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16/08/2017

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA. DADOS CADASTRAIS DE CORRENTISTAS DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CONTRATANTES DE SEGURO E MÚTUO FINANCEIRO. SIGILO BANCÁRIO. DIREITO PERSONALÍSSIMO. AFASTAMENTO INVIÁVEL.

O exercício da legitimação extraordinária, conferida para tutelar direitos individuais homogêneos em ação civil pública, não pode ser estendido para abarcar a disposição de interesses personalíssimos, tais como a intimidade, a privacidade e o sigilo bancário dos substituídos. O ponto nodal da discussão consiste em analisar a possibilidade de o Ministério Público, na condição de legitimado extraordinário em ação civil pública, obter informações de consumidores protegidas pelo sigilo bancário, com o objetivo de colher provas que demonstrem a utilização reiterada da venda casada como prática de mercado pelas instituições financeiras. Inicialmente, cabe salientar que a relação nominal de clientes que contrataram determinadas operações num período temporal determinado, se encaixa com perfeição no dever de sigilo definido na legislação complementar específica. Muito embora não se trate de proteção absoluta, as limitações impostas ao dever legal de sigilo devem ser interpretadas de forma restritiva e sempre com muita prudência. Assim, se, por um lado, é fato que o sigilo bancário deve ceder quando contrastado com as legítimas expectativas de obtenção de receitas públicas ou com o exercício monopolista do poder sancionador do Estado, nos casos de prática de ilícitos penais e administrativos; de outro, não se pode ignorar que as informações prestadas no bojo de processos judiciais ou administrativos deve observar a restrição de acesso às partes, que delas não podem "servir-se para fins estranhos à lide" (art. 3º, da LC n. 105/2001). Observe-se que, quando não se está diante de qualquer conduta imputável ao cliente bancário, mas de mera tutela de interesse do consumidor, não se olvida que a proteção do sigilo possa ser objeto de afastamento em benefício do titular do direito, uma vez que não pode a instituição financeira negar acesso àquelas informações a seu cliente. Isso porque a proteção é instaurada em prol do consumidor, daí que, por consequência lógica, não pode ser a ele mesmo oposta. Por outra via, porém, não se pode pretender alargar a legitimidade para o afastamento temporário do sigilo legalmente assegurado, a fim de abarcar o Ministério Público, enquanto autor de uma ação civil pública, a dispor de uma garantia personalíssima e requerer a divulgação irrestrita de dados protegidos. Ainda que o intuito declarado pelo parquet seja tão somente o de colher provas que demonstrem a utilização reiterada da venda casada como prática de mercado pelas instituições financeiras, não se pode chancelar tamanha invasão indiscriminada à intimidade do consumidor. Desse modo, enquanto legitimado extraordinário, não é dado ao MP atuar de forma dispositiva, abrindo mão de interesses personalíssimos, em nome de quem é por ele substituído na demanda. Por fim, deve-se ainda assentar que a publicidade que deve ser dada à propositura de ação civil pública não tem a propriedade de flexibilizar direitos a privacidade e intimidade com intuito, ao fim e ao cabo, de facilitar o trabalho investigativo do parquet, aproveitando-se da natural assimetria de poder do Estado frente os particulares. REsp 1.611.821-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 13/6/2017, DJe 22/6/2017.

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