 


REsp 1.734.410-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 14/08/2018, DJe 24/08/2018

MASSA FALIDA DO BANCO DEPOSITÁRIO. ARRECADAÇÃO DE SALDO. CABIMENTO. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE QUANTIA DEPOSITADA POR CORRENTISTA. PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO. ART. 119, INCISO IX, DA LEI N. 11.101/2005. CONTRATO DE TRUST. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 417/STF.

Não é cabível a restituição de quantia em dinheiro que se encontra depositada em conta corrente de banco falido, em razão de contrato de trust. Trata-se, na hipótese, de contrato de financiamento celebrado entre uma concessionária de rodovia estadual e uma instituição financeira. Para operacionalizar esse contrato, e conferir maiores garantias ao mutuante, as partes pactuaram que a receita do pedágio seria depositada em um banco interveniente, o qual administraria essas receitas com o propósito de amortizar o financiamento, como num contrato de trust. Na vigência do contrato, porém, sobreveio a falência do banco interveniente. Insta consignar que a norma extraída do enunciado do aludido art. 119, inciso IX, da Lei n. 11.101/2005, que põe a salvo de arrecadação pela massa falida os patrimônios de afetação, faz referência expressa à legislação que disciplina o respectivo patrimônio de afetação. Porém, o contrato de trust não tem previsão no ordenamento jurídico brasileiro e, conquanto esteja previsto na Convenção de Haia sobre a lei aplicável aos trusts e sobre o reconhecimento deles, assinada em 1985, o Brasil não é signatário. Assim, não havendo norma jurídica que discipline o contrato de trust no Brasil, não há amparo legal para afetação patrimonial. Nesse sentido, não se aplica a parte final da Súmula 417/STF, que a admite restituição de dinheiro que esteja em poder do falido, mas em nome de outrem, indisponível por força de lei ou contrato. Isso porque a referida súmula tem aplicabilidade naqueles contratos em que não há transferência de titularidade sobre a quantia em dinheiro, como no mandato, ou em contratos que instituam patrimônio de afetação, nas hipóteses taxativamente autorizada pela lei. Reforça esse entendimento a norma do art. 6º, alínea "c", da Lei n. 6.024/1984, que, ao disciplinar a intervenção e liquidação extrajudicial de instituição financeira, estabelece que a intervenção terá como efeito imediato a "inexigibilidade dos depósitos já existentes à data de sua decretação". No caso dos autos, a receita das praças de pedágio, por estarem na titularidade do banco interveniente por força de contrato de depósito em conta corrente, passaram a integrar o patrimônio deste, devendo a arrecadação ser feita em favor da massa falida. REsp 1.438.142-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 15/05/2018, DJe 09/08/2018

AÇÃO DE DIVÓRCIO. EXCLUSÃO DE PATRONÍMICO ADOTADO PELA CÔNJUGE POR OCASIÃO DO CASAMENTO. REVELIA. MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DA VONTADE. NECESSIDADE. DIREITO DA PERSONALIDADE. INDISPONIBILIDADE.

A revelia em ação de divórcio na qual se pretende, também, a exclusão do patronímico adotado por ocasião do casamento não significa concordância tácita com a modificação do nome civil. Na hipótese em exame, o marido ajuizou a ação de divórcio em que foi pedido para que a esposa fosse obrigada a excluir o patronímico adquirido por ocasião do casamento, sem contestação. O fato de ex-cônjuge ter sido revel, todavia, não induz à procedência do pedido de exclusão do patronímico adotado anteriormente. De um lado, observe-se que litígio envolve direitos indisponíveis (art. 320, II, CPC/73), especialmente o direito ao nome, assim compreendido como o prenome e o patronímico, um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, uma vez que diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si mesmo, mas também no ambiente familiar e perante a sociedade em que vive. De outro lado, não se pode olvidar que a revelia produz seu mais relevante efeito tão somente sobre as questões de fato e, na hipótese, sequer foram deduzidas pelo recorrente como por exemplo, o hipotético uso do prestígio decorrente do patronímico após o rompimento do vínculo conjugal, com negativos reflexos patrimoniais ou morais. Assim, é inadmissível deduzir que a ausência de contestação da recorrida equivaleria a alguma espécie de aquiescência ou concordância tácita para com a pretensão de retorno ao nome de solteira, modificação para a qual se exige, indiscutivelmente, a sua manifestação expressa de vontade. 


REsp 1.732.807-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 14/08/2018, DJe 17/08/2018

CRÉDITO PROVENIENTE DO ADICIONAL DE INDENIZAÇÃO DO TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO - AITP. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA COM CRÉDITOS ADMINISTRADOS PELA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL - SRF. POSSIBILIDADE.

É possível compensar créditos tributários administrados pela Secretaria da Receita Federal com o crédito proveniente do Adicional de Indenização do Trabalhador Portuário Avulso - AITP. Inicialmente cumpre asseverar que a Lei n. 9.430/1996, em seu art. 74, facultou ao contribuinte utilizar-se de créditos reconhecidos judicialmente para compensar débitos tributários, impondo como um dos requisitos a administração dos tributos pela SRF. Administrar tributos não se restringe apenas à arrecadação dos recursos, mas, também, à fiscalização e à cobrança, até porque estamos diante de uma situação sui generis, pois há um tributo recolhido indevidamente, o qual foi instituído pela União pela Lei n. 8.630/1993, que teve a incumbência de determinar os parâmetros para sua cobrança, bem como de sua fiscalização. Nesse sentido, embora a destinação do produto de arrecadação do AITP não seja a mesma destinação de outros tributos arrecadados pela SRF, visto que a atribuição de gestor dos recursos foi delegada ao Banco do Brasil S.A., responsável pela gestão do Fundo de Indenização do Trabalhador Portuário Avulso, nos moldes definidos pelos arts. 66 e 67 da Lei n. 8.630/1993, deve ser observado que a Secretaria da Receita Federal foi designada para realizar o recolhimento e fiscalização do AITP, o que autoriza que os créditos reconhecidos judicialmente sejam compensados com outros débitos tributários federais. REsp 1.738.282-ES, Rel. Min. Gurgel de Faria, Rel. Acd. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, por maioria, julgado em 21/06/2018, DJe 28/08/2018

SOCIEDADE EMPRESÁRIA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÃO. POSSIBILIDADE. CERTIDÃO DE CONCORDATA. PREVISÃO NA LEI N. 8.666/1993. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. DESCABIMENTO. APTIDÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE.

Sociedade empresária em recuperação judicial pode participar de licitação, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica. De início, salienta-se que, conquanto a Lei n. 11.101/2005 tenha substituído a figura da concordata pelos institutos da recuperação judicial e extrajudicial, o art. 31 da Lei n. 8.666/1993 não teve o texto alterado para se amoldar à nova sistemática, tampouco foi derrogado. Nesse sentido, parte da doutrina entende que, se a Lei de Licitações não foi alterada para substituir certidão negativa de concordata por certidão negativa de recuperação judicial, não poderia a Administração passar a exigir tal documento como condição de habilitação, haja vista a ausência de autorização legislativa. Assim, as empresas submetidas à recuperação judicial estariam dispensadas da apresentação da referida certidão. Importa ressaltar que a licitação pública se norteia, entre outros princípios, pelo da indisponibilidade do interesse público e que o escopo primordial da Lei n. 11.101/2005, nos termos do art. 47, é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, prevendo em seu art. 52, I, a possibilidade de contratação com o poder público, o que, em regra geral, pressupõe a participação prévia em licitação. Todavia, não se deve olvidar a exigência contida no art. 27, III, da Lei n. 8.666/1993 de demonstração da qualificação econômico-financeira como condicionante para a participação no certame. Dessa forma, a interpretação sistemática dos dispositivos das Leis n. 8.666/1993 e n. 11.101/2005 leva à conclusão de que é possível uma ponderação equilibrada entre os princípios nelas imbuídos, pois a preservação da empresa, a sua função social e o estímulo à atividade econômica atendem também, em última análise, ao interesse da coletividade, uma vez que se busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores. Assim, a apresentação de certidão positiva de recuperação não implica a imediata inabilitação, cabendo ao pregoeiro ou à comissão de licitação diligenciar a fim de avaliar a real situação de capacidade econômico-financeira da empresa licitante. 


AREsp 309.867-ES, Rel. Min. Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 26/06/2018, DJe 08/08/2018