Está presente o dolo
do delito de gestão temerária (art. 4º, parágrafo único, da
Lei n. 7.492/1986) na realização, por alguma das
pessoas mencionadas no art. 25 da Lei n. 7.492/1986, de atos que
transgridam, voluntária e conscientemente, normas específicas
expedidas pela CVM, CMN ou Bacen. Desde logo, frise-se que,
de acordo com a jurisprudência do STJ, o delito de gestão temerária
somente admite a forma dolosa, tendo em conta a inexistência de
previsão expressa da modalidade culposa, nos termos do art. 18,
parágrafo único, do CP (AgRg no REsp 1.205.967-SP, Quinta Turma, DJe
15/9/2015; e PExt no RHC 7.982-RJ, Quinta Turma, DJ 9/9/2002).
Admitida a constitucionalidade do tipo penal, a saída que se
apresenta, para compreendê-lo como válido, é submetê-lo a uma
"interpretação conforme" à Constituição, através de uma redução
teleológica do seu campo de incidência. Para tanto, é preciso
afastar da incidência da norma penal os casos que se encontrem
cobertos pelo risco permitido na esfera da atividade financeira.
Desse modo, a contrario sensu, deve-se entender que o tipo
penal de gestão temerária pressupõe a violação de deveres
extrapenais. Inicialmente, destaque-se que, nos termos do art. 153
da Lei n. 6.404/1976 (Lei das S.A.) - aplicável às instituições
financeiras privadas, pois, por força do art. 24 da Lei n.
4.595/1964, à exceção das cooperativas de crédito, todas elas
deverão constituir-se sob a forma de sociedade anônima - "o
administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas
funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo
costuma empregar na administração dos seus próprios negócios". Esse
princípio, aliás, também se acha estatuído no art. 1.011 do CC. São
as primeiras diretrizes a indicar o que é uma gestão responsável -
e, portanto, não temerária - de uma sociedade qualquer. Mais do que
cuidado e diligência, quem lida profissionalmente com bens, valores
ou dinheiro alheio tem de possuir o conhecimento técnico adequado.
Tais normas, porém, são ainda muito genéricas para serem utilizadas
como critério de determinação do risco proibido. É preciso examinar
as regras específicas, veiculadas por órgãos como o CMN, o Bacen e a
CVM, para perquirir se os administradores das instituições
financeiras superaram o risco admitido pelas normas pressupostas
pelo tipo penal. E tal violação às normas de regência da atividade
financeira tem de ser dolosa. Mas é preciso que se compreenda
exatamente qual é o conteúdo do dolo de que deve estar imbuído o
agente. A temeridade da gestão (art. 4º, parágrafo único, da Lei n.
7.492/1986) é elemento valorativo global do fato (Roxin), e, como
tal, sua valoração é de competência exclusiva da ordem jurídica, e
não do agente. Para a caracterização do elemento subjetivo do delito
não é necessária a vontade de atuar temerariamente; o que se exige é
que o agente, conhecendo as circunstâncias de seu agir, transgrida
voluntariamente as normas regentes da sua condição de administrador
da instituição financeira. O que deve ser comprovado é a
"consciência e vontade da inobservância dos cuidados obrigatórios,
segundo as regras do Banco Central" (HC 87.440-GO, Primeira Turma,
DJ 2/3/2007) ou, de outros entes reguladores da atividade
financeira. É irrelevante se o agente considera que age
temerariamente. REsp 1.613.260-SP, Rel. Min. Maria Thereza
de Assis Moura, julgado em 9/8/2016, DJe 24/8/2016.
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