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12/10/2017

CRIME DE PECULATO EM CONTINUIDADE DELITIVA. TABELIÃO. AUSÊNCIA DE REPASSE DE VERBAS DESTINADAS AO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO DO JUDICIÁRIO ESTADUAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA.

A ação penal que apura a prática de crime de peculato de quantia de natureza sui generis com estreita derivação tributária, por suposta apropriação, por Tabelião, de valores públicos pertencentes a Fundo de Desenvolvimento do Judiciário deve ser suspensa enquanto o débito estiver pendente de deliberação na esfera administrativa em razão de parcelamento perante a Procuradoria do Estado. Em breve delineamento fático, registre-se que o impetrante foi denunciado pela prática do crime de peculato doloso em continuidade delitiva (arts. 312 c/c 71 do CP), em face de suposta apropriação de valores públicos pertencentes ao Fundo de Desenvolvimento do Judiciário – FDJ, durante período em que exerceu a titularidade de Tabelião de Serventia Extrajudicial. Cabe salientar, ainda, que tais valores foram posteriormente parcelados junto à Administração, sendo a dívida parcialmente adimplida. Diante desse contexto, a principal insurgência trazida no habeas corpus impetrado pelo acusado consiste na falta de justa causa necessária ao prosseguimento da ação penal, porquanto a ausência de individualização de sua conduta no sentido de se apropriar de verbas públicas compromete a tipificação do delito como peculato. Sustenta, ademais, que o parcelamento da quantia perante a Procuradoria do Estado – considerando a sua natureza tributária – resulta na suspensão de sua exigibilidade. Inicialmente, importa ressaltar, da análise da Lei Estadual n. 9.278/2009 (responsável por enumerar as receitas que compõem o referido fundo), que os valores discutidos possuem patente natureza sui generis, porém, guardam estreita derivação tributária, ainda que parcialmente, uma vez que inexiste qualquer previsão acerca de quais verbas submetidas ao rol do art. 3º da aludida lei estariam sob responsabilidade de repasse do Tabelião, inviabilizando, com isso, melhor definição quanto a sua natureza jurídica. Desta feita, a despeito de a conduta analisada não se amoldar a crime contra a ordem tributária (Lei n. 8.137/1990) – pois se trata de agente equiparado à funcionário público (art. 327 do CP) –, de certo que o débito originário do ilícito penal é composto por quantias das mais variadas naturezas, dentre as quais se incluem as de origem tributária. Deve-se alertar, ainda, que os bens jurídicos tutelados pelo peculato são o interesse público moral e patrimonial da Administração Pública alinhando-se à probidade administrativa. Nos crimes contra a ordem tributária, por seu turno, a despeito da inexistência de consenso doutrinário, tutela-se a política socioeconômica do Estado de forma ampla. Nessa linha de raciocínio, também não se desconhece que os precedentes firmados pela Sexta Turma do STJ (v.g. HC 239.127-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior) consagram a orientação de que não há óbice à persecução penal nas hipóteses que envolvem lesão afeta a diversos bens jurídicos tutelados – o que, em princípio, se amoldaria a conduta estabelecida no art. 312 do CP. Todavia, necessária a aplicação do distinguishing para afastar a subsunção do caso em exame aos precedentes desta Corte Superior. Isso porque, na presente hipótese, o delito pressupõe um crédito tributário, ainda pendente de deliberação na seara administrativa. De mais a mais, a imputação penal em exame deve se submeter à mesma ratio que deu origem ao verbete n. 24 de súmula vinculante do STF – segundo o qual “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo” –, já que os fatos narrados na inaugural acusatória pressupõem a apropriação de valores de natureza sui generis, porém, com substancial carga tributária, possibilitando, inclusive, o parcelamento do débito perante a Administração. Diante desse cenário, enquanto pendente de deliberação na esfera administrativa o referido débito – frise-se, in casu, composto por valores que também têm origem tributária –, não poderá ser imputado ao impetrante o fato típico descrito na denúncia, considerando o viés de ultima ratio do Direito Penal no ordenamento jurídico. RHC 75.768-RN, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, por maioria, julgado em 15/8/2017, DJe 11/9/2017.

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