O promitente comprador e o
promitente vendedor de imóvel têm legitimidade passiva concorrente
em ação de cobrança de débitos condominiais posteriores à imissão
daquele na posse do bem, admitindo-se a penhora do imóvel, como
garantia da dívida, quando o titular do direito de propriedade
(promitente vendedor) figurar no polo passivo da demanda.
No REsp 1.345.331-RS (Segunda Seção, DJe 20/4/2015),
julgado por meio do rito dos recursos repetitivos, as seguintes
teses foram firmadas: "a) O que define a responsabilidade pelo
pagamento das obrigações condominiais não é o registro do
compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o
imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário
comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da
transação. b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a
registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode
recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário
comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto. c)
Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na
posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação,
afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para
responder por despesas condominiais relativas a período em que a
posse foi exercida pelo promissário comprador". Pela leitura isolada
da tese 1, "c", desse precedente, o proprietário estaria isento de
arcar com as despesas de condomínio a partir da imissão do
promitente comprador na posse do imóvel. Porém, a tese firmada no
repetitivo deve ser interpretada de acordo com a solução dada ao
caso que deu origem à afetação. Há de se observar, portanto, que, no
caso do REsp 1.345.331-RS, a ação de cobrança havia sido ajuizada
contra o proprietário (promitente vendedor), tendo havido embargos
de terceiro pelos promitentes compradores na fase de execução.
Naquele julgado, entendeu-se que a responsabilidade pelo pagamento
das despesas condominiais seria dos promitentes compradores, porque
relativas a débitos surgidos após a imissão destes na posse do
imóvel. Porém, não se desconstituiu a penhora do imóvel. Há,
portanto, uma aparente contradição entre a tese e a solução dada ao
caso concreto, pois a tese 1, "c", em sua literalidade, conduziria à
desconstituição da penhora sobre o imóvel do promitente vendedor. A
contradição, contudo, é apenas aparente, podendo ser resolvida à luz
da teoria da dualidade da obrigação. Observe-se, inicialmente, que o
promitente comprador não é titular do direito real de propriedade,
tendo apenas direito real de aquisição caso registrado o contrato de
promessa de compra e venda. Desse modo, o condomínio ficaria
impossibilitado de penhorar o imóvel. Restaria, então, penhorar bens
do patrimônio pessoal do promitente comprador. Porém, não é rara a
hipótese em que o comprador esteja adquirindo seu primeiro imóvel e
não possua outros bens penhoráveis, o que conduziria a uma execução
frustrada. Esse resultado não se coaduna com a natureza, tampouco
com finalidade da obrigação propter rem. Quanto à natureza,
é da essência dessa obrigação que ela nasça automaticamente com a
titularidade do direito real e somente se extinga com a extinção do
direito ou a transferência da titularidade, ressalvadas as
prestações vencidas. Como se verifica, não há possibilidade de a
obrigação se extinguir por ato de vontade do titular do direito
real, pois a fonte da obrigação propter rem é a situação
jurídica de direito real, não a manifestação de vontade. Logo, a
simples pactuação de uma promessa de compra e venda não é suficiente
para extinguir a responsabilidade do proprietário pelo pagamento das
despesas de condomínio. De outra parte, quanto à finalidade, a
obrigação propter rem destina-se a manter a conservação da
coisa. Nessa esteira, ao se desconstituir a penhora sobre o imóvel,
o atendimento da finalidade de conservação acaba sendo comprometido,
pois o condomínio passa a depender da incerta possibilidade de
encontrar bens penhoráveis no patrimônio do promitente comprador.
Vale lembrar, ainda, que a mera possibilidade de penhora do imóvel
tem, por si só, o efeito psicológico de desestimular a
inadimplência, de modo que a impossibilidade de penhora geraria o
efeito inverso, atentando contra a finalidade da obrigação
propter rem, que é manter a conservação da coisa. Há
premente necessidade, portanto, de se firmar uma adequada
interpretação da tese firmada pelo rito do art. 543-C do CPC, de
modo a afastar interpretações contrárias à natureza e à finalidade
da obrigação propter rem. Uma interpretação interessante
pode ser obtida com a aplicação da teoria da dualidade do vínculo
obrigacional à hipótese de pluralidade de direitos subjetivos reais
sobre a coisa. Segundo essa teoria, a obrigação se decompõe em
débito (Schuld), o dever de prestar, e responsabilidade
(Haftung), a sujeição do devedor, ou terceiro, à satisfação
da dívida. Aplicando-se essa teoria à obrigação de pagar despesas
condominiais, verifica-se que o débito deve ser imputado a quem se
beneficia dos serviços prestados pelo condomínio, no caso, o
promitente comprador, valendo assim o brocardo latino ubi
commoda, ibi incommoda. Até aqui, não há, a rigor, nenhuma
novidade. A grande diferença é que o proprietário não se desvincula
da obrigação, mantendo-se na condição de responsável pelo pagamento
da dívida, enquanto mantiver a situação jurídica de proprietário do
imóvel. Essa separação entre débito e responsabilidade permite uma
solução mais adequada para a controvérsia, preservando-se a essência
da obrigação propter rem. Restauram-se, desse modo, as
conclusões de um entendimento já trilhado por esta Corte Superior,
em voto proferido pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar no REsp 194.481-SP,
Quarta Turma, DJ 22/3/1999. É certo que esse julgado acabou sendo
superado, ante os questionamentos do Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira nos EREsp 138.389-MG, o que influenciou a jurisprudência
desta Corte a partir de então. Cabe, portanto, enfrentar os
referidos questionamentos. O primeiro diz respeito à possibilidade
de o proprietário do imóvel ficar vinculado à obrigação por longos
anos, caso o promitente comprador não providencie a lavratura da
escritura e o devido registro. Esse questionamento, entretanto, diz
respeito exclusivamente à relação obrigacional estabelecida entre o
proprietário (promitente vendedor) e o promitente comprador, os
quais podem estabelecer prazo para a ultimação do negócio jurídico,
inclusive com fixação de multa. Se não o fazem, deixam aberta a
possibilidade de o negócio jurídico ficar pendente de exaurimento
por longos anos, devendo arcar com as consequências de seus atos. O
outro questionamento diz respeito à possível falta de interesse do
proprietário, ou melhor, "quase ex-proprietário", em contestar a
ação de cobrança de despesas condominiais, uma vez que o interesse
direto seria do promitente comprador, já imitido na posse do imóvel.
Sobre esse ponto, cabe ressaltar que o proprietário do imóvel
responde pelos débitos condominiais com todo o seu patrimônio, não
somente com o imóvel, pois a obrigação propter rem não se
confunde com os direitos reais de garantia. Não se pode afirmar,
portanto, que faltaria interesse ao proprietário em contestar a
demanda, pois correrá o risco de sofrer constrição em seu patrimônio
pessoal, uma vez que dinheiro e depósitos bancários têm preferência
sobre a penhora do imóvel (art. 655, I, do CPC). De outra parte, o
promitente comprador poderá, a qualquer tempo, ingressar na demanda
como assistente litisconsorcial (art. 54 do CPC), para assumir a
defesa de seus interesses. Por último, não restam dúvidas de que,
entre o risco de o condômino inadimplente perder o imóvel e o risco
de a comunidade de condôminos ter que arcar com as despesas da
unidade inadimplente, deve-se privilegiar o interesse coletivo dessa
comunidade em detrimento do interesse individual do condômino
inadimplente. Conclui-se, portanto, que os questionamentos referidos
no EREsp 138.389-MG não obstam a interpretação da tese à luz da
teoria da dualidade da obrigação. REsp 1.442.840-PR, Rel. Min. Paulo de
Tarso Sanseverino, julgado em 6/8/2015, DJe 21/8/2015.
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