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09/03/2018

MENOR SOB GUARDA JUDICIAL. DEPENDENTE ECONÔMICO. ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO EM DATA POSTERIOR À VIGÊNCIA DA MP 1.523/1996, REEDITADA E CONVERTIDA NA LEI N. 9.528/1997. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PROIBIÇÃO DE RETROCESSO. DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS DE ISONOMIA, PRIORIDADE ABSOLUTA E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE.

O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei n. 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária. A questão jurídica objeto de afetação ao rito dos recursos repetitivos consiste em definir sobre a possibilidade (ou não) do pagamento de pensão por morte ao menor sob guarda, quando o óbito do segurado tenha ocorrido após a vigência da MP 1.523/1996, que alterou o art. 16, § 2º da Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei n. 8.213/1991). A redação original do mencionado dispositivo previa que o menor sob guarda judicial se equiparava a filho do segurado e, portanto, detinha a condição de dependente natural ou automático dele (do segurado), como beneficiário do RGPS. Ocorre que a MP 1.523/1996, convertida na Lei n. 9.528/1997, alterou o citado dispositivo e retirou do menor sob guarda a condição de dependente previdenciário. Entretanto, a jurisprudência mais recente desta Corte Superior reconhece ao menor sob guarda a condição de dependente para fins previdenciários, condição que resulta de situação essencialmente fática, cabendo-lhe o direito à pensão previdenciária sempre que o mantenedor (segurado do INSS) faleça, a fim de não se deixar o hipossuficiente ao desabrigo de qualquer proteção, máxime quando se achava sob guarda, forma de tutela que merece estímulos, incentivos e subsídios do Poder Público, conforme compromisso constitucional assegurado pelo art. 227, § 3º, VI da Carta Magna, além de atentar contra a proteção da confiança com aquele já devidamente cadastrado como dependente do segurado, mediante a prática de ato jurídico administrativo perfeito, pelos agentes do INSS. Assim, a alteração do art. 16, § 2º, da Lei n. 8.213/1991, pela Lei n. 9.528/1997, não elimina o substrato fático da dependência econômica do menor e representa, do ponto de vista ideológico, um retrocesso normativo nas diretrizes constitucionais de isonomia e proteção à criança e ao adolescente. Da leitura do art. 227 da CF, constata-se que foi imposto não só à família, mas também à sociedade e ao Estado o dever de, solidariamente, assegurar à criança e ao adolescente os direitos fundamentais com absoluta prioridade. Além disso, foi imposto ao legislador ordinário a obrigação de garantir ao menor os direitos previdenciários e trabalhistas, bem como o estímulo do Poder Público ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado. Outra reflexão instigante diz respeito ao fato de alteração normativa veicular entendimento adverso, claramente maculador do princípio que deve permear as leis reconhecedoras de direitos sociais, como os previdenciários, ou seja, o da proibição de retrocesso; assim, se já definida uma orientação legal mais favorável à proteção dos hipossuficientes, não se afigura aceitável, do ponto de vista jurídico e sistêmico que, a partir da adoção de lei restritiva ocasional, dê-se a inversão da orientação até então vigorante. Finalmente, registre-se que a Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) que, convém ressaltar, é norma específica e em perfeita harmonia com o mandamento constitucional, dispõe em seu art. 33, § 3º que "a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciário". Nessa linha de raciocínio, impõe-se concluir que, se fosse a intenção do legislador infraconstitucional excluir o menor sob guarda da pensão por morte, teria alterado também a Lei n. 8.069/1990 o que, como visto, não ocorreu. REsp 1.411.258-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/10/2017, DJe 21/02/2018. (Tema 732).
Informativo STJ nº619

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