O juiz, ao proferir sentença
penal condenatória, no momento de fixar o valor mínimo para a
reparação dos danos causados pela infração (art. 387, IV, do CPP),
pode, sentindo-se apto diante de um caso concreto, quantificar, ao
menos o mínimo, o valor do dano moral sofrido pela vítima, desde que
fundamente essa opção. De fato, a legislação penal
brasileira sempre buscou incentivar o ressarcimento à vítima. Essa
conclusão pode ser extraída da observação de algumas regras do CP:
a) art. 91, I - a obrigação de reparar o dano é um efeito da
condenação; b) art. 16 - configura causa de diminuição da pena o
agente reparar o dano ou restituir a coisa ao ofendido; c) art. 65,
III, "b" - a reparação do dano configura atenuante genérica, etc.
Mas, apesar de incentivar o ressarcimento da vítima, a regra em
nosso sistema judiciário era a separação de jurisdição, em que a
ação penal destinava-se à condenação do agente pela prática da
infração penal, enquanto a ação civil tinha por objetivo a reparação
do dano. No entanto, apesar de haver uma separação de jurisdição, a
sentença penal condenatória possuía o status de título
executivo judicial, que, no entanto, deveria ser liquidado perante a
jurisdição civil. Com a valorização dos princípios da economia e
celeridade processual e considerando que a legislação penal
brasileira sempre buscou incentivar o ressarcimento à vítima, surgiu
a necessidade de repensar esse sistema, justamente para que se possa
proteger com maior eficácia o ofendido, evitando que o alto custo e
a lentidão da justiça levem a vítima a desistir de pleitear a
indenização civil. Dentro desse novo panorama, em que se busca dar
maior efetividade ao direito da vítima em ver ressarcido o dano
sofrido, a Lei n. 11.719/2008 trouxe diversas alterações ao CPP,
dentre elas, o poder conferido ao magistrado penal de fixar um valor
mínimo para a reparação civil do dano causado pela infração penal,
sem prejuízo da apuração do dano efetivamente sofrido pelo ofendido
na esfera cível. No Brasil, embora não se tenha aderido ao sistema
de unidade de juízo, essa evolução legislativa, indica, sem dúvidas,
o reconhecimento da natureza cível da verba mínima para a condenação
criminal. Antes da alteração legislativa, a sentença penal
condenatória irrecorrível era um título executório incompleto,
porque embora tornasse certa a exigibilidade do crédito, dependia de
liquidação para apurar o quantum devido. Assim, ao impor ao
juiz penal a obrigação de fixar valor mínimo para reparação dos
danos causados pelo delito, considerando os prejuízos sofridos pelo
ofendido, está-se ampliando o âmbito de sua jurisdição para
abranger, embora de forma limitada, a jurisdição cível, pois o juiz
penal deverá apurar a existência de dano civil, não obstante
pretenda fixar apenas o valor mínimo. Dessa forma, junto com a
sentença penal, haverá uma sentença cível líquida que, mesmo
limitada, estará apta a ser executada. E quando se fala em sentença
cível, em que se apura o valor do prejuízo causado a outrem, vale
lembrar que, além do prejuízo material, também deve ser observado o
dano moral que a conduta ilícita ocasionou. E nesse ponto, embora a
legislação tenha introduzido essa alteração, não regulamentou nenhum
procedimento para efetivar a apuração desse valor nem estabeleceu
qual o grau de sua abrangência, pois apenas se referiu à "apuração
do dano efetivamente sofrido". Assim, para que se possa definir
esses parâmetros, deve-se observar o escopo da própria alteração
legislativa: promover maior eficácia ao direito da vítima em ver
ressarcido o dano sofrido. Assim, considerando que a norma não
limitou nem regulamentou como será quantificado o valor mínimo para
a indenização e considerando que a legislação penal sempre priorizou
o ressarcimento da vítima em relação aos prejuízos sofridos, o juiz
que se sentir apto, diante de um caso concreto, a quantificar, ao
menos o mínimo, o valor do dano moral sofrido pela vítima, não
poderá ser impedido de o fazer. REsp 1.585.684-DF, Rel. Min. Maria Thereza
de Assis Moura, julgado em 9/8/2016, DJe 24/8/2016.
Tá Difícil? Quer por assunto?! 💡INFORMATIVOS STJ, POR ASSUNTO. Os informativos são divididos de forma a sistematizar os assuntos tratados na Constituição Federal, leis e doutrinas. Por: Karla Viviane Ribeiro Marques e Allan dos Anjos Moura Marques. *Observar atualizações no site do STJ
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19/08/2016
DIREITO PENAL. CONTEÚDO DO DOLO NO CRIME DE GESTÃO TEMERÁRIA.
Está presente o dolo
do delito de gestão temerária (art. 4º, parágrafo único, da
Lei n. 7.492/1986) na realização, por alguma das
pessoas mencionadas no art. 25 da Lei n. 7.492/1986, de atos que
transgridam, voluntária e conscientemente, normas específicas
expedidas pela CVM, CMN ou Bacen. Desde logo, frise-se que,
de acordo com a jurisprudência do STJ, o delito de gestão temerária
somente admite a forma dolosa, tendo em conta a inexistência de
previsão expressa da modalidade culposa, nos termos do art. 18,
parágrafo único, do CP (AgRg no REsp 1.205.967-SP, Quinta Turma, DJe
15/9/2015; e PExt no RHC 7.982-RJ, Quinta Turma, DJ 9/9/2002).
Admitida a constitucionalidade do tipo penal, a saída que se
apresenta, para compreendê-lo como válido, é submetê-lo a uma
"interpretação conforme" à Constituição, através de uma redução
teleológica do seu campo de incidência. Para tanto, é preciso
afastar da incidência da norma penal os casos que se encontrem
cobertos pelo risco permitido na esfera da atividade financeira.
Desse modo, a contrario sensu, deve-se entender que o tipo
penal de gestão temerária pressupõe a violação de deveres
extrapenais. Inicialmente, destaque-se que, nos termos do art. 153
da Lei n. 6.404/1976 (Lei das S.A.) - aplicável às instituições
financeiras privadas, pois, por força do art. 24 da Lei n.
4.595/1964, à exceção das cooperativas de crédito, todas elas
deverão constituir-se sob a forma de sociedade anônima - "o
administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas
funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo
costuma empregar na administração dos seus próprios negócios". Esse
princípio, aliás, também se acha estatuído no art. 1.011 do CC. São
as primeiras diretrizes a indicar o que é uma gestão responsável -
e, portanto, não temerária - de uma sociedade qualquer. Mais do que
cuidado e diligência, quem lida profissionalmente com bens, valores
ou dinheiro alheio tem de possuir o conhecimento técnico adequado.
Tais normas, porém, são ainda muito genéricas para serem utilizadas
como critério de determinação do risco proibido. É preciso examinar
as regras específicas, veiculadas por órgãos como o CMN, o Bacen e a
CVM, para perquirir se os administradores das instituições
financeiras superaram o risco admitido pelas normas pressupostas
pelo tipo penal. E tal violação às normas de regência da atividade
financeira tem de ser dolosa. Mas é preciso que se compreenda
exatamente qual é o conteúdo do dolo de que deve estar imbuído o
agente. A temeridade da gestão (art. 4º, parágrafo único, da Lei n.
7.492/1986) é elemento valorativo global do fato (Roxin), e, como
tal, sua valoração é de competência exclusiva da ordem jurídica, e
não do agente. Para a caracterização do elemento subjetivo do delito
não é necessária a vontade de atuar temerariamente; o que se exige é
que o agente, conhecendo as circunstâncias de seu agir, transgrida
voluntariamente as normas regentes da sua condição de administrador
da instituição financeira. O que deve ser comprovado é a
"consciência e vontade da inobservância dos cuidados obrigatórios,
segundo as regras do Banco Central" (HC 87.440-GO, Primeira Turma,
DJ 2/3/2007) ou, de outros entes reguladores da atividade
financeira. É irrelevante se o agente considera que age
temerariamente. REsp 1.613.260-SP, Rel. Min. Maria Thereza
de Assis Moura, julgado em 9/8/2016, DJe 24/8/2016.
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA QUE AUTORIZA PLANO DE SAÚDE A INDEFERIR PROCEDIMENTOS MÉDICO-HOSPITALARES.
Em contrato de plano de
assistência à saúde, é abusiva a cláusula que preveja o
indeferimento de quaisquer procedimentos médico-hospitalares quando
solicitados por médicos não cooperados. O contrato de plano
de saúde, além da nítida relação jurídica patrimonial que, por meio
dele, se estabelece, reverbera também caráter existencial,
intrinsecamente ligado à tutela do direito fundamental à saúde do
usuário, o que coloca tal espécie contratual em uma perspectiva de
grande relevância no sistema jurídico pátrio. No âmbito da
legislação, a Lei n. 9.656/1998 - a qual versa sobre os planos e
seguros privados de assistência à saúde - preconiza, logo no art.
1º, I, o seu escopo. É com clareza meridiana que se infere da
legislação de regência a preponderância do zelo ao bem-estar do
usuário em face do viés econômico da relação contratual. Até porque
não se pode olvidar que há, nesse contexto, uma atenta e imperativa
análise dos ditames constitucionais, que, por força hierárquica,
estabelecem o direto à saúde como congênito. Assim está previsto na
CF, especificamente em seu art. 196. Consoante doutrina a respeito
do tema, conquanto a Carta da República se refira, por excelência,
ao Poder Público, sabe-se que a eficácia do direito fundamental à
saúde ultrapassa o âmbito das relações travadas entre Estado e
cidadãos - eficácia vertical -, para abarcar as relações jurídicas
firmadas entre os cidadãos, limitando a autonomia das partes, com o
intuito de se obter a máxima concretização do aspecto existencial,
sem, contudo, eliminar os interesses materiais. Suscita-se, pois, a
eficácia horizontal do direito fundamental à saúde, visualizando a
incidência direta e imediata desse direito nos contratos de plano de
saúde. Todavia, o que se nota, muitas vezes, no âmbito privado, é a
colisão dos interesses das partes, ficando, de um lado, as
operadoras do plano de saúde - de caráter eminentemente patrimonial
- e, de outro, os usuários - com olhar voltado para sua
subsistência. Assim, para dirimir os conflitos existentes no
decorrer da execução contratual, há que se buscar, nesses casos, o
diálogo das fontes, que permite a aplicação simultânea e
complementar de normas distintas. Por isso, é salutar, nos contratos
de plano de saúde, condensar a legislação especial (Lei n.
9.656/1998), especialmente com o CDC, pois, segundo o entendimento
doutrinário, esse contrato configura-se como um "contrato cativo e
de longa duração, a envolver por muitos anos um fornecedor e um
consumidor, com uma finalidade em comum, que é assegurar para o
usuário o tratamento e ajudá-lo a suportar os riscos futuros
envolvendo a sua saúde". Assim, diante da concepção social do
contrato, aquele que declara algo referente ao negócio que está
prestes a concluir deve responder pela confiança que a outra parte
nele depositou ao contratar. Isso porque o direito dos contratos
assume a função de realizar a equitativa distribuição de direitos e
deveres entre os contratantes, buscando atingir a justiça
contratual, a qual se perfectibiliza, pois, na exata equivalência
das prestações ou sacrifícios suportados pelas partes, bem como na
proteção da confiança e da boa-fé de ambos os contratantes. Embora
seja conduta embasada em cláusulas contratuais, nota-se que as
práticas realizadas pela operadora do plano de saúde, sobretudo
negar as solicitações feitas por médicos não cooperados, mostram-se
contrárias ao permitido pela legislação consumerista. Naquela
situação em que o usuário busca o médico de sua confiança, mas
realiza os exames por ele solicitados em instalações da rede
credenciada, não há prejuízo nenhum para a cooperativa, haja vista
que o valor da consulta foi arcado exclusivamente pelo usuário, sem
pedido de reembolso. Indeferir a solicitação de qualquer
procedimento hospitalar requerido por médico não cooperado estaria
afetando não mais o princípio do equilíbrio contratual, mas o da
boa-fé objetiva. De fato, exames, internações e demais procedimentos
hospitalares não podem ser obstados aos usuários cooperados
exclusivamente pelo fato de terem sido solicitados por médico
diverso daqueles que compõem o quadro da operadora, pois isso
configura não apenas discriminação do galeno, mas também tolhe tanto
o direito de usufruir do plano contratado como a liberdade de
escolher o profissional que lhe aprouver. Com isso, não resta dúvida
da desproporcionalidade da cláusula contratual que prevê o
indeferimento de quaisquer procedimentos médico-hospitalares se
estes forem solicitados por médicos não cooperados, devendo ser
reconhecida como cláusula abusiva. A nulidade dessas cláusulas
encontra previsão expressa no art. 51, IV, do CDC. Por fim, convém
analisar conjuntamente o art. 2º, VI, da Res. n. 8/1998 do Conselho
de Saúde Suplementar ("Art. 2° Para adoção de práticas referentes à
regulação de demanda da utilização dos serviços de saúde, estão
vedados: [...] VI - negar autorização para realização do
procedimento exclusivamente em razão do profissional solicitante não
pertencer à rede própria ou credenciada da operadora") com o art.
1º, II, da Lei n. 9.656/1998 ("Art. 1º Submetem-se às disposições
desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos
de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação
específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de
aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:
[...] II - Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa
jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou
comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere
produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo").
Com efeito, é explícita a previsão legislativa que considera defeso
a negativa de autorização para a realização de procedimentos
exclusivamente em razão de o médico solicitante não pertencer à rede
da operadora. Apesar de ter sido suprimido o trecho do referido art.
2º, que mencionava a palavra "cooperada" ao se referir à rede de
atendimentos, ainda assim permanece o óbice dessa prática, haja
vista que o legislador ordinário se utilizou de expressão mais
ampla, mantendo a inclusão, nos termos do art. 1º, II, da Lei n.
9.656/1998, da cooperativa. REsp 1.330.919-MT, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 2/8/2016, DJe 18/8/2016.
DIREITO CIVIL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE REAVER VERBAS PAGAS A TÍTULO DE BENEFÍCIO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR INDEVIDAMENTE APROPRIADAS POR TERCEIRO.
É trienal o prazo
prescricional da pretensão de entidade de previdência privada
complementar de reaver verbas relativas a benefício indevidamente
apropriadas por terceiro. A questão diz respeito ao prazo
de prescrição, se seria de 5 ou de 3 anos. O prazo quinquenal
disposto no art. 75 da LC n. 109/2001 (que dispõe sobre o Regime de
Previdência Complementar e dá outras providências) refere-se à
relação jurídica existente entre a entidade de previdência
complementar e o segurado ou o beneficiário, e não a terceiro.
Ressalte-se que, assim como nas ações envolvendo seguro - para as
quais o entendimento do STJ é no sentido de que o prazo
prescricional é ânuo, mas apenas entre o segurado e o segurador, não
relativamente a um terceiro -, da mesma forma, na hipótese em que há
um terceiro (e não segurado ou beneficiário), a regra do mencionado
art. 75 da LC n. 109/2001, específica para a relação previdenciária,
não se aplica, mas sim a regra trienal do enriquecimento ilícito
prevista no CC, lei geral. Assim, sendo a demanda específica de
ressarcimento de enriquecimento sem causa, é de se aplicar a regra
do art. 206, § 3º, IV, do CC (prescrição trienal), e não a da LC n.
109/2001. REsp 1.334.442-RS, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 7/6/2016,
DJe 22/8/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TERMO INICIAL DO PRAZO PARA OFERECIMENTO DE RESPOSTA PELO DEVEDOR FIDUCIANTE EM AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE BEM.
Em ação de busca e apreensão
de bem alienado fiduciariamente, o termo inicial para a contagem do
prazo de 15 dias para o oferecimento de resposta pelo devedor
fiduciante é a data de juntada aos autos do mandado de citação
devidamente cumprido, e não a data da execução da medida liminar.
A partir da edição da Lei n. 10.931/2004, o § 3° do art. 3°
do DL n. 911/1969 passou a prever que: "O devedor fiduciante
apresentará resposta no prazo de quinze dias da execução da
liminar." Veja-se que o legislador elegeu a execução da liminar como
termo inicial de contagem do prazo para a apresentação de resposta
pelo réu. Em relação a esse aspecto, como bem
acentuado por doutrina, "a lei não fala em citação, e essa omissão
suscita questionamento quanto ao termo inicial do prazo, seja para
purgação da mora ou para resposta do réu". De fato, conquanto a nova
lei seja efetivamente omissa a respeito da citação, tal ato é
imprescindível ao desenvolvimento válido e regular do processo,
visto que somente a perfeita angularização da relação processual é
capaz de garantir à parte demandada o pleno exercício do
contraditório, sobretudo porque a ação de que ora se cuida,
diversamente do procedimento cautelar previsto no art. 839 e
seguintes do CPC/1973, "constitui processo autônomo e independente
de qualquer procedimento posterior" (art. 3º, § 8º, do DL n.
911/1969). Assim, concedida a liminar inaudita altera
parte, cumpre ao magistrado determinar a expedição de mandados
visando à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente e à
citação do réu, assinalando-se, nesse último, o prazo de 15 (quinze)
dias para resposta. No entanto, em se tratando de ato citatório,
deve tal norma ser interpretada em conjunto com o disposto no art.
241, II, do CPC/1973, segundo o qual começa a correr o prazo, quando
a citação for por oficial de justiça, da data de juntada aos autos
do respectivo mandado devidamente cumprido. Em doutrina, defende-se
que "[...] o termo inicial para a contagem do prazo de 15 dias não é
a 'execução da liminar', tendo-se em conta a necessidade de
interpretar-se o art. 3º, § 3º do Dec.-lei 911/1969 sistematicamente
com as regras insculpidas no Código de Processo Civil (macrossistema
instrumental), mais precisamente o art. 241, II c/c art. 184, § 2º.
Outra não pode ser a interpretação conferida à hipótese vertente,
seja pelas regras de hermenêutica aplicáveis, como também por
questões de lógica, bom senso e praticidade, pois, se assim não for,
tornar-se-á muito frágil a maneira de contagem desse prazo, dando
azo à incidência de dúvidas (indesejáveis) em importante seara do
processo. Conclui-se, portanto, que a contagem do prazo de quinze
dias para oferecimento de resposta, em ação especial de busca e
apreensão fundada em propriedade fiduciária tem o dies a quo a
partir da juntada aos autos do mandado liminar (e citatório)
devidamente cumprido, excluindo-se, para tanto, o dia do começo
(primeiro dia útil após), incluindo o do vencimento". REsp 1.321.052-MG, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, julgado em 16/8/2016, DJe 26/8/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESE DE ILEGITIMIDADE PARA PLEITEAR O RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA.
O filho, em nome próprio, não
tem legitimidade para deduzir em juízo pretensão declaratória de
filiação socioafetiva entre sua mãe - que era maior, capaz e, ao
tempo do ajuizamento da ação, pré-morta - e os supostos pais
socioafetivos dela. Em regra, a ação declaratória do estado
de filho, conhecida como investigação de paternidade, é apenas uma
espécie do gênero declaratória de estado familiar, podendo ser
exercida por quem tenha interesse jurídico em ver reconhecida sua
condição de descendente de uma determinada estirpe, apontando a
outrem uma ascendência parental, caracterizadora de parentesco em
linha reta, que o coloca na condição de herdeiro necessário. Ocorre
que, segundo dispõe o art. 1.606 do CC, "a ação de prova de filiação
compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele
morrer menor ou incapaz", sendo inegável, portanto, que a lei
confere legitimidade diretamente ao filho para vindicar o
reconhecimento do vínculo de parentesco, seja ele natural ou
socioafetivo - a qual não é concorrente entre as gerações de graus
diferentes -, podendo ser transferida aos filhos ou netos apenas de
forma sucessiva, na hipótese em que a ação tiver sido iniciada pelo
próprio filho e não tiver sido extinto o processo, em consonância
com a norma inserta no parágrafo único do mesmo dispositivo legal
("Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la,
salvo se julgado extinto o processo"). Decorre da norma legal em
comento que o estado de filiação - além de se caracterizar como um
direito indisponível, em função do bem comum maior a proteger, e
imprescritível, podendo ser reconhecido a qualquer tempo - é uma
pretensão que só pode ser buscada pela pessoa que detém a aptidão
para isso, uma vez que a legislação pátria atribui a essa tutela a
natureza de direito personalíssimo, o qual somente se extingue com a
morte civil. Pondere-se que a aptidão do filho da genitora só se
justificaria se, ao tempo do óbito, ela se encontrasse incapaz, sem
apresentar nenhum indício de capacidade civil ou de que estaria em
condições de expressar livremente sua vontade. Nesse diapasão,
verifica-se a existência de doutrina que comenta o art. 1.606 do CC
no sentido de que "o referido comando legal limita o direito de
herdeiros postularem o direito próprio do de cujus, a não
ser que este tenha falecido menor ou incapaz. Não limita, e se o
fizesse seria inconstitucional, o direito próprio do herdeiro". Na
mesma linha intelectiva, importa destacar entendimento doutrinário
de que "morrendo o titular da ação de filiação antes de tê-la
ajuizado, segundo a atual legislação em vigor, claramente
discriminatória, faltará aos seus sucessores legitimidade para
promovê-la, sucedendo, pelo texto da lei, induvidosa carência de
qualquer ação de investigação de paternidade promovida por
iniciativa dos herdeiros do filho que não quis em vida pesquisar a
sua perfilhação". Desse modo, por todos os fundamentos expendidos,
impõe-se reconhecer, no caso em tela, a ilegitimidade do filho da
genitora, pré-morta, resguardando-se a ele, na esteira dos
precedentes do STJ, e se assim o desejar, o direito de ingressar com
outra demanda em nome próprio. REsp 1.492.861-RS, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 2/8/2016, DJe 16/8/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INEXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO FUNDADA EM LEI NÃO RECEPCIONADA PELA CONSTITUIÇÃO.
Ainda que tenha havido o
trânsito em julgado, é inexigível a obrigação reconhecida em
sentença com base exclusivamente em lei não recepcionada pela
Constituição. Fundado o título judicial exclusivamente na
aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo STF
como incompatíveis com a CF, é perfeitamente permitido o
reconhecimento da inexigibilidade da obrigação na própria fase de
execução. Por outro lado, fundada a sentença em preceitos outros,
decorrentes, por exemplo, da interpretação da legislação civil ou
das disposições constitucionais vigentes, a obrigação é
perfeitamente exigível, só podendo ser suprimida a partir da
rescisão do título pelas vias ordinárias, sob pena de restar
configurada grave ofensa à eficácia preclusiva da coisa julgada
material. Isso porque, a partir da entrada em vigor da Lei n.
11.232/2005, que incluiu, no CPC/1973, o art. 475-L, passou a
existir disposição expressa e cogente assegurando ao executado
arguir, em impugnação ao cumprimento de sentença, a inexigibilidade
do título judicial. Essa norma, diga-se de passagem, foi
reproduzida, com pequeno ajuste técnico na terminologia empregada,
no art. 525 do CPC/2015. REsp 1.531.095-SP, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016, DJe 16/8/2016.
18/08/2016
DIREITO DO CONSUMIDOR. TERMO INICIAL DO PRAZO DE PERMANÊNCIA DE REGISTRO DE NOME DE CONSUMIDOR EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO.
O termo inicial do prazo de
permanência de registro de nome de consumidor em cadastro de
proteção ao crédito (art. 43, § 1º, do CDC) inicia-se no dia
subsequente ao vencimento da obrigação não paga, independentemente
da data da inscrição no cadastro. Quanto ao início da
contagem do prazo de 5 anos a que se refere o § 1º do art. 43 do
CDC, vale ressaltar que - não obstante mencionada, em alguns
julgados do STJ, a indicação de que esse prazo passaria a contar da
"data da inclusão" do nome do devedor (conforme constou, por
exemplo, da decisão monocrática proferida no REsp 656.110-RS, DJ
19/8/2004) ou "após o quinto ano do registro" (expressão que aparece
no REsp 472.203-RS, Segunda Seção, DJ 23/6/2004) - o termo inicial
do prazo previsto no § 1º do art. 43 nunca foi o cerne da discussão
desses precedentes, merecendo, portanto, melhor reflexão. É verdade
que não constou do § 1º do art. 43 do CDC regra expressa sobre o
início da fluência do prazo relativo ao "período superior a cinco
anos". Entretanto, mesmo em uma exegese puramente literal da norma,
é possível inferir que o legislador quis se referir, ao utilizar a
expressão "informações negativas referentes a período superior a
cinco anos", a "informações relacionadas, relativas, referentes a
fatos pertencentes a período superior a cinco anos", conforme
ressalta entendimento doutrinário. E, sendo assim, em linha
doutrinária, conclui-se que "o termo inicial de contagem do prazo
deve ser o da data do ato ou fato que está em registro e não a data
do registro, eis que, se assim fosse, aí sim a lei estaria
autorizando que as anotações fossem perpétuas", pois "bastaria que
elas passassem de um banco de dados para outro ou para um banco de
dados novo". Ademais, o CDC, lei de ordem pública, por expressa
disposição em seu art. 1º, deve ser interpretado sempre de maneira
mais favorável ao consumidor. Nesse sentido, parece que a
interpretação que mais se coaduna com o espírito do Código e,
sobretudo, com os fundamentos para a tutela temporal do devedor, aí
incluído o direito ao esquecimento, é a que considera como termo
a quo do quinquênio a data do fato gerador da informação
arquivada. De fato, a partir de interpretação literal, lógica,
sistemática e teleológica do enunciado normativo do § 1º do art. 43
do CDC, conclui-se que o termo a quo do quinquênio deve
levar em consideração a data do fato gerador da informação
depreciadora. Nessa perspectiva, defende-se, doutrinariamente, que
"o termo inicial da contagem do prazo deve coincidir com o momento
em que é possível efetuar a inscrição da informação nos bancos de
dados de proteção ao crédito: o dia seguinte à data do vencimento da
dívida" - data em que se torna possível a efetivação do apontamento
negativo -, salientando-se, ainda, que "o critério é objetivo, pois
não pode ficar submetido à vontade do banco de dados ou do
fornecedor, sob pena de esvaziar, por completo, o propósito legal de
impedir consequências negativas, como a denegação do crédito, em
decorrência de dívidas consideradas - legalmente - antigas e
irrelevantes". REsp 1.316.117-SC, Rel. Min. João Otávio
de Noronha, Rel. para acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
julgado em 26/4/2016, DJe 19/8/2016.
17/08/2016
DIREITO CIVIL E DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HIPÓTESE DE IMPOSSIBILIDADE DE AÇÃO DE ADOÇÃO CONJUNTA TRANSMUDAR-SE EM AÇÃO DE ADOÇÃO UNILATERAL POST MORTEM.
Se, no curso da ação de
adoção conjunta, um dos cônjuges desistir do pedido e outro vier a
falecer sem ter manifestado inequívoca intenção de adotar
unilateralmente, não poderá ser deferido ao interessado falecido o
pedido de adoção unilateral post mortem.
Tratando-se de adoção em conjunto, um cônjuge não pode
adotar sem o consentimento do outro. Caso contrário, ferirá normas
basilares de direito, tal como a autonomia da vontade, desatendendo,
inclusive, ao interesse do adotando (se menor for), já que questões
como estabilidade familiar e ambiência saudável estarão seriamente
comprometidas, pois não haverá como impor a adoção a uma pessoa que
não queira. Daí o porquê de o consentimento ser mútuo. Na hipótese
de um casamento, se um dos cônjuges quiser muito adotar e resolver
fazê-lo independentemente do consentimento do outro, haverá de
requerê-lo como se solteiro fosse. Mesmo assim, não poderia proceder
à adoção permanecendo casado e vivendo no mesmo lar, porquanto não
pode o Judiciário impor ao cônjuge não concordante que aceite em sua
casa alguém sem vínculos biológicos. É certo que, mesmo quando se
trata de adoção de pessoa maior, o que pressupõe a dispensa da
questão do lar estável, não se dispensa a manifestação conjunta da
vontade. Não fosse por isso, a questão ainda passa pela adoção
post mortem. Nesse aspecto, a manifestação da vontade
apresentar-se-á viciada quando o de cujus houver expressado
a intenção de adotar em conjunto, e não isoladamente. Isso é muito
sério, pois a adoção tem efeitos profundos na vida de uma pessoa,
para além do efeito patrimonial. Não se pode dizer que o falecido
preteriria o respeito à opinião e vontade do cônjuge ou companheiro
supérstite e a permanência da harmonia no lar, escolhendo adotar. O
STJ vem decidindo que a dita filiação socioafetiva não dispensa ato
de vontade manifesto do apontado pai/mãe de reconhecer juridicamente
a relação de parentesco (REsp 1.328.380-MS, Terceira Turma, DJe
3/11/2014). Assim, sendo a adoção ato voluntário e personalíssimo,
exceto se houver manifesta intenção deixada pelo de cujus
de adotar, o ato não pode ser constituído. REsp 1.421.409-DF, Rel. Min. João Otávio
de Noronha, julgado em 18/8/2016, DJe 25/8/2016.
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DE DIREITOS AUTORAIS DECORRENTES DE EVENTO EXECUTADO POR SOCIEDADE EMPRESÁRIA CONTRATADA MEDIANTE LICITAÇÃO.
No caso em que sociedade
empresária tenha sido contratada mediante licitação para a execução
integral de evento festivo promovido pelo Poder Público, a
contratada - e não o ente que apenas a contratou, sem colaborar
direta ou indiretamente para a execução do espetáculo - será
responsável pelo pagamento dos direitos autorais referente às obras
musicais executadas no evento, salvo se comprovada a ação culposa do
contratante quanto ao dever de fiscalizar o cumprimento dos
contratos públicos (culpa in eligendo ou in
vigilando). No julgamento da ADC 16-DF (Tribunal
Pleno, DJe 8/9/2011), o STF declarou a constitucionalidade do art.
71 da Lei n. 8.666/1993, cujo caput dispõe que: "O
contratado é responsável pelos encargos trabalhistas,
previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do
contrato". Ressalte-se que, nesse julgamento, prevaleceu a tese de
que a análise do caso poderia implicar a responsabilização
subsidiária do Poder Público pelos encargos trabalhistas, sobretudo
na hipótese de ação culposa da Administração quanto ao dever de
fiscalizar o cumprimento dos contratos públicos (culpa in
eligendo ou in vigilando). No mesmo sentido, os
seguintes precedentes do STF: AgR na Rcl 16.846-SC, Primeira Turma,
DJe 4/8/2015; e AgR na Rcl 17.618-RS, Segunda Turma, DJe 20/3/2015.
A norma em comento, conquanto examinada pelo STF apenas quanto aos
encargos trabalhistas, também veda a transferência à Administração
Pública da responsabilidade pelo pagamento dos encargos comerciais.
De acordo com o § 4º do art. 68 da Lei n. 9.610/1998, previamente à
realização da execução pública de obras musicais, o empresário -
expressão aqui entendida como o responsável pela realização do
evento - deve apresentar ao ECAD a comprovação dos recolhimentos
relativos aos direitos autorais, competindo à referida entidade, em
caso de descumprimento dessa obrigação, exercer seu ofício
arrecadatório nos moldes do art. 99 do mesmo diploma legal, em juízo
ou fora dele. No entanto, a obrigatoriedade desse recolhimento,
ainda que por expressa previsão legal, não retira a natureza
eminentemente privada da relação obrigacional, sobretudo porque em
análise apenas a vertente patrimonial dos direitos do autor. Desse
modo, em se tratando da cobrança de direitos cuja natureza jurídica
é eminentemente privada, decorrente da execução pública de obras
musicais sem prévia autorização do autor ou titular, consideram-se
perfeitamente inseridos no conceito de "encargos [...] comerciais"
os valores cobrados pelo ECAD. Ademais, a expressão "encargos [...]
comerciais", contida no art. 71 da Lei n. 8.666/1993, deve ser
interpretada da forma mais ampla possível, de modo a abranger todos
os custos inerentes à execução do contrato celebrado mediante prévio
procedimento licitatório. Nessa perspectiva, conforme entendimento
doutrinário, "quando a Administração contrata e paga a empresa ou o
profissional para o fornecimento de bens, para a prestação de
serviços ou para a execução de obras, ela transfere ao contratado
toda e qualquer responsabilidade pelos encargos decorrentes da
execução do contrato. Ao ser apresentada a proposta pelo licitante,
ele, portanto, irá fazer incluir em seu preço todos os encargos, de
toda e qualquer natureza. Desse modo, quando o poder público paga ao
contratado o valor da remuneração pela execução de sua parte na
avença, todos os encargos assumidos pelo contratado estão sendo
remunerados. Não cabe, portanto, querer responsabilizar a
Administração, por exemplo, pelos encargos assumidos pelo contratado
junto aos seus fornecedores". A única exceção está expressamente
prevista no § 2º do art. 71 da Lei n. 8.666/1993, segundo o qual a
Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos
encargos previdenciários resultantes da execução do contrato. Fora
dessa específica hipótese, não há falar em responsabilidade
solidária. Assim ocorre até mesmo como meio necessário à garantia de
tratamento isonômico entre os concorrentes do certame licitatório e
à seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, visto
que, se fosse possível exigir tais encargos do próprio ente público
a posteriori, esses resultados não seriam alcançados. Com
efeito, o tratamento isonômico cederia lugar à desonestidade daquele
concorrente que não faz incluir determinados encargos em sua
proposta, enfraquecendo o caráter competitivo da licitação, ao passo
que a certeza quanto à seleção da proposta mais vantajosa ficaria
condicionada ao efetivo adimplemento dos encargos pelo contratado, o
que não se pode admitir em procedimentos dessa natureza. Nos tempos
atuais, em que os procedimentos licitatórios têm reiteradamente
servido à prática de atos ilícitos e ao desvio de dinheiro público,
avulta a importância de se definir de maneira precisa a extensão das
normas que regem o processo de licitação. Resta aferir se o art. 71
da Lei n. 8.666/1993 pode ser aplicado à cobrança dos direitos de
autor, em confronto com a previsão contida no art. 110 da Lei n.
9.610/1998, segundo o qual "Pela violação de direitos autorais nos
espetáculos e audições públicas, realizados nos locais ou
estabelecimentos a que alude o art. 68, seus proprietários,
diretores, gerentes, empresários e arrendatários respondem
solidariamente com os organizadores dos espetáculos". Em princípio,
a Administração deveria responder solidariamente pelo pagamento dos
direitos autorais na hipótese de execução pública de obras musicais,
desde que tenha colaborado de alguma forma, direta ou indiretamente,
para a organização do espetáculo. No entanto, na hipótese em que a
participação do ente público está limitada à contratação de empresa,
mediante licitação, para a realização do evento, surge um aparente
conflito de normas a ser dirimido. O critério da hierarquia não se
mostra adequado à solução da controvérsia, porque ambas são leis
ordinárias, tampouco o da especialidade, segundo o qual a norma
especial prevalece sobre a geral, visto que ambas as normas são
especiais, cada qual no seu âmbito de incidência, ora garantindo o
direito particular do autor, ora protegendo o interesse público. Na
espécie, afigura-se mais pertinente valer-se dos princípios
aplicáveis à Administração Pública, entre os quais o da supremacia
do interesse público sobre o privado. Verifica-se, desse modo, que a
absoluta preponderância das regras contidas na Lei n. 8.666/1991,
quando em conflito com a Lei de Direitos Autorais, é corolário
lógico do princípio da supremacia do interesse público, notadamente
para garantir que os fins almejados no processo licitatório -
isonomia entre os concorrentes e seleção da proposta mais vantajosa
- sejam atingidos, conforme salientado anteriormente. Destaca-se,
ademais, que não se está aqui privando o autor de exercer seu
direito, constitucionalmente assegurado, de receber retribuição pela
utilização de suas obras, mas apenas definindo quem é o responsável
pelo recolhimento dos valores devidos a esse título, sem retirar do
ECAD o direito de promover a cobrança contra aquele que contratou
com a Administração Pública. REsp 1.444.957-MG, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016, DJe 16/8/2016.
DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL E IMPOSSIBILIDADE DE PARTILHA DE LUCROS DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA QUANDO DESTINADOS À CONTA DE RESERVA.
Os lucros de sociedade
empresária destinados a sua própria conta de reserva não são
partilháveis entre o casal no caso de dissolução de união estável de
sócio. É válido mencionar que, de acordo com doutrina,
"reserva nada mais é do que o lucro não distribuído", sendo que "A
finalidade jurídica das reservas [...] é servir de garantia e
reforço do capital social, garantia dos credores. 'São adiantamentos
ao capital das empresas' [...] 'ao qual servem de reforço. Daí
dizer-se que as reservas pertencem à sociedade e não ao sócio'". De
fato, a capitalização de reservas e de lucros constitui produto da
sociedade empresarial, pois incrementa o capital social com o
remanejamento de valores contábeis da sociedade empresária. Nessa
perspectiva, o lucro destinado à conta de reserva pertence apenas à
sociedade, de modo que não se caracteriza como fruto - à luz do art.
1.660, V, do CC - apto a integrar o rol de bens comunicáveis ante a
dissolução de sociedade familiar. No caso, os lucros da sociedade
empresária não foram distribuídos aos sócios, mas ficaram retidos
para reinvestimento, pertencendo à conta reserva da pessoa jurídica.
Essa quantia, destinada a futuro aumento de capital (capitalização
futura), não deve, por isso, ser partilhada em virtude do fim da
união estável. REsp 1.595.775-AP, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016, DJe 16/8/2016.
DIREITO CIVIL. ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL APÓS AQUISIÇÃO DE DUPLA CIDADANIA.
O brasileiro que adquiriu
dupla cidadania pode ter seu nome retificado no registro civil do
Brasil, desde que isso não cause prejuízo a terceiros, quando vier a
sofrer transtornos no exercício da cidadania por força da
apresentação de documentos estrangeiros com sobrenome imposto por
lei estrangeira e diferente do que consta em seus documentos
brasileiros. Isso porque os transtornos que vem sofrendo ao
exercitar sua cidadania em razão de a sua documentação oficial estar
com nomes distintos constitui justo motivo para se flexibilizar a
interpretação dos arts. 56 e 57 da Lei n. 6.015/1973 (Lei dos
Registros Públicos), na linha da sedimentada jurisprudência do STJ.
Ressalte-se que, se o STJ flexibiliza a imutabilidade do nome para a
hipótese de requerimento de obtenção de dupla cidadania, com mais
razão vislumbra-se a necessidade de se flexibilizar para hipótese em
que já se obteve a dupla nacionalidade, prestigiando, assim, o
princípio da simetria, da uniformidade, da verdade real e da
segurança jurídica, que norteiam o sistema registral brasileiro.
Essa flexibilização, na interpretação dos artigos da Lei de
Registros Públicos, visa, sobretudo, assegurar o exercício da
cidadania, ou seja, o próprio papel que o nome desempenha na
formação e consolidação da personalidade de uma pessoa (REsp
1.412.260-SP, Terceira Turma, DJe 22/5/2014). Além disso, "não se
pode negar que a apresentação de documentos contendo informações
destoantes nos assentamentos registrais dificulta, na prática, a
realização dos atos da vida civil, além de gerar transtornos e
aborrecimentos desnecessários" (REsp 1.279.952-MG, Terceira Turma,
DJe 12/2/2015). Por fim, inexistentes prejuízos a terceiros em razão
do deferimento da retificação, claro que, em razão do princípio da
segurança jurídica e da necessidade de preservação dos atos
jurídicos até então praticados, o nome não deve ser suprimido dos
assentamentos, procedendo-se, tão somente, à averbação da alteração
requerida com a respectiva autorização para emissão dos documentos
atualizados com o nome uniforme. REsp 1.310.088-MG, Rel. Min. João Otávio
de Noronha, Rel. para acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
julgado em 17/5/2016, DJe 19/8/2016.
DIREITO CIVIL. ILICITUDE DA PROIBIÇÃO DE USO DE ÁREAS COMUNS PELO CONDÔMINO INADIMPLENTE.
O condomínio,
independentemente de previsão em regimento interno, não pode
proibir, em razão de inadimplência, condômino e seus familiares de
usar áreas comuns, ainda que destinadas apenas a lazer.
Isso porque a adoção de tal medida, a um só tempo,
desnatura o instituto do condomínio, a comprometer o direito de
propriedade afeto à própria unidade imobiliária, refoge das
consequências legais especificamente previstas para a hipótese de
inadimplemento das despesas condominiais e, em última análise, impõe
ilegítimo constrangimento ao condômino (em mora) e aos seus
familiares, em manifesto descompasso com o princípio da dignidade da
pessoa humana. O direito do condômino ao uso das partes comuns, seja
qual for a destinação a elas atribuída, não decorre da situação
(circunstancial) de adimplência das despesas condominiais, mas sim
do fato de que, por lei, a unidade imobiliária abrange, como
inseparável, uma fração ideal no solo (representado pela própria
unidade) bem como nas outras partes comuns, que será identificada em
forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do
condomínio (§ 3º do art. 1.331 do CC). Ou seja, a propriedade da
unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas
as partes comuns. Efetivamente, para a específica hipótese de
descumprimento do dever de contribuição pelas despesas condominiais,
o CC (arts. 1.336 e 1.337) impõe ao condômino inadimplente severas
sanções de ordem pecuniária, na medida de sua recalcitrância. A
partir do detalhamento das aludidas penalidades, verifica-se que a
inadimplência das despesas condominiais enseja, num primeiro
momento, o pagamento de juros moratórios de 1% ao mês, caso não
convencionado outro percentual, e multa de até 2% sobre o débito
(art. 1.336, § 1º, do CC). Sem prejuízo desta sanção, em havendo a
deliberada reiteração do comportamento faltoso (o que não se
confunde o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos),
instaurando-se permanente situação de inadimplência, o CC estabelece
a possibilidade de o condomínio, mediante deliberação de ¾ (três
quartos) dos condôminos restantes, impor ao devedor contumaz outras
penalidades, também de caráter pecuniário, segundo gradação
proporcional à gravidade e à repetição dessa conduta. Assim, segundo
dispõe o art. 1.337, caput e parágrafo único, do CC, a
descrita reiteração do descumprimento do dever de contribuição das
despesas condominiais, poderá ensejar, primeiro, uma imposição de
multa pecuniária correspondente ao quíntuplo do valor da respectiva
cota condominial (500%) e, caso o comportamento do devedor contumaz
evidencie, de fato, uma postura transgressora das regras impostas
àquela coletividade (condômino antissocial), podendo, inclusive,
comprometer a própria solvência financeira do condomínio, será
possível impor-lhe, segundo o mencionado quórum, a multa pecuniária
correspondente de até o décuplo do valor da correlata cota
condominial (1.000%). Já o art. 1.334, IV, do CC apenas refere quais
matérias devem ser tratadas na convenção condominial, entre as quais
as sanções a serem impostas aos condôminos faltosos. E nos artigos
subsequentes, estabeleceu-se, para a específica hipótese de
descumprimento do dever de contribuição com as despesas
condominiais, a imposição de sanções pecuniárias. Inexiste, assim,
margem discricionária para outras sanções que não as pecuniárias,
nos limites da lei, para o caso de inadimplência das cotas
condominiais. Aliás, é de se indagar qual seria o efeito prático da
medida imposta (restrição de acesso às áreas comuns), senão o de
expor o condômino inadimplente e seus familiares a uma situação
vexatória perante o meio social em que residem. Além das penalidades
pecuniárias, é de se destacar, também, que a lei adjetiva civil,
atenta à essencialidade do cumprimento do dever de contribuir com as
despesas condominiais, estabelece a favor do condomínio efetivas
condições de obter a satisfação de seu crédito, inclusive por meio
de procedimento que privilegia a celeridade. Efetivamente, a Lei n.
8.009/1990 confere ao condomínio uma importante garantia à
satisfação dos débitos condominiais: a própria unidade condominial
pode ser objeto de constrição judicial, não sendo dado ao condômino
devedor deduzir, como matéria de defesa, a impenhorabilidade do bem
como sendo de família. E, em reconhecimento à premência da
satisfação do crédito relativo às despesas condominiais, o CPC/1973
estabelecia o rito mais célere, o sumário, para a respectiva ação de
cobrança. Na sistemática do novo CPC, as cotas condominiais passaram
a ter natureza de título executivo extrajudicial (art. 784, VIII), a
viabilizar, por conseguinte, o manejo de ação executiva, tornando
ainda mais célere a satisfação do débito por meio da incursão no
patrimônio do devedor (possivelmente sobre a própria unidade
imobiliária). Ademais, além de refugir dos gravosos instrumentos
postos à disposição do condomínio para a específica hipótese de
inadimplemento das despesas condominiais, a vedação de acesso e de
utilização de qualquer área comum pelo condômino e seus familiares,
com o único e ilegítimo propósito de expor ostensivamente a condição
de inadimplência perante o meio social em que residem, desborda dos
ditames do princípio da dignidade humana. REsp 1.564.030-MG, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 9/8/2016, DJe 19/8/2016.
DIREITO CIVIL. HIPÓTESE EM QUE NÃO É ASSEGURADO AO EX-EMPREGADO O DIREITO DE MANTER SUA CONDIÇÃO DE BENEFICIÁRIO EM PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL.
O empregado que for
aposentado ou demitido sem justa causa não terá direito de ser
mantido em plano de saúde coletivo empresarial custeado
exclusivamente pelo empregador - sendo irrelevante se houver
coparticipação no pagamento de procedimentos de assistência médica,
hospitalar e odontológica -, salvo disposição contrária expressa em
contrato ou em convenção coletiva de trabalho. De fato, é
assegurado ao trabalhador demitido sem justa causa ou ao aposentado
que contribuiu para o plano de saúde em decorrência do vínculo
empregatício o direito de manutenção como beneficiário nas mesmas
condições de cobertura assistencial de que gozava por ocasião da
vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento
integral (arts. 30 e 31 da Lei n. 9.656/1998). Assim, uma das
condições exigidas para a aquisição desse direito é o empregado
contribuir, na atividade, para o custeio do plano de saúde.
Contribuir significa, nos termos da lei, pagar uma mensalidade,
independentemente de se estar usufruindo dos serviços de assistência
médica. Nesse contexto, contribuição não se confunde com
coparticipação. Por um lado, a coparticipação é um fator de
moderação, previsto em alguns contratos, que consiste no valor
cobrado do consumidor apenas quando utilizar o plano de saúde,
possuindo, por isso mesmo, valor variável, a depender do evento
sucedido. Sua função, portanto, é a de desestimular o uso
desenfreado de serviços de saúde suplementar. Por outro lado,
conforme o conceito constante do art. 2°, I, da RN n. 279/2011 da
ANS, que regulamentou os arts. 30 e 31 da Lei n. 9.656/1997,
considera-se "contribuição: qualquer valor pago pelo empregado,
inclusive com desconto em folha de pagamento, para custear parte ou
a integralidade da contraprestação pecuniária de seu plano privado
de assistência à saúde oferecido pelo empregador em decorrência de
vínculo empregatício, à exceção dos valores relacionados aos
dependentes e agregados e à co-participação ou franquia paga única e
exclusivamente em procedimentos, como fator de moderação, na
utilização dos serviços de assistência médica ou odontológica".
Logo, quanto aos planos de saúde coletivos custeados exclusivamente
pelo empregador, não há direito de permanência do ex-empregado
aposentado ou demitido sem justa causa como beneficiário, salvo
disposição contrária expressa prevista em contrato ou em convenção
coletiva de trabalho, sendo irrelevante a existência de
coparticipação, pois, como visto, esta não se confunde com
contribuição. Quanto à caracterização do plano concedido pelo
empregador de assistência médica, hospitalar e odontológica como
salário indireto, o art. 458, § 2º, IV, da CLT é expresso em dispor
que esse benefício não possui índole salarial, seja em relação aos
serviços prestados diretamente pela empresa seja em relação aos
prestados por determinada operadora. Com efeito, o plano de saúde
fornecido pela empresa empregadora, mesmo a título gratuito, não
possui natureza retributiva, não constituindo salário-utilidade
(salário in natura), sobretudo por não ser contraprestação
ao trabalho. Ao contrário, referida vantagem apenas possui natureza
preventiva e assistencial, sendo uma alternativa às graves
deficiências do Sistema Único de Saúde (SUS), obrigação do Estado.
Nesse sentido, há julgados do TST (RR 451318-95.1998.5.01.5555,
Quarta Turma, DJ de 30/5/2003; e RR 9962700-09.2003.5.04.0900,
Quinta Turma, DEJT 18/9/2009). REsp 1.594.346-SP, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016, DJe 16/8/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 19, § 1º, I, DA LEI N. 10.522/2002.
Aplica-se a dispensa de
condenação em honorários advocatícios prevista no art. 19, § 1º, I,
da Lei n. 10.522/2002, na hipótese em que a Fazenda Nacional
contesta a demanda, mas, ato contínuo, antes de pronunciamento do
juízo ou da parte contrária, apresenta petição em que reconhece a
procedência do pedido e requer a desconsideração da peça
contestatória. O art. 19, § 1º, I, da Lei n. 10.522/2002
prevê que: "Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
autorizada a não contestar, a não interpor recurso ou a desistir do
que tenha sido interposto, desde que inexista outro fundamento
relevante, na hipótese de a decisão versar sobre: [...] § 1º Nas
matérias de que trata este artigo, o Procurador da Fazenda Nacional
que atuar no feito deverá, expressamente: I - reconhecer a
procedência do pedido, quando citado para apresentar resposta,
inclusive em embargos à execução fiscal e exceções de
pré-executividade, hipóteses em que não haverá condenação em
honorários". Acerca desse dispositivo, a jurisprudência do STJ
firmou entendimento segundo o qual, havendo resistência, por parte
da Fazenda Nacional, à pretensão deduzida ao apresentar contestação
impugnando o pedido formulado pela parte autora, impõe-se o
afastamento da norma do art. 19, § 1º, I, da Lei n. 10.522/2002
(REsp 1.202.551-PR, Primeira Turma, DJe 8/11/2011). Impõe-se,
entretanto, a interpretação extensiva do aludido artigo para
abranger caso em que, em momento oportuno, ocorra o reconhecimento
da procedência do pedido a despeito da apresentação de contestação,
atitude processual que denota desinteresse em resistir à pretensão
suscitada pela parte autora, propiciando, nesse ínterim, uma
prestação jurisdicional célere, pois dispensada qualquer diligência
processual ou probatória para solução da lide. REsp 1.551.780-SC, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, julgado em 9/8/2016, DJe 19/8/2016.
DIREITO TRIBUTÁRIO. BASE DE CÁLCULO DE ICMS/ST NO CASO DE VENDA DE MEDICAMENTOS DE USO RESTRITO A HOSPITAIS E CLÍNICAS.
No caso de venda de
medicamentos de uso restrito a hospitais e clínicas, a base de
cálculo do ICMS/ST é o valor da operação de que decorrer a saída da
mercadoria (art. 2º, I, do DL n. 406/1968), e não o valor
correspondente ao preço máximo de venda a consumidor sugerido por
fabricante de medicamentos (Cláusula Segunda do Convênio n.
76/1994). Destaca-se, inicialmente, que a fixação, ano a
ano, do Preço Máximo ao Consumidor (PMC) dirige-se ao comércio
varejista, ou seja, a farmácias e a drogarias, hipótese diversa da
presente, na qual os medicamentos destinam-se exclusivamente ao uso
hospitalar restrito, endereçados a clínicas, casas de saúde,
hospitais e assemelhados, acondicionados em embalagens especiais,
para atendimento de pacientes, sem possibilidade de comercialização
no comércio varejista, dirigido aos consumidores finais, em balcão.
A propósito, registre-se, tão somente a título esclarecedor e
conceitual, que o art. 2º da Res. n. 3/2009 da Câmara de Regulação
do Mercado de Medicamentos define o PMC como teto de preço a ser
praticado pelo comércio varejista. No mesmo sentido, o art. 3º da
referida resolução veda a utilização do PMC para medicamentos de uso
restrito a hospitais e clínicas. Ou seja, o preço tabelado só é
válido para a prática de comércio varejista realizado em farmácias e
drogarias. Assim, no caso de medicamentos de uso hospitalar
restrito, destinados a pacientes internados, e não a consumidores
finais de balcão, não se pode desprezar o critério natural do valor
da operação de que decorra a saída da mercadoria, salvo se houver
demonstração, pela Fazenda Pública Estadual, da inidoneidade dos
documentos ou incorreção das declarações prestadas pelo contribuinte
sobre os valores efetivamente praticados na comercialização dos bens
tributados (art. 148 do CTN). Até porque, diferentemente do
medicamento comum, comercializado em farmácias e drogarias, em que o
comerciante pode recuperar os valores antecipados a título de
tributo, na venda do medicamento de uso exclusivamente hospitalar,
não há como reaver o que foi despendido. REsp 1.229.289-BA, Rel. Min. Olindo
Menezes (Desembargador convocado do TRF da 1ª Região), Rel. para
acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 3/5/2016, DJe
17/8/2016.
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. DESCLASSIFICAÇÃO DE OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE DE AUTOGESTÃO COMO FORNECEDORA.
Não se aplica o CDC às
relações existentes entre operadoras de planos de saúde constituídas
sob a modalidade de autogestão e seus filiados, na hipótese em que
firmado contrato de cobertura médico-hospitalar. A
jurisprudência do STJ, até o presente momento, vem externando o
entendimento de que as normas do CDC regulam as relações existentes
entre filiados e operadoras de planos de saúde, ainda que estas se
constituam na forma de autogestão, sem fins lucrativos, uma vez que
a relação de consumo se caracterizaria pelo objeto contratado, ou
seja, a cobertura médico-hospitalar (REsp 519.310-SP, Terceira
Turma, DJ 24/5/2004). Acontece que, após recente julgamento
realizado pela Segunda Seção (REsp 1.536.786-MG, DJe 20/10/2015), em
que foi analisada questão de certo modo assemelhada, consistente na
incidência das mesmas regras do CDC às relações envolvendo entidades
de previdência privada fechadas, os aspectos lá considerados para o
afastamento da legislação consumerista mostram-se de aplicação
pertinente ao caso de entidades que administrem plano de saúde de
autogestão, tendo em vista a coincidência de características entre
as entidades, reclamando a necessidade de renovação da discussão da
matéria, sempre no intuito do aperfeiçoamento da jurisprudência. Com
efeito, os planos de autogestão são assim denominados dada a opção
feita pela empresa empregadora em assumir a responsabilidade pela
gestão e pelo fornecimento de serviços de assistência
médico-hospitalar, seja por meio de rede própria seja por meio de
convênios ou quaisquer tipos de associação com as empresas que
fornecerão, de fato, o serviço. À luz da Lei n. 9.656/1998, é
possível afirmar que, apesar de serem reguladas pela mesma norma das
operadoras comerciais, há, em relação a pessoas jurídicas que mantêm
sistemas de assistência à saúde pela modalidade de autogestão,
diferenças de tratamento, e uma das mais significativas diz respeito
à inexigibilidade para as últimas entidades de oferecimento de
plano-referência, indispensável para a constituição das pessoas
jurídicas que não operam nesta modalidade. De certo, o objetivo
perseguido pela lei por ocasião da criação do plano-referência foi
tornar óbvias as obrigações das operadoras e, na mesma linha, as
cláusulas de exclusão de cobertura, para que o contrato firmado não
se mostrasse iníquo para o consumidor, principalmente no momento em
que necessitasse da assistência do plano. A exclusão das operadoras
de autogestão da obrigatoriedade do oferecimento do plano-referência
justifica-se na própria razão de ser do modelo. É que, pensado para
garantir o mínimo ao usuário, o plano-referência também representa
forma de incremento na competição entre as operadoras, uma vez que,
por serem praticamente idênticos os serviços disponibilizados,
diferente apenas o preço, a escolha do consumidor é facilitada,
sendo realizada por meio de simples comparação. Na linha desse
raciocínio, como as entidades de autogestão não podem oferecer seus
planos no mercado de consumo sob pena de total descaraterização da
modalidade, não faz sentido, para essas pessoas jurídicas, a
exigência desse mínimo. A doutrina que comenta o CDC vê, nessa
particularidade, razão bastante para que o diploma consumerista não
seja aplicado às relações constituídas com as operadoras de
autogestão. Noutro ponto, ainda para afastar a incidência do CDC das
relações com as autogestoras, doutrina assinala que, mesmo havendo
retribuição dos serviços prestados por meio de remuneração, isso não
parece suficiente para mudar o entendimento até aqui afirmado.
Assim, há diferenças sensíveis e marcantes entre as diversas
modalidades de operadoras de plano de saúde. Embora todas celebrem
contratos cujo objeto é a assistência privada à saúde, apenas as
comerciais operam em regime de mercado, podendo auferir lucro das
contribuições vertidas pelos participantes (proveito econômico), não
havendo nenhuma imposição legal de participação na gestão dos planos
de benefícios ou da própria entidade. Anote-se, ademais, que, assim
como ocorre nos casos de entidades de previdência privada fechada,
os valores alocados ao fundo comum obtidos nas entidades de
autogestão pertencem aos participantes e beneficiários do plano,
existindo explícito mecanismo de solidariedade, de modo que todo
excedente do fundo de pensão é aproveitado em favor de seus próprios
integrantes. Portanto, as regras do Código Consumerista, mesmo em
situações que não sejam regulamentadas pela legislação especial, não
se aplicam às relações envolvendo entidades de planos de saúde
constituídas sob a modalidade de autogestão. Assim, o "tratamento
legal a ser dado na relação jurídica entre os associados e os planos
de saúde de autogestão, os chamados planos fechados, não pode ser o
mesmo dos planos comuns, sob pena de se criar prejuízos e
desequilíbrios que, se não inviabilizarem a instituição, acabarão
elevando o ônus dos demais associados, desrespeitando normas e
regulamentos que eles próprios criaram para que o plano se
viabilize. Aqueles que seguem e respeitam as normas do plano arcarão
com o prejuízo, pois a fonte de receita é a contribuição dos
associados acrescida da patronal ou da instituidora" (REsp
1.121.067-PR, Terceira Turma, DJe 3/2/2012). REsp 1.285.483-PB, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 22/6/2016, DJe 16/8/2016.
DIREITO TRIBUTÁRIO. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA COBRANÇA DE IPVA. RECURSO REPETITIVO.
A notificação do contribuinte
para o recolhimento do IPVA perfectibiliza a constituição definitiva
do crédito tributário, iniciando-se o prazo prescricional para a
execução fiscal no dia seguinte à data estipulada para o vencimento
da exação. No que se refere à notificação do contribuinte -
que é pressuposto da constituição definitiva do crédito e, por
conseguinte, do início da contagem da prescrição para a sua cobrança
- cumpre registrar que o CTN não condiciona a forma de cientificação
do sujeito passivo para o recolhimento do tributo lançado de ofício
(art. 142 do CTN), podendo a legislação de regência da exação
disciplinar qualquer meio idôneo para essa finalidade. A propósito,
o STJ, ao analisar a tributação do IPTU, assentou que o envio do
carnê relativo à cobrança do imposto é suficiente para caracterizar
a notificação do sujeito passivo (REsp 1.111.124-PR, Primeira Seção,
DJe 4/5/2009). O envio do carnê, contudo, é apenas uma modalidade,
que não exclui outras eventualmente mais convenientes para a
Administração, como aquelas em que há a divulgação do calendário de
pagamento com instruções para os contribuintes procederem ao
recolhimento. Nesse passo, se o Fisco busca se utilizar da rede
bancária para encaminhar os boletos de cobrança do IPVA, esse
procedimento não altera o fato de a divulgação do calendário ser a
efetiva notificação do sujeito passivo, uma vez que, por meio dele,
todos os contribuintes são cientificados do lançamento e do prazo
para comparecer à instituição financeira e recolher o imposto
incidente sobre o seu veículo. A referida sistemática de arrecadação
não importa violação do art. 145 do CTN, pois não dispensa a
notificação pessoal do contribuinte, já que pressupõe a sua
ocorrência mediante o comparecimento dele nas agências bancárias
autorizadas até a data aprazada para o vencimento da exação. Importa
destacar que essa espécie de notificação pessoal presumida somente
poderá ser considerada válida em relação aos impostos reais, cuja
exigibilidade por exercício é de notório conhecimento da população.
Assim, reconhecida a regular constituição do crédito tributário,
orienta a jurisprudência do STJ que a contagem da prescrição deve
iniciar-se da data do vencimento para o pagamento da exação,
porquanto, antes desse momento, o crédito não é exigível do
contribuinte (AgRg no REsp 1.566.018-MG, Segunda Turma, DJe
1°/12/2015; AgRg no AREsp 674.852-RJ, Segunda Turma, DJe 10/6/2015;
AgRg no AREsp 483.947-RJ, Primeira Turma, DJe 24/6/2014; REsp
1.069657-PR, Primeira Turma, DJe 30/3/2009). Entretanto, esse
entendimento deve ser aperfeiçoado, uma vez que, na data do
vencimento do tributo, o Fisco ainda está impedido de levar a efeito
os procedimentos tendentes à sua cobrança. Isso porque,
naturalmente, até o último dia estabelecido para o vencimento, é
assegurado ao contribuinte realizar o recolhimento voluntário, sem
qualquer outro ônus, por meio das agências bancárias autorizadas ou
até mesmo pela internet, ficando em mora tão somente a partir do dia
seguinte. Desse modo, tem-se que a pretensão executória da Fazenda
Pública (actio nata) somente surge no dia seguinte à data
estipulada para o vencimento do tributo. Esse inclusive é o
entendimento das Turmas de Direito Público do STJ sobre a contagem
da prescrição para a execução dos tributos sujeitos a lançamento por
homologação, cuja razão de decidir também se aplica perfeitamente à
cobrança do IPVA (AgRg no REsp 1.487.929-RS, Segunda Turma, DJe
12/2/2015; e AgRg no AREsp 529.221-SP, Primeira Turma, DJe
24/9/2015). REsp 1.320.825-RJ, Rel. Min. Gurgel de
Faria, Primeira Seção, julgado em 10/8/2016, DJe
17/8/2016.
01/08/2016
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO POR MAGISTRADO DOS TERMOS DE PROPOSTA DE REMISSÃO PRÉ-PROCESSUAL.
Se o representante do Ministério Público ofereceu a adolescente remissão pré-processual (art. 126, caput, do ECA) cumulada com medida socioeducativa não privativa de liberdade, o juiz, discordando dessa cumulação, não pode excluir do acordo a aplicação da medida socioeducativa e homologar apenas a remissão. Dispõe o art. 126, caput, da Lei n. 8.069/1990 (ECA) que, antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do MP poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendente às circunstâncias e às consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional. Essa remissão pré-processual é, portanto, atribuição legítima do MP, como titular da representação por ato infracional e diverge daquela prevista no art. 126, parágrafo único, do ECA, dispositivo legal que prevê a concessão da remissão pelo juiz, depois de iniciado o procedimento, como forma de suspensão ou de extinção do processo. Ora, o juiz, que não é parte do acordo, não pode oferecer ou alterar a remissão pré-processual, tendo em vista que é prerrogativa do MP, como titular da representação por ato infracional, a iniciativa de propor a remissão pré-processual como forma de exclusão do processo, a qual, por expressa previsão do art. 127 do ECA, já declarado constitucional pelo STF (RE 248.018, Segunda Turma, DJe 19/6/2008), pode ser cumulada com medidas socioeducativas em meio aberto, as quais não pressupõem a apuração de responsabilidade e não prevalecem para fins de antecedentes, possuindo apenas caráter pedagógico. A medida aplicada por força da remissão pré-processual pode ser revista, a qualquer tempo, mediante pedido do adolescente, do seu representante legal ou do MP, mas, discordando o juiz dos termos da remissão submetida meramente à homologação, não pode modificar suas condições para decotar condição proposta sem seguir o rito do art. 181, § 2°, do ECA, o qual determina que, "Discordando, a autoridade judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará outro membro do Ministério Público para apresentá-la, ou ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar". As medidas socioeducativas em meio aberto, portanto, são passíveis de ser impostas ao adolescente em remissão pré-processual e não pode a autoridade judiciária, no ato da homologação, deixar de seguir o rito do art. 181, § 2°, do ECA e excluí-las do acordo por não concordar integralmente com a proposta do MP. Havendo discordância, total ou parcial, da remissão, deve ser observado o rito do art. 181, § 2° do ECA, sob pena de suprimir do órgão ministerial, titular da representação por ato infracional, a atribuição de conceder o perdão administrativo como forma de exclusão do processo, faculdade a ele conferida legitimamente pelo art. 126 do ECA. REsp 1.392.888-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti, julgado em 30/6/2016, DJe 1/8/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. MODO DE IMPUGNAÇÃO DE MEDIDA ASSECURATÓRIA PREVISTA NA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO.
É possível a interposição de apelação, com fundamento no art. 593, II, do CPP, contra decisão que tenha determinado medida assecuratória prevista no art. 4º, caput, da Lei n. 9.613/1998 (Lei de lavagem de Dinheiro), a despeito da possibilidade de postulação direta ao juiz constritor objetivando a liberação total ou parcial dos bens, direitos ou valores constritos (art. 4º, §§ 2º e 3º, da mesma Lei). As dificuldades de enquadramento teórico das medidas cautelares patrimoniais, como o sequestro e o arresto, no âmbito do processo penal, são afirmadas por doutrina, ao reconhecer que "o Código de Processo Penal não empregou a palavra seqüestro em seu sentido estrito e técnico; deu-lhe compreensão demasiadamente grande, fazendo entrar nela não apenas o que tradicionalmente se costuma denominar seqüestro, mas também outros institutos afins e, especialmente, o arresto", ressaltando, ainda, que "a confusão não foi apenas terminológica", porquanto "misturam-se, por vêzes, no mesmo instituto coisas que são próprias do seqüestro com outras que são peculiares ao arresto". Quanto aos meios de defesa contra o sequestro ou arresto de bens, a jurisprudência do STJ (REsp 258.167-MA, Quinta Turma, DJe 10/6/2002; e AgRg no RMS 45.707-PR, Quinta Turma, DJe 15/5/2015) e do STF (RE 106.738-MT, Primeira Turma, DJ 1º/8/1986) afirma ser o recurso de apelação previsto no art. 593, II, do CPP a via de impugnação idônea para combater as decisões que impliquem a concessão de cautelar patrimonial no processo penal. A par disso, convém esclarecer que, a partir da Lei n. 12.683/2012, introduziram-se alterações na Lei de Lavagem de Dinheiro, entre as quais, de relevante para a espécie, a concernente à previsão de um outro tipo de medida acauteladora, de ordem patrimonial, e que conta com abrangência e requisitos específicos, prevista no art. 4º, caput, da Lei de Lavagem de Dinheiro: "O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes." Destaque-se que, conforme entendimento doutrinário, essa alteração legislativa "parece ampliar o conceito de sequestro para estendê-lo também a quaisquer valores e/ou direitos, desde que constituam proveito ou produto do crime [...] E mais ainda. Tanto poderão ser apreendidos os bens produto do crime antecedente quanto o do delito de lavagem em apuração e/ou processo". Frise-se, ainda, que há entendimento doutrinário de não ser apenas em relação aos bens que constituam proveito ou produto da infração que poderão recair as medidas constritivas, visto que se mostrarão cabíveis, ademais, para a "reparação do dano causado pelo crime de lavagem e seu antecedente e para o pagamento de prestação pecuniária (em caso de condenação), multa e custas processuais". Nesse contexto, o § 4º do aludido art. 4º dispõe: "Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas." Além disso, a previsão dos §§ 2º e 3º do art. 4° da Lei n. 9.613/1998, com a redação que lhes foi dada pela Lei n. 12.683/2012, introduz questionamentos relevantes, cujo exame revela-se importante para a espécie: "§ 2º O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem , mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal; § 3º Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1º." Agora, a respeito do modo de se impugnar a decisão que tenha determinado a constrição de bens no campo particular da Lei de Lavagem de Dinheiro (art. 4°), é oscilante a doutrina. Essa descontinuidade, divisada na ausência de uniformidade doutrinária sobre tema sensível, deita suas raízes numa normativa processual penal potencialmente carecedora de revisão. Não se pode, entretanto, onerar a parte com o descortinamento da medida necessária para fazer conhecidas as suas alegações. Nessa ordem de ideias, se o CPP estatui, para as cautelares patrimoniais, como o sequestro e o arresto, mecanismos de impugnação a serem veiculados perante o juízo de primeiro grau, que decretou a medida constritiva, e, não obstante, a jurisprudência vem admitindo que se valha o interessado do recurso de apelação, não há razão idônea conducente ao afastamento do mesmo alvitre no âmbito específico da Lei de Lavagem de Dinheiro. REsp 1.585.781-RS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 28/6/2016, DJe 1/8/2016.
DIREITO PENAL. DESNECESSIDADE DE CONTATO FÍSICO PARA DEFLAGRAÇÃO DE AÇÃO PENAL POR CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL.
A conduta de contemplar lascivamente, sem contato físico, mediante pagamento, menor de 14 anos desnuda em motel pode permitir a deflagração da ação penal para a apuração do delito de estupro de vulnerável. A maior parte da doutrina penalista pátria orienta no sentido de que a contemplação lasciva configura o ato libidinoso constitutivo dos tipos dos arts. 213 e 217-A do CP, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido. No caso, cumpre ainda ressaltar que o delito imputado encontra-se em capítulo inserto no Título VI do CP, que tutela a dignidade sexual. Com efeito, a dignidade sexual não se ofende somente com lesões de natureza física. A maior ou menor gravidade do ato libidinoso praticado, em decorrência a adição de lesões físicas ao transtorno psíquico que a conduta supostamente praticada enseja na vítima, constitui matéria afeta à dosimetria da pena. RHC 70.976-MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 2/8/2016, DJe 10/8/2016.
DIREITO PENAL. REMIÇÃO DE PENA POR LEITURA E RESENHA DE LIVROS.
O fato de o estabelecimento penal assegurar acesso a atividades laborais e a educação formal não impede a remição por leitura e resenha de livros. Inicialmente, consigne-se que a jurisprudência do STJ tem admitido que a norma do art. 126 da LEP, ao possibilitar a abreviação da pena, tem por objetivo a ressocialização do condenado, sendo possível o uso da analogia in bonam partem, que admita o benefício em comento em razão de atividades que não estejam expressas no texto legal, como no caso, a leitura e resenha de livros, nos termos da Recomendação n. 44/2013 do CNJ (AgRg no AREsp 696.637-SP, Quinta Turma, DJe 4/3/2016; HC 326.499-SP, Sexta Turma, DJe 17/8/2015; e HC 312.486-SP, Sexta Turma, DJe 22/6/2015). Ademais, o fato de o estabelecimento penal onde se encontra o paciente assegurar acesso a atividades laborais e a educação formal não impede que se obtenha também a remição pela leitura, que é atividade complementar, mas não subsidiária, podendo ocorrer concomitantemente. Assim, as horas dedicadas à leitura e resenha de livros, como forma da remição pelo estudo, são perfeitamente compatíveis com a participação em atividades laborativas fornecidas pelo estabelecimento penal, nos termos do art. 126, § 3º, da LEP, uma vez que a leitura pode ser feita a qualquer momento do dia e em qualquer local, diferentemente da maior parte das ofertas de trabalho e estudo formal. Precedente citado: HC 317.679-SP, Sexta Turma, DJe 2/2/2016. HC 353.689-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 14/6/2016, DJe 1/8/2016.
DIREITO CONSTITUCIONAL. SEGREDO DE JUSTIÇA E DIVULGAÇÃO DO NOME DO RÉU E DA TIPIFICAÇÃO DO CRIME EM SÍTIO ELETRÔNICO DE TRIBUNAL.
No caso de processo penal que tramita sob segredo de justiça em razão da qualidade da vítima (criança ou adolescente), o nome completo do acusado e a tipificação legal do delito podem constar entre os dados básicos do processo disponibilizados para consulta livre no sítio eletrônico do Tribunal, ainda que os crimes apurados se relacionem com pornografia infantil. A CF, em seu art. 5º, XXXIII e LX, erigiu como regra a publicidade dos atos processuais, sendo o sigilo a exceção, visto que o interesse individual não pode se sobrepor ao interesse público. Tal norma é secundada pelo disposto no art. 792, caput, do CPP. A restrição da publicidade somente é admitida quando presentes razões autorizadoras, consistentes na violação da intimidade ou se o interesse público a determinar. Nessa mesma esteira, a Quarta Turma do STJ, examinando o direito ao esquecimento (REsp 1.334.097-RJ, DJe 10/9/2013), reconheceu ser "evidente o legítimo interesse público em que seja dada publicidade da resposta estatal ao fenômeno criminal". Ademais, os arts. 1º e 2º da Resolução n. 121/2010 do CNJ, que definem os dados básicos dos processos judiciais passíveis de disponibilização na internet, assim como a possibilidade de restrição de divulgação de dados processuais em caso de sigilo ou segredo de justiça, não têm o condão de se sobrepor ao princípio constitucional da publicidade dos atos processuais (art. 5º, LV, da CF), tampouco podem prescindir da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF). Assim sendo, eventual decretação de uma exceção que justificaria a imposição de sigilo absoluto aos dados básicos de um processo judicial não constitui direito subjetivo da parte envolvida em processo que tramita sob segredo de justiça, demandando, ao contrário, uma avaliação particular que delimite o grau de sigilo aconselhável em cada caso concreto, avaliação essa devidamente fundamentada em decisão judicial. Nesse sentido, a mera repulsa que um delito possa causar à sociedade não constitui, por si só, fundamento suficiente para autorizar a decretação de sigilo absoluto sobre os dados básicos de um processo penal, sob pena de se ensejar a extensão de tal sigilo a toda e qualquer tipificação legal de delitos, com a consequente priorização do direito à intimidade do réu em detrimento do princípio da publicidade dos atos processuais. RMS 49.920-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 2/8/2016, DJe 10/8/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXTENSÃO DOS EFEITOS DE SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADA QUE RECONHECE RELAÇÃO DE PARENTESCO.
Os efeitos da sentença transitada em julgado que reconhece o vínculo de parentesco entre filho e pai em ação de investigação de paternidade alcançam o avô, ainda que este não tenha participado da relação jurídica processual. Os efeitos da sentença, que não se confundem com a coisa julgada e seus limites subjetivos, irradiam-se com eficácia erga omnes, atingindo mesmo aqueles que não figuraram como parte na relação jurídica processual. O art. 472 do CPC/1973 preceitua que "A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros". Como se observa, essa norma estabelece os limites subjetivos da coisa julgada. Em tais condições, portanto, a coisa julgada formada na ação de investigação de paternidade ajuizada pelo filho em face do pai não atinge o avô, na medida em que proposta exclusivamente contra seu filho. No entanto, são institutos diversos a coisa julgada - que se sujeita aos limites subjetivos estabelecidos pelo art. 472 do CPC/1973 - e os efeitos da sentença (estes definidos por doutrina como "as alterações que a sentença produz sobre as relações existentes fora do processo"). Traçado assim o marco distintivo entre eles, pode-se afirmar com certeza científica que os efeitos da sentença não encontram a mesma limitação subjetiva que o art. 472 do CPC/1973 destina ao instituto da coisa julgada, de maneira que também podem atingir, direta ou indiretamente, terceiros que não participaram da relação jurídica processual. Guardam, pois, eficácia erga omnes. Assim, tendo o filho promovido ação de investigação de paternidade contra o pai, na qual se deu o julgamento de procedência do pedido e o trânsito em julgado, o vínculo parental entre eles é, por força da coisa julgada que ali se formou, imutável e indiscutível, à luz do art. 467 do CPC/1973. Nesse contexto, o avô agora suporta as consequências da decisão que assentou a paternidade de seu filho, cujos efeitos atingem-no de maneira reflexa, por força de sua ascendência em relação ao pai judicialmente reconhecido. Ora, se o neto é filho de seu filho, logo, por força de um vínculo jurídico lógico e necessário, é seu neto (art. 1.591 do CC). Não está o avô sujeito à coisa julgada, que só atinge as partes da ação investigatória, mas efetivamente suporta os efeitos que resultam da decisão, independentemente de sua participação na relação processual. REsp 1.331.815-SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 16/6/2016, DJe 1/8/2016.
DIREITO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA AUTOMÁTICA DO DEVER DE ALIMENTAR.
O falecimento do pai do alimentando não implica a automática transmissão do dever alimentar aos avós. É orientação do STJ que a responsabilidade dos avós de prestar alimentos é subsidiária, e não sucessiva. Essa obrigação tem natureza complementar e somente exsurge se ficar demonstrada a impossibilidade de os genitores proverem os alimentos de seus filhos (REsp 1.415.753-MS, Terceira Turma, DJe 27/11/2015; e REsp 831.497-MG, Quarta Turma, DJe 11/2/2010). Assim, para intentar ação contra ascendente de segundo grau, deve o alimentando demonstrar não somente a impossibilidade ou insuficiência de cumprimento da obrigação pela mãe, como também pelo espólio do pai falecido. REsp 1.249.133-SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 16/6/2016, DJe 2/8/2016.
DIREITO TRIBUTÁRIO. EXCLUSÃO DE CRÉDITO PRESUMIDO DE IPI DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL NO REGIME DO LUCRO PRESUMIDO.
O crédito presumido de IPI previsto no art. 1º da Lei n. 9.363/1996 que se refira a período no qual o contribuinte tenha se submetido ao regime de tributação com base no lucro presumido deve ser excluído das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL apuradas pelo regime do lucro presumido. Na apuração do IRPJ e da CSLL sob o regime do lucro real, a classificação do "crédito presumido de IPI" (art. 1º da Lei n. 9.363/1996) como "receita operacional" é suficiente para defini-lo na composição da base de cálculo desses tributos, já que não há dedução específica. Já no regime de apuração do lucro presumido, não são tributados os "valores recuperados correspondentes a custos e despesas" (recomposição de custos) descritos pelo art. 53 da Lei n. 9.430/1996, repetido pelo art. 521, § 3º, do Decreto n. 3.000/1999 (RIR). Nesse contexto, a lei excepciona da tributação pelo lucro presumido os "valores recuperados correspondentes a custos e despesas" (recomposição de custos) quando os custos e despesas se deram em período no qual o contribuinte "tenha se submetido ao regime de tributação com base no lucro presumido ou arbitrado" porque tais custos e despesas não puderam à época ser deduzidos da base de cálculo do tributo, já que apurado pelo lucro presumido ou arbitrado. O "crédito presumido de IPI" previsto no art. 1º da Lei n. 9.363/1996 entrou no ordenamento jurídico pátrio como o sucessor do antigo crédito-prêmio do IPI previsto no art. 1º do DL n. 491/1969. Ambos são benefícios adicionais aos exportadores que consistem em ressarcir o valor dos demais tributos acumulados na cadeia produtiva através da criação de créditos de IPI fictícios. Diferem, no entanto, na sua forma de cálculo. Enquanto o antigo crédito-prêmio era calculado diretamente sobre o valor das exportações/saídas (art. 2º do DL n. 491/1969), o atual crédito presumido é calculado sobre o valor das aquisições de insumos que integram o produto exportado/entradas (art. 2º da Lei n. 9.363/1996). Ora, examinando a tributação do antigo crédito prêmio do IPI previsto no art. 1º do DL n. 491/1969, a Secretaria da Receita Federal emitiu o Parecer Normativo CST n. 71, de 10/2/1972 (DOU 22/3/1972), que assim dispôs, verbo ad verbum: "analisando-se a sistemática e a natureza desses incentivos, ver-se-á, preliminarmente, que eles são atribuídos em forma de crédito tributário sobre o valor das exportações e pela manutenção do crédito do imposto incidente sobre as matérias primas e outros produtos adquiridos para emprego na industrialização das mercadorias exportadas; na área federal, tais créditos são vinculados ao IPI e, na esfera estadual, ao ICM. São utilizados: a) para deduzir do imposto devido pelas operações no mercado interno; b) na transferência para estabelecimentos da mesma firma ou interdependentes; c) na transferência para estabelecimentos de terceiros, em pagamento de insumos adquiridos e, finalmente, d) pelo ressarcimento em espécie. [...] Ora, quaisquer das modalidades mencionadas nas alíneas 'a' e 'c' do item precedente implicarão, necessariamente, na diminuição do custo de produção e, com isso, funcionarão como devoluções de custos, item contemplado no art. 157 do RIR". Chama a atenção o trecho do parecer que classificou o referido crédito fictício como "devolução de custos" para efeito do IRPJ. Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio. Com efeito, as formas de aproveitamento do crédito presumido do IPI previsto no art. 1º da Lei n. 9.363/1996 não diferem essencialmente daquelas previstas para o crédito prêmio do IPI previsto no art. 1º do DL n. 491/1969. Da letra dos arts. 2º, § 3º, e 4º da Lei n. 9.363/1996 se colhe que estão aí presentes as modalidades "a", "b" e "d" de uso dos créditos, faltando apenas a modalidade "c" (transferência de crédito a terceiros). Isso significa que ao crédito presumido do IPI previsto no art. 1º da Lei n. 9.363/1996 se aplica a lógica do referido Parecer Normativo CST n. 71, de modo a possibilitar sua classificação como "devolução de custos" para efeito do IRPJ. Não se pode olvidar que o incentivo se refere a um custo específico, qual seja: aquele decorrente do ônus tributário suportado no mercado interno em razão dos tributos acumulados na cadeia produtiva, especificamente as contribuições ao PIS e COFINS, como esclarece a própria letra do art. 1º da Lei n. 9.363/1996. Sendo assim, se a própria lei define o que está sendo ressarcido, se a própria lei define que houve um custo específico suportado pela pessoa jurídica e que é esse custo que está sendo amenizado, não há como fugir à classificação contábil do aludido crédito presumido de IPI como "valores recuperados correspondentes a custos e despesas" (recomposição de custos). REsp 1.611.110-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 4/8/2016, DJe 12/8/2016.
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