Inexiste a obrigação legal de se
inserir nos rótulos dos vinhos informações acerca da quantidade de sódio
ou de calorias (valor energético) presente no produto. Tratou-se de recurso especial em que
se apontou, entre outras questões, violação ao art. 2º da Lei n.
8.918/1994 e Decreto n. 6.871/2009, que dispõem sobre a padronização,
classificação, registro, inspeção, produção e a fiscalização das bebidas
produzidas e comercializadas por produtores, importadores e
distribuidores de vinhos. Na oportunidade, o recorrente
ressaltou que "não há na legislação pátria nenhuma norma que determine a
indicação de calorias do vinho" e que "a obrigatoriedade das
informações exigidas pela recorrida
somente pode ser aferida pelo Estado no exercício regular do Poder de
Polícia Sanitária". Afirmou, inclusive, que "as bebidas alcóolicas são
excluídas, pela ANVISA do Regulamento RDC 360/2003 que trata
de rotulagem de alimentos". Primeiramente, saliente-se que ao Estado
incumbe o dever de fiscalizar a comercialização ou a publicidade de
bebidas alcoólicas. Indubitavelmente o governo deve agir de modo a
proteger a saúde
dos consumidores e a promover a venda de produtos de qualidade no
mercado. Todavia, a regulação encontra limites na livre concorrência e
nos possíveis impactos que novas exigências refletem tanto nas empresas
como na
livre economia de mercado. Com efeito, não se nega a importância de se
conhecer os ingredientes nutricionais dos produtos alimentícios.
Todavia, no caso do vinho, a legislação retira tal obrigatoriedade, como
se afere
da legislação específica, que afasta a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor, haja vista o princípio da especialidade (lex specialis derrogat lex generalis).
Incide no caso o art. 2º
da Lei n. 8.918/1994, que prevê o registro necessário para
comercialização de bebidas, bem como seu decreto regulamentador (Decreto
n. 6.871/2009), que não se aplica às bebidas alcoólicas derivadas da
uva.
A legislação aplicável à espécie, portanto, não obriga o vinicultor a
inserir nos rótulos das bebidas que comercializa – no caso, vinhos –
informações acerca da quantidade de
sódio ou de calorias (valor energético) contida no produto. Saliente-se,
ainda, que a Resolução-RDC n. 360, de 23 de dezembro de 2003, de
autoria da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA), regulamentadora da Lei n. 6.437/1977, tornou
obrigatória a rotulagem nutricional de alimentos embalados e
comercializados nos países integrantes do Mercosul, visando proteger a
saúde da
população em geral. Contudo, excluiu do seu âmbito de aplicação, dentre
outros produtos, as bebidas alcoólicas. Destaque-se, por oportuno, que a
produção de vinho difere de outros alimentos por
não possuir uma fórmula certa e ter características próprias que
dificultam a informação nutricional, pois são elaborados com
ingredientes únicos, exclusivos e variáveis, dependendo do tempo
de armazenagem e de condições da natureza, tendo em vista o
processamento das substâncias usadas, a qualidade e safra da uva e a
inclusão de ácidos ou açúcar para obtenção de uma bebida mais
ou menos ácida ou doce. Ademais, a análise nutricional é conduzida
diferentemente por região, não havendo falar em receita padrão da
bebida, sob pena de reduzir a qualidade em determinadas hipóteses e
quebrar a exclusividade do produto. É considerado, em princípio, a single ingredient food
(um produto singular) em muitas regulações internacionais. Finalmente,
vale acrescentar que a exigência de
informações adicionais impostas de maneira pontual viola frontalmente o
livre exercício de determinada atividade econômica (art. 170, inciso IV,
da Constituição Federal), não cabendo ao Poder
Judiciário, que não tem função legislativa, substituir-se à lei especial
e suas normas técnicas regulamentadoras, criando, indiretamente,
obrigação restrita às partes, sob pena de
violação do princípio da separação dos poderes.
REsp 1.605.489-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 4/10/2016, DJe 18/10/2016.
REsp 1.605.489-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 4/10/2016, DJe 18/10/2016.
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