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04/02/2019

REGIME JURÍDICO: OPÇÃO RETROATIVA E TRANSMUTAÇÃO – 3

Regime jurídico: opção retroativa e transmutação – 3 

O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 6º, parágrafo único, e 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição (ADCT) do estado do Rio Grande do Sul e contra a Lei estadual 9.123/1990, que os regulamenta.

O art. 6º do ADCT estadual assegura aos empregados da ex-Companhia de Energia Elétrica Rio-Grandense (CEERG) o direito de optar retroativamente pelo regime jurídico mais favorável, apenas para fins de contagem de tempo de serviço para a aposentadoria. Já o art. 7º reconhece como servidores autárquicos da então Comissão Estadual de Energia Elétrica (CEEE) todos os empregados admitidos até 9 de janeiro de 1964 não detentores dessa condição.

O Colegiado entendeu que os dispositivos impugnados não modificaram de forma retroativa o regime jurídico do pessoal de obras ou dos trabalhadores encampados oriundos da CEERG, mas apenas revestiram de segurança jurídica situação regulada pelo art. 12 da Lei estadual 4.136/1961 (1), preexistente à Constituição Federal de 1988 (CF/1988). Esse diploma legal garantiu que fossem incorporados aos contratos de trabalho dos então funcionários da CEEE os direitos relativos ao regime funcional anterior, aplicado até janeiro de 1964, quando a autarquia foi convertida em sociedade de economia mista.

O Plenário, inicialmente, afirmou, mediante análise cronológica das alterações da natureza jurídica e do quadro de pessoal da CEEE, estar diante de uma situação complexa consolidada há décadas. Em seguida, afastou as apontadas inconstitucionalidades.

Para isso, considerou inexistir violação do art. 22, I (2), da CF/1988, haja vista que as normas atacadas se revestem de natureza administrativa, o que afasta a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho. Elas tratam de regulamentação da relação jurídica mantida entre a administração pública e seus funcionários antes mesmo da conversão do regime jurídico.

Ressaltou, ainda, que os empregados ex-autárquicos da CEEE, sujeitos ao regime celetista, aposentam-se pelo Regime Geral da Previdência. Em sua maioria, as controvérsias examinadas pela Justiça do Trabalho dizem respeito às diferenças de complementação de aposentadoria, tendo por escopo a incorporação de direitos relativos aos servidores autárquicos, como, por exemplo, a aplicação da Lei 3.096/1956, que garante a paridade entre proventos e vencimentos dos servidores em atividade.

Da mesma forma, não vislumbrou a citada ofensa ao art. 61, § 1º, II, c (3), da CF/1988, porque não usurpada a iniciativa do chefe do Poder Executivo para dispor sobre servidores públicos e seu regime jurídico. O poder constituinte estadual conferiu natureza constitucional à normatização da relação jurídica preexistente à transformação da natureza jurídica da CEEE dentro dos limites de auto-organização conferidos pelo art. 25 da CF/1988.

O Colegiado rejeitou, também, o suposto desrespeito aos arts. 37, II (4), e 173, § 1º (5), da CF/1988, haja vista a incolumidade do princípio do concurso público. Não se trata de ingresso originário no serviço público na vigência da CF/1988. Trata-se de trabalhadores que prestaram serviço até 9 de janeiro de 1964, período muito anterior à Constituição Federal vigente.

Por fim, afastou a alegada incompatibilidade entre a Lei estadual 9.123/1990 e o art. 5º, XXXVI, da CF/1988, em razão da jurisprudência da Corte no sentido de que a autoridade da coisa julgada, nas relações jurídicas de trato continuado, opera sob a cláusula rebus sic stantibus. O reconhecimento da condição de ex-autárquicos aos antigos trabalhadores da CEEE, pela Assembleia Constituinte do Estado do Rio Grande do Sul, como medida endereçada a dirimir controvérsias e a assegurar igualdade entre empregados na mesma situação, constitui elemento suficiente para delimitar os efeitos de coisa julgada formada em sentido contrário.

Vencidos os ministros Dias Toffoli (relator), Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, que julgavam procedentes as ações por reputar violados os arts. 37, II, 173, § 1º, da CF/1988 e o art. 19 do ADCT (6).

Para eles, a intenção dos dispositivos impugnados foi a de conferir retroativamente direitos estatutários aos empregados admitidos pela então CEEE como pessoal de obras, contratados à época pela autarquia já sob regime de direito privado, e não como servidores estatutários.

(1) Lei 4.136/1961: “Art. 12. Os atuais servidores autárquicos da Comissão Estadual de Energia Elétrica, compreendendo os do quadro e os contratados, inclusive os não enquadrados, dos serviços encampados de eletricidade de Porto Alegre e de Canoas, passarão a ser empregados da Companhia, respeitados integralmente os seus direitos, vantagens e prerrogativas, já adquiridos ou em formação, previstos na legislação em vigor e nas resoluções do Conselho Estadual de Energia Elétrica, aprovadas pela autoridade superior. (...) § 4º Qualquer direito, vantagem ou prerrogativa, não contido no Estatuto do Funcionário Público Civil do Estado, porém a ele acrescido em virtude de lei posterior será estendido aos atuais servidores autárquicos acima referidos. ”
(2) CF/1988: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; ”
(3) CF/1988: “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...) II – disponham sobre: (...) c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; ”
(4) CF/1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”
(5) CF/1988: “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (...)”
(6) ADCT: “Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público. ”


ADI 807/RS, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgamento em 7.2.2019. (ADI-807)
ADI 3037/RS, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgamento em 7.2.2019. (ADI-3037)
Informativo STF nº929

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