Em contrato de plano de
assistência à saúde, é abusiva a cláusula que preveja o
indeferimento de quaisquer procedimentos médico-hospitalares quando
solicitados por médicos não cooperados. O contrato de plano
de saúde, além da nítida relação jurídica patrimonial que, por meio
dele, se estabelece, reverbera também caráter existencial,
intrinsecamente ligado à tutela do direito fundamental à saúde do
usuário, o que coloca tal espécie contratual em uma perspectiva de
grande relevância no sistema jurídico pátrio. No âmbito da
legislação, a Lei n. 9.656/1998 - a qual versa sobre os planos e
seguros privados de assistência à saúde - preconiza, logo no art.
1º, I, o seu escopo. É com clareza meridiana que se infere da
legislação de regência a preponderância do zelo ao bem-estar do
usuário em face do viés econômico da relação contratual. Até porque
não se pode olvidar que há, nesse contexto, uma atenta e imperativa
análise dos ditames constitucionais, que, por força hierárquica,
estabelecem o direto à saúde como congênito. Assim está previsto na
CF, especificamente em seu art. 196. Consoante doutrina a respeito
do tema, conquanto a Carta da República se refira, por excelência,
ao Poder Público, sabe-se que a eficácia do direito fundamental à
saúde ultrapassa o âmbito das relações travadas entre Estado e
cidadãos - eficácia vertical -, para abarcar as relações jurídicas
firmadas entre os cidadãos, limitando a autonomia das partes, com o
intuito de se obter a máxima concretização do aspecto existencial,
sem, contudo, eliminar os interesses materiais. Suscita-se, pois, a
eficácia horizontal do direito fundamental à saúde, visualizando a
incidência direta e imediata desse direito nos contratos de plano de
saúde. Todavia, o que se nota, muitas vezes, no âmbito privado, é a
colisão dos interesses das partes, ficando, de um lado, as
operadoras do plano de saúde - de caráter eminentemente patrimonial
- e, de outro, os usuários - com olhar voltado para sua
subsistência. Assim, para dirimir os conflitos existentes no
decorrer da execução contratual, há que se buscar, nesses casos, o
diálogo das fontes, que permite a aplicação simultânea e
complementar de normas distintas. Por isso, é salutar, nos contratos
de plano de saúde, condensar a legislação especial (Lei n.
9.656/1998), especialmente com o CDC, pois, segundo o entendimento
doutrinário, esse contrato configura-se como um "contrato cativo e
de longa duração, a envolver por muitos anos um fornecedor e um
consumidor, com uma finalidade em comum, que é assegurar para o
usuário o tratamento e ajudá-lo a suportar os riscos futuros
envolvendo a sua saúde". Assim, diante da concepção social do
contrato, aquele que declara algo referente ao negócio que está
prestes a concluir deve responder pela confiança que a outra parte
nele depositou ao contratar. Isso porque o direito dos contratos
assume a função de realizar a equitativa distribuição de direitos e
deveres entre os contratantes, buscando atingir a justiça
contratual, a qual se perfectibiliza, pois, na exata equivalência
das prestações ou sacrifícios suportados pelas partes, bem como na
proteção da confiança e da boa-fé de ambos os contratantes. Embora
seja conduta embasada em cláusulas contratuais, nota-se que as
práticas realizadas pela operadora do plano de saúde, sobretudo
negar as solicitações feitas por médicos não cooperados, mostram-se
contrárias ao permitido pela legislação consumerista. Naquela
situação em que o usuário busca o médico de sua confiança, mas
realiza os exames por ele solicitados em instalações da rede
credenciada, não há prejuízo nenhum para a cooperativa, haja vista
que o valor da consulta foi arcado exclusivamente pelo usuário, sem
pedido de reembolso. Indeferir a solicitação de qualquer
procedimento hospitalar requerido por médico não cooperado estaria
afetando não mais o princípio do equilíbrio contratual, mas o da
boa-fé objetiva. De fato, exames, internações e demais procedimentos
hospitalares não podem ser obstados aos usuários cooperados
exclusivamente pelo fato de terem sido solicitados por médico
diverso daqueles que compõem o quadro da operadora, pois isso
configura não apenas discriminação do galeno, mas também tolhe tanto
o direito de usufruir do plano contratado como a liberdade de
escolher o profissional que lhe aprouver. Com isso, não resta dúvida
da desproporcionalidade da cláusula contratual que prevê o
indeferimento de quaisquer procedimentos médico-hospitalares se
estes forem solicitados por médicos não cooperados, devendo ser
reconhecida como cláusula abusiva. A nulidade dessas cláusulas
encontra previsão expressa no art. 51, IV, do CDC. Por fim, convém
analisar conjuntamente o art. 2º, VI, da Res. n. 8/1998 do Conselho
de Saúde Suplementar ("Art. 2° Para adoção de práticas referentes à
regulação de demanda da utilização dos serviços de saúde, estão
vedados: [...] VI - negar autorização para realização do
procedimento exclusivamente em razão do profissional solicitante não
pertencer à rede própria ou credenciada da operadora") com o art.
1º, II, da Lei n. 9.656/1998 ("Art. 1º Submetem-se às disposições
desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos
de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação
específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de
aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:
[...] II - Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa
jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou
comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere
produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo").
Com efeito, é explícita a previsão legislativa que considera defeso
a negativa de autorização para a realização de procedimentos
exclusivamente em razão de o médico solicitante não pertencer à rede
da operadora. Apesar de ter sido suprimido o trecho do referido art.
2º, que mencionava a palavra "cooperada" ao se referir à rede de
atendimentos, ainda assim permanece o óbice dessa prática, haja
vista que o legislador ordinário se utilizou de expressão mais
ampla, mantendo a inclusão, nos termos do art. 1º, II, da Lei n.
9.656/1998, da cooperativa. REsp 1.330.919-MT, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 2/8/2016, DJe 18/8/2016.
Tá Difícil? Quer por assunto?! 💡INFORMATIVOS STJ, POR ASSUNTO. Os informativos são divididos de forma a sistematizar os assuntos tratados na Constituição Federal, leis e doutrinas. Por: Karla Viviane Ribeiro Marques e Allan dos Anjos Moura Marques. *Observar atualizações no site do STJ
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