Efeitos de Decisão Transitada em Julgado: Instituição do RJU e Competência – 1
O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto pela
União contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho – TST em que se
discute a justiça competente para, após a instituição do Regime Jurídico
Único dos servidores públicos federais – RJU (Lei 8.112/90), julgar os
efeitos de decisão anteriormente proferida pela Justiça do Trabalho
acobertada pelo trânsito em julgado. Alega a recorrente ofensa aos
artigos 105, I, d, e 114, da CF, em razão da incompetência da Justiça do
Trabalho em relação aos efeitos da execução depois da instituição da
Lei 8.112/90, bem como aos artigos 2º, 5º, II, XXIV, XXXVI, LIV e LV, e
22, I, todos da CF, tendo em vista que a Justiça trabalhista deixara de
reconhecer a invalidade de coisa julgada inconstitucional, relativa à
sentença que considerara devido, aos servidores da Justiça Eleitoral do
Ceará, o reajuste de 84,32% referente ao Plano Collor (março/90).
Sustenta, ainda, que o título judicial seria inexigível, na forma
prevista no § 5º do art. 884 da CLT (“Considera-se inexigível o título
judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais
pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por
incompatíveis com a Constituição Federal.”), porque o Supremo, no
julgamento do MS 21216/DF (DJU de 28.6.91), teria concluído pela
inexistência de direito adquirido ao citado reajuste.
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A Min. Ellen Gracie, relatora, deu provimento ao recurso para declarar a
incompetência da Justiça do Trabalho em relação ao período posterior à
instituição do RJU e reconhecer, em relação ao período anterior, a
inexigibilidade do título executivo judicial, tal como previsto no art.
884, § 5º, da CLT. Examinou, primeiro, a apontada afronta aos artigos
105, I, d, e 114, ambos da CF. Asseverou que, para regulamentar o art.
39 da CF (“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e
planos de carreira para os servidores da administração pública direta,
das autarquias e das fundações públicas.”), teria sido editada a Lei
8.112/90, que instituiu o RJU dos servidores públicos federais, e que,
até a criação deste, em 1º.1.91, o vínculo dos servidores, ora
requeridos, era regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT.
Reportou-se, em seguida, à orientação firmada no julgamento do AI 313149
AgR/DF (DJU de 3.5.2002), no sentido de que a mudança do regime
celetista para o estatutário implica a efetiva extinção do contrato de
trabalho anteriormente firmado entre o servidor e a União, e de diversos
precedentes posteriores no mesmo sentido. Com base nisso, afirmou a
impossibilidade da conjugação dos direitos originados do regime
celetista com os direitos decorrentes da relação estatutária, em
decorrência da inexistência de direito adquirido a regime jurídico,
conforme jurisprudência pacífica da Corte.
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A relatora frisou que, tendo havido a extinção do contrato do trabalho e
não sendo possível aplicar um regime híbrido, seria necessário analisar
a competência dos órgãos jurisdicionais no presente caso em dois
momentos distintos, quais sejam, antes e depois da instituição do RJU.
No que tange às parcelas anteriores ao RJU, reputou ser da Justiça do
Trabalho a competência, na linha de vários precedentes do Supremo. No
que se refere ao direito a vantagens eventualmente surgidas já na
vigência do regime estatutário, entendeu que a competência seria da
Justiça Comum, e citou o que decidido, por exemplo, no AI 367056 AgR/RS
(DJU de 18.5.2007). Constatou que, ao contrário do que decidira a Corte
de origem, não estaria incluída na competência da Justiça do Trabalho,
estabelecida no art. 114 da CF, apreciar os efeitos de sentença
trabalhista em relação ao período posterior à edição da Lei 8.112/90.
Dessa forma, acolheu, neste ponto, a alegação de violação ao art. 114 da
CF.
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Em seqüência, a relatora, diante da existência de parcelas anteriores à
entrada em vigor da Lei 8.112/90, passou a analisar a citada violação ao
art. 5º, XXXVI, da CF. Observou que o exercício absoluto de um direito
fundamental quase sempre não encontraria lugar na complexidade que
emergiria da realidade, e que se reconheceria que, num Estado de
Direito, mesmo os direitos mais caros e indispensáveis a uma determinada
coletividade não poderiam ter seu pleno exercício garantido
incondicionalmente, sob pena de nulificação de outros direitos
igualmente fundamentais. Aduziu que tal reconhecimento seria fruto de
amadurecimento, da evolução social e política de um povo, a demonstrar
valores como o equilíbrio, a ponderação e a eqüidade. Daí, para a
relatora, a utilidade do juízo de proporcionalidade ou de razoabilidade
no exame das normas conformadoras de direitos fundamentais, que deveria
passar pelo crivo dos critérios da adequação, da necessidade e da
proporcionalidade em sentido estrito. Ao se referir ao § 5º do art. 884
da CLT, disse que, no caso sob exame, ter-se-ia, claramente, norma que
viabilizaria a rediscussão de questão que, encerrada em sentença
judicial transitada em julgado, já se encontraria submetida aos efeitos
da coisa julgada. Seria, então, preciso verificar, para fins de
reconhecimento da sua compatibilização com a ordem constitucional
vigente, se a restrição nela contida estaria ou não autorizada pelo art.
5º, XXXVI, da CF. Registrou ser necessário considerar, nessa análise,
que a restrição a direito fundamental constitucionalmente autorizada
seria a estritamente indispensável para evitar o esvaziamento de outro
direito fundamental. No caso, a lei criaria hipóteses nas quais a coisa
julgada seria relativizada, assim como se daria com a ação rescisória,
criada por lei cuja constitucionalidade teria sido reconhecida pelo
Supremo.
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A Min. Ellen Gracie destacou que a harmonização dos dispositivos
constitucionais seria de fundamental importância, haja vista preservar
características formais próprias do Estado de Direito, assegurando a
correta atuação do Poder Público, mediante prévia subordinação a certos
parâmetros ou valores antecipadamente estabelecidos em lei específica e,
sobretudo, a princípios inscritos na própria Constituição. Com isso, o
Poder Público deveria se submeter à ordem normativa do Estado de
Direito, seja possibilitando a sua atuação, garantindo o interesse
coletivo, seja quando atua protegendo os direitos individuais, criando
um verdadeiro obstáculo a sua atuação ilegítima. Considerou que a
criação de determinadas hipóteses em que o indivíduo não pudesse invocar
a existência de coisa julgada teria por fundamento o respeito a outros
dispositivos igualmente constitucionais. Salientou que a nociva
manutenção de decisões divergentes do entendimento firmado por esta
Corte também provocaria grave insegurança jurídica, o que violaria o
art. 5º, XXXVI, da CF. Ademais, a continuidade no pagamento de parcelas
que foram depois consideradas inconstitucionais pelo Supremo também
estaria em confronto com o princípio da isonomia e a própria competência
constitucional desta Corte. A respeito da utilização de instrumentos
que possibilitariam a solução da divergência de decisões que tratassem
de matéria constitucional, reportou-se ao RE 328812 ED/AM (DJE de
2.5.2008), e, ainda, ao RE 198604 EDv-ED/PR (DJE de 22.5.2009), no
sentido de que o Supremo deve evitar a adoção de soluções divergentes,
principalmente em relação a matérias exaustivamente discutidas por seu
Plenário, já que a manutenção de decisões contraditórias comprometeria a
segurança jurídica, por provocar nos jurisdicionados inaceitável dúvida
quanto à adequada interpretação da matéria submetida a esta Corte.
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A relatora ressaltou, além disso, que o Supremo já decidira que a
instituição do regime estatutário tentara por fim às disparidades
existentes entre os servidores e que, além da isonomia, a decisão
recorrida desrespeitaria a própria determinação de criação de um regime
jurídico único para os servidores públicos. Verificou que, por qualquer
dos fundamentos apresentados, a manutenção de parcelas, incorporadas
pelo servidor enquanto celetista, após a sua migração ao regime
estatutário, provocaria um enfraquecimento da força normativa da própria
Constituição. Enfatizou estar-se diante de execução de sentença que
condenara a União a pagar a diferença de correção decorrente da edição
do Plano Collor (84,32%), a partir de abril de 1990, aos servidores
públicos do TRE do Estado do Ceará, reajuste este já declarado
inconstitucional pelo Supremo. Mencionou que o acórdão recorrido
afastara a aplicação do § 5º do art. 884 da CLT ao fundamento de que o
objeto da presente ação não seria a aplicação do IPC de março de 1990,
de 84,32%, para a correção dos salários, mas de extensão dos efeitos da
decisão da Justiça Federal com base no princípio da isonomia, não
estando em discussão a norma em relação a qual o Supremo teria declarado
a inconstitucionalidade. Avaliou que, ainda que por fundamento
transverso, estaria sendo efetivamente aplicada interpretação tida por
inconstitucional por este Tribunal em decorrência da violação ao art.
5º, XXXVI, da CF.
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Acrescentou que a própria aplicação do princípio da isonomia para
extensão de vantagens concedidas a outros servidores também seria vedada
pela jurisprudência deste Supremo, nos termos da Súmula 339 (“Não cabe
ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar
vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.”). Para a
Ministra, o TST, desconsiderando a proporcionalidade existente na norma
legal agora em estudo, teria conferido à coisa julgada um caráter quase
que absoluto, deixando de aplicar o previsto no art. 884, § 5º, da CLT,
o que não se coadunaria com o art. 5º, XXXVI, da CF. Além disso, com a
instituição de um novo regime jurídico, a remuneração do servidor
deveria ser calculada de acordo com a nova previsão legal. Tal
entendimento estaria de acordo com a jurisprudência desta Corte, segundo
a qual não é possível a conjugação de direitos do anterior e do novo
sistema remuneratório, em razão da inexistência de direito adquirido a
regime jurídico, devendo ser aplicada a mesma orientação aos efeitos de
uma decisão judicial que reconhecesse o direito do servidor de receber
determinada parcela remuneratória. Afirmou que, ainda que transitada em
julgado, a sentença não poderia produzir efeitos após a instituição de
um novo regime jurídico, sob pena de se reconhecer a existência de um
regime híbrido, no qual o servidor receberia as vantagens previstas nos
dois sistemas. Assim, concluiu que a decisão judicial somente poderia
produzir efeitos antes da modificação de regime e que, no presente caso,
estar-se-ia permitindo que uma decisão judicial que reconhecera o
direito ao reajuste de março de 1990, de 84,32%, tivesse aplicação sobre
todos os reajustes posteriores, indefinidamente, o que inadmissível.
Após o voto da relatora, que foi acompanhada pelos Ministros Cármen
Lúcia e Ricardo Lewandowski, dos votos dos Ministros Eros Grau, Ayres
Britto e Cezar Peluso, que negavam provimento ao recurso, e do voto do
Min. Marco Aurélio, que também lhe negava provimento e declarava a
inconstitucionalidade do art. 884, § 5º, da CLT, pediu vista dos autos o
Min. Gilmar Mendes, Presidente.
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