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22/11/2017

AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. BENS E DIREITOS EM ESTADO DE MANCOMUNHÃO (ENTRE A SEPARAÇÃO DE FATO E A EFETIVA PARTILHA). PATRIMÔNIO COMUM ADMINISTRADO EXCLUSIVAMENTE POR EX-CÔNJUGE.

Após a separação de fato ou de corpos, o cônjuge que estiver na posse ou na administração do patrimônio partilhável - seja na condição de administrador provisório, seja na de inventariante - terá o dever de prestar contas ao ex-consorte. O propósito recursal consiste em definir se há dever de prestação de contas entre ex-cônjuges em relação aos bens e direitos em estado de mancomunhão (entre a separação de fato e a efetiva partilha). É consabido que a administração do patrimônio comum do casal compete a ambos os cônjuges (artigos 1.663 e 1.720 do Código Civil). Nada obstante, a partir da separação de fato ou de corpos (marco final do regime de bens), os bens e direitos dos ex-consortes ficam em estado de mancomunhão - conforme salienta doutrina especializada -formando uma massa juridicamente indivisível, indistintamente pertencente a ambos. No tocante especificamente à relação decorrente do fim da convivência matrimonial, infere-se que, após a separação de fato ou de corpos, o cônjuge que estiver na posse ou na administração do patrimônio partilhável - seja na condição de administrador provisório, seja na de inventariante - terá o dever de prestar contas ao ex-consorte. Isso porque, uma vez cessada a afeição e a confiança entre os cônjuges, aquele titular de bens ou negócios administrados pelo outro tem o legítimo interesse ao pleno conhecimento da forma como são conduzidos, não se revelando necessária a demonstração de qualquer irregularidade, prejuízo ou crédito em detrimento do gestor. Por fim, registre-se que a Terceira Turma do STJ já se manifestou nesse sentido, conforme se depreende dos seguintes julgados: REsp 1.300.250-SP, DJe 19/4/12; REsp 1.287.579-RN, DJe 2/8/13 e REsp 1.470.906-SP, DJe 15/10/15. 


REsp 1.274.639-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por maioria, julgado em 12/09/2017, DJe 23/10/2017

AÇÃO INDENIZATÓRIA. LOCAÇÃO DE ÁREA PARA ESTAÇÃO DE TELEFONIA CELULAR. COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA. SUBLOCAÇÃO NÃO CARACTERIZADA. DIREITO DE USO. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA INSTITUÍDA PELA LEI EM BENEFÍCIO DAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES DE INTERESSE COLETIVO. INVIABILIDADE DE INDENIZAÇÃO.

O compartilhamento de infraestrutura de estação rádio base de telefonia celular por prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo caracteriza servidão administrativa, não ensejando direito à indenização ao locador da área utilizada para instalação dos equipamentos. A discussão reside em saber se o compartilhamento de equipamentos de telecomunicações e de uma torre visando à fixação de antenas de telefonia celular por empresas prestadoras de serviços de telecomunicações caracteriza sublocação, ensejando direito à indenização ao locador do espaço. Inicialmente cumpre salientar que o caput do art. 73 da Lei n. 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações), dispõe que "as prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis". Registre-se ainda que o art. 10 da Lei n. 11.934/2009 estabelece ser obrigatório o compartilhamento de torres pelas prestadoras de serviços de telecomunicações que utilizam estações transmissoras de radiocomunicação nas situações em que o afastamento entre elas for menor do que 500 (quinhentos) metros, exceto quando houver justificado motivo técnico. Além disso, tanto a Resolução n. 274/2001 da Anatel como a Resolução Conjunta n. 1 da Anatel, Aneel e ANP, de 24/11/1999, também preveem o direito ao compartilhamento da infraestrutura entre prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo. Esta utilização compartilhada tem nítida relevância de interesse público, pois propicia que haja: a) barateamento dos custos do serviço público; b) minimização dos impactos urbanísticos, paisagísticos e ambientais; c) otimização da manutenção contínua da rede; d) condições a ensejar a cobrança de tarifas mais baixas dos consumidores; e) fomento à concorrência, expansão e melhoria da cobertura da rede. Como visto, o compartilhamento de infraestrutura é compulsório, sendo inviável atribuir a natureza jurídica de sublocação à operação. Nesse passo, tendo em vista a ideia de submissão dos direitos subjetivos ao interesse público, o direito de uso, previsto no art. 73 da Lei n. 9.472/1997, cristaliza servidão administrativa instituída pela lei em benefício das prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, constituindo-se direito real, de natureza pública, a ser exercido sobre bem de propriedade alheia, para fins de utilidade pública, instituído com base em lei específica. Deste modo, considerando a característica de servidão administrativa do compartilhamento de infraestrutura, só haveria de cogitar-se em indenização se houvesse redução do potencial de exploração econômica do bem imóvel. REsp 1.309.158-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 26/09/2017, DJe 20/10/2017
Informativo STJ nº614

EXECUÇÃO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. PENHORA. CPC/73. SALDO DO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO. FGTS. IMPOSSIBILIDADE.

Não é possível a penhora do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS para o pagamento de honorários de sucumbência. Inicialmente, cumpre salientar que embora os honorários advocatícios tenham natureza alimentar, não se confundem com a prestação de alimentos, sendo esta última obrigação periódica, de caráter ético-social, lastreada no princípio da solidariedade entre os membros do mesmo grupo familiar. Apesar da distinção havida entre as verbas, esta Corte Superior, em linhas gerais, tem dado interpretação extensiva à expressão "prestação alimentícia" constante do § 2º do art. 649 do CPC/73, para englobar não somente as prestações alimentícias stricto senso, como também os honorários advocatícios. Ocorre que no caso dos autos, a hipótese não é propriamente de penhora de salários e vencimentos, mas, sim, de saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, que tem regramento próprio. De acordo com o art. 7º, III, da Constituição Federal, o FGTS é um direito de natureza trabalhista e social. Trata-se de uma poupança forçada do trabalhador, que tem suas hipóteses de levantamento elencadas na Lei n. 8.036/1990. O rol não é taxativo, tendo sido contemplados casos diretamente relacionados com a melhora da condição social do trabalhador e de seus dependentes, mais especificamente em casos de comprometimento de direito fundamental do titular do fundo. Nessa linha de entendimento, tem-se admitido a penhora de saldo do FGTS para pagamento de prestação alimentícia stricto senso, considerando que a dignidade do trabalhador está em risco, diante da possibilidade de sua prisão, assim como de seus dependentes. Destaca-se, porém, que a penhora de verbas do FGTS é medida extrema, que só se justifica para evitar a prisão do devedor de alimentos e atender as necessidades imediatas de sua prole. Dessa forma, não se justifica a liberação de valores do fundo de garantia fora das hipóteses legais para o pagamento de dívidas do trabalhador, ainda que tenham natureza alimentar em sentido amplo, como as decorrentes de honorários sucumbenciais e quaisquer outros honorários devidos a profissionais liberais.  REsp 1.619.868-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 24/10/2017, DJe 30/10/2017

CRÉDITOS VINCULADOS AOS FIES. RECURSO PÚBLICO RECEBIDO POR INSTITUIÇÃO PRIVADA PARA APLICAÇÃO COMPULSÓRIA EM EDUCAÇÃO. ART. 649, IX, DO CPC/73. IMPENHORABILIDADE.

São absolutamente impenhoráveis os créditos vinculados ao programa Fundo de Financiamento Estudantil - FIES constituídos em favor de instituição privada de ensino. A Lei n. 11.382/2006 inseriu, no art. 649, IX, do CPC/73, a previsão de impenhorabilidade absoluta dos "recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde, ou assistência social". Essa restrição à responsabilidade patrimonial do devedor justifica-se em razão da prevalência do interesse coletivo em relação ao interesse particular. No sistema anterior, embora a impenhorabilidade dos recursos públicos, enquanto pertencentes ao patrimônio de algum ente público, já estivesse garantida pelo disposto no art. 649, I, do CPC/73, quando eram repassados às entidades privadas, esses recursos passavam a integrar o patrimônio privado, o qual, em regra, está sujeito à penhora. Nesse contexto, a inserção do inciso IX no art. 649 do CPC/73, pela Lei 11.382/2006, visa a garantir a efetiva aplicação dos recursos públicos recebidos pelas entidades privadas às áreas da educação, saúde e assistência social, afastando a possibilidade de sua destinação para a satisfação de execuções individuais promovidas por particulares. Por seu turno, consigna-se que o programa Fundo de Financiamento Estudantil-FIES destina-se à concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores não gratuitos, considerando sua renda familiar mensal bruta per capita, a qual, atualmente, está limitada a 03 (três) salários mínimos. Trata-se, pois, de programa que concretiza política pública voltada a promover educação – ensino superior – para a população de menor renda. Muito mais que constituir simples remuneração por serviços prestados, os créditos recebidos do FIES retribuem a oportunidade dada aos estudantes de menor renda de obter a formação de nível superior, de aumentar suas chances de inserção no mercado de trabalho formal e, por conseguinte, de melhorar a qualidade de vida da família. Como se vê, são recursos vinculados a um fim social, e, portanto, impenhoráveis. Noutro ângulo, permitir a penhora desses recursos públicos transferidos às instituições particulares de ensino poderia frustrar a adesão ao programa e, em consequência, o atingimento dos objetivos por ele traçados. REsp 1.588.226-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 17/10/2017, DJe 20/10/2017

EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA. CONVERSÃO PARA PROCEDIMENTO EXECUTIVO POR QUANTIA CERTA. COISA PERSEGUIDA ENTREGUE COM ATRASO. POSSIBILIDADE.

É possível a conversão do procedimento de execução para entrega de coisa incerta para execução por quantia certa na hipótese em que o produto perseguido for entregue com atraso, gerando danos ao credor da obrigação. Na origem, trata-se de execução movida por cooperativa agroindustrial com base em cédula de produto rural, em que os executados se comprometeram à entrega de coisa incerta. Ante o atraso no cumprimento da obrigação, discute-se a possibilidade de se converter o procedimento para execução por quantia certa. Com efeito, o art. 627 do CPC/73 já autorizava a referida conversão para as hipóteses de frustração do meio executório, ou seja, nas situações específicas em que: (a) não encontrada a coisa perseguida; (b) não entregue; (c) deteriorada a coisa; e (d) não reclamada de terceiro adquirente. Na hipótese em que se busca obrigação subsidiária consistente nos frutos e ressarcimento dos prejuízos decorrentes da mora, deve-se fazer uma análise da compatibilidade do título (CPR) com o rito (execução para entrega de coisa e de quantia certa). Nesse sentido, extrai-se da leitura da segunda parte do art. 624 do CPC/73 – agora com nova redação ampliada do art. 807 do CPC/15 – combinado com o art. 389 do CC/02, que, mesmo satisfeita a obrigação de entregar a coisa, se "prosseguirá a execução" para o pagamento de frutos e/ou ressarcimento de prejuízos. Dessa forma, embora não contido no título, decorre da lei a certeza do direito perseguido, sem a necessidade de um novo processo cognitivo para se declarar a obrigação que o ordenamento jurídico já estabeleceu. Ressalta-se, por fim, que o citado ressarcimento dos prejuízos depende de liquidação incidental no próprio feito executivo convertido, sendo a prévia apuração do quantum realizada por estimativa do credor ou por arbitramento. REsp 1.507.339-MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 24/10/2017, DJe 30/10/2017

AÇÃO REDIBITÓRIA. RECLAMAÇÃO QUE OBSTA A DECADÊNCIA. FORMA DOCUMENTAL OU VERBAL. ADMISSÃO. COMPROVAÇÃO PELO CONSUMIDOR.

A reclamação obstativa da decadência, prevista no art. 26, § 2º, I, do CDC pode ser feita documentalmente ou verbalmente. Na origem, trata-se de ação redibitória – extinta com resolução do mérito, ante o reconhecimento da decadência – por meio da qual se buscava a rescisão do contrato de compra e venda de veículo defeituoso. Nesse contexto, discute-se a forma pela qual o consumidor deve externar a reclamação prevista no art. 26, § 2º, I, do Código de Defesa do Consumidor. Nos termos do dispositivo supracitado, é causa obstativa da decadência, a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca. Infere-se do preceito legal que a lei não preestabelece uma forma para a realização da reclamação, exigindo apenas comprovação de que o fornecedor tomou ciência inequívoca quanto ao propósito do consumidor de reclamar pelos vícios do produto ou serviço. Com efeito, a reclamação obstativa da decadência pode ser feita documentalmente – por meio físico ou eletrônico – ou mesmo verbalmente – pessoalmente ou por telefone – e, consequentemente, a sua comprovação pode dar-se por todos os meios admitidos em direito. Afinal, supor que o consumidor, ao invés de servir-se do atendimento atualmente oferecido pelo mercado, vá burocratizar a relação, elaborando documento escrito e remetendo-o ao Cartório, é ir contra o andamento natural das relações de consumo. REsp 1.442.597-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 24/10/2017, DJe 30/10/2017
Informativo STJ nº614

AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT). OBRIGAÇÃO IMPOSTA POR LEI. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. CDC. INAPLICABILIDADE.

As normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor não se aplicam ao seguro obrigatório (DPVAT). De plano, releva assentar que o seguro DPVAT não tem por lastro uma relação jurídica contratual estabelecida entre o proprietário do veículo e as seguradoras que compõem o correlato consórcio. Trata-se, pois, de um seguro obrigatório por força de lei, que tem por escopo contemporizar os danos advindos da circulação de veículos automotores. Em se tratando de obrigação imposta por lei, não há, por conseguinte, qualquer acordo de vontade e, principalmente, voluntariedade entre o proprietário do veículo e as seguradoras componentes do consórcio do seguro DPVAT, o que, por si, evidencia que não se trata de contrato. Note-se que a estipulação da indenização securitária em favor da vítima do acidente, assim como as específicas hipóteses de cabimento (morte, invalidez permanente, total e parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares - art. 3º da Lei n. 6.194/74) decorrem exclusivamente de imposição legal, e, como tal, não comportam qualquer temperamento das partes envolvidas. Nesse contexto, não há, por parte das seguradoras integrantes do consórcio do seguro DPVAT, responsáveis por lei a procederem ao pagamento, qualquer ingerência nas regras atinentes à indenização securitária, inexistindo, para esse propósito, a adoção de práticas comerciais abusivas de oferta, de contratos de adesão, de publicidade, de cobrança de dívidas, etc. Aliás, diversamente do que se dá no âmbito da contratação de seguro facultativo (esta, sim, de inequívoca incidência da legislação protetiva do consumidor), a atuação das seguradoras integrantes do consórcio do seguro DPVAT, adstrita à lei de regência, não é concorrencial, tampouco destinada à obtenção de lucro, na medida em que a respectiva arrecadação possui destinação legal específica. Tampouco seria possível falar-se em vulnerabilidade, na acepção técnico-jurídica, das vítimas de acidente de trânsito — e muito menos do proprietário do veículo a quem é imposto o pagamento do "prêmio" do seguro DPVAT — perante as seguradoras, as quais não possuem qualquer margem discricionária para efetivação do pagamento da indenização securitária, sempre que presentes os requisitos estabelecidos na lei. REsp 1.635.398-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 17/10/2017, DJe 23/10/2017

SEGURO DE AUTOMÓVEL. GARANTIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. TERCEIRO PREJUDICADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. INCLUSÃO ÚNICA DA SEGURADORA. POSSIBILIDADE.

A vítima de acidente de trânsito pode ajuizar demanda direta e exclusivamente contra a seguradora do causador do dano quando reconhecida, na esfera administrativa, a responsabilidade deste pela ocorrência do sinistro e quando parte da indenização securitária já tiver sido paga. De início, cumpre salientar que são pressupostos para o pagamento da cobertura securitária a verificação prévia da responsabilidade civil do segurado no sinistro, pois assim certamente haverá dano a ser indenizado por ele a terceiro, bem como a sua vontade de utilizar a garantia securitária, já que é de natureza facultativa. Quanto ao tema da legitimidade passiva do ente segurador em ações que buscam indenização securitária advinda do seguro de responsabilidade civil facultativo, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que descabe ação do terceiro prejudicado ajuizada direta e exclusivamente contra a seguradora do apontado causador do dano (Súmula 529/STJ). Não obstante esse entendimento, há hipóteses em que a obrigação crespoivil de indenizar do segurado se revela incontroversa, como quando reconhece a culpa pelo acidente de trânsito ao acionar o seguro de automóvel contratado, ou quando firma acordo extrajudicial com a vítima obtendo a anuência da seguradora, ou, ainda, quando esta celebra acordo diretamente com a vítima. Nesses casos, mesmo não havendo liame contratual entre a seguradora e o terceiro prejudicado, forma-se, pelos fatos sucedidos, uma relação jurídica de direito material envolvendo ambos, sobretudo se paga a indenização securitária. Logo, na pretensão de complementação de indenização securitária decorrente de seguro de responsabilidade civil facultativo, a seguradora pode ser demandada direta e exclusivamente pelo terceiro prejudicado no sinistro, pois, com o pagamento tido como parcial na esfera administrativa, originou-se uma nova relação jurídica substancial entre as partes. Ademais, mesmo com a ausência do segurado no polo passivo da lide, não haverá, nesses casos, restrição ao direito de defesa da seguradora, porquanto somente será feita a quantificação da indenização, já que o próprio segurado admitiu ser o causador do dano. REsp 1.584.970-MT, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 24/10/2017, DJe 30/10/2017

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. REPORTAGEM JORNALÍSTICA. DIVULGAÇÃO DE IMAGEM SEM AUTORIZAÇÃO. FATOS HISTÓRICOS DE REPERCUSSÃO SOCIAL. DIREITO À MEMÓRIA. PRÉVIA AUTORIZAÇÃO. DESNECESSIDADE.

A Súmula 403/STJ é inaplicável às hipóteses de divulgação de imagem vinculada a fato histórico de repercussão social. Cinge-se a controvérsia a definir se a veiculação não autorizada da imagem da filha da autora em programa televisivo configura dano material e moral indenizável. Para tanto, cabe considerar o alcance do entendimento consolidado pela Segunda Seção do STJ, por meio do enunciado de Súmula n. 403, segundo o qual "independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais", diante de fatos históricos de repercussão social. Em relação a esses, ressalta-se que o direito à memória intensificado pela mídia, assume o papel de guardião da memória social, porquanto permite que a vida se desenvolva na continuidade de uma memória comum, cujos dados são permanentemente acessíveis a todos. Nesse sentido, ao resgatar um fato histórico de repercussão social, a atividade jornalística reforça a promessa em sociedade de que não queremos outros episódios de dor e sofrimento, de que precisamos superar, em todos os tempos, a injustiça e a intolerância. Registre-se que eventual abuso na transmissão do fato, cometido, entre outras formas, por meio de um desvirtuado destaque da intimidade da vítima ou do agressor, deve ser objeto de controle sancionador. A razão jurídica que atribui ao portador da informação uma sanção, entretanto, está vinculada ao abuso do direito e não à reinstituição do fato histórico, afinal, o exercício regular do direito, não pode se subverter, ele mesmo, em uma transgressão à lei, na modalidade abuso do direito, desvirtuando um interesse aparentemente legítimo, pelo excesso. Ademais, importante ressaltar que o Plenário do STF (ADI 4.815), à unanimidade, estabeleceu interpretação conforme a Constituição ao art. 20 do CC/02, para declarar inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais e pessoas retratadas como coadjuvantes - o que legitima, ainda mais, a análise por esta Corte sobre a necessidade de autorização prévia para divulgação de imagem vinculada a fato histórico de repercussão social. No caso, por meio da conjuntura fática cristalizada pelo acórdão recorrido, pode-se concluir que: i) a matéria jornalística possui cunho informativo, sem denotação vexatória ou que denigra a imagem da autora ou de sua filha; ii) não há destaque para a intimidade da vítima ou de sua mãe; iii) as imagens divulgadas na reportagem se limitam a noticiar o fato histórico de repercussão social; iv) o fato já foi ampla e notoriamente divulgado desde a sua ocorrência; v) não há exploração comercial na exibição do conteúdo informativo. Desse modo, não é possível extrair a consequência jurídica pretendida. REsp 1.631.329-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 24/10/2017, DJe 31/10/2017

CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. CIDE-REMESSAS. INCIDÊNCIA SOBRE O PAGAMENTO A BENEFICIÁRIO NO EXTERIOR PELA EXPLORAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS RELATIVOS A SOFTWARES DESACOMPANHADOS DA "TRANSFERÊNCIA DA CORRESPONDENTE TECNOLOGIA". ISENÇÃO APENAS PARA OS FATOS GERADORES POSTERIORES A 31.12.2005.

Configura fato gerador da CIDE-Remessas o envio ao exterior de remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador (software), ainda que desacompanhado da "transferência da correspondente tecnologia", porquanto a isenção para tais hipóteses somente adveio com a Lei n. 11.452/2007. Sobre o tema, cabe salientar que o fato gerador da CIDE - Remessas é o pagamento a residente ou domiciliado no exterior a fim de remunerar (art. 2º da Lei n. 10.168/2000 - Lei da CIDE - Remessas): a) a detenção da licença de uso de conhecimentos tecnológicos; b) a aquisição de conhecimentos tecnológicos; c) a "transferência de tecnologia" que, para este exclusivo fim, compreende: a exploração de patentes; ou o uso de marcas; ou o "fornecimento de tecnologia"; ou a prestação de assistência técnica; d) a prestação, por residentes ou domiciliados no exterior, de serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes; e) a remessa de royalties, a qualquer título, derivados das situações anteriores, onde a remuneração corresponde à paga pela exploração de direitos autorais percebida por terceiro que não o autor ou criador do bem ou obra. Por especialidade, o conceito de "transferência de tecnologia" previsto no art. 2º, caput, da Lei n. 10.168/2000 não coincide com aquele adotado pelo art. 11 e parágrafo único, da Lei n. 9.609/98 (denominada "Lei do software"), segundo a qual há transferência apenas nas situações onde ocorre "a entrega, por parte do fornecedor ao receptor de tecnologia, da documentação completa, em especial do código-fonte comentado, memorial descritivo, especificações funcionais internas, diagramas, fluxogramas e outros dados técnicos necessários à absorção da tecnologia". Desse modo, exclusivamente para os fins da incidência da CIDE - Remessas, o art. 2º, § 1º, da Lei n. 10.168/2000 expressamente não exigiu a entrega dos dados técnicos necessários à "absorção da tecnologia" para caracterizar o fato gerador da exação, contentando-se com a existência do mero "fornecimento de tecnologia" em suas mais variadas formas. Nessa linha, esse "fornecimento de tecnologia" também engloba a aquisição dos direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador, isto porque para ser comercializada a tecnologia precisa primeiramente ser de algum modo fornecida a quem a comercializará. Não há aqui, por especialidade, a necessidade de "absorção da tecnologia" (exigência apenas do art. 11 e parágrafo único, da Lei n. 9.609/98). Importante ressaltar que esse raciocínio se coaduna com o objetivo da CIDE - Remessas, que é fomentar o desenvolvimento da tecnologia dentro do território brasileiro. Ou seja, é mais consentâneo com os objetivos da CIDE - Remessas tributar justamente os casos onde não ocorre a "absorção de tecnologia" (a tecnologia permanece no exterior, de domínio estrangeiro) e não ao contrário (a tecnologia é nacionalmente absorvida e apropriada). Assim, em sintonia com as finalidades da CIDE - Remessas, nem o legislador, nem o intérprete são obrigados a exigir a possibilidade de absorção da tecnologia estrangeira para fazer incidir o tributo. A este respeito, registra-se que, estranhamente e contra as finalidades da própria exação em comento, a exigência de "absorção da tecnologia" estrangeira para a incidência da CIDE - Remessas adveio posteriormente com a inclusão do § 1º-A no art. 2º da Lei n. 10.168/2000, que foi realizada pelo art. 20, da Lei n. 11.452, de 2007. Com isso, a isenção para a remessa ao exterior da remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador (software) desacompanhada da "transferência da correspondente tecnologia" ("absorção da tecnologia") somente adveio a partir de 1º de janeiro de 2006. REsp 1.642.249-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, por unanimidade, julgado em 15/08/2017, DJe 23/10/2017

PAGAMENTO DE DIÁRIAS. MAGISTRADOS FEDERAIS CONVOCADOS PELOS TRIBUNAIS REGIONAIS. ARTS. 65, IV, DA LOMAN; 58 E 59 DA LEI N. 8.112/1990. INCIDÊNCIA. DIAS DE EFETIVO AFASTAMENTO. ART. 5º DA RESOLUÇÃO CJF N. 51/2009. LIMITAÇÃO DAS DIÁRIAS. ILEGALIDADE.

É ilegal a limitação de duas diárias e meia semanais, à luz do art. 5º da Resolução CJF n. 51/2009, quando o deslocamento de juiz federal convocado para substituição em tribunais regionais for superior a esse lapso. Pautou-se a controvérsia em saber qual a melhor interpretação do disposto no art. 5º da Resolução CJF n. 51/2009, o qual restringe o pagamento de 2,5 diárias semanais ao juiz federal convocado para substituição em tribunais regionais. Em primeiro lugar, consigna-se que, à míngua de regulamentação legal específica na Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, as diárias pagas a magistrados são regidas, no que concerne aos seus limites, pela Lei n. 8.112/1990. Do exame dos limites postos pela legislação pátria, pode-se delimitar o seguinte: a) as diárias são um direito assegurado aos magistrados, conforme previsto na LOMAN; b) a sua concessão deve observar os critérios de afastamento da sede funcional e estar o magistrado a serviço do Poder Judiciário; c) o seu cálculo, conforme os estritos limites do § 1º do art. 58 da Lei n. 8.112/1990, deve considerar o "dia de afastamento, sendo devida pela metade quando o deslocamento não exigir pernoite fora da sede, ou quando a União custear, por meio diverso, as despesas extraordinárias cobertas por diárias". Por sua vez, ao tratar do tema, o art. 5º da Resolução CJF n. 51/2009 estabelece que, durante o período de convocação de juízes federais para o exercício da jurisdição no segundo grau ou para auxílio aos seus serviços, o magistrado fará jus ao pagamento de diária correspondente ao cargo de membro do Tribunal, limitado ao valor de duas diárias e meia por semana, destinada a indenizar as despesas com pousada, alimentação e locomoção urbana. Ocorre que, nada impede de o poder público, diante de eventuais restrições orçamentárias, limitar o valor global a ser gasto com o pagamento de diárias durante determinado exercício fiscal. Trata-se de política natural cometida ao administrador. O que lhe é vedado é pretender que o servidor ou juiz arque com custos que são despendidos em razão de deslocamentos efetivados a serviço da administração pública. Desse modo, não se pode interpretar a norma para convocar o magistrado e este se deslocar em lapso superior (consideradas as datas de saída e de retorno à sua sede funcional), mas, ainda assim, limitar o pagamento ao teto de 2,5 (duas e meia) diárias semanais. Nesse aspecto, a interpretação viola frontalmente o disposto na lei de regência, porquanto comete ao magistrado a assunção de gastos – alimentação e hospedagem, especialmente –, os quais são feitos por força de deslocamento a serviço do Poder Judiciário. REsp 1.536.434-SC, Rel. Min. Og Fernandes, por unanimidade, julgado em 17/10/2017, DJe 20/10/2017

AUXÍLIO-RECLUSÃO. PRISÃO DOMICILIAR. RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO. INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 85/2016.

Os dependentes de segurado preso em regime fechado ou semiaberto fazem jus ao auxílio-reclusão ainda que o condenado passe a cumprir a pena em prisão domiciliar. Inicialmente, salienta-se que nos termos dos arts. 80 da Lei n. 8.213/1991, 116, § 5º, e 119 do Decreto n. 3.048/99, o auxílio-reclusão será devido durante o período em que o apenado estiver recluso, seja em regime fechado ou semiaberto. Na esteira desse entendimento, tanto a doutrina quanto a jurisprudência vinham exigindo que o segurado estivesse recluso em estabelecimento prisional para a concessão do benefício previdenciário a seus dependentes. Porém, o Tribunal de origem firmou a seguinte orientação: "o que importa, para autorizar a cessação do auxílio-reclusão, não é o regime de cumprimento da pena a que está submetido o segurado, mas sim a possibilidade de ele exercer atividade remunerada fora do sistema prisional, o que não só se dá quando aquele é posto em liberdade, mas também quando a execução da pena for realizada em regime prisional aberto ou o segurado estiver em liberdade condicional. (...) Portanto, o fato de o segurado ser colocado em prisão domiciliar - a qual, registre-se, não descaracteriza a condição de recluso do condenado, porquanto de prisão e de cumprimento de pena igualmente se trata (CPP, art. 317) - não afasta, por si só, a possibilidade de concessão do auxílio-reclusão aos seus dependentes, a menos que seja autorizado ao segurado em prisão domiciliar a possibilidade de exercer atividade remunerada." Frise-se, ainda, que a irresignação da autarquia federal contra tal posicionamento encontra dissonância na sua própria orientação interna, já que, por meio da Instrução Normativa n. 85 de 19/02/2016, que alterou a IN 77/PRE/INSS de 21/01/2015, foi disposto que o cumprimento de pena em prisão domiciliar não impediria a percepção do benefício, se o regime previsto for o semiaberto ou fechado. Com efeito, se o Instituto de Previdência Social, em interpretação favorável da Lei de Benefícios, está a reconhecer um direito pré-existente, deve dar-lhe cumprimento, e não contestá-lo judicialmente, sob pena de praticar ato incompatível com o direito de recorrer. REsp 1.672.295-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 17/10/2017, DJe 26/10/2017

08/11/2017

EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO. ATIVIDADE REALIZADA EM CORAL. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA IN BONAM PARTEM DO ART. 126 DA LEP. REDAÇÃO ABERTA. FINALIDADE DA EXECUÇÃO ATENDIDA. INCENTIVO AO APRIMORAMENTO CULTURAL E PROFISSIONAL.

O reeducando tem direito à remição de sua pena pela atividade musical realizada em coral. O ponto nodal da discussão consiste em analisar se o canto em coral, pode ser considerado como trabalho ou estudo para fins de remição da pena. Inicialmente, consigna-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como resultado de uma interpretação analógica in bonam partem da norma prevista no art. 126 da LEP, firmou o entendimento de que é possível remir a pena com base em atividades que não estejam expressas no texto legal. Concluiu-se, portanto, que o rol do art. 126 da Lei de Execução Penal não é taxativo, pois não descreve todas as atividades que poderão auxiliar no abreviamento da reprimenda. Aliás, o caput do citado artigo possui uma redação aberta, referindo-se apenas ao estudo e ao trabalho, ficando a cargo do inciso I do primeiro parágrafo a regulação somente no que se refere ao estudo – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional. Na mesma linha, consigna-se que a intenção do legislador ao permitir a remição pelo trabalho ou pelo estudo é incentivar o aprimoramento do reeducando, afastando-o, assim, do ócio e da prática de novos delitos, e, por outro lado, proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado (art. 1º da LEP). Ao fomentar o estudo e o trabalho, pretende-se a inserção do reeducando ao mercado de trabalho, a fim de que ele obtenha o seu próprio sustento, de forma lícita, após o cumprimento de sua pena. Nessa toada, observa-se que o meio musical satisfaz todos esses requisitos, uma vez que além do aprimoramento cultural proporcionado ao apenado, ele promove sua formação profissional nos âmbitos cultural e artístico. A atividade musical realizada pelo reeducando profissionaliza, qualifica e capacita o réu, afastando-o do crime e reintegrando-o na sociedade. No mais, apesar de se encaixar perfeitamente à hipótese de estudo, vê-se, também, que a música já foi regulamentada como profissão pela Lei n. 3.857/1960. REsp 1.666.637-ES, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, por unanimidade, julgado em 26/09/2017, DJe 09/10/2017

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ART. 244-B. CORRUPÇÃO DE MENORES. PARTICIPAÇÃO DE DOIS ADOLESCENTES NA EMPREITADA CRIMINOSA. PRÁTICA DE DOIS DELITOS DE CORRUPÇÃO DE MENORES. CONCURSO FORMAL.

A prática de crimes em concurso com dois adolescentes dá ensejo à condenação por dois crimes de corrupção de menores. De início, cumpre salientar que o caput do art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que está sujeito a pena de 1 a 4 anos de reclusão, aquele que "corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la". Segundo a doutrina, o bem jurídico tutelado pelo art. 244-B do ECA é a formação moral da criança e do adolescente no que se refere à necessidade de eles não ingressarem ou permanecerem no mundo da criminalidade. Ora, se o bem jurídico tutelado pelo crime de corrupção de menores é a sua formação moral, caso duas crianças/adolescentes tiverem seu amadurecimento moral violado, em razão de estímulos a praticar o crime ou a permanecer na seara criminosa, dois foram os bens jurídicos violados. Da mesma forma, dois são os sujeitos passivos atingidos, uma vez que a doutrina é unânime em reconhecer que o sujeito passivo do crime de corrupção de menores é a criança ou o adolescente submetido à corrupção. O entendimento perfilhado também se coaduna com os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse da criança e do adolescente, vez que trata cada uma delas como sujeitos de direitos. Ademais, seria desarrazoado atribuir a prática de crime único ao réu que corrompeu dois adolescentes, assim como ao que corrompeu apenas um. REsp 1.680.114-GO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, por unanimidade, julgado em 10/10/2017, DJe 16/10/2017

CRIME AMBIENTAL. TRANSPORTE DE PRODUTOS TÓXICOS, NOCIVOS OU PERIGOSOS. ART. 56, CAPUT, DA LEI N. 9.605/1998. RESOLUÇÃO DA ANTT N. 420/2004. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. PERÍCIA. PRESCINDIBILIDADE.

O crime previsto no art. 56, caput da Lei n. 9.605/1998 é de perigo abstrato, sendo dispensável a produção de prova pericial para atestar a nocividade ou a periculosidade dos produtos transportados, bastando que estes estejam elencados na Resolução n. 420/2004 da ANTT. Cinge-se a controvérsia a definir a natureza jurídica do crime positivado no art. 56, caput, da Lei n. 9.605/1998, cujo preceito legal dispõe que está sujeito a pena de um a quatro anos de reclusão, e multa, aquele que "produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos". Inicialmente, é de se ponderar que a conduta ilícita prevista no dispositivo supracitado é norma penal em branco, cuja complementação depende da edição de outras normas, que definam o que venha a ser o elemento normativo do tipo "produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde pública ou ao meio ambiente". No caso específico de transporte de tais produtos ou substâncias, o Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos (Decreto n. 96.044/1988) e a Resolução n. 420/2004 da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, constituem a referida norma integradora, por inequivocamente indicar os produtos e substâncias cujo transporte rodoviário é considerado perigoso. Outrossim, cumpre salientar que, por razões de política criminal, o legislador prevê, no Código Penal e em leis extravagantes, condutas tais cujo aperfeiçoamento se dá com a mera ocorrência do comportamento típico, independentemente da efetiva produção de risco ou dano dele decorrente. No que se refere ao art. 56, caput, da Lei n. 9.605/1998, o legislador foi claro em não exigir a geração concreta de risco na conduta ali positivada. Poderia fazê-lo, mas preferiu contentar-se com a deliberada criação de um risco para o meio ambiente ou mesmo a um número indeterminado de pessoas por quem transporta produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos. Em outras palavras, o conceito de nocividade no crime ambiental examinado se esgota na própria capitulação normativa do produto ou substância como tóxica, perigosa ou nociva ao ecossistema. Logo, o crime materializado no art. 56, caput, da Lei n. 9.605/1998, possui a natureza de crime de perigo abstrato, ou, de crime de perigo abstrato-concreto, em que, embora não baste a mera realização de uma conduta, não se exige, a seu turno, a criação de ameaça concreta a algum bem jurídico e muito menos lesão a ele. Basta a produção de um ambiente de perigo em potencial, em abstrato – in casu, com o transporte dos produtos ou substâncias em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos, de modo que a atividade descrita no tipo penal crie condições para afetar os interesses juridicamente relevantes, não condicionados, porém, à efetiva ameaça de um determinado bem jurídico. Deste modo, desnecessária se faz a constatação, via laudo pericial, da impropriedade, perigo ou nocividade do produto transportado, bastando, para tanto, que o "produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva para a saúde humana ou o meio ambiente", esteja elencado na Resolução n. 420/04 da ANTT. REsp 1.439.150-RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, por unanimidade, julgado em 05/10/2017, DJe 16/10/2017

AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. INTERESSE PROCESSUAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. VEÍCULO AUTOMOTOR. ADMINISTRAÇÃO DE INTERESSE DE TERCEIRO. CABIMENTO.

Mesmo antes do advento da Lei n. 13.043/2014, que deu nova redação ao art. 2º do Decreto-Lei n. 911/69, já era cabível o ajuizamento de ação de prestação de contas relativas aos valores auferidos com o leilão extrajudicial de veículo apreendido em busca e apreensão. Na origem, foi ajuizada ação de prestação de contas em desfavor de instituição financeira, com o objetivo de se conhecer o resultado da alienação extrajudicial de veículo automotor, apreendido na forma do Decreto-Lei n. 911/1969, e se apurar eventual saldo em favor do autor. Com efeito, o interesse do devedor fiduciário para o ajuizamento da referida ação é evidente nos casos de alienação extrajudicial, pois busca saber o quantum da arrecadação e a forma de aplicação dos valores. Se, por um lado, garante-se ao credor uma forma executiva extremamente célere e sem interferência direta do Estado, por outro, tem o devedor, no mínimo, o direito de saber da solução realizada pelo credor, a qual necessariamente afeta seu patrimônio. É de se observar que, no momento da alienação extrajudicial, precisamente com o produto da venda, surge a administração de interesse do devedor. Ao credor cumpre zelar pela correta destinação da quantia, nos moldes estabelecidos pela norma. Essa incumbência também está ligada ao patrimônio do devedor, o qual ficará vinculado pela dívida remanescente ou terá saldo a receber. Dessa forma, tem-se por inegável a existência de um vínculo entre o credor e o devedor, sendo que desta relação decorre o interesse de agir (utilidade e adequação) para o devedor fiduciário ajuizar ação de prestação de contas, especificamente quanto aos valores decorrentes do leilão extrajudicial do bem e a sua imputação no débito, ocorrida no curso da ação de busca e apreensão. Saliente-se, ainda, a inviabilidade de se alcançar a prestação de contas no próprio âmbito da busca e apreensão, já que o objeto da ação é restrito ao aspecto possessório e não há título executivo a amparar eventual cumprimento de sentença a respeito do saldo remanescente - o que denota a inexistência de certeza e liquidez de tais valores. Nesse sentido, o art. 2º do Decreto Lei n. 911/69 estabelece o dever, posteriormente à venda, do credor aplicar o preço no pagamento dos seus créditos e das despesas decorrentes dessa modalidade de alienação. Tais valores deverão ser comprovados e poderão ser objeto de impugnação pelo devedor, ampliando-se a cognição sobre o assunto. Vale destacar, por fim, que a parte final do referido dispositivo foi alterada pela Lei n. 13.043/2014, no sentido de determinar que o resultado da alienação extrajudicial seja demonstrado ao devedor. Portanto, a partir da vigência da lei, não há mais dúvida quanto ao cabimento da respectiva ação de prestação de contas pelo executado. 


REsp 1.678.525-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, por unanimidade, julgado em 05/10/2017, DJe 09/10/2017

RÉU CITADO POR EDITAL. REVELIA. NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. LEGITIMIDADE ATIVA PARA RECONVIR.

O curador especial tem legitimidade para propor reconvenção em favor de réu revel citado por edital. Inicialmente cumpre salientar que apesar da multiplicidade conceitual sobre a natureza jurídica do curador especial, a doutrina e a jurisprudência são uniformes de que o curador nomeado tem como função precípua defender o réu revel citado por edital, o que nos remete a estabelecer a efetiva extensão do que seria "defesa". Considerando que tal expressão – "defesa" – nem mesmo está mencionada na regra do art. 9º, II, do CPC/1973 (atual art. 72 do CPC/2015), não sofrendo, portanto, nenhuma limitação legal em sua amplitude, verifica-se que a atuação do curador especial deve possuir amplo alcance no âmbito do processo em que for nomeado e em demandas incidentais a esse, estritamente vinculadas à discussão travada no feito principal. Tal orientação é a que melhor se coaduna com o direito ao contraditório e à ampla defesa. Sobre o tema, a doutrina afirma que "o curador especial legitima-se a exercer todas as posições jurídicas que caberiam ao incapaz, ao réu preso e ao réu revel no processo, sendo-lhe possível oferecer defesa, requerer provas, recorrer das decisões". Ainda segundo a doutrina, o atual Código de Processo Civil, de 2015 – muito semelhante ao diploma anterior, de 1973 preconiza que "por decorrência lógica da legitimidade para interpor recursos, legitimou-se o curador a empregar as ações autônomas de impugnação, a exemplo do mandado de segurança contra ato judicial. Vencida a barreira da legitimação extraordinária, como se percebe na ação especial de segurança, tudo se concedeu ao curador: poderá embargar a execução (Súmula do STJ, nº 196) e oferecer reconvenção. Em síntese, os poderes do curador especial não se distinguem dos conferidos à parte por ele representada". Conclui-se, assim, que ao curador incumbe velar pelo interesse da parte tutelada, no que diz respeito à regularidade de todos os atos processuais, cabendo-lhe ampla defesa dos direitos da parte representada, e podendo, até mesmo, produzir atos de resposta como a contestação, a exceção e a reconvenção, se encontrar elementos para tanto, pois a função da curatela especial dá-lhe poderes de representação legal da parte, em tudo que diga respeito ao processo e à lide nele debatida. REsp 1.088.068-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, por unanimidade, julgado em 29/08/2017, DJe 09/10/2017

AÇÃO ANULATÓRIA DE PROCEDIMENTO ARBITRAL. POLO PASSIVO. ÓRGÃO ARBITRAL INSTITUCIONAL. CÂMARA ARBITRAL. NATUREZA ESSENCIALMENTE ADMINISTRATIVA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INTERESSE PROCESSUAL. AUSÊNCIA.

A instituição arbitral, por ser simples administradora do procedimento arbitral, não possui interesse processual nem legitimidade para integrar o polo passivo da ação que busca a sua anulação. Cinge-se a controvérsia a definir se a câmara arbitral tem legitimidade para integrar o polo passivo de ação de anulação de procedimento arbitral. Vale registrar que nem mesmo os árbitros, embora prolatores do ato considerado viciado, teriam, em tese, legitimidade para integrar o polo passivo de demanda anulatória de sentença arbitral. Assim é porque a ação anulatória de sentença arbitral guarda certa semelhança com a ação rescisória de sentença judicial. Logo, não se cogita da inclusão do órgão julgador no polo passivo da demanda visando a sua desconstituição, somente figurando como partes legítimas da ação anulatória aquelas que integraram a relação original, ou seja, que submeteram a solução do litígio ao juízo arbitral. Nesse sentido a doutrina já se manifestou: "(...) Com esse perfil, a ação anulatória de sentença arbitral guarda alguma semelhança com a ação rescisória de sentenças ou acórdãos judiciais, dela diferindo em alguns aspectos (supra, n. 81). São legitimados a ela, (a) no polo ativo, aquele ou aqueles que houverem sucumbido no processo arbitral, interessados na desconstituição do laudo, e (b) no passivo, o vencedor ou vencedores, interessados em sua manutenção. São esses os sujeitos cujas esferas jurídicas serão de algum modo atingidas pelo julgamento de mérito a ser proferido na ação anulatória. O árbitro ou árbitros, embora sejam eles os autores do ato a ser anulado, não têm legitimidade para figurar na ação anulatória, tanto quanto o juiz estatal não é parte legítima à rescisória". 


REsp 1.433.940-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 26/09/2017, DJe 02/10/2017

AQUISIÇÃO DE IMÓVEL COM PROVENTOS DE CRIME. OCUPAÇÃO POSTERIOR POR TERCEIROS. ALEGAÇÃO DE USUCAPIÃO. SEQUESTRO E POSTERIOR CONFISCO DO BEM PELO JUÍZO CRIMINAL. PREVALÊNCIA SOBRE O JUÍZO CÍVEL. EXTINÇÃO DA AÇÃO DE USUCAPIÃO. PERDA DE OBJETO.

Há perda de objeto da ação de usucapião proposta em juízo cível na hipótese em que juízo criminal decreta a perda do imóvel usucapiendo em razão de ter sido adquirido com proventos de crime. Discute-se acerca da possibilidade de o juízo cível julgar ação de usucapião sobre bem sequestrado e, posteriormente, confiscado pelo juízo criminal, em razão de o imóvel ter sido adquirido com proventos de crime. No direito pátrio, a coordenação entre o juízo cível e criminal se dá pelo sistema da separação relativa, em que se admite, embora sem caráter absoluto, processos paralelos, com a possibilidade de julgamentos discrepantes. Apesar de a independência das instâncias ser regra, os sistemas processuais civil e penal admitem exceções, em que se adota o sistema da adesão, por meio do qual uma instância simplesmente adere ao julgamento da outra. É o caso do disposto no art. 935, in fine, do Código Civil, que exclui da cognição do juízo cível a controvérsia acerca da materialidade e da autoria do ato ilícito, "quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal ". Exemplo da hipótese inversa é a regra que exclui da cognição do juízo criminal a controvérsia acerca do estado civil de pessoa, conforme previsto no art. 92 do Código de Processo Penal. Nessa linha de entendimento, o discrimen que permite excepcionar a regra da independência das instâncias, na hipótese analisada, é o interesse público de que se reveste o confisco. Efetivamente, a par do interesse do lesado em obter reparação civil, existe o interesse público de subtrair do autor do ilícito penal o produto do crime ou os bens adquiridos com os proventos da infração. Deveras, observa-se que o confisco foi previsto como efeito automático da condenação criminal (art. 91, inciso II, do CP), não dependendo de requerimento do lesado, podendo ser decretado de ofício ou a requerimento do Ministério Público (art. 127 do CPP). Observa-se também, sob outro ângulo, que o CPP previu os embargos de terceiro como instrumento de defesa do acusado e de terceiros contra essa medida constritiva real (art. 130). Essas previsões normativas evidenciam que a finalidade da norma foi excluir da competência do juízo cível qualquer decisão sobre o destino do bem constrito. Nessa ordem de ideias, pode-se concluir que, após decretado o confisco do bem por meio de sentença penal condenatória transitada em julgado, nada resta ao juízo cível senão curvar-se ao provimento exarado pelo juízo criminal, cabendo à parte interessada insurgir-se perante aquele juízo, por meio dos referidos embargos. Assim, considerando-se que, no caso analisado, o juízo cível está subordinado aos comandos da sentença proferida pelo juízo criminal, impõe-se reconhecer que a ação de usucapião deve ser julgada extinta, sem resolução do mérito, por perda do objeto. REsp 1.471.563-AL, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 26/09/2017, DJe 10/10/2017

AÇÃO DE USUCAPIÃO. EFEITOS DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA. PATRIMÔNIO AFETADO COMO UM TODO. USUCAPIÃO. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. MASSA FALIDA OBJETIVA. ART. 47 DO DL N. 7.661/45. INAPLICABILIDADE.

O curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a massa falida é interrompido com a decretação da falência. O debate se limita a verificar a existência de usucapião de imóvel ocupado por terceiros em momento anterior à decretação da falência da companhia siderúrgica proprietária do bem, ocorrida à luz do DL n. 7.661/45. Inicialmente, ressalta-se que a sentença declaratória de falência inaugura a massa falida subjetiva, com a formação da massa de credores (corpus creditorum) que, no decurso do processo falimentar, concorrerá na realização do ativo para satisfação de seus créditos. Simultaneamente, forma-se a massa objetiva, ou seja, a afetação do patrimônio do falido como um todo, e não os bens singulares separadamente. Nessa linha de compreensão, é absolutamente relevante compreender que a sentença declaratória da falência produz efeitos imediatos, tão logo prolatada pelo juízo concursal. A propósito, a doutrina menciona a constrição geral do patrimônio do falido como um ato de penhoramento abstrato decorrente da decretação da falência. Isso quer dizer que o Estado, sem necessidade do ato material, retira a posse e preestabelece outros efeitos jurídicos no tocante à extensão objetiva do concurso de credores. Nesse contexto, o bem imóvel, ocupado por quem tem expectativa de adquiri-lo por meio da usucapião, passa a compor um só patrimônio afetado na decretação da falência, correspondente à massa falida objetiva. Assim, o curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a massa falida é interrompido com a decretação da falência, pois o possuidor (seja ele o falido ou terceiros) perde a posse pela incursão do Estado na sua esfera jurídica. Note-se que a suspensão do curso da prescrição a que alude o art. 47, do DL n. 7.661/45 cinge-se às obrigações de responsabilidade do falido para com seus credores, e não interfere na prescrição aquisitiva da propriedade por usucapião, a qual é interrompida na hora em que decretada a falência devido à formação da massa falida objetiva. REsp 1.680.357-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 10/10/2017, DJe 16/10/2017

EMBARGOS DE TERCEIRO. BLOQUEIO DE VALOR DEPOSITADO EM CONTA-CORRENTE CONJUNTA. SOLIDARIEDADE PASSIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS. DESCABIMENTO. COMPROVAÇÃO DA TITULARIDADE INTEGRAL DO PATRIMÔNIO. INOCORRÊNCIA. PENHORA. APENAS DA METADE PERTENCENTE AO EXECUTADO.

Em se tratando de conta-corrente conjunta solidária, na ausência de comprovação dos valores que integram o patrimônio de cada um, presume-se a divisão do saldo em partes iguais, de forma que os atos praticados por quaisquer dos titulares em suas relações com terceiros não afetam os demais correntistas. O propósito recursal consiste em definir se é possível a presunção de solidariedade passiva entre titulares de conta-corrente conjunta perante terceiros, à luz dos arts. 264 e 265 do CC/02. Além disso, investiga-se o que acontece quando o titular não comprova os valores que integram o patrimônio de cada correntista. Para tanto, faz-se necessária a análise do contrato de conta-corrente, uma espécie contratual do ramo do Direito Bancário, o qual regula as operações de banco e as atividades daqueles que as praticam em caráter profissional, isto é, pelas instituições financeiras. Nessa senda, importa destacar a existência de duas espécies de conta-corrente bancária: a individual ou unipessoal e a coletiva ou conjunta. Esta última, por sua vez, classifica-se em fracionária ou solidária. A fracionária é aquela que é movimentada por intermédio de todos os titulares, isto é, sempre com a assinatura de todos. No que tange à conta conjunta solidária - objeto da discussão -, cada um dos titulares pode movimentar a integralidade dos fundos disponíveis, em decorrência da solidariedade ativa em relação ao banco. Aliás, sobre o ponto, a doutrina e a jurisprudência desta Corte convergem para o entendimento de que, nessa modalidade contratual, existe solidariedade ativa e passiva entre os correntistas apenas em relação à instituição financeira mantenedora da conta-corrente, de forma que os atos praticados por quaisquer dos titulares não afetam os demais correntistas em suas relações com terceiros. Com efeito, a solidariedade inerente à conta-corrente conjunta atua para garantir a movimentação da integralidade dos fundos disponíveis em conta bancária conjunta, e não para gerar obrigações solidárias passivas dos correntistas em face de terceiros. Salienta-se, porém, que, por força do disposto no art. 265 do CC/2002 e considerando que o contrato de conta-corrente é atípico (sem disposição em lei), a solidariedade na conta-corrente conjunta deve ser expressamente convencionada entre todas as partes. Diante dessas considerações, aos titulares da referida modalidade contratual é permitida a comprovação dos valores que integram o patrimônio de cada um, sendo certo que, na ausência de provas nesse sentido, presume-se a divisão do saldo em partes iguais. Logo, diante da ausência de comprovação de que a totalidade dos valores contidos na conta fossem de propriedade de um dos correntistas, a constrição não pode atingir a integralidade desse montante, mas somente a metade pertencente ao executado. REsp 1.510.310-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 03/10/2017, DJe 13/10/2017

AÇÃO INDENIZATÓRIA. ROUBO DE MOTOCICLETA. EMPREGO DE ARMA DE FOGO. ÁREA EXTERNA DE LANCHONETE. ESTACIONAMENTO GRATUITO. FORTUITO EXTERNO. SÚMULA N. 130/STJ. INAPLICABILIDADE.

A incidência do disposto na Súmula 130/STJ não alcança as hipóteses de crime de roubo a cliente de lanchonete, praticado mediante grave ameaça e com emprego de arma de fogo, ocorrido no estacionamento externo e gratuito oferecido pelo estabelecimento comercial. A matéria devolvida ao conhecimento do STJ se limita a definir se há responsabilidade de lanchonete por roubo de motocicleta ocorrido nas dependências do estacionamento mantido pelo estabelecimento, quando o consumidor retornava a seu veículo após a refeição. Sobre o tema, cumpre salientar que, a teor da Súmula 130/STJ "A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento". Ocorre, porém, que o caso em apreço não se amolda à orientação expressada no aludido enunciado sumular, porquanto não se trata aqui de simples subtração (furto) ou avaria (dano) da motocicleta pertencente ao autor, mas da subtração desta mediante grave ameaça dirigida por terceiros contra sua pessoa, ou seja, verificou-se a ocorrência do crime de roubo, que foi praticado, inclusive, com emprego de arma de fogo, o que evidencia ainda mais a inevitabilidade do resultado danoso. Como consabido, o art. 393 do Código Civil de 2002 elenca a força maior e o caso fortuito como causas excludentes do nexo causal e, por consequência, da própria responsabilidade civil. O parágrafo único do mencionado dispositivo, por sua vez, dispõe que ambos se configuram na hipótese de fato necessário, cujos efeitos se revelem impossíveis de evitar ou impedir. A ideia que subjaz é, por isso mesmo, a de que o "agente" não deve responder pelos danos causados na hipótese em que não lhe era possível antever e, sobretudo, impedir o acontecimento. Destaca-se também que não se pode comparar a situação em apreço com a de estacionamentos privados destinados à exploração direta de tal atividade ou a daqueles indiretamente explorados por grandes shopping centers e redes de hipermercados. Nesse aspecto, cumpre observar que, no primeiro caso - relativo a demandas indenizatórias promovidas em desfavor de empresas voltadas especificamente à exploração do serviço de estacionamento -, esta Corte Superior tem afastado a alegação defensiva de ocorrência de força maior por considerar configurado fortuito interno, haja vista serem inerentes à atividade comercial explorada, nessa hipótese, os riscos oriundos de seus deveres de guarda e segurança que constituem, em verdade, a própria essência do serviço oferecido e pelo qual demanda contraprestação. No segundo caso - em que figuram no polo passivo de demandas análogas hipermercados ou shopping centers -, a responsabilidade tem sido reconhecida pela aplicação da teoria do risco (risco-proveito) conjugada com o fato de se vislumbrar, em situações tais, a frustração de legítima expectativa do consumidor, que termina sendo levado a crer, pelas características do serviço agregado (de estacionamento) oferecido pelo fornecedor, estar frequentando ambiente completamente seguro. No caso concreto, nenhuma dessas circunstâncias se faz presente. Afinal, pelo que se pode facilmente colher dos autos, o autor foi vítima de assalto na área de estacionamento aberto, gratuito, desprovido de controle de acesso, cercas ou de qualquer aparato que o valha, circunstâncias que evidenciam que nem sequer se poderia afirmar ser a lanchonete responsável por eventual expectativa de segurança criada pelo consumidor. REsp 1.431.606-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por maioria, julgado em 15/08/2017, DJe 13/10/2017

AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL C/C PEDIDO DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA. ARRAS. NATUREZA INDENIZATÓRIA. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

Na hipótese de inexecução do contrato, revela-se inadmissível a cumulação das arras com a cláusula penal compensatória, sob pena de ofensa ao princípio do non bis in idem. Cinge-se a controvérsia acerca da impossibilidade de cumulação da cláusula penal compensatória com a retenção das arras. Inicialmente, cumpre salientar que a cláusula penal constitui pacto acessório, de natureza pessoal, por meio do qual as partes contratantes, com o objetivo de estimular o integral cumprimento da avença, determinam previamente uma penalidade a ser imposta ao devedor na hipótese de inexecução total ou parcial da obrigação, ou de cumprimento desta em tempo e modo diverso do pactuado. Nos termos do art. 409 do Código Civil de 2002, a cláusula penal, também chamada de pena convencional ou simplesmente multa contratual, pode ser classificada em duas espécies: (i) a cláusula penal compensatória, que se refere à inexecução da obrigação, no todo ou em parte; e (ii) a cláusula penal moratória, que se destina a evitar retardamento no cumprimento da obrigação, ou o seu cumprimento de forma diversa da convencionada, quando a obrigação ainda for possível e útil ao credor. Quando ajustada entre as partes, a cláusula penal compensatória incide na hipótese de inadimplemento da obrigação (total ou parcial), razão pela qual, além de servir como punição à parte que deu causa ao rompimento do contrato, funciona como fixação prévia de perdas e danos. Ou seja, representa um valor previamente estipulado pelas partes a título de indenização pela inexecução contratual. De outro turno, as arras se relacionam à quantia ou bem entregue por um dos contratantes ao outro, por ocasião da celebração do contrato, como sinal de garantia do negócio. De acordo com os arts. 417 a 420 do Código Civil de 2002, a função indenizatória das arras se faz presente não apenas quando há o lícito arrependimento do negócio (art. 420), mas principalmente quando ocorre a inexecução do contrato. Isso porque, de acordo com o disposto no art. 418, mesmo que as arras tenham sido entregues com vistas a reforçar o vínculo contratual, tornando-o irretratável, elas atuarão como indenização prefixada em favor da parte "inocente" pelo inadimplemento do contrato, a qual poderá reter a quantia ou bem, se os tiver recebido, ou, se for quem os deu, poderá exigir a respectiva devolução, mais o equivalente. Outrossim, de acordo com o que determina o art. 419 do CC/02, a parte prejudicada pelo inadimplemento culposo pode exigir indenização suplementar, provando maior prejuízo, "valendo as arras como taxa mínima", ou, ainda, pode requerer a execução do acordado com perdas e danos, se isso for possível, "valendo as arras como o mínimo da indenização". Nesse contexto, evidenciado que, na hipótese de inadimplemento do contrato, as arras apresentam natureza indenizatória, desempenhando papel semelhante ao da cláusula penal compensatória, é imperiosa a conclusão no sentido da impossibilidade de cumulação de ambos os institutos, em face do princípio geral da proibição do non bis in idem (proibição da dupla condenação a mesmo título). REsp 1.617.652-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 26/09/2017, DJe 29/09/2017