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21/08/2015

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DO PROMITENTE COMPRADOR E DO PROMITENTE VENDEDOR EM AÇÃO DE COBRANÇA DE DÉBITOS CONDOMINIAIS.


O promitente comprador e o promitente vendedor de imóvel têm legitimidade passiva concorrente em ação de cobrança de débitos condominiais posteriores à imissão daquele na posse do bem, admitindo-se a penhora do imóvel, como garantia da dívida, quando o titular do direito de propriedade (promitente vendedor) figurar no polo passivo da demanda. No REsp 1.345.331-RS (Segunda Seção, DJe 20/4/2015), julgado por meio do rito dos recursos repetitivos, as seguintes teses foram firmadas: "a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação. b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto. c) Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador". Pela leitura isolada da tese 1, "c", desse precedente, o proprietário estaria isento de arcar com as despesas de condomínio a partir da imissão do promitente comprador na posse do imóvel. Porém, a tese firmada no repetitivo deve ser interpretada de acordo com a solução dada ao caso que deu origem à afetação. Há de se observar, portanto, que, no caso do REsp 1.345.331-RS, a ação de cobrança havia sido ajuizada contra o proprietário (promitente vendedor), tendo havido embargos de terceiro pelos promitentes compradores na fase de execução. Naquele julgado, entendeu-se que a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais seria dos promitentes compradores, porque relativas a débitos surgidos após a imissão destes na posse do imóvel. Porém, não se desconstituiu a penhora do imóvel. Há, portanto, uma aparente contradição entre a tese e a solução dada ao caso concreto, pois a tese 1, "c", em sua literalidade, conduziria à desconstituição da penhora sobre o imóvel do promitente vendedor. A contradição, contudo, é apenas aparente, podendo ser resolvida à luz da teoria da dualidade da obrigação. Observe-se, inicialmente, que o promitente comprador não é titular do direito real de propriedade, tendo apenas direito real de aquisição caso registrado o contrato de promessa de compra e venda. Desse modo, o condomínio ficaria impossibilitado de penhorar o imóvel. Restaria, então, penhorar bens do patrimônio pessoal do promitente comprador. Porém, não é rara a hipótese em que o comprador esteja adquirindo seu primeiro imóvel e não possua outros bens penhoráveis, o que conduziria a uma execução frustrada. Esse resultado não se coaduna com a natureza, tampouco com finalidade da obrigação propter rem. Quanto à natureza, é da essência dessa obrigação que ela nasça automaticamente com a titularidade do direito real e somente se extinga com a extinção do direito ou a transferência da titularidade, ressalvadas as prestações vencidas. Como se verifica, não há possibilidade de a obrigação se extinguir por ato de vontade do titular do direito real, pois a fonte da obrigação propter rem é a situação jurídica de direito real, não a manifestação de vontade. Logo, a simples pactuação de uma promessa de compra e venda não é suficiente para extinguir a responsabilidade do proprietário pelo pagamento das despesas de condomínio. De outra parte, quanto à finalidade, a obrigação propter rem destina-se a manter a conservação da coisa. Nessa esteira, ao se desconstituir a penhora sobre o imóvel, o atendimento da finalidade de conservação acaba sendo comprometido, pois o condomínio passa a depender da incerta possibilidade de encontrar bens penhoráveis no patrimônio do promitente comprador. Vale lembrar, ainda, que a mera possibilidade de penhora do imóvel tem, por si só, o efeito psicológico de desestimular a inadimplência, de modo que a impossibilidade de penhora geraria o efeito inverso, atentando contra a finalidade da obrigação propter rem, que é manter a conservação da coisa. Há premente necessidade, portanto, de se firmar uma adequada interpretação da tese firmada pelo rito do art. 543-C do CPC, de modo a afastar interpretações contrárias à natureza e à finalidade da obrigação propter rem. Uma interpretação interessante pode ser obtida com a aplicação da teoria da dualidade do vínculo obrigacional à hipótese de pluralidade de direitos subjetivos reais sobre a coisa. Segundo essa teoria, a obrigação se decompõe em débito (Schuld), o dever de prestar, e responsabilidade (Haftung), a sujeição do devedor, ou terceiro, à satisfação da dívida. Aplicando-se essa teoria à obrigação de pagar despesas condominiais, verifica-se que o débito deve ser imputado a quem se beneficia dos serviços prestados pelo condomínio, no caso, o promitente comprador, valendo assim o brocardo latino ubi commoda, ibi incommoda. Até aqui, não há, a rigor, nenhuma novidade. A grande diferença é que o proprietário não se desvincula da obrigação, mantendo-se na condição de responsável pelo pagamento da dívida, enquanto mantiver a situação jurídica de proprietário do imóvel. Essa separação entre débito e responsabilidade permite uma solução mais adequada para a controvérsia, preservando-se a essência da obrigação propter rem. Restauram-se, desse modo, as conclusões de um entendimento já trilhado por esta Corte Superior, em voto proferido pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar no REsp 194.481-SP, Quarta Turma, DJ 22/3/1999. É certo que esse julgado acabou sendo superado, ante os questionamentos do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira nos EREsp 138.389-MG, o que influenciou a jurisprudência desta Corte a partir de então. Cabe, portanto, enfrentar os referidos questionamentos. O primeiro diz respeito à possibilidade de o proprietário do imóvel ficar vinculado à obrigação por longos anos, caso o promitente comprador não providencie a lavratura da escritura e o devido registro. Esse questionamento, entretanto, diz respeito exclusivamente à relação obrigacional estabelecida entre o proprietário (promitente vendedor) e o promitente comprador, os quais podem estabelecer prazo para a ultimação do negócio jurídico, inclusive com fixação de multa. Se não o fazem, deixam aberta a possibilidade de o negócio jurídico ficar pendente de exaurimento por longos anos, devendo arcar com as consequências de seus atos. O outro questionamento diz respeito à possível falta de interesse do proprietário, ou melhor, "quase ex-proprietário", em contestar a ação de cobrança de despesas condominiais, uma vez que o interesse direto seria do promitente comprador, já imitido na posse do imóvel. Sobre esse ponto, cabe ressaltar que o proprietário do imóvel responde pelos débitos condominiais com todo o seu patrimônio, não somente com o imóvel, pois a obrigação propter rem não se confunde com os direitos reais de garantia. Não se pode afirmar, portanto, que faltaria interesse ao proprietário em contestar a demanda, pois correrá o risco de sofrer constrição em seu patrimônio pessoal, uma vez que dinheiro e depósitos bancários têm preferência sobre a penhora do imóvel (art. 655, I, do CPC). De outra parte, o promitente comprador poderá, a qualquer tempo, ingressar na demanda como assistente litisconsorcial (art. 54 do CPC), para assumir a defesa de seus interesses. Por último, não restam dúvidas de que, entre o risco de o condômino inadimplente perder o imóvel e o risco de a comunidade de condôminos ter que arcar com as despesas da unidade inadimplente, deve-se privilegiar o interesse coletivo dessa comunidade em detrimento do interesse individual do condômino inadimplente. Conclui-se, portanto, que os questionamentos referidos no EREsp 138.389-MG não obstam a interpretação da tese à luz da teoria da dualidade da obrigação. REsp 1.442.840-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 6/8/2015, DJe 21/8/2015.

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