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17/09/2016

DIREITO PENAL. HIPÓTESE DE CONSUNÇÃO DO CRIME DO ART. 33 DA LEI DE DROGAS PELO CRIME DO ART. 273 DO CP.



Ainda que alguns dos medicamentos e substâncias ilegais manipulados, prescritos, alterados ou comercializados contenham substâncias psicotrópicas capazes de causar dependência elencadas na Portaria n. 344/1998 da SVS/MS - o que, em princípio, caracterizaria o tráfico de drogas -, a conduta criminosa dirigida, desde o início da empreitada, numa sucessão de eventos e sob a fachada de uma farmácia, para a única finalidade de manter em depósito e vender ilegalmente produtos falsificados destinados a fins terapêuticos ou medicinais enseja condenação unicamente pelo crime descrito no art. 273 do CP - e não por este delito em concurso com o tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei de Drogas). Por um lado, os tipos penais previstos no art. 273 do CP - cujo bem jurídico tutelado é a saúde pública - visam a punir a conduta do agente que, entre outros, importa, vende, expõe a venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto "falsificado, corrompido, adulterado ou alterado", "sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente" ou "de procedência ignorada". Por outro lado, o art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 apresenta-se como norma penal em branco, porque define o crime de tráfico a partir da prática de dezoito condutas relacionadas a drogas - importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer -, sem, no entanto, trazer a definição do elemento do tipo "drogas". A partir daí, emerge a necessidade de se analisar o conteúdo do preceito contido no parágrafo único do art. 1º da Lei n. 11.343/2006, segundo o qual "consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União". Em acréscimo, estabelece o art. 66 da referida lei que, "para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998". Diante disso, conclui-se que a definição do que sejam "drogas", capazes de caracterizar os delitos previstos na Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), advém da Portaria n. 344/1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (daí a classificação doutrinária, em relação ao art. 33 da Lei n. 11.343/2006, de que se está diante de uma norma penal em branco heterogênea). Em verdade, o caso em análise retrata típica hipótese de conflito aparente de normas penais, a ser resolvido pelo critério da absorção (ou princípio da consunção). Nesse contexto, mister destacar que um dos requisitos do concurso aparente de normas penais e do princípio da consunção consiste, justamente, na pluralidade de normas aparentemente aplicáveis a uma mesma hipótese. Isso acarreta a necessidade de que o caso concreto preencha, aparente e completamente, a estrutura essencial de todas as normas incriminadoras. Na espécie, não obstante, à primeira vista, a valoração dos fatos postos em discussão aponte, em tese, para o possível cometimento, em concurso, dos crimes de tráfico de drogas e de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, certo é que o fato rendeu a prática de um único crime. Com efeito, há de se analisar o contexto fático em uma perspectiva axiológica da realidade, de modo a se admitir serem várias as interpretações possíveis dessa realidade em confronto com as condutas que venham a ensejar a intervenção penal. Em uma análise global (conjunta) dos fatos criminosos, um deles se mostra valorativamente insignificante - embora não insignificante, se isoladamente considerado - diante de outro (ou de outros), de modo a perder seu significado autônomo. Nesse contexto, não se mostra plausível sustentar a prática de dois crimes distintos e em concurso material quando, em um mesmo cenário fático, se observa que a intenção criminosa era dirigida para uma única finalidade, visto que, no caso em apreço, a conduta criminosa, desde o início da empreitada, era orientada para, numa sucessão de eventos e sob a fachada de uma farmácia, falsificar e vender produtos falsificados destinados a fins terapêuticos ou medicinais. Essa unidade de valor jurídico da situação de fato justifica, no caso concreto, a aplicação de uma só norma penal. Perfeitamente factível, portanto, a consunção, aplicável quando a intenção criminosa una é alcançada pelo cometimento de mais de um crime, devendo o agente, no entanto, ser punido por apenas um delito, de forma a, também e principalmente, obviar a sobrecarga punitiva, incompatível com a proporcionalidade da sanção, princípio regente no processo de individualização da pena. Inequívoco, assim, que o fato aparentemente compreendido na norma incriminadora afastada (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006) encontra-se, na inteireza da sua estrutura e do seu significado valorativo, na estrutura do crime regulado pela norma que, no caso, será prevalecente (art. 273 do CP). REsp 1.537.773-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 16/8/2016, DJe 19/9/2016.

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