Translate

27/11/2015

DIREITO AMBIENTAL E CIVIL. DANOS MATERIAIS OCASIONADOS POR CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA.


O pescador profissional artesanal que exerça a sua atividade em rio que sofreu alteração da fauna aquática após a regular instalação de hidrelétrica (ato lícito) tem direito de ser indenizado, pela concessionária de serviço público responsável, em razão dos prejuízos materiais decorrentes da diminuição ou desaparecimento de peixes de espécies comercialmente lucrativas paralelamente ao surgimento de outros de espécies de menor valor de mercado, circunstância a impor a captura de maior volume de pescado para a manutenção de sua renda próxima à auferida antes da modificação da ictiofauna. Não há dúvida de que mesmo atos lícitos podem dar causa à obrigação de indenizar. Segundo a doutrina, "Tratando-se de um benefício à coletividade, desde que o ato administrativo lícito atende ao interesse geral, o pagamento da indenização redistribui o encargo, que, de outro modo, seria apenas suportado pelo titular do direito. [...] Não é, porém, absoluto, nem geral. A compensação é limitada ao dano especial e anormal gerado pela atividade administrativa. Generalizar a noção a todo e qualquer prejuízo, decorrente do funcionamento do serviço, seria a própria denegação da supremacia do interesse público e da destinação social da propriedade. A atividade discricionária da administração condiciona, legitimamente, o exercício de direitos individuais, podendo atingi-los em seu valor econômico, sem obrigação de indenizar". Nesse contexto, convém distinguir os conceitos de direito subjetivo e interesse legítimo, contrapondo-os ao de mero interesse econômico. Segundo a doutrina, "[...] a tutela jurídica, concretizada na possibilidade da coação, [é] o critério de distinção e caracterização do direito subjetivo: onde este exista, não pode faltar a garantia do direito objetivo e a garantia dada pela ação, mercê da qual o particular faz valer em juízo coativamente a faculdade que tem desde que alguém a desconheça ou a conteste. E, vice-versa, onde falta a garantia poderá haver um simples interesse mas não um direito subjetivo. Isto não significa no entanto que o direito objetivo não reconheça todo o interesse que não seja garantido por ação, mas apenas que entre os vários interesses que têm os caracteres supra-referidos há alguns que são elevados à categoria de direitos subjetivos, visto estarem protegidos por uma ação, ao passo que outros não são por ela tutelados. Entre os vários e infinitos interesses, há alguns que se distinguem de todos os outros porque são protegidos, mas não da mesma forma e com a mesma intensidade com a qual se tutelam os direitos subjetivos. Devem assim distinguir-se os interesses puros ou simples, privados de tutela, e os interesses legítimos que tem proteção, não na ação judiciária, mas no recurso aos órgãos da justiça administrativa". Certamente, no caso em análise, o pescador artesanal não tem direito subjetivo a exigir de alguém que lhe assegure a pesca nas mesmas condições anteriores à construção da barragem. Contudo, deve-se verificar se ele está amparado por "situação juridicamente protegida", suscetível de configurar um "interesse legítimo", protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro, em face do fato qualificado como danoso. Nesse sentido, importa destacar que a profissão de pescador é regulamentada pela Lei n. 11.959/2009, a qual dispõe sobre a "Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca". De fato, o caput do art. 3º dessa Lei estabelece que "Compete ao Poder Público a regulamentação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Atividade Pesqueira, conciliando o equilíbrio entre o princípio da sustentabilidade dos recursos pesqueiros e a obtenção de melhores resultados econômicos e sociais", para o que, entre outras providências, cabe-lhe estabelecer os "períodos de defeso". No § 1º desse mesmo artigo, está previsto que o "ordenamento pesqueiro deve considerar as peculiaridades e as necessidades dos pescadores artesanais, de subsistência e da aquicultura familiar, visando a garantir sua permanência e sua continuidade". Por sua vez, a Lei n. 10.779/2003, com a redação dada pela MP n. 665/2014, dispõe sobre a concessão do benefício de seguro desemprego, durante o período de defeso, ao pescador profissional que exerce a atividade pesqueira de forma artesanal. Ciente disso, observa-se que, embora não haja direito subjetivo à pesca de determinada quantidade ou qualidade de peixes, o ordenamento jurídico confere especial proteção aos pescadores artesanais, garantindo-lhes as condições mínimas de subsistência na época defeso, bem como uma Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável que leve em conta suas peculiaridades e necessidades. Desse modo, tratando-se de pescadores artesanais, há interesse legítimo, situação juridicamente protegida, a ensejar compensação pecuniária em caso de comprovado prejuízo patrimonial, em que houve redução de renda em decorrência do ato lícito de construção da barragem. Com efeito, se a restrição de pesca na época do defeso enseja o benefício previsto na Lei n. 10.779/2003, não há dúvida de que a diminuição do valor comercial do pescado causada pelo ato lícito da concessionária enseja dano a legítimo interesse, passível de indenização. Diversamente, em relação à pesca industrial e à pesca amadora, atividades privadas lícitas e regulamentadas em lei, em princípio, não há senão interesse simples de natureza puramente econômica, desprovido de especial proteção que assegure a seus praticantes renda mínima na atividade pesqueira, a qual fora alterada em decorrência de atividade também lícita da administração ao dar adequada destinação a bem público em prol da coletividade. REsp 1.371.834-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/11/2015, DJe 14/12/2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário