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19/08/2016

DIREITO PENAL. CONTEÚDO DO DOLO NO CRIME DE GESTÃO TEMERÁRIA.



Está presente o dolo do delito de gestão temerária (art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986) na realização, por alguma das pessoas mencionadas no art. 25 da Lei n. 7.492/1986, de atos que transgridam, voluntária e conscientemente, normas específicas expedidas pela CVM, CMN ou Bacen. Desde logo, frise-se que, de acordo com a jurisprudência do STJ, o delito de gestão temerária somente admite a forma dolosa, tendo em conta a inexistência de previsão expressa da modalidade culposa, nos termos do art. 18, parágrafo único, do CP (AgRg no REsp 1.205.967-SP, Quinta Turma, DJe 15/9/2015; e PExt no RHC 7.982-RJ, Quinta Turma, DJ 9/9/2002). Admitida a constitucionalidade do tipo penal, a saída que se apresenta, para compreendê-lo como válido, é submetê-lo a uma "interpretação conforme" à Constituição, através de uma redução teleológica do seu campo de incidência. Para tanto, é preciso afastar da incidência da norma penal os casos que se encontrem cobertos pelo risco permitido na esfera da atividade financeira. Desse modo, a contrario sensu, deve-se entender que o tipo penal de gestão temerária pressupõe a violação de deveres extrapenais. Inicialmente, destaque-se que, nos termos do art. 153 da Lei n. 6.404/1976 (Lei das S.A.) - aplicável às instituições financeiras privadas, pois, por força do art. 24 da Lei n. 4.595/1964, à exceção das cooperativas de crédito, todas elas deverão constituir-se sob a forma de sociedade anônima - "o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios". Esse princípio, aliás, também se acha estatuído no art. 1.011 do CC. São as primeiras diretrizes a indicar o que é uma gestão responsável - e, portanto, não temerária - de uma sociedade qualquer. Mais do que cuidado e diligência, quem lida profissionalmente com bens, valores ou dinheiro alheio tem de possuir o conhecimento técnico adequado. Tais normas, porém, são ainda muito genéricas para serem utilizadas como critério de determinação do risco proibido. É preciso examinar as regras específicas, veiculadas por órgãos como o CMN, o Bacen e a CVM, para perquirir se os administradores das instituições financeiras superaram o risco admitido pelas normas pressupostas pelo tipo penal. E tal violação às normas de regência da atividade financeira tem de ser dolosa. Mas é preciso que se compreenda exatamente qual é o conteúdo do dolo de que deve estar imbuído o agente. A temeridade da gestão (art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986) é elemento valorativo global do fato (Roxin), e, como tal, sua valoração é de competência exclusiva da ordem jurídica, e não do agente. Para a caracterização do elemento subjetivo do delito não é necessária a vontade de atuar temerariamente; o que se exige é que o agente, conhecendo as circunstâncias de seu agir, transgrida voluntariamente as normas regentes da sua condição de administrador da instituição financeira. O que deve ser comprovado é a "consciência e vontade da inobservância dos cuidados obrigatórios, segundo as regras do Banco Central" (HC 87.440-GO, Primeira Turma, DJ 2/3/2007) ou, de outros entes reguladores da atividade financeira. É irrelevante se o agente considera que age temerariamente. REsp 1.613.260-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 9/8/2016, DJe 24/8/2016.

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