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30/08/2017

BUSCA E APREENSÃO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE LACRE EM TODO O MATERIAL APREENDIDO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. PRESUNÇÃO DE VALIDADE DOS ATOS PRATICADOS POR FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS.

A ausência de lacre em todos os documentos e bens - que ocorreu em razão da grande quantidade de material apreendido - não torna automaticamente ilegítima a prova obtida. Discute-se a validade da prova colhida em procedimentos de busca e apreensão em que não foi utilizado o lacre em todos os documentos e bens apreendidos. Inicialmente, consigne-se que a disciplina das nulidades, no processo penal é regida pelo art. 563 do CPP, segundo o qual "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". É assente, ainda, na jurisprudência desta Corte e do STF que a demonstração do prejuízo é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta. Ante a presunção de validade e legitimidade dos atos praticados por funcionários públicos, compete à defesa demonstrar de forma concreta o descumprimento das formalidades legais e essenciais do ato e, especificamente, que o material apreendido e eventualmente não lacrado foi corrompido ou adulterado, de forma a causar prejuízo à defesa e modificar o conteúdo da prova colhida. Por fim, à mingua de exigência legal específica, a ausência de lacre em todos os documentos e bens apreendidos – que decorreu da grande quantidade de material – desacompanhada de maiores dados concretos sobre efetiva interferência dos agentes públicos ou da acusação sobre as provas colhidas –, não tem o condão de nulificar o ato e a ação penal. 

RHC 59.414-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, por unanimidade, julgado em 27/6/2017, DJe 3/8/2017.

AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE LIMITADA. SÓCIO QUE DETÉM PARTE DAS QUOTAS SOCIAIS EMPENHADAS. APURAÇÃO DE HAVERES. DEFERIMENTO APENAS ÀQUELAS LIVRES DE ÔNUS REAIS, COM EXCLUSÃO DE QUALQUER POSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DO SÓCIO RETIRANTE.

A dissolução parcial de sociedade limitada por perda da affectio societatis pode ser requerida pelo sócio retirante, limitada a apuração de haveres às suas quotas livres de ônus reais. A questão controvertida consiste em saber se é possível, em ação de dissolução parcial de sociedade limitada, para o exercício do direito de retirada do sócio, por perda da affectio societatis, o requerimento de haveres correspondentes apenas às quotas livres de ônus reais, em vista da existência de penhor de parte das quotas do sócio retirante. Ressalta-se que a peculiaridade do caso reside no fato de o sócio retirante deter 13,68% do capital social, sendo que 6,08% se encontram empenhadas em favor de terceiros, que não são parte no feito de dissolução. Segundo a doutrina, para a constituição do penhor, a lei requer a tradição da coisa empenhada, a posse por parte do credor do bem dado em garantia da obrigação assumida pelo devedor, não permitindo que se aperfeiçoe o penhor pelo constituto possessório, isto é, ficando a posse da coisa com o devedor. Somente nos casos especiais, mencionados no Código Civil, é admitido o penhor com a cláusula constituti: no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, por efeito da cláusula constituti. Com efeito, em linha de princípio, não caracterizando modalidade prevista em lei de penhor especial (hipóteses supramencionadas), não parece mesmo possível ao dador requerer a dissolução parcial da sociedade limitada, para apurar também os haveres correspondentes às quotas sociais empenhadas, pois, pelo penhor, ocorre a transferência da posse, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente. É pertinente rememorar que, à luz do art. 14 do CPC/1973, são deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo proceder com lealdade e boa-fé [art. 5º do NCPC]. Nessa esteira de raciocínio, não se mostraria razoável o pleito para apuração de haveres das quotas empenhadas, por aquele que delas não pode dispor, pois caracterizaria verdadeira defraudação do instituto de garantia real. REsp 1.332.766-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 1/6/2017, DJe 1/8/2017.

TUTELA ANTECIPADA. REQUERIMENTO EM SUSTENTAÇÃO ORAL. VIABILIDADE.

É possível o requerimento de antecipação dos efeitos da tutela em sede de sustentação oral. A antecipação dos efeitos da tutela constitui relevante medida à disposição do juiz, para que propicie a prestação jurisdicional oportuna e adequada que, efetivamente, confira proteção ao bem jurídico em litígio, abreviando, ainda que em caráter provisório, os efeitos práticos do provimento definitivo. Em linha de princípio, o requerimento da tutela antecipada – requisito exigido nos termos do art. 273 do CPC/1973 –, assim como a sua extensão, pode ser formulado ou alterado pelo autor, desde que observado o pedido inicial, pois a medida não pode ser mais ampla. Assim, pode o autor requerer ou não, na exordial, a antecipação de parte da tutela, e depois pedir a antecipação da tutela jurisdicional em sua totalidade – o ordenamento jurídico não é infenso à modificação do requerimento de tutela antecipatória. Ora, se o pedido poderia ser formulado ao relator, e o próprio art. 273 do CPC/1973 deixa nítido que novas circunstâncias autorizam o requerimento, possível também que seja deduzido em sessão de julgamento, em feito que comporta sustentação oral, ao Colegiado que apreciará o recurso. Isso porque, tal procedimento consiste em manifestação formal (art. 554 do CPC/1973 e 937 do CPC/2015) a oportunizar à parte adversa até mesmo o contraditório prévio ao exame do pedido. REsp 1.332.766-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 1/6/2017, DJe 1/8/2017.
Informativo STJ nº608

PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TV A CABO. CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO. COBRANÇA PROPORCIONAL DA MULTA DE FIDELIDADE INDEPENDENTEMENTE DO CUMPRIMENTO PARCIAL DO PRAZO DE CARÊNCIA.

A cobrança da multa de fidelidade pela prestadora de serviço de TV a cabo deve ser proporcional ao tempo faltante para o término da relação de fidelização, mesmo antes da vigência da Resolução n. 632/2014 da ANATELA controvérsia principal versa sobre a licitude ou não da cláusula permitindo a cobrança da integralidade da multa por fidelidade, por parte da prestadora de serviço de TV a cabo, quando o consumidor opta pela rescisão do contrato no curso do prazo de carência. Inicialmente, consigna-se que a multa convencional, no caso de resilição unilateral imotivada, tem por escopo principal o necessário ressarcimento dos investimentos financeiros realizados por uma das partes para a celebração ou execução do contrato (parágrafo único do artigo 473 do Código Civil). De outro lado, sobressai seu caráter coercitivo, objetivando constranger o devedor a cumprir o prazo estipulado no contrato e, consequentemente, viabilizar o retorno financeiro calculado com o pagamento das mensalidades a serem vertidas durante a continuidade da relação jurídica programada. Nada obstante, em que pese ser elemento oriundo de convenção entre os contratantes, a fixação da cláusula penal não pode estar indistintamente ao alvedrio destes, já que o ordenamento jurídico prevê normas imperativas e cogentes, que possuem a finalidade de resguardar a parte mais fraca do contrato. A referida preocupação reverbera, com maior intensidade, em se tratando do chamado contrato de adesão, ou seja, aquele cujas cláusulas tenham sido estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor). É, sem dúvida, o que ocorre com o pacto de prestação de serviço de TV a cabo, cuja licitude da cláusula de fidelização extrai-se de normativos expedidos pela ANATEL e da jurisprudência desta Corte. Em relação à forma de cálculo da multa a ser cobrada em caso de resilição antecipada dos contratos com fidelização, verifica-se que a ANATEL, em 07 de março de 2014, expediu a Resolução n. 632, que aprovou o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações, que determina o pagamento da multa de fidelidade proporcionalmente ao valor do benefício concedido e ao período restante para o decurso do prazo mínimo estipulado. No entanto, mesmo antes da vigência do citado normativo, revelava-se abusiva a prática comercial adotada por prestadora do serviço de TV a cabo que cobra a multa de fidelidade integral dos consumidores, independentemente do tempo faltante para o término da relação de fidelização. Isso porque essa prática coloca o fornecedor em vantagem exagerada, caracterizando conduta iníqua, incompatível com a equidade, consoante disposto no § 1º e inciso IV do artigo 51 do CDC. Nesse panorama, sobressai o direito básico do consumidor à proteção contra práticas e cláusulas abusivas, que consubstanciem prestações desproporcionais, cuja adequação deve ser realizada pelo Judiciário, a fim de garantir o equilíbrio contratual entre as partes, afastando-se o ônus excessivo e o enriquecimento sem causa porventura detectado (artigos 6º, incisos IV e V, e 51, § 2º, do CDC), providência concretizadora do princípio constitucional de defesa do consumidor, sem olvidar, contudo, o princípio da conservação dos contratos. Assim, infere-se que o custo arcado pelo prestador do serviço é, efetivamente, recuperado a cada mês da manutenção do vínculo contratual com o tomador, não sendo razoável a cobrança da mesma multa àquele que incorre na quebra do pacto no início do prazo de carência e àquele que, no meio ou ao final, demonstra o seu desinteresse no serviço prestado. Desse modo, reconhece-se a ilicitude (caráter abusivo) da cobrança integral da multa de fidelidade pela prestadora de TV a cabo independentemente do cumprimento parcial do prazo de carência pelos consumidores, mesmo antes da vigência da Resolução ANATEL n. 632/2014. REsp 1.362.084-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por maioria, julgado em 16/5/2017, DJe 1/8/2017.

FACTORING. COMPRA E VENDA EM PRESTAÇÕES. CESSÃO DO CONTRATO. ANUÊNCIA DO DEVEDOR. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CESSIONÁRIA.

A empresa de factoring, que figura como cessionária dos direitos e obrigações estabelecidos em contrato de compra e venda em prestações, de cuja cessão foi regularmente cientificado o devedor, tem legitimidade para figurar no polo passivo de demandas que visem a revisão das condições contratuais. A principal questão controvertida consiste em saber se, em contrato de compra e venda de bem em prestações, com expressa referência sobre a cessão dos correspondentes direitos e obrigações a terceiro, pode ser ajuizada ação revisional diretamente contra a cessionária (empresa de factoring). No primeiro grau de jurisdição, o juiz desqualificou o contrato de factoring, afirmando que a operação caracterizava, em verdade, típico contrato de mútuo, estabelecido diretamente entre as partes do processo. A Corte local, por sua vez, reconheceu a cessão de direitos e obrigações decorrentes do contrato, inclusive o domínio reservado, em favor da “faturizadora”, pactuada no corpo do mesmo instrumento contratual em que avençada a compra e venda do bem. Diante do quadro fático estabelecido pelas instâncias ordinárias, não se faz necessária a formação de litisconsórcio passivo, na forma prevista pelo art. 47 do CPC/1973. Com efeito, a empresa cedente não mais se encontra em qualquer dos polos da relação jurídica obrigacional, à vista da transmissão operada, com a inequívoca ciência do devedor, que pode opor diretamente ao cessionário as exceções que lhe competirem (CC/2002, art. 294), inclusive as de natureza pessoal. REsp 1.343.313-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Antônio Carlos Ferreira, por maioria, julgado em 1/6/2017, DJe 1/8/2017.

AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. TROCA DE PRENOME E DO SEXO (GÊNERO). PESSOA TRANSEXUAL. CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. DESNECESSIDADE.

O direito dos transexuais à retificação do prenome e do sexo/gênero no registro civil não é condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização. A controvérsia está em definir se é possível a alteração de gênero no assento de registro civil de pessoa transexual, independentemente da realização da cirurgia de transgenitalização (também chamada de cirurgia de redesignação ou adequação sexual). Inicialmente, e no que diz respeito aos aspectos jurídicos da questão, infere-se, da interpretação dos arts. 55, 57 e 58 da Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), que o princípio da imutabilidade do nome, conquanto de ordem pública, pode ser mitigado quando sobressair o interesse individual ou o benefício social da alteração, o que reclamará, em todo caso, autorização judicial, devidamente motivada, após audiência do Ministério Público. Quanto ao ponto, cabe destacar ser incontroversa a possibilidade de alteração do prenome, na medida em que o Tribunal de origem manteve a sentença que rejeitou tão somente o pedido de alteração do gênero registral da transexual mulher. Ocorre que a mera alteração do prenome das pessoas transexuais, não alcança o escopo protetivo encartado na norma jurídica infralegal, além de descurar da imperiosa exigência de concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Isso porque, se a mudança do prenome configura alteração de gênero (masculino para feminino ou vice-versa), a manutenção do sexo constante no registro civil preservará a incongruência entre os dados assentados e a identidade de gênero da pessoa, a qual continuará suscetível a toda sorte de constrangimentos na vida civil, configurando-se flagrante atentado a direito existencial inerente à personalidade. Nesse contexto, o STJ, ao julgar casos nos quais realizada a cirurgia de transgenitalização, adotou orientação jurisprudencial no sentido de ser possível a alteração do nome e do sexo/gênero das pessoas transexuais no registro civil – entendimento este que merece evolução tendo em vista que a recusa de modificação do gênero nas hipóteses em que não realizado tal procedimento cirúrgico ofende a cláusula geral de proteção à dignidade da pessoa humana. Vale lembrar que, sob a ótica civilista, os direitos fundamentais relacionados com a dimensão existencial da subjetividade humana são também denominados de direitos de personalidade. Desse modo, a análise do tema reclama o exame de direitos humanos (ou de personalidade) que guardam significativa interdependência, quais sejam: direito à liberdade, direito à identidade, direito ao reconhecimento perante a lei, direito à intimidade e à privacidade, direito à igualdade e à não discriminação, direito à saúde e direito à felicidade. Assim, conclui-se que, em atenção à cláusula geral de dignidade da pessoa humana, a jurisprudência desta Corte deve avançar para autorizar a retificação do sexo do indivíduo transexual no registro civil, independentemente da realização da cirurgia de adequação sexual, desde que dos autos se extraia a comprovação da alteração no mundo fenomênico (como é o caso presente, atestado por laudo incontroverso), cuja averbação, nos termos do § 6º do artigo 109 da Lei de Registros Públicos, deve ser efetuada no assentamento de nascimento original, vedada a inclusão, ainda que sigilosa, da expressão transexual ou do sexo biológico. REsp 1.626.739-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por maioria, julgado em 9/5/2017, DJe 1/8/2017.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CPC/73. ASTREINTES. VALORES AFASTADOS DA BASE DE CÁLCULO. MEIO COERCITIVO. AUSÊNCIA DE CARÁTER CONDENATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA MATERIAL.

O valor da multa cominatória (astreintes) não integra a base de cálculo da verba honorária disciplinada pelo CPC/1973. Cinge-se a controvérsia a saber se, na égide do CPC/1973 (art. 20, § 3º), o valor referente à multa cominatória (astreintes) deve integrar a condenação para fins de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais. Sobre o tema, o art. 20, § 3º, do CPC/1973 estipula que os honorários de advogado, quando procedente o pedido da inicial, serão fixados entre dez por cento (10%) e vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação. Neste contexto, por valor da condenação, na fase de conhecimento do processo, deve ser entendido o valor do bem pretendido pelo demandante, ou seja, o montante econômico da questão litigiosa conforme o direito material. Por outro lado, a multa cominatória constitui instrumento de direito processual criado para a efetivação da tutela específica perseguida ou para a obtenção de resultado prático equivalente, nas ações de obrigação de fazer ou não fazer, constituindo medida de execução indireta. Ademais, a decisão que arbitra astreintes não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa ou, ainda, para suprimi-la. Deste modo, as astreintes, sendo apenas um mecanismo coercitivo posto à disposição do Estado-Juiz para fazer cumprir as suas decisões, não ostentam caráter condenatório, tampouco transitam em julgado, o que as afastam da base de cálculo dos honorários advocatícios. REsp 1.367.212-RR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 20/6/2017, DJe 1/8/2017.

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTES. FALTA DE PAGAMENTO DE RETRIBUIÇÃO ANUAL. OBRIGATORIEDADE DE NOTIFICAÇÃO DO ARQUIVAMENTO DO PEDIDO OU DA EXTINÇÃO DA PATENTE. RESTAURAÇÃO GARANTIDA PELO ART. 87 DA LEI N. 9.279/96 ATÉ TRÊS MESES CONTADOS DA NOTIFICAÇÃO.

Para arquivamento de pedido ou extinção de patente por falta de pagamento da retribuição anual prevista no art. 84 da Lei n. 9.279/1996, exige-se notificação prévia do respectivo depositante ou titular. Discute-se acerca da necessidade de notificação prévia da extinção da patente pela falta de pagamento de duas retribuições anuais. Inicialmente, cabe pontuar que esse pagamento configura requisito imprescindível para que o titular de uma patente goze do monopólio, garantido pelo Estado, de exploração comercial do objeto patenteado durante o seu prazo de vigência. De acordo com o art. 84 da Lei de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/96), a retribuição anual é devida a partir do início do terceiro ano do depósito e deve ser paga nos três primeiros meses de cada período anual. Nesse contexto, a falta do pagamento da retribuição acarreta, como regra, o arquivamento do pedido de patente, ou, caso já concedida, a sua extinção. Porém, a regra do art. 87 do referido diploma legal prevê, como forma de preservar o direito do titular da patente, o instituto da restauração. Estabelece o dispositivo aludido que, notificado do arquivamento do pedido ou da extinção da patente em razão do não pagamento da retribuição anual, o depositante ou o titular pode, no prazo de três meses contados dessa notificação, restaurar o pedido ou a patente, por meio do pagamento de retribuição específica. Infere-se desse dispositivo legal que, na hipótese de inadimplemento da retribuição anual, a notificação do arquivamento do pedido ou da extinção da patente é obrigatória, porquanto necessária para o exercício do direito à restauração. REsp 1.669.131-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017.
Informativo STJ nº608

ADOÇÃO UNILATERAL. REVOGAÇÃO. POSSIBILIDADE.

No caso de adoção unilateral, a irrevogabilidade prevista no art. 39, § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser flexibilizada no melhor interesse do adotando. Restringe-se a controvérsia, exclusivamente, a definir se é possível flexibilizar o preceito do art. 39, § 1º, da Lei n. 8.069/1990, que atribui caráter irrevogável ao ato de adoção, em virtude do enfraquecimento do vínculo afetivo firmado entre adotado e adotante. Inicialmente, consigna-se que a adoção unilateral, ou adoção por cônjuge, é espécie do gênero adoção, que se distingue do caudal comum por possuir elementos que lhe são singulares, sendo o mais acentuado, a ausência de ruptura total entre o adotado e os pais biológicos, porquanto um deles permanece exercendo o poder familiar sobre o menor que será, após a adoção, compartilhado com o cônjuge adotante. Ela ocorre a partir do óbito de um dos ascendentes biológicos, após a destituição do poder familiar de um deles ou mesmo na ausência de pai registral. Tal adoção irá substituir, para todos os efeitos, a linha biológica originária do adotado e ocorre independentemente de consulta ao grupo familiar estendido, cabendo tão-só ao cônjuge supérstite decidir sobre a conveniência, ou não, da adoção do filho pelo seu novo cônjuge/companheiro. É de se salientar que hoje, procura-se prioritariamente colocar o menor como o foco central do processo de adoção, buscando-se, em prol dele, a melhor fórmula possível de superação da ausência parcial, ou total dos ascendentes biológicos. Essa opção é claramente expressa no artigo 43 do ECA (a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.), que pela sua peremptoriedade e capacidade de se sobrepor aos outros ditames relativos à adoção, pode ser considerada verdadeira norma-princípio. Assim, os elementos balizadores e constitutivos da adoção unilateral, bem como as prerrogativas do cônjuge supérstite de autorizar a adoção unilateral de seu filho, e mesmo a própria declaração de vontade do adotando, podem ser superados ou moldados em nome da inexistência de reais vantagens para o adotando no processo de adoção. O princípio do interesse superior do menor, ou melhor interesse, tem assim, a possibilidade de retirar a peremptoriedade de qualquer texto legal atinente aos interesses da criança ou do adolescente, submetendo-o a um crivo objetivo de apreciação judicial da situação concreta onde se analisa. Em complemento a esse raciocínio, fixa-se que a razão de ser da vedação erigida, que proíbe a revogação da adoção é, indisfarçavelmente, a proteção do menor adotado, buscando colocá-lo a salvo de possíveis alternâncias comportamentais de seus adotantes, rupturas conjugais ou outras atitudes que recoloquem o menor adotado, novamente no limbo sócio emocional que vivia antes da adoção. Sob esse diapasão, observa-se que há espaço para, diante de situações singulares onde se constata que talvez a norma protetiva esteja, na verdade, vulnerando direitos do seu beneficiário, ser flexibilizada a restritiva regra fixada no art. 39 § 1º, do ECA.  REsp 1.545.959-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 6/6/2017, DJe 1/8/2017.

REVISIONAL DE ALIMENTOS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ALTERAÇÃO PARA VALOR ILÍQUIDO. DESCABIMENTO. SUBTRAÇÃO DA EFICÁCIA DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS. CONTRARIEDADE AO INTERESSE DO MENOR ALIMENTANTE.

Não é possível, em tutela antecipada deferida na ação revisional de alimentos, a alteração de valor fixo de pensão alimentícia para um valor ilíquido, correspondente a percentual de rendimentos que virão a ser apurados no curso do processo. A questão posta nos autos discute o cabimento da revisão da obrigação de alimentos estabelecidos em valor fixo para uma quantia ilíquida. Inicialmente, verifica-se que a vedação à sentença ilíquida prevista no art. 459 do CPC/1973 atende aos princípios da efetividade e da celeridade do processo, uma vez que permite à parte vencedora da demanda que busque desde logo satisfação de seu direito, sem as delongas do procedimento de liquidação de sentença. O novo Código de Processo Civil deu realce ainda maior a essa norma, ao estabelecer a obrigação de que o juiz deve proferir sentença líquida ainda que o pedido seja genérico, conforme se verifica no art. 491. É de se observar que, no âmbito da ação de alimentos, a exigência de sentença líquida toma dimensão ainda maior, tendo em vista a necessidade premente do alimentando. Não é por outra razão que a Lei de Alimentos (Lei n. 5.478/1968) determina ao juiz que fixe desde o limiar do processo os alimentos provisórios. No caso dos autos, a despeito de os alimentos haverem sido estabelecidos em valor líquido, no curso de demanda revisional o Tribunal de origem deferiu o pedido de antecipação da tutela recursal para estabelecer um valor ilíquido de pensão alimentícia, correspondente a 30% dos rendimentos que viessem a ser comprovados no curso do processo. Tal provimento dá ensejo à nulidade da decisão, uma vez que, além de contrariar a aludida regra processual acerca da liquidez das sentenças, atenta contra o interesse do menor alimentando, pois a pensão alimentícia foi alterada de um valor fixo, passível de imediata execução, para um valor ilíquido, a ser determinado no curso da demanda revisional, impedindo a imediata execução. REsp 1.442.975-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017.

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEI DE ORGANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. REDAÇÃO ORIGINAL QUE NÃO FAZIA DISTINÇÃO QUANTO À NATUREZA DA INCAPACIDADE, SE PERMANENTE OU TEMPORÁRIA, TOTAL OU PARCIAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.

A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) não exige incapacidade absoluta de pessoa com deficiência para concessão do Benefício de Prestação Continuada. A Constituição Federal prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independentemente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Regulamentando o comando constitucional, a Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Seguridade Social), em seu art. 20, § 2º, assim dispunha: “Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.” A partir da edição das Leis n. 12.435/2011 e 12.470/2011, que trouxeram alterações à Lei n. 8.742/93, passou-se a exigir que a deficiência tivesse caráter mais duradouro, mas o diploma legal em comento não fixou o grau de incapacidade. Assim, com o objetivo de que esse dispositivo legal guarde perfeita sintonia com o espírito da norma magna, sem encurtar o seu alcance, deve ser ele interpretado, no que diz respeito à incapacidade, no sentido de considerar a deficiência física, para fins de reconhecimento do direito à Assistência Social, conjuntamente com outros aspectos relevantes, tais como, a condição profissional e cultural do beneficiário. Na hipótese, observa-se que o benefício foi negado ao fundamento de que o beneficiário deveria apresentar incapacidade absoluta, de sorte que não se permita ao requerente do benefício o desempenho de qualquer atividade da vida diária e para o exercício de atividade laborativa. Ocorre que tal exigência não está prevista em lei, pois esta não elenca o grau de incapacidade, não cabendo ao intérprete a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos na legislação para a concessão do benefício. REsp 1.404.019-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, por unanimidade, julgado em 27/6/2017, DJe 3/8/2017.

CONCURSO PÚBLICO. TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. MODIFICAÇÃO NA ORDEM DE APLICAÇÃO DAS PROVAS. PRÉVIA DIVULGAÇÃO POR EDITAL COMPLEMENTAR. ISONOMIA. LEGALIDADE.

A simples alteração na ordem de aplicação das provas de teste físico em concurso público, desde que anunciada com antecedência e aplicada igualmente a todos, não viola direito líquido e certo dos candidatos inscritos. O ponto nodal do debate diz respeito à legalidade da inversão da ordem das provas do teste de aptidão física em concurso público para provimento de cargos de agente prisional, que, segundo disposição editalícia inicial, deveriam ser aplicadas em ordem específica. Nesse contexto, a simples alteração na ordem de aplicação das provas, desde que anunciada com antecedência e nos termos admitidos pelo edital do certame, não viola direito líquido e certo dos candidatos. Isto porque o procedimento assim balizado respeita os princípios constitucionais da publicidade e da razoabilidade, previstos no artigo 37, caput, da Constituição Federal e nos arts. 2º, parágrafo único, incisos I a VIII e XIII; 26 e 28 da Lei Federal n. 9.784/1999. Além disso, o objetivo dos concursos públicos de provas ou provas e títulos, previstos nos incisos I a IV do art. 37 da CF é assegurar a observância do princípio da isonomia para ingresso nos quadros efetivos da Administração Pública. Logo, se a alteração na ordem de aplicação das provas integrantes do teste físico foi divulgada com antecedência e aplicada igualmente a todos os candidatos inscritos, não há violação do princípio constitucional da isonomia, bem como não existe ilegalidade. RMS 36.064-MT, Rel. Min. Sérgio Kukina, por unanimidade, julgado em 13/6/2017, DJe 22/6/2017.

DOSIMETRIA. VALORAÇÃO INDEVIDA DE UMA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS REPUTADAS DESFAVORÁVEIS AO RÉU. UTILIZAÇÃO DE ELEMENTARES INERENTES AOS TIPOS PENAIS DE CONCUSSÃO E CORRUPÇÃO PASSIVA (OBTENÇÃO DE LUCRO FÁCIL E COBIÇA) COMO MOTIVOS DOS CRIMES.

A obtenção de lucro fácil e a cobiça constituem elementares dos tipos de concussão e corrupção passiva (arts. 316 e 317 do CP), sendo indevido utilizá-las, para exasperação da pena-base, no momento em que analisados os motivos do crime – circunstância judicial prevista no art. 59 do CP. Nos presentes embargos, aponta-se, em síntese, divergência no que concerne à interpretação do art. 59 do Código Penal, pois considera que os argumentos utilizados para elevar a pena-base dos delitos de concussão e de corrupção passiva são inerentes ao próprio tipo penal e, portanto, não poderiam ter sido valorados, novamente, no momento da fixação da pena-base. No caso em análise, examinando-se o acórdão do Tribunal de origem, verifica-se que a exasperação em ambos os crimes teve fundamento em 6 (seis) dos quesitos descritos no caput do art. 59 do CP: a culpabilidade, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos do crime, as circunstâncias e consequências do crime. Ao examinar os motivos do crime, o voto condutor do acórdão condenatório reputou como desvalores aptos a justificar a elevação da pena-base a intenção de obter lucro fácil e a cobiça. Com efeito, embora inseridos no Código Penal no Título dos crimes contra a administração pública, tanto a concussão (art. 316, CP) quanto a corrupção passiva (art. 317, CP) possuem várias das características dos crimes contra o patrimônio, com a peculiaridade da qualificação do agente como servidor público. Assim sendo, no exame das circunstâncias judiciais envolvendo a prática desses dois delitos, a jurisprudência desta Corte vem entendendo que a cobiça, a ganância e a intenção de obter lucro fácil constituem elementares dos delitos, não podendo, assim, serem utilizadas novamente na apreciação das circunstâncias judiciais para justificar a elevação da pena-base. EDv nos EREsp 1.196.136-RO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, por unanimidade, julgado em 24/5/2017, DJe 1/8/2017.

PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. ENTIDADE FECHADA. CONTRATO DE TRANSAÇÃO PARA MIGRAÇÃO DE PLANO DE BENEFÍCIOS. NEGÓCIO JURÍDICO ONEROSO, UNITÁRIO E INDIVISÍVEL, TENDO POR ELEMENTO ESSENCIAL A RECIPROCIDADE DE CONCESSÕES.

Em havendo transação para migração de plano de benefícios, em observância à regra da indivisibilidade da pactuação e proteção ao equilíbrio contratual, a anulação de cláusula que preveja concessão de vantagem contamina todo o negócio jurídico, conduzindo ao retorno ao status quo ante. A segunda questão em debate se limita a definir se, em havendo transação para migração de plano de benefícios de previdência complementar, é possível, apesar do reconhecimento de vício em cláusula contratual, manter-se a higidez do negócio jurídico e todas as vantagens auferidas pelo transator. Inicialmente, cabe destacar que o Código Civil de 2002 incluiu a transação no título das “várias espécies de contratos”. Aliás, a doutrina especializada e os precedentes desta Corte destacam que na modalidade contratual da transação – que se caracteriza pela consensualidade, bilateralidade, onerosidade, indivisibilidade e formalidade –, há reciprocidade de concessões, pois será necessário que ambos os transigentes concedam alguma coisa ou abram mão de alguns direitos em troca da segurança oferecida pelo instituto. (REsp 1.219.347-SC, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 9/12/2014). Na hipótese, como a migração ocorreu por meio de transação, conforme dispõe o art. 848 do CC/2002, tendo-se nula qualquer das suas cláusulas, independentemente da natureza constitucional ou infraconstitucional do fundamento invocado para o reconhecimento do vício, nula será esta – o que implicaria o retorno ao status quo ante. Com efeito, não se mostra razoável a pretensão de anulação apenas da cláusula mediante a qual os autores fizeram concessões de vantagens, sob pena de flagrante lesão à própria comutatividade da avença e caracterização de comportamento contraditório com a tutela da confiança. Por fim, ressalta-se que a matéria objeto de debate já se encontra pacificada no âmbito do STJ, no sentido de que o enunciado sumular n. 289 “aplica-se apenas às hipóteses em que houve o rompimento definitivo do vínculo contratual estabelecido entre a entidade de previdência complementar e o participante, não incidindo nos casos em que, por meio de transação, houve transferência de reservas de um plano de benefícios para outro no interior da mesma entidade”. REsp 1.551.488-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 14/6/2017, DJe 1/8/2017. (Tema 943)
Informativo STJ nº608

PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. ENTIDADE FECHADA. CONTRATO DE TRANSAÇÃO. MIGRAÇÃO E RESGATE. INSTITUTOS JURÍDICOS DIVERSOS. SÚMULA 289/STJ. INCIDÊNCIA LIMITADA AO INSTITUTO JURÍDICO DO RESGATE. TRANSAÇÃO PARA MIGRAÇÃO DE PLANO DE BENEFÍCIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. INAPLICABILIDADE.

Em caso de migração de plano de benefícios de previdência complementar, não é cabível o pleito de revisão da reserva de poupança ou de benefício, com aplicação do índice de correção monetária. A primeira questão controvertida, objeto de afetação ao rito dos recursos repetitivos, consiste em saber se, em havendo migração de plano de benefícios de previdência complementar, é cabível o pleito de revisão dos benefícios e/ou resgates dos valores pagos, a título de contribuição previdenciária (reserva de poupança), com aplicação do índice de correção monetária. Com efeito, esse debate enseja necessária distinção entre os institutos da migração de plano de benefícios da previdência e a ocorrência de resgate, que somente poderá ser requerido pelo participante que se desligar da patrocinadora e da entidade. No que diz respeito às modalidades de migração e de resgate, os arts. 14, III e 15, I, da Lei Complementar n. 109/2001 esclarecem que estes institutos não se confundem entre si, de forma que se revela inadequada a aplicação dos mesmos preceitos referentes ao resgate e da Súmula 289/STJ, para os casos em que o participante ou assistido não se desligou do regime jurídico de previdência privada, tendo apenas feito a portabilidade do plano. Na ocorrência de resgate é facultado ao ex-participante receber o valor decorrente do seu desligamento do plano de benefícios. O montante a ser restituído corresponde à totalidade das contribuições por ele vertidas ao fundo (reserva de poupança), devidamente atualizadas, implicando, assim, a cessação dos compromissos do plano administrado pela entidade fechada de previdência complementar (EFPC) em relação ao participante e seus beneficiários, não podendo se dar quando ele estiver em gozo de benefício ou se já tiver preenchido os requisitos de elegibilidade ao benefício pleno, inclusive sob a forma antecipada. De outro turno, a migração – pactuada em transação – de planos de benefícios, facultada até mesmo aos assistidos, ocorre em um contexto de amplo redesenho da relação contratual previdenciária, com o concurso de vontades do patrocinador, da entidade fechada de previdência complementar, por meio de seu conselho deliberativo, e autorização prévia do órgão público fiscalizador, operando-se não o resgate de contribuições, mas a transferência de reservas de um plano de benefícios para outro. Vale ressaltar, por fim, que, na medida em que o art. 18 da Lei Complementar n. 109/2001 estabelece que cabe ao plano de benefícios arcar com as demais despesas – inclusive, pois, com a verba vindicada –, não cabe a aplicação do índice de correção monetária pretendida, sob pena de lesão aos interesses dos demais assistidos e participantes do plano de benefícios primevo, a que eram vinculados os requerentes. REsp 1.551.488-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 14/6/2017, DJe 1/8/2017. (Tema 943)
Informativo STJ nº608

16/08/2017

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ASSEMBLEIA GERAL. DIREITO DE VOTO. CREDORES AFETADOS PELO PLANO DE RECUPERAÇÃO. BONDHOLDERS. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA VOTAR. POSSIBILIDADE.

Os bondholders – detentores de títulos de dívida emitidos por sociedades em recuperação judicial e representados por agente fiduciário – têm assegurados o direito de voto nas deliberações sobre o plano de soerguimento. O propósito recursal é definir se determinados credores – in casu, os chamados bondholders - têm ou não direito de voto nas assembleias incumbidas de apreciar os planos de recuperação judicial. Os bondholders são investidores que adquiriram títulos de dívida (bonds) emitidos por companhias brasileiras que buscaram financiar suas atividades no exterior. A emissão desses bonds é instrumentalizada por uma escritura (indenture), que deve indicar o nome do agente fiduciário (indenture trustee) responsável por atuar em favor dos investidores finais. Em regra, quando a companhia passa por processo de recuperação judicial, ante a ausência de previsão expressa na Lei n. 11.101/05, a lista de credores por ela apresentada relaciona apenas o nome do agente fiduciário, apontado como credor do valor total dos recursos captados na operação de crédito. Ocorre que, na realidade, os verdadeiros titulares do interesse econômico-financeiro, que sofrerão diretamente os efeitos da reorganização empresarial, são os investidores finais (bondholders), pois são eles os reais credores das recuperandas. Por esse motivo, haja vista a norma autorizativa do art. 39, caput, da LFRE, há de se conferir-lhes, a possibilidade de votar nas assembleias de credores, a fim de que possam deliberar acerca de questões que guardam relação direta com seus interesses. REsp 1.670.096-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 20/6/2017, DJe 27/6/2017.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA. DADOS CADASTRAIS DE CORRENTISTAS DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CONTRATANTES DE SEGURO E MÚTUO FINANCEIRO. SIGILO BANCÁRIO. DIREITO PERSONALÍSSIMO. AFASTAMENTO INVIÁVEL.

O exercício da legitimação extraordinária, conferida para tutelar direitos individuais homogêneos em ação civil pública, não pode ser estendido para abarcar a disposição de interesses personalíssimos, tais como a intimidade, a privacidade e o sigilo bancário dos substituídos. O ponto nodal da discussão consiste em analisar a possibilidade de o Ministério Público, na condição de legitimado extraordinário em ação civil pública, obter informações de consumidores protegidas pelo sigilo bancário, com o objetivo de colher provas que demonstrem a utilização reiterada da venda casada como prática de mercado pelas instituições financeiras. Inicialmente, cabe salientar que a relação nominal de clientes que contrataram determinadas operações num período temporal determinado, se encaixa com perfeição no dever de sigilo definido na legislação complementar específica. Muito embora não se trate de proteção absoluta, as limitações impostas ao dever legal de sigilo devem ser interpretadas de forma restritiva e sempre com muita prudência. Assim, se, por um lado, é fato que o sigilo bancário deve ceder quando contrastado com as legítimas expectativas de obtenção de receitas públicas ou com o exercício monopolista do poder sancionador do Estado, nos casos de prática de ilícitos penais e administrativos; de outro, não se pode ignorar que as informações prestadas no bojo de processos judiciais ou administrativos deve observar a restrição de acesso às partes, que delas não podem "servir-se para fins estranhos à lide" (art. 3º, da LC n. 105/2001). Observe-se que, quando não se está diante de qualquer conduta imputável ao cliente bancário, mas de mera tutela de interesse do consumidor, não se olvida que a proteção do sigilo possa ser objeto de afastamento em benefício do titular do direito, uma vez que não pode a instituição financeira negar acesso àquelas informações a seu cliente. Isso porque a proteção é instaurada em prol do consumidor, daí que, por consequência lógica, não pode ser a ele mesmo oposta. Por outra via, porém, não se pode pretender alargar a legitimidade para o afastamento temporário do sigilo legalmente assegurado, a fim de abarcar o Ministério Público, enquanto autor de uma ação civil pública, a dispor de uma garantia personalíssima e requerer a divulgação irrestrita de dados protegidos. Ainda que o intuito declarado pelo parquet seja tão somente o de colher provas que demonstrem a utilização reiterada da venda casada como prática de mercado pelas instituições financeiras, não se pode chancelar tamanha invasão indiscriminada à intimidade do consumidor. Desse modo, enquanto legitimado extraordinário, não é dado ao MP atuar de forma dispositiva, abrindo mão de interesses personalíssimos, em nome de quem é por ele substituído na demanda. Por fim, deve-se ainda assentar que a publicidade que deve ser dada à propositura de ação civil pública não tem a propriedade de flexibilizar direitos a privacidade e intimidade com intuito, ao fim e ao cabo, de facilitar o trabalho investigativo do parquet, aproveitando-se da natural assimetria de poder do Estado frente os particulares. REsp 1.611.821-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 13/6/2017, DJe 22/6/2017.

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXECUÇÃO DE VERBA PRETÉRITA. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL DOS ALIMENTOS PRETÉRITOS CONTADOS DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE DECLAROU A PATERNIDADE.

O prazo prescricional para o cumprimento de sentença que condenou ao pagamento de verba alimentícia retroativa se inicia tão somente com o trânsito em julgado da decisão que reconheceu a paternidade. Uma das discussões trazidas no bojo do recurso especial consiste em definir o termo inicial do prazo prescricional de dois anos para a cobrança das prestações alimentares pretéritas; se do momento em que o credor atinge a maioridade, ou a partir do trânsito em julgado da ação investigativa em que fixados os alimentos. Na origem, trata-se de ação de investigação de paternidade em que foi indeferida, liminarmente, a fixação de alimentos provisórios, por ausência de prova pré-constituída. A verba alimentar somente foi deferida na sentença que julgou procedente o pedido inerente à paternidade, decisão esta proferida sete anos após o ajuizamento da demanda. Com a fixação de alimentos definitivos, as parcelas vincendas passaram imediatamente a ser descontadas diretamente da folha de salário do genitor e depositadas em conta bancária à disposição do filho. Quanto aos alimentos pretéritos – ou seja, aqueles que retroagiram à data da citação, nos termos do art. 13, § 2º da Lei n. 5.478/68 – cabe ressaltar que, apesar de autorizado pelo art. 521 do CPC/73, o alimentando optou por não promover a sua execução provisória, tendo aguardado o trânsito em julgado da sentença investigatória. Com efeito, por ser a demanda relativa à paternidade prejudicial necessária do reconhecimento ao direito aos alimentos, a melhor interpretação é a de que a prolação de sentença condenatória recorrível ao pagamento de alimentos pretéritos não pode servir de marco para o termo inicial do prazo prescricional de dois anos previsto no § 2º do art. 206 do CC/2002. Sobre o tema, ademais, a doutrina se manifesta no seguinte sentido: “tratando-se de ação de investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos, o prazo prescricional das prestações vencidas somente começa a fluir a partir do momento em que, por estar definitivamente firmada a obrigação, o beneficiário podia exigi-las”. Assim, ainda que o exequente fosse maior de idade e pudesse executar provisoriamente a sentença, a melhor interpretação do disposto no § 2º do art. 206 do CC/2002, para o caso, é a de que o prazo de dois anos para haver as prestações alimentares pretéritas deve ter como termo inicial o trânsito em julgado da sentença da investigatória de paternidade, circunstância que tornou indiscutível a obrigação alimentar e o título executivo judicial passou a contar também com o indispensável requisito da exigibilidade. REsp 1.634.063-AC, Rel. Min. Moura Ribeiro, por unanimidade, julgado em 20/6/2017, DJe 30/6/2017.

CONSTRUÇÃO E INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. FALÊNCIA DA CONSTRUTORA. RESCISÃO DO CONTRATO DE PERMUTA DO TERRENO MEDIANTE SENTENÇA FALIMENTAR. NOVA ALIENAÇÃO SEM A INDENIZAÇÃO DEVIDA AOS ANTIGOS ADQUIRENTES DAS UNIDADES AUTÔNOMAS DO EMPREENDIMENTO FRUSTRADO.

O proprietário de terreno objeto de contrato de permuta com incorporadora/construtora, rescindido por decisão judicial no curso do processo falimentar desta, tem responsabilidade pelos danos sofridos pelos antigos adquirentes de unidades autônomas no empreendimento imobiliário inacabado. Cinge-se a controvérsia a definir a responsabilidade do proprietário de terreno objeto de permuta com incorporadora em face de antigos promitentes compradores de unidades autônomas. No casotendo sido frustrado o empreendimento imobiliário em razão da falência da construtora, os proprietários do terreno permutado requereram a rescisão contratual no juízo falimentar, o que lhes foi deferido, com o respectivo levantamento dos gravames, retornando ao estado anterior. Após, juntamente com uma segunda construtora, realizaram novo contrato de incorporação, tendo sido concluída a obra, o que teria gerado danos aos antigos adquirentes de unidade autônoma no primeiro e inacabado empreendimento. Com base nessas premissas, salienta-se, de início, que os contratos de incorporação são regidos pela Lei Federal n. 4.591, de 16 de dezembro de 1964, que, na sua versão original, busca evitar lesão à economia popular, impondo uma série de exigências e penalidades ao incorporador. Nesse ponto, é de se entender que a fórmula prevista no art. 43, inciso III, da Lei n. 4.591/64 – crédito privilegiado na falência – não exime os proprietários da garantia legal de indenização prevista no art. 40, § 3º, do mesmo diploma legal, para o caso de nova alienação do terreno sem a indenização dos titulares (adquirentes) das unidades autônomas, mesmo com a rescisão contratual da permuta decretada pelo juízo falimentar. Vê-se que a sistemática protetiva imposta pelo art. 40 da Lei n. 4.591/64, mormente a constante nos seus §§ 3º e 4º, busca resguardar direitos correspondentes a aquisição das unidades autônomas, evitando-se o enriquecimento sem causa do proprietário do terreno, em cujo favor se operou a rescisão contratual. Impõe-se, assim, a restrição ao poder de negociar a unidade cujo contrato fora objeto de rescisão, garantindo ao seu antigo adquirente o pagamento da respectiva indenização. Cumpre ressaltar que a condição para o reembolso aos adquirentes ocorre desde que tenha havido acréscimo, ou construção, ou investimento no terreno. De outro lado, a partir da leitura do disposto no artigo 43 e seus incisos, especialmente do inciso III, para hipótese de falência do incorporador, tem-se que os dispositivos não são incompatíveis, mas complementares, eis que ambos são sistemas jurídicos de proteção dos adquirentes das unidades autônomas. Mesmo a circunstância da habilitação do adquirente no processo de falência como credor privilegiado não isenta o proprietário do terreno da restrição legal existente sobre o imóvel, ficando condicionada qualquer nova alienação ao pagamento da respectiva indenização. Enfim, a habilitação do crédito do adquirente da unidade autônoma no processo falimentar do incorporador não autoriza que o proprietário do terreno aliene o objeto da rescisão sem que haja o devido pagamento da respectiva indenização, sob pena de seu enriquecimento sem causa. 


REsp 1.537.012-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 20/6/2017, DJe 26/6/2017.

TREINADOR DE FUTEBOL. CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. INSCRIÇÃO. NÃO OBRIGATORIEDADE.

O exercício da profissão de técnico ou treinador profissional de futebol não se restringe aos profissionais graduados em Educação Física, não havendo obrigatoriedade legal de registro junto ao respectivo Conselho Regional. A presente controvérsia diz respeito à obrigatoriedade de inscrição de técnico ou treinador de futebol em Conselho Regional de Educação Física. Inicialmente, verifica-se que a Lei n. 9.696/98 – que dispõe sobre a regulamentação da profissão de Educação Física e cria os respectivos Conselhos Federal e Regionais – determina, em seus arts. 2º e 3º, respectivamente, os profissionais que deverão ser inscritos nos quadros dos Conselhos de Educação Física, bem como suas respectivas competências. Por seu turno, o art. 3º, I, da Lei n. 8.650/1993, ao tratar das relações de trabalho do Treinador Profissional de Futebol, prevê que o exercício dessa profissão fica assegurado preferencialmente, dentre outros, aos profissionais graduados em Educação Física. Com base nesses diplomas legais, o STJ consolidou sua jurisprudência no sentido de que não há nenhum comando normativo que determine a inscrição de treinadores/técnicos de futebol nos Conselhos Regionais de Educação Física. REsp 1.650.759-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 6/4/2017, DJe 1/8/2017.

APOSENTADORIA DE PROFESSOR. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS APÓS A EDIÇÃO DA LEI N. 9.876/99. INCIDÊNCIA DO FATOR PREVIDENCIÁRIO NO CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL – RMI DO BENEFÍCIO.

É legítima a aplicação do fator previdenciário no cálculo da aposentadoria do professor da educação básica, ressalvados os casos em que o segurado tenha completado tempo suficiente para a concessão do benefício antes da edição da Lei n. 9.876/99. Cinge-se a controvérsia à aplicação do fator previdenciário na aposentadoria do professor da educação básica. De início, a atividade do professor era classificada como penosa, sendo o tempo de serviço necessário para a aposentadoria reduzido, como ocorria com outras categorias enquadradas como atividade especial. Entretanto, a partir da vigência da Emenda Constitucional n. 18/81, a atividade de professor deixou de ser considerada especial, passando a ser regida por regra diferenciada, na qual se exige um tempo de serviço menor em relação a outras atividades (redução de 5 anos), desde que comprovado o exclusivo trabalho na função de magistério. Outrossim, a Constituição da República de 1988, em sua redação original, tratou da aposentadoria especial no inciso II do art. 202 e a aposentadoria do professor no inciso III, ou seja, excluiu a atividade de magistério do rol de atividades especiais, garantindo, tão somente, a redução no tempo de serviço, requisito mantido na reforma do Regime Geral de Previdência - RGPS realizada por meio da EC n. 20/98. Com efeito, não sendo a aposentadoria de professor considerada especial nos termos do art. 57 da Lei n. 8.213/91, mas, sim, uma aposentadoria diferenciada devido à redução do tempo de contribuição necessário, não há como afastar a aplicação do fator previdenciário no cálculo do benefício, ressalvados os casos em que o segurado tenha completado tempo suficiente para a concessão do benefício antes da edição da Lei n. 9.876/99. REsp 1.599.097-PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Sérgio Kukina, por maioria, julgado em 20/6/2017, DJe 27/6/2017.

MANUTENÇÃO DA TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE DESACATO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. DIREITOS HUMANOS. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA (PSJCR). DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE NÃO SE REVELA ABSOLUTO. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO PROFERIDA PELA CORTE (IDH). AUSÊNCIA DE FORÇA VINCULANTE. PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES ANTEVISTAS NO ART. 13.2 DO PSJCR. INCOLUMIDADE DO CRIME DE DESACATO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO, NOS TERMOS EM QUE DISPOSTO NO ART. 331 DO CÓDIGO PENAL.

Não há incompatibilidade do crime de desacato (art. 331 do CP) com as normativas internacionais previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH). A questão posta gira em torno de eventual afastamento, em controle de convencionalidade, do crime de desacato (art. 331 do CP) do ordenamento jurídico brasileiro em razão de recomendação expedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), para fins de incidência, ou não, do princípio da consunção na hipótese examinada. Inicialmente, importa destacar, quanto à faceta estruturante do Sistema Interamericano, que são competentes para conhecer das matérias concernentes na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH): a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH). De acordo com o art. 41 da referida Convenção (Pacto de São José da Costa Rica) – da qual o Brasil é signatário – a CIDH possui a função primordial de promover a observância e a defesa dos direitos humanos. Porém, da leitura do dispositivo, é possível deduzir que os verbos relacionados às suas funções não ostentam caráter decisório, mas tão somente instrutório ou cooperativo. Prima facie, depreende-se que a referida comissão não possui função jurisdicional. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, possuindo função jurisdicional e consultiva, de acordo com o art. 2º do seu respectivo Estatuto. Já o art. 68 da aludida norma supralegal prevê que os Estados Partes na Convenção se comprometem a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes, o que denota de forma patente seu caráter vinculante. Acentue-se que as deliberações internacionais de direitos humanos decorrentes dos processos de responsabilidade internacional do Estado podem resultar em: recomendação; decisões quase judiciais e decisão judicial. A primeira revela-se ausente de qualquer caráter vinculante, ostentando mero caráter "moral", podendo resultar dos mais diversos órgãos internacionais. Os demais institutos, porém, situam-se no âmbito do controle, propriamente dito, da observância dos direitos humanos. Desta feita, a despeito do que fora aduzido no inteiro teor do voto proferido no REsp 1.640.084/SP – no sentido de que o crime de desacato é incompatível com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, por afrontar mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão – certo é que as recomendações não possuem força vinculante, mas, na ótica doutrinária, tão somente "poder de embaraço" ou "mobilização da vergonha". Outrossim, cabe ressaltar, não houve nenhuma deliberação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH) sobre eventual violação do direito à liberdade de expressão por parte do Brasil, mas tão somente pronunciamentos emanados pela CIDH. Ainda que assim não fosse, a Corte Interamericana de Direitos já se posicionou acerca da liberdade de expressão, rechaçando tratar-se de direito absoluto. Nessa toada, tem-se que o crime de desacato não pode, sob qualquer viés, seja pela ausência de força vinculante às recomendações expedidas pela CIDH, seja pelo viés interpretativo, ter sua tipificação penal afastada. 



HC 379.269-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Rel. para acórdão Min. Antônio Saldanha Palheiro, por maioria, julgado em 24/5/2017, DJe 30/6/2017.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. CPC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA.

A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência de ação de improbidade administrativa está sujeita ao reexame necessário, com base na aplicação subsidiária do art. 475 do CPC/73 e por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei n. 4.717/65. A divergência tratada envolve definir se é cabível remessa necessária em Ação de Improbidade Administrativa. O acórdão embargado, decidido pela Primeira Turma, entendeu que a ausência de previsão da remessa de ofício não pode ser vista como uma lacuna da Lei de Improbidade que precisa ser preenchida – razão pela qual não há falar em aplicação subsidiária do art. 19 da Lei n. 4.717/65, mormente por ser o reexame necessário instrumento de exceção no sistema processual, devendo, portanto, ser interpretado restritivamente. Por outra via, o acórdão paradigma, da Segunda Turma, adotou entendimento no sentido diametralmente oposto ao admitir o reexame necessário na Ação de Improbidade. Não se desconhece que há decisões no sentido do acórdão embargado, porém prevaleceu o entendimento de que é cabível o reexame necessário na Ação de Improbidade Administrativa, nos termos do art. 475 do CPC/1973. Ademais, por "aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei n. 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário". EREsp 1.220.667-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 24/5/2017, DJe 30/6/2017.

PATRONO NO EXERCÍCIO DE MANDATO DE DEPUTADO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA. ART. 30, II, DA LEI N. 8.906/1994 (ESTATUTO DA OAB). IMPEDIMENTO DO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA CONTRA OU A FAVOR DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO DE QUALQUER ESFERA DE PODER.

O desempenho de mandato eletivo no Poder Legislativo impede o exercício da advocacia a favor ou contra pessoa jurídica de direito público pertencente a qualquer das esferas de governo – municipal, estadual ou federal. Uma das divergências tratadas nos embargos envolve o impedimento de parlamentar para o exercício da advocacia contra ente público diverso daquele ao qual se encontra vinculado, com base na interpretação do art. art. 30, II, da Lei n. 8.906/1994. O acórdão embargado decidiu que esse impedimento deve ser interpretado na sua ampla extensão, de modo a não alcançar outros entes que não aquele ao qual o patrono pertença. Já no aresto indicado como paradigma, entendeu-se que: "todos os membros do Poder Legislativo, independentemente do nível a que pertencerem – municipal, estadual ou federal – são impedidos de exercer a advocacia contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público". Nesse ponto, a divergência é evidente e deve ser resolvida adotando-se o entendimento firmado no acórdão paradigma, na medida em que o art. 30, II, do Estatuto da OAB é categórico ao considerar impedidos para o exercício da advocacia os membros do Poder Legislativo, "em seus diferentes níveis, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público", não havendo qualquer ressalva em sentido contrário. EAREsp 519.194-AM, Rel. Min. Og Fernandes, por unanimidade, julgado em 14/6/2017, DJe 23/6/2017.

CESSÃO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. DIREITO AUTÔNOMO DO CAUSÍDICO. POSSIBILIDADE DE HABILITAÇÃO DO CESSIONÁRIO EM PROCESSO JUDICIAL. REQUISITOS FORMAIS. ESCRITURA PÚBLICA REFERENTE À CESSÃO DE CRÉDITOS E DISCRIMINAÇÃO DO VALOR DEVIDO NO PRECATÓRIO A TÍTULO DE VERBA HONORÁRIA.

O cessionário de honorários advocatícios tem legitimidade para se habilitar no crédito consignado em precatório desde que comprovada a validade do ato de cessão por escritura pública e seja discriminado o valor devido a título de verba honorária no próprio requisitório, não preenchendo esse último requisito a simples apresentação de planilha de cálculo final elaborada pelo Tribunal de Justiça. A questão posta nos autos tem por objetivo solver a divergência existente entre a Quinta Turma do STJ, que assentou ser suficiente para a habilitação do cessionário, no crédito consignado no precatório, a mera planilha de cálculo final apresentada pelo Tribunal de Justiça; e a Corte Especial, que determinou, expressamente, como requisito para a habilitação, a discriminação no precatório do valor devido a título da respectiva verba advocatícia, consoante decidido no REsp 1.102.473-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 27/8/2012, julgado sob o rito dos recursos repetitivos. No acórdão embargado, se asseverou que na cessão de crédito, há legitimidade do causídico para promover a execução da verba honorária, sendo certo que uma vez demonstrada a cessão por escritura, o cessionário detém legitimidade e interesse para prosseguir na execução. Em julgamento de embargos de declaração, a Quinta Turma apontou, ainda, que, embora o valor dos honorários não estivesse especificado no precatório, este se verificaria pela simples leitura da planilha de cálculo final apresentada pelo Tribunal de origem. O acórdão invocado como paradigma, oriundo de julgamento da Corte Especial, cuja conclusão diverge daquela constante no aresto embargado, destaca a exigência quanto à verba honorária, ao afirmar que esta deve encontrar-se devidamente destacada no requisitório, para o fim de ser possível a habilitação do cessionário no crédito do precatório. Como bem se lê do acórdão paradigma, a exigência é de fácil compreensão, ou seja, ela se revela necessária e oportuna, porquanto, inexistindo destaque da verba, não há sobre o que se habilitar o credor. Dessa forma, resolve-se a divergência, a fim de se determinar que, inexistindo destaque da verba honorária no requisitório expedido, descabe a cessão e a consequente habilitação do cessionário nos autos judiciais. EREsp 1.127.228-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, por unanimidade, julgado em 21/6/2017, DJe 29/6/2017.

EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRESCRIÇÃO EXECUTIVA. SÚMULA 150/STF. DEMORA OU DIFICULDADE NO FORNECIMENTO DE FICHAS FINANCEIRAS. HIPÓTESE DE SUSPENSÃO OU INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA APÓS A ENTRADA EM VIGOR DAS MODIFICAÇÕES PROCESSUAIS DA LEI N. 10.444/2002.

A partir da vigência da Lei n. 10.444/2002, que incluiu o § 1º ao art. 604, dispositivo que foi sucedido, conforme Lei n. 11.232/2005, pelo art. 475-B, §§ 1º e 2º, todos do CPC/1973, não é mais imprescindível, para acertamento de cálculos, a juntada de documentos pela parte executada ou por terceiros, reputando-se correta a conta apresentada pelo exequente, quando a requisição judicial de tais documentos deixar de ser atendida, injustificadamente, depois de transcorrido o prazo legal. Assim, sob a égide do diploma legal citado, incide o lapso prescricional, pelo prazo respectivo da demanda de conhecimento (Súmula 150/STF), sem interrupção ou suspensão, não se podendo invocar qualquer demora na diligência para obtenção de fichas financeiras ou outros documentos perante a administração ou junto a terceiros. O tema que se pretende pacificar, mediante o julgamento de recurso representativo de controvérsia, restringe-se a saber de que modo a demora no fornecimento de documentação (no caso, fichas financeiras) em poder da administração pública influi no prazo prescricional de execução de sentença contra a Fazenda Pública. Em primeiro lugar, não se põe em dúvida que o prazo prescricional da execução é o mesmo da ação de conhecimento, consoante dispõe a Súmula 150/STF. Cabe destacar que a interpretação desse enunciado não pode ser feita sem a compreensão de que o procedimento de arbitramento integra o próprio processo de conhecimento. Assim, a prescrição da pretensão executória apenas tem início – quando dependente o título de liquidação (por quaisquer de suas modalidades) – após encontrado o valor exequendo. Esse termo inicial sofreu sensível modificação a partir da alteração da natureza jurídica da "liquidação" por meros cálculos aritméticos. Tais mudanças ocorreram durante o processo de reforma do CPC/1973, capitaneado pelas seguintes legislações: (i) Lei n. 10.444/2002 – que incluiu os §§ 1º e 2º ao art. 604 à sistemática de liquidação da sentença; e (ii) Lei n. 11.232/2005 – que revogou os citados dispositivos, mas transportou a dicção normativa para os §§ 1º e 2º do art. 475-B do CPC/1973. Assim, até a data da vigência da Lei n. 10.444/2002, havia necessidade de, previamente à execução, acertar os cálculos, não se podendo ingressar com o feito sem tal “acertamento”, o qual, muitas vezes, dependia de documentos em poder do próprio executado ou de terceiros. No entanto, após o advento da referida lei, a jurisprudência do STJ – em relação à inércia da parte exequente, para efeito de incidência do prazo prescricional –, passou a encampar a seguinte premissa básica: estando os elementos de cálculo em poder do executado ou de terceiros, o juízo os requisitaria, a pedido do exequente, e, caso não entregues, seria considerada correta a conta apresentada pelo credor. É que, com essa faculdade à disposição do credor, nenhuma outra necessidade de acertamento da conta exequenda restou vigente, não podendo o exequente se escudar em eventual demora para obtenção de documentos, estejam estes em poder do devedor, ou não. Isso porque também foi pacificada nesta Corte a orientação de que “não pode a parte aguardar indeterminadamente que os documentos necessários à elaboração dos cálculos sejam juntados aos autos (...)” e que “nas hipóteses em que o devedor não fornece os documentos necessários para a confecção dos cálculos executivos, aplica-se o art. 475-B, § 2º, do CPC, que autoriza presumir corretos os cálculos apresentados pelo credor.” Desse modo, caso as diligências para obtenção dos dados imprescindíveis ao aparelhamento do feito executivo tenham se esgotado antes da entrada em vigor da Lei n. 10.444/2002, não se pode penalizar o exequente pela desídia do devedor. Todavia, com a vigência do referido diploma legal, o lustro prescricional conta-se doravante, porque, como visto, não tem mais o credor a justificativa de que ainda pende de providência determinada medida para acertamento dos cálculos. REsp 1.336.026-PE, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 28/6/2017, DJe 30/6/2017. (Tema 880)

DEPÓSITO JUDICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. INCLUSÃO. NECESSIDADE. DECRETO-LEI N. 1.737/79.

A correção monetária dos depósitos judiciais deve incluir os expurgos inflacionários. Versa a controvérsia sobre a inclusão dos expurgos inflacionários aos valores depositados judicialmente, a partir de maio de 1989, com o propósito de assegurar a inexigibilidade de crédito tributário, que foram restituídos à parte autora pela Caixa Econômica Federal em novembro de 1996. De início, cumpre anotar que a correção monetária é mecanismo de recomposição do poder de compra da moeda, e não de remuneração de capital, razão pela qual deve sempre representar as alternâncias reais da economia e jamais se prestar à manipulação de instituições financeiras, que, evidentemente, lucram com as importâncias depositadas em seus cofres. Não se confunde, portanto, com os juros, que visam à remuneração do capital. A atualização monetária cuida apenas de preservar o equilíbrio entre os partícipes das relações econômicas, neutralizando os efeitos da inflação. No caso de depósito judicial, a correção monetária do valor depositado não acresce o patrimônio do depositante tampouco causa prejuízo ao depositário, evitando, tão somente, o seu enriquecimento ilícito. Todavia, para que o valor levantado de fato represente as variações do poder aquisitivo da moeda referente ao período do depósito, mister que a atualização seja plena, isto é, que contemple os expurgos inflacionários, porquanto, estes, nada mais são do que o reconhecimento de que os índices de inflação apurados num determinado lapso não corresponderam ao percentual que deveria ter sido utilizado. Saliente-se, ainda, que o entendimento supracitado deve ser aplicado independentemente de o depósito judicial ter sido realizado na vigência do Decreto-Lei n. 1.737/79, que determinava que a atualização monetária, nesses casos, seria feita de acordo com os critérios fixados para os débitos tributários. Conclui-se, por fim, que, se a legislação prevê a atualização monetária do valor depositado, mas os índices escolhidos para tanto não espelham a perda real do montante, é de rigor a incidência dos expurgos inflacionários de modo a evitar o enriquecimento ilícito do depositário. REsp 1.131.360-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, por maioria, julgado em 3/5/2017, DJe 30/6/2017. (Tema 369)