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25/05/2019

CONTAGEM DE PRAZO. ART. 152, § 2°, DA LEI N. 8.069/1990 (INCLUÍDO PELA LEI N. 13.509/2017). DIAS CORRIDOS. INAPLICABILIDADE DA CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS PREVISTA NO ART. 219 DO CPC/2015. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE.

A previsão expressa no ECA da contagem dos prazos nos ritos nela regulados em dias corridos impede a aplicação subsidiária do art. 219 do CPC/2015, que prevê o cálculo em dias úteis. Nos termos do caput do art. 198 do ECA, nos procedimentos regulados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, adotar-se-á o sistema recursal do Código de Processo Civil, com as adaptações da lei especial trazidas nos incisos do citado dispositivo legal. Assim, consoante o texto expresso no inciso II, em todos os recursos, salvo os embargos de declaração, o prazo será decenal e a sua contagem ocorrerá de forma corrida, conforme expressa previsão do art. 152, § 2°, do ECA. Uma vez que existe norma sobre a contagem do prazo em dias corridos na lei especial, não há lacuna a atrair a aplicação subsidiária ou supletiva da regra do Código de Processo Civil, que prevê o cálculo em dias úteis. Eventual conflito na interpretação das leis deve ser solucionado por meio de critérios hierárquico, cronológico ou da especialidade. O Código de Processo Civil não é norma jurídica superior à Lei n. 8.069/1990. O art. 198 do ECA (redação dada pela Lei n. 12.594/2012), por sua vez, não prevalece sobre o art. 152, § 2° (incluído pela Lei n. 13.509/2017), dispositivo posterior que regulou inteiramente a contagem dos prazos. Prepondera, assim, a especialidade, de modo que a regra específica do Estatuto da Criança e do Adolescente impede a incidência do art. 219 do CPC/2015. HC 475.610-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 26/03/2019, DJe 03/04/2019.
Informativo STJ nº647

PRISÃO DOMICILIAR. MÃE DE MENOR DE 12 ANOS OU RESPONSÁVEL POR PESSOA COM DEFICIÊNCIA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. CABIMENTO. ART. 318, V, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL C/C ART. 117, III, DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS. CONSTITUCIONALISMO FRATERNO.

É possível a concessão de prisão domiciliar, ainda que se trate de execução provisória da pena, para condenada com filho menor de 12 anos ou responsável por pessoa com deficiência. Acerca da prisão domiciliar, o Colegiado da Suprema Corte, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus coletivo n. 143.641/SP, concluiu que a norma processual (art. 318, IV e V) alcança a todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, relacionadas naquele writ, bem ainda todas as outras em idêntica condição no território nacional. No referido julgado determinou-se a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas, em todo o território nacional, que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou responsável por pessoas com deficiência, sem prejuízo da aplicação das medidas alternativas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP). No caso, a ré havia sido beneficiada com a conversão da prisão preventiva em domiciliar, mas, diante da confirmação da condenação, foi determinada a expedição do mandado de prisão, para se dar início à execução provisória da pena. Há precedentes desta Corte, contudo, autorizando a concessão de prisão domiciliar mesmo em execução provisória da pena, não se podendo descurar, ademais, que a prisão domiciliar é instituto previsto tanto no art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal, para substituir a prisão preventiva de mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos, quanto no art. 117, inciso III, da Lei de Execuções Penais, que se refere à execução provisória ou definitiva da pena, para condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental. Nesse encadeamento de ideias, uma interpretação teleológica da Lei n. 13.257/2016, em conjunto com as disposições da Lei de Execução Penal, e à luz do constitucionalismo fraterno, previsto no art. 3º, bem como no preâmbulo da Constituição Federal, revela ser possível se inferir que as inovações trazidas pelo novo regramento podem ser aplicadas também à fase de execução da pena. HC 487.763-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 02/04/2019, DJe 16/04/2019.
Informativo STJ nº647

DUPLICIDADE DE COMUNICAÇÃO DE ATOS PROCESSUAIS. INTIMAÇÃO ELETRÔNICA. PREVALÊNCIA. PUBLICAÇÃO EM ÓRGÃO OFICIAL. SUBSIDIARIEDADE. ART. 272 DO CPC/2015.

A intimação eletrônica prevalece sobre a publicação no Diário de Justiça no caso de duplicidade de intimações. Inicialmente, impende consignar que a Lei n. 11.419/2006 - que dispôs sobre a informatização do processo judicial - previu que as intimações serão realizadas por meio eletrônico em portal próprio, dispensando-se a publicação no órgão oficial. O CPC/2015 avançou ao delimitar o tema, prevendo, em seu artigo 272, que, quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial. A partir da perquirição dos dispositivos legais que referenciam o tema, resta evidente que a mens legis pretendeu deixar claro que a regra em relação à comunicação dos atos processuais aos advogados ocorre mediante a intimação por via eletrônica, valorizando-se a informatização dos processos judiciais. A forma preferencial de intimação é o meio eletrônico, admitindo-se, contudo, outra via de comunicação se tal meio for inviável no caso concreto, notadamente ante a existência de questões de índole técnicas, quando, por exemplo, o sistema encontrar-se fora do ar. A referida interpretação protege a confiança dos patronos e jurisdicionados aos atos praticados pelo Poder Judiciário, zelando pelo princípio da presunção de legalidade e da boa-fé processual, evitando, por fim, a indesejável surpresa na condução do processo. AgInt no AREsp 1.330.052-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 26/03/2019, DJe 29/04/2019.
Informativo STJ nº647

TRANSMISSÃO DO VÍRUS HIV. CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. COMPORTAMENTO DE RISCO ASSUMIDO. CULPA DO COMPANHEIRO. RESPONSABILIDADE CIVIL. POSSIBILIDADE.

O companheiro que com seu comportamento assume o risco de transmissão do vírus HIV à parceira responde civilmente pelo dano. Alguns caminhos podem ser sopesados em relação às formas de transmissão do vírus HIV e à sua responsabilização, principalmente pela constatação do dolo ou da culpa do portador, tendo-se como norte o conhecimento ou não de sua condição soropositiva ao manter o relacionamento sexual com o consorte. É no âmbito da culpa, no entanto, que aparecem as maiores digressões sobre o tema na doutrina nacional e no direito comparado, todos chegando à conclusão de que estará configurada a culpa (ou o dolo eventual) do transmissor do vírus da AIDS que, ciente da alta probabilidade de contaminação, notadamente pelo comportamento de risco adotado, mantém relação sexual com sua parceira sem a prevenção adequada. De fato, o parceiro que suspeita de sua condição soropositiva, por ter adotado comportamento sabidamente temerário (vida promíscua, utilização de drogas injetáveis, entre outros), deve assumir os riscos de sua conduta. Conclui-se, assim, que a negligência, incúria e imprudência ressoam evidentes quando o cônjuge/companheiro, ciente de sua possível contaminação, não realiza o exame de HIV (o Sistema Único de Saúde - SUS disponibiliza testes rápidos para a detecção do vírus nas unidades de saúde do país), não informa o parceiro sobre a probabilidade de estar infectado nem utiliza métodos de prevenção, notadamente numa relação conjugal, em que se espera das pessoas, intimamente ligadas por laços de afeto, um forte vínculo de confiança de uma com a outra. REsp 1.760.943-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 19/03/2019, DJe 06/05/2019.
Informativo STJ nº647

AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. RÉU CONDENADO A PRESTAR CONTAS. PRAZO DE 48 HORAS. ART. 915, § 2º, DO CPC/1973. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE A DETERMINA.

O prazo de 48 (quarenta e oito) horas para a apresentação das contas pelo réu, previsto no art. 915, § 2º, do CPC/1973, deve ser computado a partir da intimação do trânsito em julgado da sentença que reconheceu o direito do autor de exigir a prestação de contas. O procedimento da ação de prestação de contas tem como característica, em regra, a existência de duas fases. A primeira delas existe para que o julgador decida sobre a existência ou não da obrigação de o réu prestar contas. Se o julgador decidir que não, o processo encerra-se nesta fase. Contudo, se decidir que sim, será aberta uma segunda fase, que servirá para que o réu propriamente preste as contas pleiteadas pelo autor e para que o julgador avalie se aquele o fez corretamente, reconhecendo a existência de saldo credor ou devedor. A partir da circunstância em que o réu é condenado a prestar contas, ele será intimado a fazê-lo, em 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de não poder impugnar as que forem apresentadas pelo autor. O ponto nodal da discussão é justamente definir o termo inicial desse prazo previsto no art. 915, § 2º, do CPC/1973, para o réu promover a prestação de contas – se a data da própria intimação da sentença ou se a data da intimação do trânsito em julgado da mesma. Vale lembrar que o ato que condena o réu a prestar contas – conquanto não ponha fim ao processo – possui a natureza de sentença, impugnável via recurso de apelação, dotada de efeito suspensivo. Dessa forma, dessume-se que, se o próprio ato é passível de recurso cujo prazo previsto legalmente é de 15 (quinze) dias, não há como se admitir que a prestação de contas deva se dar até 48 (quarenta e oito) horas após a publicação da sentença, sendo mais coerente que o termo inicial seja considerado a data da intimação do trânsito em julgado. REsp 1.582.877-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019.
Informativo STJ nº647

CHEQUES EMPRESTADOS A TERCEIRO. RESPONSABILIDADE DO EMITENTE. DISPOSITIVO LEGAL EXPRESSO. JULGAMENTO COM BASE NO COSTUME E NO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE.

O dever de garantia do emitente do cheque, previsto no art. 15 da Lei n. 7.357/1985, não pode ser afastado com fundamento nos costumes e no princípio da boa-fé objetiva. No caso analisado, o tribunal de origem afastou a responsabilidade do emitente de cheques ao fundamento de que "(...) é prática comum na sociedade brasileira o empréstimo de lâminas de cheque a amigos e familiares, como expressão da informalidade e da solidariedade que marcam nosso povo, e que os comportamentos de boa-fé devem ser protegidos e prestigiados pelo Poder Judiciário (...)". No entanto, na ausência de lacuna, não cabe ao julgador se valer de um costume para afastar a aplicação da lei, sob pena de ofensa ao art. 4º da LINDB, conquanto ele possa lhe servir de parâmetro interpretativo quanto ao sentido e alcance do texto normativo. Noutra toada, no que tange à boa-fé, trata-se de princípio fundamental do ordenamento jurídico com conteúdo valorativo e nítida força normativa, o qual não se confunde com os princípios gerais do direito, mencionados no art. 4º da LINDB, que têm caráter informativo e universal, e finalidade meramente integrativa, servindo ao preenchimento de eventual lacuna normativa. Assim, a flexibilização das normas de regência, à luz do princípio da boa-fé objetiva, não tem o condão de excluir o dever de garantia do emitente do cheque, previsto no art. 15 da Lei n. 7.357/1985, sob pena de se comprometer a segurança na tutela do crédito, pilar fundamental das relações jurídicas desse jaez. REsp 1.787.274-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019.
Informativo STJ nº647

24/05/2019

EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CRITÉRIO DE CONTRATAÇÃO. IDADE DO CLIENTE COM O PRAZO DO CONTRATO. SOMA QUE NÃO ULTRAPASSE 80 ANOS. CONDUTA ABUSIVA DO BANCO. NÃO CONFIGURAÇÃO.

O critério de vedação ao crédito consignado – a soma da idade do cliente com o prazo do contrato não pode ser maior que 80 anos – não representa discriminação negativa que coloque em desvantagem exagerada a população idosa. Ao considerar os aspectos que particularizam regras quanto à contratação ou renovação de crédito consignado por seus clientes, a instituição financeira consignou que a soma da idade do cliente com o prazo do contrato não pode ser maior que 80 anos. Essas são cautelas em torno da limitação do crédito consignado que visam a evitar o superendividamento dos consumidores. A partir da interpretação sistemática do Estatuto do Idoso, percebe-se que o bem jurídico tutelado é a dignidade da pessoa idosa, de modo a repudiar as condutas embaraçosas que se utilizam de mecanismos de constrangimento exclusivamente calcadas na idade avançada do interlocutor. Diante desse cenário, não se encontra discriminação negativa que coloque em desvantagem exagerada a população idosa que pode se socorrer de outras modalidades de acesso ao crédito bancário. Nesse contexto, os elementos admitidos como fator de discriminação, idade do contratante e prazo do contrato, guardam correspondência lógica abstrata entre o fator colocado na apreciação da questão (discrímen) e a desigualdade estabelecida nos diversos tratamentos jurídicos, bem como há harmonia nesta correspondência lógica com os interesses constantes do sistema constitucional e assim positivados (segurança e higidez do sistema financeiro e de suas instituições individualmente consideradas). Vale dizer que a adoção de critério etário para distinguir o tratamento da população em geral é válida quando adequadamente justificada e fundamentada no ordenamento jurídico, sempre atentando-se para a sua razoabilidade diante dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Aliás, o próprio Código Civil se utiliza de critério positivo de discriminação ao instituir, por exemplo, que é obrigatório o regime da separação de bens no casamento da pessoa maior de 70 anos (art. 1.641, II). REsp 1.783.731-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019.
Informativo STJ nº647

DÉBITO FISCAL. LEI N. 11.941/2009. PAGAMENTO À VISTA. REDUÇÃO DE 100% DAS MULTAS MORATÓRIA E DE OFÍCIO. COBRANÇA DE JUROS DE MORA SOBRE OS REFERIDOS ENCARGOS. ILEGALIDADE.

É ilegal a cobrança de juros de mora sobre as multas de mora e de ofício perdoadas no pagamento à vista do débito fiscal de acordo com o art. 1º, § 3º, inciso I da Lei n. 11.941/2009. Salienta-se preliminarmente que na ótica do Fisco, para o pagamento do débito fiscal, deve ser preservado o valor principal mais as multas, elevando-se o montante dos juros de mora devidos, para só então incidir o benefício da Lei n. 11.941/2009, entendimento esse regulamentado no âmbito administrativo pela Portaria Conjunta PGFN/RFB n. 6/2009. Ocorre que o art. 1º, § 3º, I, da Lei n. 11.941/2009, expressamente dispõe que o contribuinte optante pelo pagamento à vista do débito fiscal será beneficiado com redução de 100% (cem por cento) do valor das multas moratória e de ofício. Com o objetivo de estimular a quitação da dívida de uma só vez, o legislador optou por elidir, de imediato, o ônus da multa que recairia sobre o contribuinte, antes da composição final do débito. Procedimento inverso, consistente na apuração do montante total da dívida, mediante o somatório do valor principal com o das multas, para, só então, implementar a redução do percentual, redundaria, ao final, em juros de mora indevidamente embutidos, subvertendo-se o propósito desonerador da lei, em especial se considerada a opção pelo pagamento à vista. Em outras palavras, tal entender conduziria à exigência de juros moratórios sobre multas totalmente perdoadas, o que se revela desarrazoado. Desse modo, a interpretação efetuada pela União por meio da Portaria Conjunta PGFN/RFB n. 6/2009, frustra o objetivo da Lei n. 11.941/2009, que é o de incentivar o pagamento dos débitos tributários à vista ou parceladamente em período mais exíguo (30 meses, ao invés dos 180 meses - art. 3º, § 3º, I e II), desatendendo o interesse público objetivado. A Portaria Conjunta viola a Lei n. 11.941/2009 exatamente porque, perdoadas integralmente as multas de mora e de ofício, os valores a elas correspondentes não podem gerar, em consequência, nenhum reflexo econômico, como exposto no apontado ato normativo, o qual desconsidera a extensão do benefício. Nesse contexto, o cotejo da disposição infralegal com o art. 1º, § 3º, I, da Lei n. 11.941/2009 claramente demonstra a forma de cálculo mais gravosa imposta pelo Fisco, ao arrepio do diploma legal, ao determinar a incidência dos juros de mora, no pagamento à vista do débito, sobre o somatório do valor principal com as multas moratória e de ofício. REsp 1.573.873-PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 25/04/2019, DJe 02/05/2019.
Informativo STJ nº647

AGÊNCIA DE TURISMO CREDENCIADA PARA ATUAR EM OPERAÇÕES DE CÂMBIO. EQUIPARAÇÃO À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ART. 17 DA LEI N. 4.595/1964 (LEI DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL). PODER FISCALIZATÓRIO DO BANCO CENTRAL. SUBMISSÃO.

A agência de turismo devidamente credenciada para efetuar operações de câmbio é equiparada a instituição financeira e subordina-se à regular intervenção fiscalizatória do Bacen. A Lei n. 4.595/1964, que disciplina o Sistema Financeiro Nacional, dispõe competir ao Bacen "atuar no sentido do funcionamento regular do mercado cambial..." (art. 11, III), bem como, privativamente, "exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as medidas previstas" (art. 10, IX). No âmbito desse mesmo diploma, o art. 17, em seu caput, dispõe que "consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros". Na seara dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, o STJ já teve ensejo de decidir que as "pessoas jurídicas que realizam operações de câmbio equiparam-se, pelo art. 1º, inc. I, da Lei n. 7.492/1986, e para os efeitos da lei, às instituições financeiras" (RHC 9.281/PR, Rel. Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 30/10/2000). Conquanto não verse sobre ocorrência de viés penal, mas para bem realçar a relevância do encargo fiscalizatório reservado ao Bacen, a doutrina afirma que "a fiscalização a cargo do Banco Central inclui, ainda, por força do disposto na Lei n. 9.613/1998, a prevenção de ilícitos cambiais e financeiros, definidos, pelo próprio manual, como captação, intermediação e aplicação de recursos próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira que, por suas características, podem ser utilizadas na prática de transações financeiras ilícitas". Assim, nos termos da Lei n. 4.595/1964, a agência de turismo devidamente autorizada pelo Bacen a efetuar operações de câmbio, é equiparada a instituição financeira (art. 17), subordinando-se, em consequência, à regular intervenção fiscalizatória do Bacen (art. 10, IX e 11, III), com a inerente possibilidade de aplicação das sanções administrativas legalmente cominadas. REsp 1.434.625-CE, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 09/04/2019, DJe 15/04/2019.
Informativo STJ nº647

DOSIMETRIA DA PENA. MÚLTIPLAS CONDENAÇÕES ANTERIORES TRANSITADAS EM JULGADO. MAUS ANTECEDENTES. PERSONALIDADE. CONDUTA SOCIAL. VALORAÇÃO NEGATIVA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA.

Eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do agente. Cinge-se a discussão a definir sobre a possibilidade da utilização de múltiplas condenações transitadas em julgado não consideradas para efeito de caracterização da agravante de reincidência (art. 61, I, CP) como fundamento, também, para a exasperação da pena-base, na primeira fase da dosimetria (art. 59, CP), tanto na circunstância judicial "maus antecedentes" quanto na que perquire sua "personalidade". Com efeito, a doutrina, ao esmiuçar os elementos constituintes das circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do Código Penal, enfatiza que a conduta social e a personalidade do agente não se confundem com os antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios – referem-se ao modo de ser e agir do autor do delito –, os quais não podem ser deduzidos, de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu. Trata-se da atuação do réu na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na vizinhança (conduta social), do seu temperamento e das características do seu caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e socioambientais, moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social). Nesse sentido, é possível concluir que constitui uma atecnia entender que condenações transitadas em julgado refletem negativamente na personalidade ou na conduta social do agente. Isso sem contar que é dado ao julgador atribuir o peso que achar mais conveniente e justo a cada uma das circunstâncias judiciais, o que lhe permite valorar de forma mais enfática os antecedentes criminais do réu com histórico de múltiplas condenações definitivas. Observe-se, por fim, que essa novel orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça se alinha também à orientação seguida pela Segunda Turma do Pretório Excelso. EAREsp 1.311.636-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, Terceira Seção, por maioria, julgado em 10/04/2019, DJe 26/04/2019.
Informativo STJ nº647

PREVIDÊNCIA PRIVADA. APOSENTADORIA COMPLEMENTAR. CONCESSÃO. CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL. REGULAMENTO DA ÉPOCA DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO BENEFÍCIO.

O regulamento aplicável ao participante de plano fechado de previdência privada para fins de cálculo da renda mensal inicial do benefício complementar é aquele vigente no momento da implementação das condições de elegibilidade, haja vista a natureza civil e estatutária, e não o da data da adesão, assegurado o direito acumulado. Esse entendimento se aplica a quaisquer das modalidades de planos de benefícios, como os Planos de Benefício Definido (BD), os Planos de Contribuição Definida (CD) e os Planos de Contribuição Variável (CV). Sob a égide da Lei n. 6.435/1977 (arts. 34, § 1º, e 42, IV) ou da Lei Complementar n. 108/2001 (arts. 4º e 6º) e da Lei Complementar n. 109/2001 (arts. 17 a 22), sempre foi permitida à entidade fechada de previdência privada alterar os regulamentos dos planos de custeio e de benefícios como forma de manter o equilíbrio atuarial das reservas e cumprir os compromissos assumidos diante das novas realidades econômicas e de mercado que vão surgindo ao longo do tempo. É por isso que periodicamente há adaptações e revisões dos planos de benefícios a conceder, incidindo as modificações a todos os participantes do fundo de pensão após a devida aprovação pelos órgãos competentes (regulador e fiscalizador), observado, em qualquer caso, o direito acumulado de cada aderente, que na previsão do art. 15, parágrafo único, da Lei Complementar n. 109/2001 "corresponde às reservas constituídas pelo participante ou à reserva matemática, o que lhe for mais favorável". Assim, não há falar em direito adquirido, mas em mera expectativa de direito do participante, à aplicação das regras de concessão da aposentadoria suplementar quando de sua admissão ao plano, sendo apenas assegurada a incidência das disposições regulamentares vigentes na data em que cumprir todos os requisitos exigidos para obtenção do benefício, tornando-o elegível. Esse entendimento está positivado nos arts. 17, parágrafo único, e 68, § 1º, da Lei Complementar n. 109/2001. Tendo em vista a natureza sui generis do contrato de previdência privada (quer civil e estatutária, quer contrato de conteúdo dinâmico com aquisição sucessiva de direitos), conclui-se que, para fins de cálculo da renda mensal inicial da suplementação de aposentadoria, devem ser aplicadas as normas do regulamento em vigor na ocasião em que o participante implementou todas as condições de elegibilidade do benefício, ou seja, em que adquiriu o direito, sendo descabida a pretensão revisional para fazer incidir fórmula não mais vigente, prevista em regulamento da época da adesão ao plano, quando o que reinava era apenas a mera expectativa de direito. Ademais, tal entendimento se aplica a quaisquer das modalidades de planos de benefícios, como os Planos de Benefício Definido (BD), os Planos de Contribuição Definida (CD) e os Planos de Contribuição Variável (CV). Efetivamente, apesar de nos planos BD haver a predeterminação do valor dos benefícios, sendo variáveis as contribuições, isso não significa que o fator fixo estabelecido de antemão não possa ser alterado para outro patamar, assegurado o direito acumulado de cada participante, já que, no regime fechado de previdência privada, o direito adquirido somente se aperfeiçoa no momento em que o participante cumprir os requisitos para a fruição do benefício previdenciário. E tal compreensão não modifica a natureza da obrigação, que continua a ser de garantia (de pagamento do benefício de prestação programada e continuada). É que o núcleo de intangibilidade contratual se iguala, na Previdência Complementar Fechada, ao próprio direito acumulado do participante. É por isso que o resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas poderá ser equacionado, "dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador" (art. 21, § 1º, da Lei Complementar n. 109/2001). REsp 1.435.837-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por maioria, julgado em 27/02/2019, DJe 07/05/2019.
Informativo STJ nº647

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEITA BRUTA - CPRB. LEI N. 12.546/2011. INCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO. IMPOSSIBILIDADE.

Os valores de ICMS não integram a base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta - CPRB, instituída pela Medida Provisória n. 540/2011, convertida na Lei n. 12.546/2011. Cumpre recordar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em regime de repercussão geral, o RE n. 574.706/PR, assentou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS nas bases de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS. Entendeu o Plenário da Corte, por maioria, que o valor de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos. Aliás, o STF já expandiu esse posicionamento para as demandas envolvendo a inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta - CPRB (RE 1.089.337/PB AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 14/05/2018 e RE 1.015.285/RS AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 17.08.2018). Assinale-se, por oportuno, que, no período compreendido entre a instituição da contribuição pela MP n. 540, de 03/08/2011, e 30/11/2015, o regime de tributação, pela receita bruta, das pessoas jurídicas especificadas, foi impositivo, a comprová-lo os termos claramente imperativos empregados nos arts. 7º e 8º dos sucessivos diplomas legais disciplinadores (cf. "a contribuição devida pelas empresas [...] incidirá"; "contribuirão sobre a receita bruta [...]"). A opção pelo regime de tributação sobre a folha de salário ou sobre a receita bruta foi franqueada aos contribuintes somente a partir de 1º/12/2015, pela Lei n. 13.161/2015 (arts. 1º e 7º, I), ao prever que as empresas, cujas atividades foram contempladas, poderiam contribuir sobre o valor da receita bruta, diretriz mantida na Lei n. 13.670/2018, a qual estendeu a prerrogativa até 31/12/2020. Conquanto atualmente eletiva a sistemática de tributação, tal faculdade não elide os fundamentos do apontado precedente judicial de aplicação obrigatória, segundo os quais, como mencionado, os valores correspondentes ao ICMS são ingressos transitórios, que não constituem faturamento ou receita da empresa, estranhos, portanto, ao critério normativo definidor da composição da base de cálculo das contribuições. Noutro vértice, não bastasse a impossibilidade de incluir o ICMS na base de cálculo da CPRB, esta, ainda assim, não estaria adstrita à hipótese de substituição tributária. De fato, tal entendimento ressente-se de previsão legal específica. Isso porque, para o Fisco, a lei, ao prever a não inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB para o substituto tributário, estaria a autorizar, automaticamente, a sua inclusão em todas as demais hipóteses, em interpretação equivocada que olvida a necessidade de norma expressa para a fixação da base de cálculo, em consonância com o princípio da legalidade tributária (arts. 150, I, CR, e 97, IV, do CTN). A rigor, portanto, mesmo em se tratando de substituição tributária, revela-se duplamente inviável a inclusão do tributo estadual na base de cálculo da contribuição em foco, quer pela ausência da materialidade da hipótese de incidência (receita bruta), quer pela previsão legal nesse sentido (art. 9º, § 7º, da Lei n. 12.546/2011). REsp 1.624.297-RS, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 10/04/2019, DJe 26/04/2019.
Informativo STJ nº647

10/05/2019

EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. HONORÁRIOS EM FAVOR DO EXECUTADO. DESCABIMENTO. CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA DO EXEQUENTE.

A prescrição intercorrente por ausência de localização de bens não retira o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para o exequente. A questão envolve interpretação do art. 85 do CPC/2015 em processo que foi extinto por prescrição intercorrente. Na hipótese, houve apelação apenas dos advogados da devedora, em nome próprio, postulando a condenação do credor em honorários de sucumbência. No entanto, a consumação da prescrição intercorrente, segundo o entendimento hoje estabelecido na 2ª Seção do STJ, não mais depende da inércia do devedor em dar andamento à execução do processo, após para tanto intimado. A prescrição intercorrente decorre de fato objetivo, o mero decurso do tempo sem a localização de bens penhoráveis. Com efeito, o fato de o exequente não localizar bens do devedor não pode significar mais uma penalidade em desfavor daquele que, embora tenha decisão meritória favorável, não vem a obter êxito prático com o processo. Do contrário, o devedor que não apresentou bens suficientes ao cumprimento da obrigação ainda sairia vitorioso na lide, fazendo jus à verba honorária em prol de sua defesa, o que se revelaria teratológico, absurdo, aberrante. Ademais, tem-se que o sistema processual civil consagra os princípios da efetividade (art. 4º), da boa-fé processual (art. 5º) e da cooperação (art. 6º), tudo no intento de que a prestação jurisdicional seja não somente rápida e correta, mas também eficaz, efetiva. Assim, a responsabilidade pelo pagamento de honorários e custas deve ser fixada com base no princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa à instauração do processo deve suportar as despesas dele decorrentes. REsp 1.769.201-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por unanimidade, julgado em 12/03/2019, DJe 20/03/2019.
Informativo STJ nº646

PLANO DE SAÚDE. CONTRATO COLETIVO COM MENOS DE TRINTA USUÁRIOS. RESILIÇÃO UNILATERAL. NECESSIDADE DE MOTIVO IDÔNEO. AGRUPAMENTO DE CONTRATOS. LEI N. 9.656/1998. RESOLUÇÕES ANS 195/2009 E 309/2012.

É vedada à operadora de plano de saúde a resilição unilateral imotivada dos contratos de planos coletivos empresariais com menos de trinta beneficiários. A Lei n. 9.656/1998 distinguiu três espécies de regime ou tipo de contratação de plano ou seguro de assistência à saúde: individual ou familiar, coletivo empresarial e coletivo por adesão (art. 16, inc. VII, alíneas "a", "b" e "c", com a redação da Medida Provisória n. 2.177/41/2001). A distinção entre os planos individuais ou familiares e as contratações de natureza coletiva concebida pela Lei n. 9.566/1998 e RN - ANS 195/2009 teve por objetivo conferir maior proteção aos titulares de planos individuais, diante da posição de maior vulnerabilidade do consumidor singularmente considerado e, também, inserir mecanismo destinado a permitir que, nos contratos coletivos, a pessoa jurídica contratante exerça o seu poder de barganha na fase de formação do contrato, presumindo-se que o maior número de pessoas por ela representadas desperte maior interesse da operadora do plano de saúde. Ao interpretar as referidas normas , a jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que o artigo 13, parágrafo único, II, da Lei n. 9.656/1998, que veda a resilição unilateral dos contratos de plano de saúde, não se aplica às modalidades coletivas, desde que exista previsão contratual, tenha decorrido doze meses da vigência do contrato e a operadora notifique o usuário com no mínimo de 60 dias de antecedência. No caso em exame, todavia, a despeito de se tratar de plano de saúde coletivo empresarial, a estipulante é empresa de pequeno porte, encontrando-se filiadas ao contrato de plano de saúde apenas cinco pessoas. Nessa espécie de contrato, o reduzido número de filiados imporia que a eventual necessidade de tratamento dispendioso por parte de um ou de poucos deles seja dividida apenas entre eles, ensejando a incidência de elevados reajustes no valor das mensalidades e, em consequência, a excessiva onerosidade para o usuário suportar a manutenção do plano de saúde, inclusive em decorrência da reduzida a margem de negociação da empresa estipulante. Essas circunstâncias tornam as bases atuariais dos contratos de planos de saúde coletivos semelhantes às das modalidades individual ou familiar, sendo essa a razão pela qual a Diretoria Colegiada da ANS, atenta a essas particularidades, editou a Resolução 309, de 24.10.2012, estabelecendo regras de agrupamento de contratos com menos de trinta usuários, quantidade que instituiu como o vetor para apuração do reajuste das mensalidades de cada um dos planos agrupados. Assim, para os contratos de planos de saúde coletivos, com menos de 30 usuários, não se admite a simples rescisão unilateral pela operadora de plano de saúde por simples notificação destituída de qualquer fundamentação. REsp 1.776.047-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por unanimidade, julgado em 23/04/2019, DJe 25/04/2019.
Informativo STJ nº646

SOCIEDADE LIMITADA. DISTRATO DA PESSOA JURÍDICA. EXTINÇÃO DA SOCIEDADE. EQUIPARAÇÃO À MORTE DA PESSOA NATURAL. SUCESSÃO DOS SÓCIOS. APURAÇÃO. PROCEDIMENTO DE HABILITAÇÃO PREVISTO NOS ARTS. 1.055 E SEGUINTES DO CPC/1973 (ARTS. 687 E 692 DO CPC/2015). DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INADEQUAÇÃO.

A sucessão civil e processual dos sócios de sociedade limitada, extinta por meio do distrato, poderá ser efetivada por meio do procedimento de habilitação, mas não pela via da desconsideração da personalidade jurídica. A Terceira Turma reconheceu a possibilidade de sucessão da empresa limitada extinta por seus sócios. Na ocasião, assentou-se a premissa jurídica de que a extinção da pessoa jurídica por meio do distrato se assemelhava à morte da pessoa natural, o que justificaria a sucessão civil e processual dos sócios para dar seguimento à demanda em que a pessoa extinta era credora e ocupava o polo ativo da demanda. Ademais, a extinção da sociedade empresária ou civil deve ser precedida da liquidação de seu patrimônio, com apuração de ativo e quitação do passivo, apurando-se o saldo que eventualmente será distribuído entre os sócios. Apenas na hipótese em que a sociedade liquidada tenha resultado em patrimônio líquido positivo, com sua liquidação e efetiva distribuição entre os sócios, seria possível a sucessão da empresa, pois tratando-se a pessoa jurídica dissolvida de devedora da obrigação de direito material, a aplicação do regramento próprio da extinção da pessoa natural, resultaria na possibilidade de sucessão e responsabilização dos sucessores tão somente no limite das forças do patrimônio transferido. Isso porque a sucessão de obrigações causa mortis somente se dá nos limites da força da herança, conforme disposições dos arts. 943 e 1.792 do Código Civil. De fato, ao serem desvinculadas da pessoa, as obrigações têm sua garantia geral de adimplemento no patrimônio pessoal do devedor, de forma que o patrimônio de terceiros somente poderá ser alcançado em casos legal ou contratualmente previstos. Portanto, mesmo no caso de extinção da pessoa, seja ela natural ou jurídica, é o patrimônio remanescente que deverá suportar o cumprimento das obrigações existentes à data da abertura da sucessão. Não se pode olvidar que a sociedade, empresarial ou civil, não é dotada de uma autonomia patrimonial absoluta. A separação entre patrimônio e interesses dos sócios e da sociedade comporta uma gradação, de modo que não se pode simplificar o tratamento das obrigações societárias à mera analogia com a pessoa natural. Assim, diferentemente do que acontece com a morte da pessoa natural, que sujeita tão somente o acervo hereditário ao cumprimento das obrigações patrimoniais do de cujus, a extinção da pessoa jurídica pode sujeitar também o patrimônio pessoal dos sócios, de alguns ou de todos eles, ao cumprimento das obrigações remanescentes. A sucessão processual de empresa dissolvida somente será cabível contra os sócios ilimitadamente responsáveis ou, quando não houver, contra os demais sócios, porém, limitadamente ao ativo por eles partilhados em razão da liquidação societária. Essa apuração deverá ser efetivada por meio do procedimento de habilitação previsto nos arts. 1.055 do CPC/1973 (arts. 687 a 692 do CPC/2015), no qual se exige a citação dos requeridos e a oportunidade de dilação probatória antes da decisão de deferimento da sucessão. Por fim, é preciso deixar bem claro que a sucessão da empresa extinta não tem nenhuma afinidade com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que ela não é via cabível para promover a inclusão dos sócios em demanda judicial, da qual a sociedade era parte legítima, sendo medida excepcional para os casos em que verificada a utilização abusiva da pessoa jurídica. REsp 1.784.032-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 02/04/2019, DJe 04/04/2019.
Informativo STJ nº646

HABEAS CORPUS. MATÉRIA NÃO CRIMINAL. RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. PRAZO DE 5 DIAS. ART. 30 DA LEI N. 8.038/1990. PRAZO ESPECÍFICO. LEI ESPECIAL. CPC/2015. INAPLICABILIDADE.

O prazo para interposição de recurso ordinário em habeas corpus, ainda que se trate de matéria não criminal, é de 5 dias. O art. 1.003, § 5º, do CPC/2015, afirma que "excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias" e o art. 994, V, do CPC/2015, afirma ser o recurso ordinário uma modalidade recursal sujeita à disciplina pelo CPC/2015. Ocorre que é preciso também examinar o conteúdo do art. 1.027, II, "a" e "b", do CPC/2015, que delimita, especificamente, as hipóteses em que o recurso ordinário constitucional se submeterá, do ponto de vista procedimental, ao regime recursal instituído pelo CPC/2015. Percebe-se, pois, que o CPC/2015 excluiu de sua regência o recurso ordinário em habeas corpus, não tendo o legislador sequer realizado a ressalva de que o CPC/2015 se aplicaria, por exemplo, aos recursos ordinários em habeas corpus de matéria não criminal (prisões decorrentes de obrigações alimentares, acolhimentos institucionais, etc.), o que poderia demonstrar o eventual desejo consciente de tratar, de modo distinto, os recursos ordinários em habeas corpus cíveis e criminais. Ademais, como se percebe do art. 1.072, IV, do CPC/2015, foram textualmente revogados alguns artigos específicos da Lei n. 8.078/1990, não havendo, contudo, menção à revogação do art. 30 do mesmo diploma legal. Não se pode olvidar, que esta Corte tem precedente no sentido de que a Lei n. 8.038/1990 não foi integralmente revogada pelo CPC/2015, de modo que permanecem em vigor as regras não expressamente excluídas do ordenamento jurídico. Diante desse cenário, é preciso concluir que o prazo para interposição de recurso ordinário em habeas corpus, ainda que se trate de matéria não criminal, continua sendo de 5 dias, nos termos do vigente art. 30 da Lei n. 8.038/1990, lei especial que prevalece, no particular, sobre a lei geral. RHC 109.330-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 09/04/2019, DJe 12/04/2019.
Informativo STJ nº646

SECONDARY MEANING, SIGNIFICAÇÃO SECUNDÁRIA OU DISTINTIVIDADE ADQUIRIDA. DIREITO DE EXCLUSIVIDADE. MITIGAÇÃO.

A aquisição de distintividade de marca não gera como decorrência lógica, direta e automática a exclusividade de seu uso. A teoria da distintividade adquirida (da significação secundária, ou secondary meaning), segundo doutrina, contempla que sinais a princípio desprovidos de distintividade suficiente para obterem proteção jurídica pelo registro podem adquirir tal propriedade a partir do momento em que seu uso ou divulgação ocorra com tal intensidade ou por tanto tempo que o público tenha se habituado a associar o signo a uma determinada origem de bens ou serviços, mesmo em condições que, em abstrato, vedariam seu registro por ausência de distinguibilidade. Em outros termos: significação secundária é o fenômeno que ocorre em relação a algum signo de caráter genérico ou comum, geralmente alguma expressão dicionarizada, que, dada a perspectiva criada no consumidor ao longo de um largo tempo de uso, passa a adquirir eficácia distintiva suficiente, a ponto de possibilitar seu registro como marca (com fundamento na parte final do inciso IV do art. 124 da Lei de Propriedade Industrial). Saliente-se que de acordo com o que se pode depreender do Acordo TRIPs (promulgado pelo Decreto n. 1.355/1994), o efeito derivado do reconhecimento de eventual caráter distintivo de algum sinal originariamente desprovido dessa característica, em decorrência do uso, relaciona-se unicamente com a possibilidade de registro. Assim, a exclusividade de uso não constitui decorrência lógica, direta e automática do reconhecimento da aquisição de distintividade pela marca. Inexiste disposição legal específica a esse respeito, tampouco entendimento jurisprudencial albergando a postulação deduzida, de modo que se impõe ter em consideração as circunstâncias usualmente analisadas para decidir sobre a possibilidade ou não de convivência entre marcas em aparente conflito. REsp 1.773.244-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 02/04/2019, DJe 05/04/2019.
Informativo STJ nº646

AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS. ALIENAÇÃO DO IMÓVEL A TERCEIRO. PAGAMENTO DO DÉBITO CONDOMINIAL PELO TERCEIRO INTERESSADO. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. NATUREZA AMBULATÓRIA (PROPTER REM). NÃO ENQUADRAMENTO.

Honorários de sucumbência decorrentes de ação de cobrança de cotas condominiais não possuem natureza propter rem. Registre-se, inicialmente, que as obrigações dos condôminos perante o condomínio são ordinariamente qualificadas como ambulatórias (propter rem), de modo que, decorrendo as respectivas prestações da mera titularidade do direito real sobre o imóvel, incidirão sobre a coisa e irão acompanhá-la em todas as suas mutações subjetivas. Essa, aliás, é a compreensão que se extrai da leitura do art. 1.345 do CC/2002: "o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios". Assim, a obrigação de pagar os débitos em relação ao condomínio se transmite automaticamente, isso é, ainda que não seja essa a intenção do alienante e mesmo que o adquirente não queira assumi-la. O sentido dessa norma é, por certo, fazer prevalecer o interesse da coletividade, permitindo que o condomínio receba, a despeito da transferência de titularidade do direito real sobre o imóvel, as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum, impondo ao adquirente, para tanto, a responsabilidade, inclusive, pelas cotas condominiais vencidas em período anterior à aquisição. Daí se conclui que a obrigação de pagar as verbas de sucumbência, ainda que sejam elas decorrentes de sentença proferida em ação de cobrança de cotas condominiais, não pode ser qualificada como ambulatória (propter rem) e, portanto, não pode ser exigida do novo proprietário do imóvel sobre o qual recai o débito condominial. Em primeiro lugar, porque tal obrigação não está expressamente elencada no rol do art. 1.345 do CC/2002, até mesmo por não se prestar ao custeio de despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum. Em segundo lugar, porque, no que tange aos honorários de sucumbência, esta Corte, à luz do que dispõe o art. 23 do Estatuto da OAB, consolidou o entendimento de que constituem direito autônomo do advogado, de natureza remuneratória. Trata-se, portanto, de dívida da parte vencida frente ao advogado da parte vencedora, totalmente desvinculada da relação jurídica estabelecida entre as partes da demanda. REsp 1.730.651-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 09/04/2019, DJe 12/04/2019.
Informativo STJ nº646

CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS. CRÉDITO SUFICIENTEMENTE IDENTIFICADO. NEGÓCIO FIDUCIÁRIO. PERFECTIBILIZAÇÃO. TÍTULO REPRESENTATIVO DO CRÉDITO. DESNECESSIDADE.

Na cessão fiduciária de direitos creditórios, para a perfectibilização do negócio fiduciário, o correlato instrumento deve indicar, de maneira precisa, o crédito objeto de cessão e não os títulos representativos do crédito. Dos termos dos arts. 18, IV, e 19, I, da Lei n. 9.514/1997, ressai que a cessão fiduciária sobre títulos de créditos opera a transferência da titularidade dos créditos cedidos. Ou seja, o objeto da cessão fiduciária são os direitos creditórios que hão de estar devidamente especificados no instrumento contratual, e não o título, o qual apenas os representa. A exigência de especificação do título representativo do crédito, como requisito formal à conformação do negócio fiduciário, além de não possuir previsão legal – o que, por si, obsta a adoção de uma interpretação judicial ampliativa – cede a uma questão de ordem prática incontornável. Por ocasião da realização da cessão fiduciária, afigura-se absolutamente possível que o título representativo do crédito cedido não tenha sido nem sequer emitido, a inviabilizar, desde logo, sua determinação no contrato. Registre-se, inclusive, que a Lei n. 10.931/2004, que disciplina a cédula de crédito bancário, é expressa em admitir que a cessão fiduciária em garantia da cédula de crédito bancário recaia sobre um crédito futuro (a performar), o que, per si, inviabiliza a especificação do correlato título (já que ainda não emitido). REsp 1.797.196-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 09/04/2019, DJe 12/04/2019.
Informativo STJ nº646

IMÓVEL DOADO AOS FILHOS. CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE. MORTE DOS DOADORES. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A MANUTENÇÃO DA RESTRIÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE. CANCELAMENTO DA CLÁUSULA. POSSIBILIDADE.

É possível o cancelamento da cláusula de inalienabilidade de imóvel após a morte dos doadores se não houver justa causa para a manutenção da restrição ao direito de propriedade. O Superior Tribunal de Justiça, ainda sob a vigência do CC/1916, teve a oportunidade de interpretar o art. 1.676 do referido Código com ressalvas, admitindo-se o cancelamento da cláusula de inalienabilidade nas hipóteses em que a restrição, no lugar de cumprir sua função de garantia de patrimônio aos descendentes, representava lesão aos seus legítimos interesses. Nesse sentido, a imobilização do bem nas mãos dos donatários poderá não lhes garantir a subsistência, seja porque a própria função social do imóvel objeto do negócio a título gratuito resta por todo combalida, assumindo-se uma posição "antieconômica", com a sua retirada do mercado por dilargadas décadas, cristalizando-o no patrimônio de quem dele não mais deseja ser o seu proprietário. Assim, o atual Código Civil, no art. 1.848, passou a exigir que o instituidor da inalienabilidade, nos casos de testamento, indique expressamente uma justa causa para a restrição imposta, operando verdadeira inversão na lógica existente sob a égide do CC de 1916. Há de se exigir que o doador manifeste razoável justificativa para a imobilização de determinado bem em determinado patrimônio, sob pena de privilegiarem-se excessos de proteção ou caprichos desarrazoados. Segundo a doutrina, "o que determina a validade da cláusula não é mais a vontade indiscriminada do testador, mas a existência de justa causa para a restrição imposta voluntariamente pelo testador. Pode ser considerada justa causa a prodigalidade, ou a incapacidade por doença mental, que diminuindo o discernimento do herdeiro, torna provável que esse dilapide a herança". Nesse contexto, o ato intervivos de transferência de bem do patrimônio dos pais aos filhos configura adiantamento de legítima e, com a morte dos doadores, passa a ser legítima propriamente dita. Não havendo justo motivo para que se mantenha congelado o bem sob a propriedade dos donatários, todos maiores, que manifestam não possuir interesse em manter sob o seu domínio o imóvel, há de se cancelar as cláusulas que o restrigem. REsp 1.631.278-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 19/03/2019, DJe 29/03/2019.
Informativo STJ nº646

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA. RECLAMAÇÃO. CABIMENTO.

Em recurso ordinário em mandado de segurança, o exercício de juízo de admissibilidade por tribunais federais e estaduais caracteriza usurpação de competência do Superior Tribunal de Justiça, sendo cabível reclamação. Nos termos do art. 105, II, b, da Constituição Federal, o STJ é o órgão competente para o julgamento de recursos ordinários interpostos contra acórdãos denegatórios proferidos em mandado de segurança de competência originária dos tribunais federais e estaduais. Todavia, o procedimento desses recursos no STJ não era detalhado pela Lei n. 12.016/2009, que regula o mandado de segurança, tampouco pelo CPC/1973. Diante da omissão legislativa e observando a natureza jurídica do referido recurso, que se identificava com a do recurso de apelação, porque ambos são consectários diretos do duplo grau de jurisdição, esta Corte Superior firmou o entendimento de que ao recurso ordinário era aplicável, analogicamente, o procedimento previsto no CPC/1973 para julgamento de apelações cíveis. Nessa trilha, caberia ao órgão a quo, no recebimento dos recursos ordinários, o exame prévio da sua admissibilidade à simetria do previsto no art. 518 do CPC/1973. Somente após a decisão pelo recebimento do recurso é que os autos eram então remetidos ao STJ para julgamento de mérito. Contudo, o atual sistema processual, além de alterar o procedimento para processamento e julgamento das apelações, dispõe também de forma específica acerca do processamento dos recursos ordinários nos arts. 1.027 e 1.028 do CPC/2015. Segundo o novo regramento legal, o duplo grau de jurisdição não se sujeita ao exame prévio de admissibilidade pelo órgão de origem. Isso porque o legislador, além de eliminar a possibilidade de o juiz negar seguimento à apelação, foi expresso em determinar a imediata remessa dos autos do recurso ordinário ao juízo ad quem. É o que se depreende do art. 1.208, §§ 2º e 3º do CPC/2015. Diante da disposição expressa e atual, não remanesce nenhuma dúvida acerca da competência exclusiva desta Corte Superior para analisar o preenchimento dos requisitos essenciais à admissibilidade do recurso ordinário, bem como para apreciação de seu mérito. Portanto, caracterizada a usurpação de competência deste Superior Tribunal de Justiça no que toca ao exercício do juízo de admissibilidade em recurso ordinário em mandado de segurança, o qual fora realizado pelo Tribunal a quo, sendo viável o manejo de reclamação. Rcl 35.958-CE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 10/04/2019, DJe 12/04/2019.
Informativo STJ nº646

CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS DESTINADAS A TERCEIROS. SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS. DESTINAÇÃO DO PRODUTO. SUBVENÇÃO ECONÔMICA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. INEXISTÊNCIA.

As entidades dos serviços sociais autônomos não possuem legitimidade passiva nas ações judiciais em que se discute a relação jurídico-tributária entre o contribuinte e a União e a repetição de indébito das contribuições sociais recolhidas. A Segunda Turma do STJ decidiu pela legitimidade passiva das entidades destinatárias das contribuições sociais recolhidas, antigamente, pelo INSS e, atualmente, após a Lei n. 11.457/2007, pela Secretaria da Receita Federal. No precedente apontado como paradigma para a Primeira Turma do STJ, "as entidades do chamado Sistema "S" não possuem legitimidade para compor o polo passivo ao lado da Fazenda Nacional". Há de se ressaltar que "os serviços sociais autônomos integrantes do denominado Sistema "S", vinculados a entidades patronais de grau superior e patrocinados basicamente por recursos recolhidos do próprio setor produtivo beneficiado, ostentam natureza de pessoa jurídica de direito privado e não integram a Administração Pública, embora colaborem com ela na execução de atividades de relevante significado social. São meros destinatários de parte das contribuições sociais instituídas pela União, parcela nominada, via de regra, de "adicional à alíquota" (art. 8º da Lei n. 8.029/1990), cuja natureza jurídica, contudo, é de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE, que, por opção política, tem um percentual a eles (serviços sociais) destinado como espécie de receita para execução das políticas correlatas a cada um. O repasse da arrecadação da CIDE caracteriza uma transferência de receita corrente para pessoas jurídicas de direito privado (arts. 9º e 11 da Lei n. 4.320/1964). É, assim, espécie de subvenção econômica (arts. 12, §§ 2º e 3º, e 108, II, da Lei n. 4.320/1964). Após o repasse, os valores não mais têm a qualidade de crédito tributário; são, a partir de então, meras receitas dos serviços sociais autônomos, como assim qualifica a legislação (arts. 15 e 17 Lei n. 11.080/2004 e art. 13 da Lei n. 10.668/2003). Estabelecida essa premissa, é necessário dizer que o direito à receita decorrente da subvenção não autoriza a conclusão pela existência de litisconsórcio unitário, pois os serviços autônomos, embora sofram influência (financeira) da decisão judicial a respeito da relação tributária, como pessoas jurídicas de direito privado, não têm interesse jurídico quanto à relação jurídico-tributária da qual se origina a base de cálculo dos valores repassados. O interesse, sob esse ângulo, é reflexo e meramente econômico, até porque, se os serviços prestados são relevantes à União, esta se utilizará de outra fonte para manter a subvenção para caso a relação jurídico-tributária entre contribuinte e ente federado seja declarada inexistente. De outro lado, basta notar que eventual ausência do serviço social autônomo no polo passivo da ação não gera nenhum prejuízo à defesa do tributo que dá ensejo à subvenção. EREsp 1.619.954-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 10/04/2019, DJe 16/04/2019.
Informativo STJ nº646

SERVIDOR PÚBLICO. ÁREA DA SAÚDE. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS REMUNERADOS. LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. REQUISITO ÚNICO. AFERIÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

A acumulação de cargos públicos de profissionais da área de saúde, prevista no art. 37, XVI, da CF/1988, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais. A Primeira Seção desta Corte Superior vinha reconhecendo a impossibilidade de acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos privativos de profissionais da área de saúde quando a jornada de trabalho for superior a 60 (sessenta) horas semanais. Estabeleceu-se que, apesar de a Constituição Federal permitir o exercício de atividades compatíveis em questão de horário, deve o servidor gozar de boas condições físicas e mentais para o desempenho de suas atribuições, em observância ao princípio administrativo da eficiência, razão pela qual seria coerente a fixação do limite de 60 (sessenta) horas semanais, a partir do qual a acumulação seria vedada. Contudo, ambas as Turmas que compõem o Supremo Tribunal Federal têm reiteradamente se posicionado "[...] no sentido de que a acumulação de cargos públicos de profissionais da área de saúde, prevista no art. 37, XVI, da CF/88, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais previsto em norma infraconstitucional, pois inexiste tal requisito na Constituição Federal" (RE 1.094.802 AgR, Relator Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 11/5/2018, DJe 24/5/2018). De fato, o único requisito estabelecido para a acumulação é a compatibilidade de horários no exercício das funções, cujo cumprimento deverá ser aferido pela administração pública. Assim, a orientação atualmente vigente deve ser superada, passando a alinhar-se com o entendimento do STF sobre a matéria. REsp 1.767.955-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, por unanimidade, julgado em 27/03/2019, DJe 03/04/2019.