Regime jurídico: opção retroativa e transmutação – 1
O Plenário iniciou análise conjunta de duas ações diretas de
inconstitucionalidade, uma proposta pelo Procurador-Geral da República e
a outra pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul, ambas contra os
artigos 6º, caput e seu parágrafo único, e 7º, caput, do ADCT da
Constituição gaúcha (“Art. 6º – É assegurado aos empregados da
ex-Companhia de Energia Elétrica Rio-Grandense o direito de opção
retroativa pelo regime jurídico mais conveniente, unicamente para fins
de contagem de tempo de serviço para aposentadoria. Parágrafo único – Os
eventuais ônus e vantagens decorrentes da retroação prevista neste
artigo correrão por conta das partes envolvidas, obedecidas as condições
aplicadas aos demais empregados da Companhia Estadual de Energia
Elétrica. Art. 7º – São reconhecidos como servidores autárquicos da
então Comissão Estadual de Energia Elétrica todos os empregados
admitidos até 9 de janeiro de 1964 e que não detenham esta condição.
Parágrafo único – A Companhia Estadual de Energia Elétrica terá noventa
dias, a partir da promulgação da Constituição Estadual, para fazer os
ajustes necessários, em cumprimento ao disposto no caput”), bem assim
contra a Lei estadual 9.123/90, que os disciplinara. O Min. Dias
Toffoli, relator, julgou procedentes os pedidos formulados nas ações
diretas, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 6º e 7º do
ADCT e, por arrastamento, da Lei 9.123/90, por ser norma
regulamentadora. A princípio, rememorou a evolução histórica do regime
de trabalho dos empregados da Companhia Estadual de Energia Elétrica –
CEEE, conforme noticiado nas informações prestadas pela Assembleia
Legislativa local. Esclareceu que, em 1943, surgira na estrutura de
Secretaria do Estado-membro, a Comissão de Energia Elétrica, órgão da
administração direta. Com a Lei gaúcha 1.744/52, esta fora constituída
em autarquia e nominada Comissão Estadual de Energia Elétrica.
Atribuiu-se, então, ao diretor-geral desta a competência de “admitir e
contratar os servidores da autarquia” e “autorizar a admissão de pessoal
de obras”. Pelo Decreto 10.466/59, o Governo estadual encampara e
declarara de utilidade pública, para fins de desapropriação,
respectivamente, os contratos de concessão e os bens da empresa privada
Companhia Energia Elétrica Rio-Grandense, cujos empregados foram
absorvidos pela autarquia Comissão Estadual de Energia Elétrica. Após,
adveio a Lei 4.136/61, da unidade federativa, que dispusera sobre a
organização de sociedade por ações de nome Companhia Estadual de Energia
Elétrica, para suceder a citada autarquia. Neste último diploma legal,
estabeleceu-se que a Comissão Estadual de Energia Elétrica seria extinta
no dia do arquivamento, em junta comercial, dos atos constitutivos da
nova sociedade.
ADI 807/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.3.2012. (ADI-807)
ADI 3037/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.3.2012. (ADI-3037)
Regime jurídico: opção retroativa e transmutação – 2
Em seguida, assinalou que o art. 6º do ADCT da Constituição gaúcha
cuidaria dos empregados celetistas da antiga Companhia de Energia
Elétrica Rio-Grandense incorporados pela Comissão Estadual, mediante a
encampação do serviço de fornecimento de energia elétrica. Reputou que o
intuito, no caso, fora modificar de forma retroativa o regime
previdenciário desses empregados encampados, por meio de opção pelo
regime jurídico de aposentadoria mais conveniente. Relativamente ao art.
7º, apontou que este reconhecera como servidores autárquicos da
Comissão ora indicada todos os empregados admitidos até 9.1.64, data em
que os atos constitutivos da Companhia Estadual de Energia Elétrica,
sociedade de economia mista sucessora daquela autarquia, foram
arquivados na junta comercial do Estado. Realçou que a intenção fora
conferir, retroativamente, direitos estatutários aos empregados
admitidos pela então Comissão Estadual de Energia Elétrica como “pessoal
de obras”, naquela ocasião contratados por esta sob regime de direito
privado, e não como servidores estatutários. Ou seja, a admissão desses
empregados ter-se-ia dado na categoria de “pessoal de obras”, regidos
unicamente pela CLT, e não na de servidores autárquicos. Aludiu à
afirmação da Assembleia Legislativa de que haveria “uma distinção entre
os ‘servidores’ e o denominado ‘pessoal de obras’”. No entanto, rejeitou
a assertiva de que os dispositivos possuiriam caráter simplesmente
declaratório de situação preexistente. Assentou que eles promoveriam
verdadeira modificação retroativa do regime jurídico incidente sobre as
relações empregatícias firmadas entre certos funcionários e a sociedade
de economia mista. Frisou que os destinatários dos artigos adversados,
desde o princípio, foram admitidos como celetistas e, desse modo,
incorporados pela CEEE.
ADI 807/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.3.2012. (ADI-807)
ADI 3037/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.3.2012. (ADI-3037)
Regime jurídico: opção retroativa e transmutação – 3
Consignou que, com a edição da Lei 4.136/61, todos os funcionários da
Comissão Estadual de Energia Elétrica — entre eles, os ex-servidores da
Comissão de Energia Elétrica; os servidores do quadro da autarquia; os
empregados admitidos como “pessoal de obras”; e os empregados
transpostos da extinta Companhia de Energia Elétrica Rio-Grandense —
foram realocados, na Companhia Estadual de Energia Elétrica, na condição
de empregados celetistas, sendo assegurados os direitos, as vantagens e
as prerrogativas adquiridos ou em formação, previstos na legislação, na
época, em vigor e nas resoluções do Conselho Estadual de Energia
Elétrica, aprovadas pela autoridade superior (Lei 4.136/61, art. 12).
Logo, a partir de 9.1.64, aqueles funcionários que já eram celetistas —
como os “contratados” e os “encampados”, dos quais tratariam os artigos
6º e 7º do ADCT — assim permaneceriam e aqueles que eram estatutários —
servidores do quadro da autarquia — passariam a ser regidos pelo regime
jurídico privado da CLT. Mencionou, na sequência, diversos arestos de
processos subjetivos, em que pleiteados direitos decorrentes dessas
previsões, nos quais o Supremo teria reconhecido a condição de
empregados celetistas dos servidores da extinta autarquia Comissão
Estadual de Energia Elétrica. Acentuou que, quando da edição da
Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, os empregados da antiga
Companhia de Energia Elétrica Rio-Grandense e o “pessoal de obras” da
também extinta Comissão Estadual de Energia Elétrica admitidos até
9.1.64 não gozavam do status de servidor estatutário, sendo regidos,
desde a sua contratação e igualmente após a conversão da autarquia em
sociedade de economia mista, pela CLT e devendo contribuir, inclusive,
para o Regime Geral de Previdência, pelo qual se aposentaram.
ADI 807/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.3.2012. (ADI-807)
ADI 3037/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.3.2012. (ADI-3037)
Regime jurídico: opção retroativa e transmutação – 4
Ressaltou que, por sua vez, os dispositivos transitórios impugnados,
25 anos depois e após a CF/88, concederiam direito de opção retroativa
(ADCT, art. 6º) e reconheceriam como servidores autárquicos empregados
denominados “pessoal de obras” (ADCT, art. 7º). Citou informação da
Companhia Estadual de Energia Elétrica de que aproximadamente noventa
por cento dos empregados beneficiados pelas normas haveriam demandado e
perdido em juízo. No tocante, salientou que a matéria fora objeto do
Verbete 58 da Súmula do TST (“Ao empregado admitido como ‘Pessoal de
Obras’ em caráter permanente e não amparado pelo regime estatutário
aplica-se a legislação trabalhista”). Apesar disso, a Lei 9.123/90, que
regulamentara os preceitos, em seu art. 6º autorizara o Poder Executivo a
renunciar à prescrição das ações e aos efeitos da coisa julgada.
Ponderou que, portanto, não se trataria de mero ato de reconhecimento,
mas de transmutação de regimes de labor. Aduziu que o art. 173, § 1º, da
Constituição da República, tanto na redação original quanto na oriunda
da EC 19/98, prescreveria que as empresas públicas e as sociedades de
economia mista deveriam sujeitar-se à disciplina das empresas privadas.
Desta feita, se, à época da Carta de 1988, todos os abrangidos pelos
artigos questionados fossem considerados empregados da CEEE e, por
conseguinte, estivessem submetidos aos ditames da CLT, a Constituição
gaúcha não poderia contrariar o Texto Magno com o objetivo de sobre eles
fazer incidir regramento diverso. Avaliou que o constituinte estadual
deferira vantagens estatutárias a servidores celetistas. Destacou que,
conquanto a alteração de regime fosse possível àquela época, não mais
seria admitida sob a égide da atual Constituição, a resultar em ofensa
ao seu art. 173, § 1º, e em afronta à exigência do concurso público
(art. 37, II). Ademais, contemplar como servidores autárquicos aqueles
admitidos até 9.1.64 afrontaria, ainda, os ditames do art. 19 do ADCT da
Constituição Federal, pois esses passariam a gozar de direitos e
prerrogativas próprias do regime jurídico estatutário, como a
estabilidade, não extensiva aos empregados das sociedades de economia
mista. Concluiu que os dispositivos atacados, ao i) atribuir a condição
de servidores autárquicos — no sentido de conferir os mesmos direitos
dos servidores estatutários — a empregados admitidos e sempre havidos
como celetistas de uma sociedade de economia mista; e ao ii)
franquear-lhes o direito de opção, com efeitos retroativos, pelo regime
jurídico estatutário, para fins de aposentadoria, violariam os artigos
37, II, e 173, § 1º, do texto permanente, além do 19 do ADCT, da
Constituição Federal. Após, pediu vista a Min. Rosa Weber.
ADI 807/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.3.2012. (ADI-807)
ADI 3037/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.3.2012. (ADI-3037)
Informativo STF nº656
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