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21/12/2015

DIREITO PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E ENVIO À INSTÂNCIA ESPECIAL DE DIÁLOGO ENVOLVENDO TERCEIRO NÃO INVESTIGADO DETENTOR DE PRERROGATIVA DE FORO.



Durante interceptação telefônica deferida em primeiro grau de jurisdição, a captação fortuita de diálogos mantidos por autoridade com prerrogativa de foro não impõe, por si só, a remessa imediata dos autos ao Tribunal competente para processar e julgar a referida autoridade, sem que antes se avalie a idoneidade e a suficiência dos dados colhidos para se firmar o convencimento acerca do possível envolvimento do detentor de prerrogativa de foro com a prática de crime. De fato, uma simples conversa, um encontro casual ou mesmo sinais claros de amizade e contatos frequentes de indivíduo sob investigação com uma autoridade pública não pode, por si só, redundar na conclusão de que esta última participaria do esquema criminoso objeto da investigação. Nem mesmo a referência a favores pessoais, a contatos com terceiros, a negociações suspeitas implica, de per si, a inarredável conclusão de que se está diante de práticas criminosas merecedoras de imediata apuração, notadamente quando um dos interlocutores integra um dos Poderes da República e, portanto, pode ter sua honorabilidade e imagem pública manchadas pela simples notícia de que está sob investigação. Isto é: aquilo que se imagina ser uma prerrogativa e uma proteção ao agente político, a depender da situação, pode converter-se em precipitada conclusão tendenciosa e nefasta ao patrimônio moral da autoridade. Dito de modo mais específico, a simples captação de diálogos de quem detém foro especial com alguém que está sendo investigado por práticas ilícitas não pode conduzir, tão logo surjam conversas suspeitas, à conclusão de que a referida autoridade é participante da atividade criminosa investigada ou de outro delito qualquer, sendo mister um mínimo de avaliação quanto à idoneidade e à suficiência de dados para desencadear o procedimento esperado da autoridade judiciária responsável pela investigação. Em verdade, há de se ter certo cuidado para não se extraírem conclusões precipitadas ante a escuta fortuita de conversas. Em certos casos, a existência de proximidade espúria da autoridade pública com as pessoas investigadas somente vai ganhando contornos na medida em que a investigação se aprofunda, sem que seja possível ao magistrado delimitar, incontinenti, a ocorrência dessa relação. Isso se justifica pela própria natureza da interceptação telefônica, que, ao monitorar diretamente a comunicação verbal entre pessoas, necessariamente acaba por envolver terceiros, em regra não investigados, no campo de sua abrangência. E, somente com a continuidade por determinado período das interceptações, afigura-se concreta a possibilidade de serem alcançados resultados mais concludentes sobre o conteúdo das conversas interceptadas, uma vez que apenas os olhos de um observador futuro - munido do conjunto de informações já coletadas, de modo que permitam a análise conjunta e organizada de todas as conversas - podem enxergar, com clareza e foco preciso, o que um apressado e contemporâneo observador, provido de diálogos desconexos e linearmente apresentados, terá dificuldades para perceber. Nessa linha intelectiva, a remessa imediata de toda e qualquer investigação em que noticiada a possível prática delitiva de detentor de prerrogativa de foro ao órgão jurisdicional competente não só pode implicar prejuízo à investigação de fatos de particular e notório interesse público, como também representar sobrecarga acentuada aos tribunais, a par de, eventualmente, engendrar prematuras suspeitas sobre pessoa cujas honorabilidade e respeitabilidade perante a opinião pública são determinantes para a continuidade e o êxito de sua carreira. De outro lado, não tem sido hábito dos tribunais pátrios extrair conclusões tão rígidas de atrasos de atos processuais expressamente previstos em lei, inclusive aqueles para os quais se prevejam prazos para sua prática. Ao contrário, até mesmo quando há desrespeito aos prazos procedimentais em processos envolvendo réus presos, é consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de não ser reconhecido o constrangimento ilegal, ante critérios de razoabilidade, sobretudo quando se cuida de processos ou investigações com particular complexidade, envolvendo vários réus ou investigados. Portanto, é possível afirmar que, tão somente em um claro contexto fático do qual se possa com segurança depreender, a partir dos diálogos dos investigados com pessoa detentora de foro especial, que há indícios concretos de envolvimento dessa pessoa com a prática de crime(s), será imperativo o envio dos elementos de informação ao tribunal competente. De mais a mais, a lei não estabelece prazo peremptório para o envio dos elementos de prova obtidos por meio da interceptação telefônica. HC 307.152-GO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 19/11/2015, DJe 15/12/2015.

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