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05/05/2010

EFEITOS DE DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO: INSTITUIÇÃO DO RJU E COMPETÊNCIA - 1 A 7

Efeitos de Decisão Transitada em Julgado: Instituição do RJU e Competência – 1
O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto pela União contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho – TST em que se discute a justiça competente para, após a instituição do Regime Jurídico Único dos servidores públicos federais – RJU (Lei 8.112/90), julgar os efeitos de decisão anteriormente proferida pela Justiça do Trabalho acobertada pelo trânsito em julgado. Alega a recorrente ofensa aos artigos 105, I, d, e 114, da CF, em razão da incompetência da Justiça do Trabalho em relação aos efeitos da execução depois da instituição da Lei 8.112/90, bem como aos artigos 2º, 5º, II, XXIV, XXXVI, LIV e LV, e 22, I, todos da CF, tendo em vista que a Justiça trabalhista deixara de reconhecer a invalidade de coisa julgada inconstitucional, relativa à sentença que considerara devido, aos servidores da Justiça Eleitoral do Ceará, o reajuste de 84,32% referente ao Plano Collor (março/90). Sustenta, ainda, que o título judicial seria inexigível, na forma prevista no § 5º do art. 884 da CLT (“Considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.”), porque o Supremo, no julgamento do MS 21216/DF (DJU de 28.6.91), teria concluído pela inexistência de direito adquirido ao citado reajuste.

Efeitos de Decisão Transitada em Julgado: Instituição do RJU e Competência – 2
A Min. Ellen Gracie, relatora, deu provimento ao recurso para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho em relação ao período posterior à instituição do RJU e reconhecer, em relação ao período anterior, a inexigibilidade do título executivo judicial, tal como previsto no art. 884, § 5º, da CLT. Examinou, primeiro, a apontada afronta aos artigos 105, I, d, e 114, ambos da CF. Asseverou que, para regulamentar o art. 39 da CF (“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.”), teria sido editada a Lei 8.112/90, que instituiu o RJU dos servidores públicos federais, e que, até a criação deste, em 1º.1.91, o vínculo dos servidores, ora requeridos, era regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT. Reportou-se, em seguida, à orientação firmada no julgamento do AI 313149 AgR/DF (DJU de 3.5.2002), no sentido de que a mudança do regime celetista para o estatutário implica a efetiva extinção do contrato de trabalho anteriormente firmado entre o servidor e a União, e de diversos precedentes posteriores no mesmo sentido. Com base nisso, afirmou a impossibilidade da conjugação dos direitos originados do regime celetista com os direitos decorrentes da relação estatutária, em decorrência da inexistência de direito adquirido a regime jurídico, conforme jurisprudência pacífica da Corte.

Efeitos de Decisão Transitada em Julgado: Instituição do RJU e Competência – 3

A relatora frisou que, tendo havido a extinção do contrato do trabalho e não sendo possível aplicar um regime híbrido, seria necessário analisar a competência dos órgãos jurisdicionais no presente caso em dois momentos distintos, quais sejam, antes e depois da instituição do RJU. No que tange às parcelas anteriores ao RJU, reputou ser da Justiça do Trabalho a competência, na linha de vários precedentes do Supremo. No que se refere ao direito a vantagens eventualmente surgidas já na vigência do regime estatutário, entendeu que a competência seria da Justiça Comum, e citou o que decidido, por exemplo, no AI 367056 AgR/RS (DJU de 18.5.2007). Constatou que, ao contrário do que decidira a Corte de origem, não estaria incluída na competência da Justiça do Trabalho, estabelecida no art. 114 da CF, apreciar os efeitos de sentença trabalhista em relação ao período posterior à edição da Lei 8.112/90. Dessa forma, acolheu, neste ponto, a alegação de violação ao art. 114 da CF.




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Em seqüência, a relatora, diante da existência de parcelas anteriores à entrada em vigor da Lei 8.112/90, passou a analisar a citada violação ao art. 5º, XXXVI, da CF. Observou que o exercício absoluto de um direito fundamental quase sempre não encontraria lugar na complexidade que emergiria da realidade, e que se reconheceria que, num Estado de Direito, mesmo os direitos mais caros e indispensáveis a uma determinada coletividade não poderiam ter seu pleno exercício garantido incondicionalmente, sob pena de nulificação de outros direitos igualmente fundamentais. Aduziu que tal reconhecimento seria fruto de amadurecimento, da evolução social e política de um povo, a demonstrar valores como o equilíbrio, a ponderação e a eqüidade. Daí, para a relatora, a utilidade do juízo de proporcionalidade ou de razoabilidade no exame das normas conformadoras de direitos fundamentais, que deveria passar pelo crivo dos critérios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Ao se referir ao § 5º do art. 884 da CLT, disse que, no caso sob exame, ter-se-ia, claramente, norma que viabilizaria a rediscussão de questão que, encerrada em sentença judicial transitada em julgado, já se encontraria submetida aos efeitos da coisa julgada. Seria, então, preciso verificar, para fins de reconhecimento da sua compatibilização com a ordem constitucional vigente, se a restrição nela contida estaria ou não autorizada pelo art. 5º, XXXVI, da CF. Registrou ser necessário considerar, nessa análise, que a restrição a direito fundamental constitucionalmente autorizada seria a estritamente indispensável para evitar o esvaziamento de outro direito fundamental. No caso, a lei criaria hipóteses nas quais a coisa julgada seria relativizada, assim como se daria com a ação rescisória, criada por lei cuja constitucionalidade teria sido reconhecida pelo Supremo.



Efeitos de Decisão Transitada em Julgado: Instituição do RJU e Competência – 5

A Min. Ellen Gracie destacou que a harmonização dos dispositivos constitucionais seria de fundamental importância, haja vista preservar características formais próprias do Estado de Direito, assegurando a correta atuação do Poder Público, mediante prévia subordinação a certos parâmetros ou valores antecipadamente estabelecidos em lei específica e, sobretudo, a princípios inscritos na própria Constituição. Com isso, o Poder Público deveria se submeter à ordem normativa do Estado de Direito, seja possibilitando a sua atuação, garantindo o interesse coletivo, seja quando atua protegendo os direitos individuais, criando um verdadeiro obstáculo a sua atuação ilegítima. Considerou que a criação de determinadas hipóteses em que o indivíduo não pudesse invocar a existência de coisa julgada teria por fundamento o respeito a outros dispositivos igualmente constitucionais. Salientou que a nociva manutenção de decisões divergentes do entendimento firmado por esta Corte também provocaria grave insegurança jurídica, o que violaria o art. 5º, XXXVI, da CF. Ademais, a continuidade no pagamento de parcelas que foram depois consideradas inconstitucionais pelo Supremo também estaria em confronto com o princípio da isonomia e a própria competência constitucional desta Corte. A respeito da utilização de instrumentos que possibilitariam a solução da divergência de decisões que tratassem de matéria constitucional, reportou-se ao RE 328812 ED/AM (DJE de 2.5.2008), e, ainda, ao RE 198604 EDv-ED/PR (DJE de 22.5.2009), no sentido de que o Supremo deve evitar a adoção de soluções divergentes, principalmente em relação a matérias exaustivamente discutidas por seu Plenário, já que a manutenção de decisões contraditórias comprometeria a segurança jurídica, por provocar nos jurisdicionados inaceitável dúvida quanto à adequada interpretação da matéria submetida a esta Corte.


Efeitos de Decisão Transitada em Julgado: Instituição do RJU e Competência – 6

A relatora ressaltou, além disso, que o Supremo já decidira que a instituição do regime estatutário tentara por fim às disparidades existentes entre os servidores e que, além da isonomia, a decisão recorrida desrespeitaria a própria determinação de criação de um regime jurídico único para os servidores públicos. Verificou que, por qualquer dos fundamentos apresentados, a manutenção de parcelas, incorporadas pelo servidor enquanto celetista, após a sua migração ao regime estatutário, provocaria um enfraquecimento da força normativa da própria Constituição. Enfatizou estar-se diante de execução de sentença que condenara a União a pagar a diferença de correção decorrente da edição do Plano Collor (84,32%), a partir de abril de 1990, aos servidores públicos do TRE do Estado do Ceará, reajuste este já declarado inconstitucional pelo Supremo. Mencionou que o acórdão recorrido afastara a aplicação do § 5º do art. 884 da CLT ao fundamento de que o objeto da presente ação não seria a aplicação do IPC de março de 1990, de 84,32%, para a correção dos salários, mas de extensão dos efeitos da decisão da Justiça Federal com base no princípio da isonomia, não estando em discussão a norma em relação a qual o Supremo teria declarado a inconstitucionalidade. Avaliou que, ainda que por fundamento transverso, estaria sendo efetivamente aplicada interpretação tida por inconstitucional por este Tribunal em decorrência da violação ao art. 5º, XXXVI, da CF.



Efeitos de Decisão Transitada em Julgado: Instituição do RJU e Competência – 7

Acrescentou que a própria aplicação do princípio da isonomia para extensão de vantagens concedidas a outros servidores também seria vedada pela jurisprudência deste Supremo, nos termos da Súmula 339 (“Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.”). Para a Ministra, o TST, desconsiderando a proporcionalidade existente na norma legal agora em estudo, teria conferido à coisa julgada um caráter quase que absoluto, deixando de aplicar o previsto no art. 884, § 5º, da CLT, o que não se coadunaria com o art. 5º, XXXVI, da CF. Além disso, com a instituição de um novo regime jurídico, a remuneração do servidor deveria ser calculada de acordo com a nova previsão legal. Tal entendimento estaria de acordo com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual não é possível a conjugação de direitos do anterior e do novo sistema remuneratório, em razão da inexistência de direito adquirido a regime jurídico, devendo ser aplicada a mesma orientação aos efeitos de uma decisão judicial que reconhecesse o direito do servidor de receber determinada parcela remuneratória. Afirmou que, ainda que transitada em julgado, a sentença não poderia produzir efeitos após a instituição de um novo regime jurídico, sob pena de se reconhecer a existência de um regime híbrido, no qual o servidor receberia as vantagens previstas nos dois sistemas. Assim, concluiu que a decisão judicial somente poderia produzir efeitos antes da modificação de regime e que, no presente caso, estar-se-ia permitindo que uma decisão judicial que reconhecera o direito ao reajuste de março de 1990, de 84,32%, tivesse aplicação sobre todos os reajustes posteriores, indefinidamente, o que inadmissível. Após o voto da relatora, que foi acompanhada pelos Ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, dos votos dos Ministros Eros Grau, Ayres Britto e Cezar Peluso, que negavam provimento ao recurso, e do voto do Min. Marco Aurélio, que também lhe negava provimento e declarava a inconstitucionalidade do art. 884, § 5º, da CLT, pediu vista dos autos o Min. Gilmar Mendes, Presidente.


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