Parecer prévio por comissão mista e tramitação de novas medidas provisórias –1
A emissão de parecer, relativamente a medidas provisórias, por comissão
mista de deputados e senadores antes do exame, em sessão separada, pelo
plenário de cada uma das casas do Congresso Nacional (CF, art. 62, § 9º)
configura fase de observância obrigatória no processo constitucional de
conversão dessa espécie normativa em lei ordinária. Com base nesse
entendimento e tendo em conta razões de segurança jurídica para a
manutenção dos diplomas legais já editados com esse vício de tramitação,
o Tribunal acolheu questão de ordem, suscitada pelo Advogado-Geral da
União, para alterar o dispositivo do acórdão da presente ação direta
apreciada em assentada anterior. Ato contínuo, em votação majoritária,
julgou improcedente o pleito formulado, mas declarou, incidentalmente,
com eficácia ex nunc, a inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e
6º, §§ 1º e 2º, da Resolução 1/2002, do Congresso Nacional [“Art. 5º A
Comissão terá o prazo improrrogável de 14 (quatorze) dias, contado da
publicação da Medida Provisória no Diário Oficial da União para emitir
parecer único, manifestando-se sobre a matéria, em itens separados,
quanto aos aspectos constitucional, inclusive sobre os pressupostos de
relevância e urgência, de mérito, de adequação financeira e orçamentária
e sobre o cumprimento da exigência prevista no § 1º do art. 2º. … Art.
6º A Câmara dos Deputados fará publicar em avulsos e no Diário da Câmara
dos Deputados o parecer da Comissão Mista e, a seguir, dispensado o
interstício de publicação, a Medida Provisória será examinada por aquela
Casa, que, para concluir os seus trabalhos, terá até o 28º (vigésimo
oitavo) dia de vigência da Medida Provisória, contado da sua publicação
no Diário Oficial da União. § 1º Esgotado o prazo previsto no caput do
art. 5º, o processo será encaminhado à Câmara dos Deputados, que passará
a examinar a Medida Provisória. § 2º Na hipótese do § 1º, a Comissão
Mista, se for o caso, proferirá, pelo Relator ou Relator Revisor
designados, o parecer no plenário da Câmara dos Deputados, podendo
estes, se necessário, solicitar para isso o prazo até a sessão ordinária
seguinte”].
ADI 4029/DF, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012. (ADI-4029)
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Tratava-se, no caso, de ação direta ajuizada, pela Associação Nacional
dos Servidores do Ibama – Asibama nacional, contra a Lei federal
11.516/2007 — originada da Medida Provisória 366/2007 —, que dispõe
sobre a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade – ICMBio; altera diversos diplomas legais; revoga
dispositivos; e dá outras providências. Em preliminar, assentou-se a
legitimidade ativa ad causam da requerente e destacou-se, no ponto, a
importância da participação da sociedade civil organizada em âmbito de
controle abstrato de constitucionalidade, a caracterizar pluralização do
debate. Em seguida, reafirmou-se a sindicabilidade jurisdicional, em
hipóteses excepcionais, dos pressupostos constitucionais de relevância e
urgência necessários à edição de medidas provisórias. Asseverou-se que
essa fiscalização deveria ser feita com parcimônia, haja vista a
presença, consoante sublinhado pelo Min. Gilmar Mendes, de um elemento
de política, a demandar verificação pelo próprio Poder Executivo. O Min.
Ayres Britto salientou que um fato do mundo do ser, que legitimaria a
edição da medida provisória, consubstanciaria urgência e relevância tais
que o autor da norma, ao avaliar esse fato, não poderia aguardar o
curso de um projeto de lei, mesmo classificado como urgente. Aduziu que,
na situação em comento, esses requisitos estariam configurados, visto
que, em matéria de meio ambiente, tenderia a concluir que tudo seria
urgente e relevante pela qualificação dada pela Constituição.
ADI 4029/DF, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012. (ADI-4029)
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A Min. Rosa Weber, por sua vez, não vislumbrou abuso na atuação do
Presidente da República. A Min. Cármen Lúcia advertiu sobre a
impossibilidade de substituição, na via judicial, do que designado como
urgente pelo Chefe do Executivo. Também considerou que a busca da maior
eficiência e eficácia na execução de ações de política nacional de
unidades de conservação, proposição, implantação, gestão, proteção,
fiscalização e monitoramento dessas enquadrar-se-ia na exigência
constitucional. O Min. Ricardo Lewandowski assinalou que o STF deveria
averiguar, cum grano salis, os requisitos legitimadores para a edição de
medidas provisórias, porquanto diriam respeito à vontade política de
caráter discricionário dos atos de governo. Na mesma linha, registrou
que, no tocante ao meio ambiente, o tema seria sempre urgente. O Min.
Marco Aurélio, consignou, outrossim, que os conceitos em tela possuiriam
textura aberta e que, ante a degradação do meio ambiente, a disciplina
de qualquer instrumento, visando a minimizá-la, freá-la, mostrar-se-ia
relevante e urgente. O Min. Celso de Mello, de igual modo, ao enfatizar a
exposição de motivos da norma, afirmou o atendimento dos pressupostos.
De outro lado, os Ministros Luiz Fux, relator, e Cezar Peluso,
Presidente, reputavam não atendido o requisito da urgência, pois as
atribuições conferidas à autarquia recém-criada não teriam sido por ela
imediatamente realizadas, mas sim pelo Ibama.
ADI 4029/DF, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012. (ADI-4029)
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No que se refere à alegação de ofensa ao art. 62, § 9º, da CF,
realçou-se que a comissão mista exigida pelo preceito fora constituída,
entretanto, não houvera quórum para a votação, motivo pelo qual seu
relator, nos termos da mencionada Resolução 1/2002, emitira parecer
sobre a medida provisória diretamente ao plenário. Ressurtiu-se que o
descumprimento desse dispositivo constitucional seria prática comum, a
configurar, nos dizeres do Min. Gilmar Mendes, direito costumeiro
inconstitucional. A Min. Rosa Weber ponderou que todo o regramento
relativo às medidas provisórias, pela sua excepcionalidade, mereceria
interpretação restritiva. Nesse mesmo diapasão, votaram os Ministros
Ayres Britto e Cármen Lúcia, a qual aludiu que a espécie normativa em
foco seria utilizada como expediente para a inclusão de matérias a ela
estranhas. Acrescentou que, para a criação de autarquias, necessário lei
específica, contudo, a transgressão ao art. 62, § 9º, da CF seria
bastante para a declaração de inconstitucionalidade formal. O Min. Marco
Aurélio dessumiu que o devido processo legislativo seria essencial à
valia do ato, cujo defeito na tramitação contaminaria a lei de
conversão.
ADI 4029/DF, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012. (ADI-4029)
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Nesse contexto, o Min. Celso de Mello reputou inexistir possibilidade de
substituição da vontade colegiada pela manifestação unipessoal de
relator, normalmente vinculado à maioria dominante no parlamento, para
que não houvesse o parecer da comissão mista. Mencionou que eventual
obstrução por parte da minoria faria parte do processo democrático na
formulação de leis e que a Constituição resolveria o impasse. Além
disso, a competência do Presidente da República para editar medidas
provisórias não seria afetada, dado que, diante da transitividade da
norma, ela deixaria a esfera do Chefe do Executivo e passaria a se
submeter ao controle parlamentar. Alfim, o artigo constitucional
cuidaria de fase insuprimível do processo de conversão. O Min. Ricardo
Lewandowski, a seu turno, explicitou que as medidas provisórias seriam
instrumentos que o Poder Executivo teria, no mundo globalizado, para
responder, com rapidez, aos desafios que surgiriam cotidianamente, em
especial, em tempos de crise econômica. Ademais, observou que a
resolução pretenderia evitar manobras que impedissem o exame das medidas
provisórias em tempo hábil com o intuito de não perderem a eficácia,
assim como envolveria matéria interna corporis. Arrematou inexistir
óbice à fixação de prazo para o pronunciamento da comissão mista e
acresceu que a interpretação restritiva conferida subtrairia do
Presidente da República mecanismo para interferir na realidade social e
econômica.
ADI 4029/DF, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012. (ADI-4029)
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No que atine à não emissão de parecer pela comissão mista, ressaiu-se
que seria temerário admitir que as leis derivadas de conversão de medida
provisória em desrespeito ao disposto no art. 62, § 9º, da CF fossem
expurgadas, com efeitos retroativos, do ordenamento jurídico. Em
consequência, declarou-se a inconstitucionalidade da Lei 11.516/2007,
sem pronúncia de nulidade, pelo prazo de 24 meses, a fim de garantir a
continuidade da autarquia. Quanto à inconstitucionalidade material, o
Min. Luiz Fux rechaçou a assertiva de que a criação do ICMBio
enfraqueceria a proteção ao meio ambiente. Concluiu que não caberia a
esta Corte discutir a implementação de políticas públicas, seja por não
dispor de conhecimento necessário para o sucesso de um modelo de gestão
ambiental, seja por não ser a sede idealizada pela Constituição para o
debate em torno do assunto. Em suma, ao levar em consideração os
fundamentos expostos, o Colegiado, por maioria, na assentada de
7.3.2012, julgou parcialmente procedente o pedido requerido na ação
direta, com modulação da eficácia, contra os votos dos Ministros Ricardo
Lewandowski, que o reputava improcedente, e Marco Aurélio, que o
acolhia na íntegra.
ADI 4029/DF, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012. (ADI-4029)
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Ocorre que, no dia seguinte, a Advocacia-Geral da União formulara
questão de ordem no sentido de que o Supremo estabelecesse prazo de
sorte a permitir que o Congresso Nacional adaptasse o processo
legislativo de tramitação das medidas provisórias à nova decisão, haja
vista o elevado número de medidas provisórias convertidas em lei.
Acatou-se sugestão do relator segundo a qual a orientação fixada pelo
Tribunal deveria ser aplicada, de imediato, às novas medidas
provisórias, com ressalva das que já tramitaram e das que estariam em
curso. Destacou-se despicienda a outorga do lapso solicitado pela AGU,
pois esta Corte teria sinalizado, incidentalmente, a
inconstitucionalidade dos preceitos da Resolução 1/2002, que
autorizariam a atuação monocrática do relator da comissão mista. O
Presidente acenou que, doravante, a Casa Legislativa teria liberdade
para obedecer ao art. 62, § 9º, da CF, sem a observância daquele
diploma, o qual não mais vigeria. Diante disso, o Min. Gilmar Mendes
propugnou pela mudança da proclamação do resultado do julgamento, com a
improcedência do pleito, uma vez que se estaria assentando a
inconstitucionalidade a partir de momento futuro. A Min. Cármen Lúcia
ressaltou que a solução proposta valeria para os Poderes Judiciário e
Legislativo e que, dessa forma, manter-se-ia o ICMBio sem a necessidade
da convalidação fixada na assentada anterior. Vencidos o Presidente e o
Min. Marco Aurélio, que julgavam procedente a pretensão pelos motivos
expostos.
ADI 4029/DF, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012. (ADI-4029)
Informativo STF nº657
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