No caso em que sociedade
empresária tenha sido contratada mediante licitação para a execução
integral de evento festivo promovido pelo Poder Público, a
contratada - e não o ente que apenas a contratou, sem colaborar
direta ou indiretamente para a execução do espetáculo - será
responsável pelo pagamento dos direitos autorais referente às obras
musicais executadas no evento, salvo se comprovada a ação culposa do
contratante quanto ao dever de fiscalizar o cumprimento dos
contratos públicos (culpa in eligendo ou in
vigilando). No julgamento da ADC 16-DF (Tribunal
Pleno, DJe 8/9/2011), o STF declarou a constitucionalidade do art.
71 da Lei n. 8.666/1993, cujo caput dispõe que: "O
contratado é responsável pelos encargos trabalhistas,
previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do
contrato". Ressalte-se que, nesse julgamento, prevaleceu a tese de
que a análise do caso poderia implicar a responsabilização
subsidiária do Poder Público pelos encargos trabalhistas, sobretudo
na hipótese de ação culposa da Administração quanto ao dever de
fiscalizar o cumprimento dos contratos públicos (culpa in
eligendo ou in vigilando). No mesmo sentido, os
seguintes precedentes do STF: AgR na Rcl 16.846-SC, Primeira Turma,
DJe 4/8/2015; e AgR na Rcl 17.618-RS, Segunda Turma, DJe 20/3/2015.
A norma em comento, conquanto examinada pelo STF apenas quanto aos
encargos trabalhistas, também veda a transferência à Administração
Pública da responsabilidade pelo pagamento dos encargos comerciais.
De acordo com o § 4º do art. 68 da Lei n. 9.610/1998, previamente à
realização da execução pública de obras musicais, o empresário -
expressão aqui entendida como o responsável pela realização do
evento - deve apresentar ao ECAD a comprovação dos recolhimentos
relativos aos direitos autorais, competindo à referida entidade, em
caso de descumprimento dessa obrigação, exercer seu ofício
arrecadatório nos moldes do art. 99 do mesmo diploma legal, em juízo
ou fora dele. No entanto, a obrigatoriedade desse recolhimento,
ainda que por expressa previsão legal, não retira a natureza
eminentemente privada da relação obrigacional, sobretudo porque em
análise apenas a vertente patrimonial dos direitos do autor. Desse
modo, em se tratando da cobrança de direitos cuja natureza jurídica
é eminentemente privada, decorrente da execução pública de obras
musicais sem prévia autorização do autor ou titular, consideram-se
perfeitamente inseridos no conceito de "encargos [...] comerciais"
os valores cobrados pelo ECAD. Ademais, a expressão "encargos [...]
comerciais", contida no art. 71 da Lei n. 8.666/1993, deve ser
interpretada da forma mais ampla possível, de modo a abranger todos
os custos inerentes à execução do contrato celebrado mediante prévio
procedimento licitatório. Nessa perspectiva, conforme entendimento
doutrinário, "quando a Administração contrata e paga a empresa ou o
profissional para o fornecimento de bens, para a prestação de
serviços ou para a execução de obras, ela transfere ao contratado
toda e qualquer responsabilidade pelos encargos decorrentes da
execução do contrato. Ao ser apresentada a proposta pelo licitante,
ele, portanto, irá fazer incluir em seu preço todos os encargos, de
toda e qualquer natureza. Desse modo, quando o poder público paga ao
contratado o valor da remuneração pela execução de sua parte na
avença, todos os encargos assumidos pelo contratado estão sendo
remunerados. Não cabe, portanto, querer responsabilizar a
Administração, por exemplo, pelos encargos assumidos pelo contratado
junto aos seus fornecedores". A única exceção está expressamente
prevista no § 2º do art. 71 da Lei n. 8.666/1993, segundo o qual a
Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos
encargos previdenciários resultantes da execução do contrato. Fora
dessa específica hipótese, não há falar em responsabilidade
solidária. Assim ocorre até mesmo como meio necessário à garantia de
tratamento isonômico entre os concorrentes do certame licitatório e
à seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, visto
que, se fosse possível exigir tais encargos do próprio ente público
a posteriori, esses resultados não seriam alcançados. Com
efeito, o tratamento isonômico cederia lugar à desonestidade daquele
concorrente que não faz incluir determinados encargos em sua
proposta, enfraquecendo o caráter competitivo da licitação, ao passo
que a certeza quanto à seleção da proposta mais vantajosa ficaria
condicionada ao efetivo adimplemento dos encargos pelo contratado, o
que não se pode admitir em procedimentos dessa natureza. Nos tempos
atuais, em que os procedimentos licitatórios têm reiteradamente
servido à prática de atos ilícitos e ao desvio de dinheiro público,
avulta a importância de se definir de maneira precisa a extensão das
normas que regem o processo de licitação. Resta aferir se o art. 71
da Lei n. 8.666/1993 pode ser aplicado à cobrança dos direitos de
autor, em confronto com a previsão contida no art. 110 da Lei n.
9.610/1998, segundo o qual "Pela violação de direitos autorais nos
espetáculos e audições públicas, realizados nos locais ou
estabelecimentos a que alude o art. 68, seus proprietários,
diretores, gerentes, empresários e arrendatários respondem
solidariamente com os organizadores dos espetáculos". Em princípio,
a Administração deveria responder solidariamente pelo pagamento dos
direitos autorais na hipótese de execução pública de obras musicais,
desde que tenha colaborado de alguma forma, direta ou indiretamente,
para a organização do espetáculo. No entanto, na hipótese em que a
participação do ente público está limitada à contratação de empresa,
mediante licitação, para a realização do evento, surge um aparente
conflito de normas a ser dirimido. O critério da hierarquia não se
mostra adequado à solução da controvérsia, porque ambas são leis
ordinárias, tampouco o da especialidade, segundo o qual a norma
especial prevalece sobre a geral, visto que ambas as normas são
especiais, cada qual no seu âmbito de incidência, ora garantindo o
direito particular do autor, ora protegendo o interesse público. Na
espécie, afigura-se mais pertinente valer-se dos princípios
aplicáveis à Administração Pública, entre os quais o da supremacia
do interesse público sobre o privado. Verifica-se, desse modo, que a
absoluta preponderância das regras contidas na Lei n. 8.666/1991,
quando em conflito com a Lei de Direitos Autorais, é corolário
lógico do princípio da supremacia do interesse público, notadamente
para garantir que os fins almejados no processo licitatório -
isonomia entre os concorrentes e seleção da proposta mais vantajosa
- sejam atingidos, conforme salientado anteriormente. Destaca-se,
ademais, que não se está aqui privando o autor de exercer seu
direito, constitucionalmente assegurado, de receber retribuição pela
utilização de suas obras, mas apenas definindo quem é o responsável
pelo recolhimento dos valores devidos a esse título, sem retirar do
ECAD o direito de promover a cobrança contra aquele que contratou
com a Administração Pública. REsp 1.444.957-MG, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016, DJe 16/8/2016.
Tá Difícil? Quer por assunto?! 💡INFORMATIVOS STJ, POR ASSUNTO. Os informativos são divididos de forma a sistematizar os assuntos tratados na Constituição Federal, leis e doutrinas. Por: Karla Viviane Ribeiro Marques e Allan dos Anjos Moura Marques. *Observar atualizações no site do STJ
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